Como o jogo mais bonito ficou tão feio
Miguel Poiares Maduro foi presidente do Comité de Governação da FIFA, criado em 2011 para reformar e reforçar a transparência deste organismo que tutela o futebol a nível mundial. O ex-ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional entrou para a FIFA no início de 2016, no rescaldo da saída de Joseph Blatter, na sequência de vários casos de corrupção. Cerca de um ano depois, Maduro saiu afirmando que este organismo "não está preparado para um escrutínio independente". "De pouco servirá apanhar algumas maçãs podres se a árvore que as produz continuar de pé", alerta nesta reflexão. (...)

Como o jogo mais bonito ficou tão feio
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.062
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Miguel Poiares Maduro foi presidente do Comité de Governação da FIFA, criado em 2011 para reformar e reforçar a transparência deste organismo que tutela o futebol a nível mundial. O ex-ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional entrou para a FIFA no início de 2016, no rescaldo da saída de Joseph Blatter, na sequência de vários casos de corrupção. Cerca de um ano depois, Maduro saiu afirmando que este organismo "não está preparado para um escrutínio independente". "De pouco servirá apanhar algumas maçãs podres se a árvore que as produz continuar de pé", alerta nesta reflexão.
TEXTO: A semana que passou foi a mais triste da história do meu clube. É impossível descrever a vergonha e tristeza que senti com as agressões perpetradas por adeptos contra atletas e técnicos do Sporting. Nos últimos dias tive oportunidade de exprimir o que sinto sobre o que se passou. Este texto não é (apenas) sobre isso. É sobre a cultura que o promove e a abordagem pública e cívica que o tem tolerado. Esta não é a primeira vez que a violência desportiva se manifesta. Já tivemos adeptos mortos (ainda recentemente). Já tivemos invasões de estádios e centros de treino. E as ameaças a atletas e árbitros são uma constante dentro e fora dos estádios. A diferença, neste caso, é o contexto em que ocorreu e a relação estabelecida com o comportamento de um presidente. A cobertura mediática que se seguiu obrigou responsáveis desportivos e políticos a pronunciar-se: dizem-nos agora que o futebol tem um problema e esse problema chama-se “violência no desporto”. Infelizmente, no entanto, a violência é apenas a manifestação mais extrema de uma doença profunda que ocupa o “corpo” do futebol há bastante tempo. Os sintomas têm-se multiplicado. Campeonatos do mundo atribuídos através de votos comprados; jogos viciados através da compra de jogadores ou árbitros; doping organizado e, nalguns casos, promovido por Estados; evasão fiscal; lavagem de dinheiro; e até funcionários judiciais corrompidos por agentes desportivos. Estes são alguns exemplos de processos judiciais que envolvem atualmente o futebol. Dos EUA à França, passando por Portugal, organismos de investigação criminal e magistrados têm tornado público uma pequena parcela do lado sujo daquele que durante tantos anos pensámos ser o jogo mais bonito. Mas a expressão criminal é apenas o estado mais avançado da doença ética e moral que domina a cultura do futebol. A multiplicação destes casos evidencia um problema sistémico que necessita de uma resposta sistémica. Por um breve momento, depois de as investigações criminais americanas terem removido alguns dos líderes da FIFA em finais de 2015, pareceu possível que o próprio futebol encontrasse essa resposta. Fiz parte desse esforço, ao liderar o novo comité de governação da FIFA por um breve período. Tínhamos a responsabilidade de promover o processo de reforma e implementar princípios de boa governação e integridade. Sabíamos que não seria fácil mudar uma cultura profundamente enraizada e procurámos ser graduais e pedagógicos. Mas não aceitámos derrogar dos princípios cuja promoção e proteção nos tinha sido confiada e, muito menos, como nos apercebemos ser prática estabelecida no futebol, fazer uma aplicação seletiva das regras consoante quem estivesse em causa. Quer eu, quer os meus colegas já tornámos público alguns dos problemas que enfrentámos. Com a Confederação Asiática, porque não tolerámos eleições que discriminavam contra as mulheres. Com a Confederação Africana, porque fomos forçados a intervir face a fortes suspeitas de viciação eleitoral. Dois de vários exemplos possíveis ao mais alto nível. A tensão atingiu um ponto de ruptura quando o próprio presidente da FIFA procurou forçar-nos a considerar elegível para o conselho da FIFA o vice-primeiro-ministro da Rússia (recentemente considerado responsável de doping de Estado), em clara violação da regra que impõe aos dirigentes do futebol neutralidade face aos governos. Foram poucos meses, mas intensos. A conclusão a que cheguei com os meus colegas: o futebol não se reformará a si mesmo. A sucessão de casos judiciais que afectam o futebol tem levado muitos a falar da perda da sua inocência. Infelizmente, o futebol já não é inocente há muito tempo. Clubes e federações começaram como associações amadoras (gentlemen clubs na expressão inglesa original). Desde então, o futebol transformou-se numa das mais importantes atividades económicas e sociais sem que o seu modelo e cultura de governo tenham evoluído muito. É como procurar instalar um software novo num velho computador. É difícil medir com precisão o peso do futebol no PIB, mas um estudo recente indicava como sendo 3, 5% do PIB europeu. Algumas das empresas que mais têm crescido no Top 500 das maiores multinacionais são empresas desportivas. A FIFA é, ela mesma, uma enorme multinacional. A audiência de um Campeonato do Mundo ronda os 40 mil milhões de pessoas e só as receitas televisivas do mundial podem chegar aos 5 mil milhões de euros. Imagine este enorme mercado, noutro sector económico, sujeito ao monopólio de uma empresa. Junte a isso a atribuição, a essa empresa, do poder de decidir que outras empresas podem aceder e ter parcelas desse mercado, as regras a que ficam sujeitas, quem as pode dirigir, como e quando funcionam, e até os “tribunais” que decidirão os litígios que as envolvam. Inconcebível? É esse o caso do futebol. Uma das atividades de maior relevância económica e social está nas mãos de uma organização privada, praticamente isenta de escrutínio público. Isto não podia dar bom resultado. Aquilo que as autoridades judiciais têm vindo a revelar ou acontecimentos públicos como os desta semana tornam evidente que estamos perante uma cultura bem mais profunda, que não é objeto de escrutínio externo. Tal como no domínio da política, o risco é o de, em vez de discutirmos e reformarmos esta cultura, nos limitarmos a tratar estas questões como patologias criminais. Quando estes comportamentos são tão frequentes, eles não são, infelizmente, patologias. São antes reveladores da identidade do sistema. Os comportamentos criminais têm de ser tratados nos tribunais, mas, a montante desses comportamentos, está uma cultura de governo do futebol que promove e protege esses comportamentos (tornando, inclusive, mais difícil a sua investigação). Esta situação também afeta a integridade do futebol muito para lá da dimensão criminal. De pouco servirá apanhar algumas maçãs podres se a árvore que as produz continuar de pé. Na origem dos problemas do futebol está uma enorme concentração de poder sem mecanismos independentes de controlo e fiscalização. A consequência é uma cultura frequentemente autoritária, pouco transparente, permeada de conflitos de interesse e onde a aplicação das regras é seletiva, o contrário de uma comunidade de direito (onde todos devem estar sujeitos, de forma igual, às mesmas regras). Desde os clubes até à FIFA é comum a permanência no poder por períodos que fariam morrer de inveja muitos ditadores. Os últimos presidentes da FIFA exerceram o poder durante 24 anos (Havelange) e 17 anos (Blatter). Blatter só saiu quando “forçado” a tal por uma investigação criminal norte-americana. Já a investigação tinha atingido o coração da sua liderança e Blatter foi reeleito em congresso, por larga maioria. Nos nossos clubes de futebol, Jorge Nuno Pinto da Costa exerce o poder há 36 anos e Luís Filipe Vieira há 15 anos. Tivesse Bruno de Carvalho sido menos explícito nos seus instintos e poderia, provavelmente, aspirar a igual percurso. A alternância no poder é praticamente inexistente no futebol. E onde são introduzidas regras de limitação de mandatos ou estas são ignoradas ou transformadas numa rotatividade apenas aparente: sempre os mesmos alternando nas posições que ocupam ou organizando a sua própria sucessão. . . O que mais explica a consolidação do poder é a pouca representatividade e rotatividade do universo eleitoral do futebol, associada, paradoxalmente, à sua aparente fragmentação. O mundo do futebol é um clube fechado. Divide-se entre os insiders e os outsiders e ninguém “entra” sem “autorização” da casta dirigente. Ao mesmo tempo, o carácter fragmentado e difuso do poder das associações e federações (cada uma com poder igual, independentemente da sua representatividade) promove a concentração do poder e permite uma fácil captura desses diferentes agentes pela casta detentora do poder. Invocando uma representatividade da base para o topo (das associações até à FIFA passando pelas federações e confederações) o poder do futebol é, no entanto, exercido do topo para a base (através dos favores e influencia distribuída pelas autoridades do futebol ao longo da cadeia de poder). O futebol é, na prática, um cartel político. Mesmo existindo no seu seio pessoas extremamente competentes, pouco podem fazer para mudar a sua cultura de governo perante este cartel político. Vários altos dirigentes me reconheceram que nada podem fazer ou dizer sob pena de eles (e os seus países e clubes) sofrerem retaliações. Esta estrutura de poder é depois, frequentemente, reproduzida a nível nacional. Quem obtém o poder obtém o poder absoluto. Richard Pound (um dos mais respeitados dirigentes mundiais do desporto e dos poucos que promoveram a sua reforma com a criação da agência independente para o doping) defende que um dos maiores problemas na organização desportiva é a total concentração de poder no presidente. O conceito de separação de poderes é estranho ao mundo do desporto. O presidente, uma vez assumido o poder, concentra, de forma direta ou indireta, praticamente todas as funções. É assim na FIFA como é assim no Benfica, Porto ou Sporting. Vários projetos de reforma da governação desportiva têm frisado a importância de as atividades comerciais, administrativas ou de gestão estarem separadas da direção política. Isto é necessário para evitar quer o risco de conflitos de interesse na gestão e atribuição de contratos, quer a apropriação de fundos ou a sua distribuição para fins de manutenção do próprio poder. A razão pela qual os presidentes da FIFA ou confederações têm vindo a multiplicar as competições desportivas, mesmo quando desportivamente pode não fazer sentido, é porque necessitam de mais dinheiro para alimentar a clientela política (e económica) que sustenta o seu poder. Esta ausência de separação de poderes e responsabilização política é patente nos congressos da FIFA ou confederações. Não há intervenções dos delegados e muito menos vozes dissonantes. As votações são dignas da Coreia do Norte. Tão ou mais importante é a circunstância de os órgãos desportivos disciplinares, arbitrais e “judiciais” estarem na dependência do poder político do futebol. Desde logo, por serem muitas vezes compostos por pessoas provenientes ou (mesmo) exercendo funções nos organismos do futebol que eles mesmos são supostos controlar. Tal circunstância impede um efetivo escrutínio interno e uma aplicação independente e isenta das regras. São inúmeros os casos de aplicação seletiva das regras, consoante os interesses do poder político do futebol. A independência destes órgãos é também afetada por outros fatores: não têm staff próprio (funcionando, frequentemente, na dependência da administração e poder político que é sua responsabilidade controlar); a sua permanência em funções depende quase sempre de uma decisão política (por outras palavras, aqueles que os titulares destes órgãos devem escrutinar são os mesmos que depois decidem o destino desses titulares. . . ); e não é habitual estarem sujeitos a períodos de “nojo” depois do exercício de funções, sendo frequente ver pessoas que exerceram funções neste órgãos ir a seguir trabalhar para associações ou clubes sobre quem antes tomaram decisões. Não pretendo com isto fazer um juízo negativo sobre todos aqueles que exercem estes cargos no futebol, da mesma forma que a existência de ameaças à independência da magistratura num Estado não coloca em causa a honorabilidade de todos os juízes desse Estado. Estes serão, seguramente, os primeiros interessados em proteger a sua credibilidade e independência. As regras de uma instituição não se substituem à ética e integridade daqueles que nela exerçam funções. Servem, no entanto, precisamente para proteger os que as exercem com ética e integridade e excluir os que não o pretendam fazer dessa forma. Acresce que as decisões destes órgãos não são, em regra, recorríveis para os tribunais comuns, mas sim para sistemas de arbitragem, cuja independência e credibilidade é também ela fortemente contestada. No topo desta pirâmide está o CAS (Tribunal Arbitral do Desporto). Neste, a maioria dos seus membros continuam a ser indicados de forma pouco transparente e através de um conselho dominado pelas próprias federações desportivas. Acresce que a motivação das suas decisões é publicada de forma seletiva e sem aparentes critérios objetivos. A conformidade deste sistema com o princípio do acesso à justiça será, aliás, brevemente julgada num processo perante o tribunal constitucional alemão. Os conflitos de interesse são generalizados e atravessam toda a atividade do futebol. Eles são de tal forma comuns que foram, frequentemente, institucionalizados e não se questionam. Como mencionei, existem na acumulação de diferentes cargos dirigentes, passados e futuros, permitindo, por exemplo, que regulador e regulado sejam frequentemente o mesmo. Outro fenómeno corrente é a presença, por exemplo no comité de desenvolvimento da FIFA (que determina a distribuição de centenas de milhões de euros), de pessoas com interesses económicos que podem vir a beneficiar das decisões desse comité. Foi por isso que, com os meus colegas do comité de governação, tinha suscitado a necessidade de um registo de interesses e um processo de recusa dessas decisões. Mas estes problemas não se limitam aos órgãos de governo do futebol. São conhecidos os conflitos de interesse em que é exercida a atividade dos agentes do futebol, por exemplo na própria gestão da carreira de um jogador ou na relação entre essa atividade e outros interesses económicos (incluindo com e em clubes de futebol). São também crescentes os casos de concentração numa mesma pessoa ou empresa da propriedade ou domínio económico e desportivo sobre diferentes clubes de futebol que podem competir entre si ou influenciar a competição com outros clubes. Os conflitos de interesse são também comuns entre presidentes de clubes e entre estes e outros interesses económicos e desportivos. Em Portugal, por exemplo, é considerado normal clubes contratarem jogadores apenas para serem emprestados a outros clubes como forma de ganhar influência sobre estes últimos. É igualmente frequente que aqueles que decidem sobre o jogo tenham conflitos de interesses não declarados com alguns dos participantes no jogo. Esta é, na sua dimensão desportiva, uma forma institucionalizada de influenciar o próprio jogo. Numa atividade em que a dimensão subjetiva, na prática do jogo ou na sua avaliação arbitral ou disciplinar, é tão forte tornou-se natural (ainda que não ético) procurar influenciar o jogo através dessa dimensão: vamos “colocar os nossos” em posições de influência. Não é necessário existir corrupção, basta existir conflito de interesses para que o enviesamento seja possível e a integridade do jogo fique em causa. Estes conflitos de interesse estendem-se à relação com a política. Os políticos não estão proibidos de ter outros interesses. Devem poder amar o jogo. Mas enquanto estão na política não devem poder estar no futebol. Para a política estar em posição de garantir a necessária supervisão e escrutínio público sobre o futebol não pode misturar-se (e muito menos confundir-se) com ele. Curiosamente, os próprios estatutos da FIFA impõem essa separação e neutralidade, mas, mais uma vez, são aplicados de forma seletiva. A FIFA não hesita em ameaçar excluir das suas competições um Estado em que os tribunais intervenham para repor a legalidade numa federação, mas, quando lhe convém, aceita que os seus órgãos e os das suas federações estejam cheios de titulares de cargos políticos. Ainda mais surpreendente é a cumplicidade do sistema político, mesmo em democracias e Estados de direito consolidados. Um dos casos com que lidámos no comité de governação dizia respeito a um deputado do Parlamento Europeu proposto para um comité da FIFA. Surpreendeu-me que o próprio Parlamento não considerasse tal cargo incompatível. O que mais impressiona em tudo isto é a normalidade com que se vive e se aceita esta cultura, assente num conflito de interesses sistémico, gerador de uma profunda falta de integridade. Ao cartel político que controla o poder juntam-se as falhas do modelo de governação que poderia limitar e escrutinar tal poder. Tudo reforçado pela pouca capacitação de muitos dos agentes desportivos. Esta é a cultura que conhecem e determina a sua escala de valores e padrões de comportamento. Quando o mundo em que se “nasce” e se tem sucesso funciona de acordo com certas “regras”, não se questionam as regras, mas quem não tem sucesso com elas. Para uma grande maioria dos agentes do futebol, não existe um problema no seu mundo, são os outros que não o percebem. Ainda esta semana Platini reconheceu (desvalorizando, “porque os outros também o fazem”) que a França tinha adulterado o sorteio do Campeonato do Mundo que venceu, em 1998. Para ele, tratou-se de uma pequena vigarice num mundo de grandes vigarices. A normalidade com que contou este episódio diz tudo sobre a cultura dominante no futebol. Há, naturalmente, pessoas sérias e competentes no futebol, mas, como em qualquer outro cartel, mesmo os que desejariam ser diferentes, para sobreviver, não podem colocar em causa a cultura em que vivem. Estes problemas têm vindo a agravar-se por três razões. Primeiro, as transformações mediáticas e digitais têm mudado a natureza do discurso público, amplificando os conflitos e a violência verbal. A cultura dominante do futebol não mudou, mas tornou-se mais visível e agressiva. Ao mesmo tempo, num mundo mediático, as pressões e influências também se exercem por via comunicacional. O futebol não é hoje mais sujo do que há 20 ou 30 anos. Mas a sujidade é hoje usada, sem vergonha, como arma comunicacional de influência sobre o lado subjetivo do jogo. Em Portugal, esta dimensão é exacerbada pela importância e número de canais noticiosos que, perante fortes constrangimentos financeiros, têm no modelo dos “debates-espetáculo” um programa de baixo custo e boas audiências. Segundo, o aumento do negócio do futebol, sem correspondente aumento dos instrumentos de escrutínio e controlo, gerou ainda mais incentivos para comportamentos pouco éticos e criminosos. Um exemplo óbvio é o impacto do jogo e apostas online. Terceiro, as novas regras financeiras e dos direitos televisivos têm agravado o diferencial competitivo entre clubes. Nas ligas pequenas e médias (como a portuguesa), o clube (ou clubes) que tenha acesso à Liga dos Campeões beneficia de uma enorme vantagem competitiva (em termos financeiros). Isto gera incentivos perversos para conseguir obter essa vantagem decisiva. E, uma vez obtida, o risco de ela se autoalimentar e consolidar é enorme. Está demonstrado que, com a crise do sistema financeiro, os clubes perderam a “garantia implícita” de sobrevivência que lhes vinha de um acesso fácil ao crédito bancário. Hoje, tal já não existe. As falências de clubes, algo muito raro ou inexistente até recentemente, tornaram-se possíveis. As regras de fair play financeiro foram introduzidas para responder a este problema, mas têm, ao mesmo tempo, agravado o diferencial competitivo entre clubes. Campeonatos desequilibrados reforçam também os incentivos perversos e a probabilidade de influência dos clubes grandes sobre os clubes mais pequenos, seja através da distribuição de poder político, seja através de apoio financeiro, mais ou menos transparente, oferecido a esses clubes ou aos seus atletas. A ausência de mecanismos eficazes de redistribuição dos ganhos do futebol entre clubes e entre ligas reduz assim a competitividade, criando, ao mesmo tempo, incentivos adicionais à corrupção. A minha conclusão e de outros responsáveis (vejam-se, por exemplo, relatórios recentes do Conselho da Europa ou do Parlamento britânico) é de que o futebol será incapaz de reformar a sua própria cultura. Isto não quer dizer que, dentro do futebol, não existam pessoas com a competência e até vontade de empreender reformas. No entanto, o cartel político que o domina e o conflito de interesses sistémico em que assenta impedem que isso aconteça. Qualquer liderança política do futebol que tentasse seriamente reformá-lo seria rapidamente substituída. Essa liderança depende precisamente daqueles que deveria reformar. . . A verdadeira mudança sistémica só acontecerá se imposta de fora. Eis algumas propostas concretas para mudar o modelo de governo do futebol:• Obrigações acrescidas de transparência, financeira e de governação, e criação de registo de interesses;• Proibição de acumulação de quaisquer funções políticas com funções no futebol;• Órgãos de controlo e supervisão genuinamente independentes. A garantia desta independência exigiria, nomeadamente: mandatos mais longos e não renováveis; controlo da sua independência no início do mandato e proibição, após o termo de funções, em trabalhar durante três anos para qualquer entidade do futebol que tenha estado sob a sua jurisdição; um gabinete e administração própria e autónoma;• O aumento da credibilidade e independência dos processos de decisão e governo do futebol legitimaria, por sua vez, uma muito maior exigência na punição do uso de linguagem violenta por parte dos agentes do futebol;• Limitação dos mandatos (incluindo para presidentes de clubes);• Processo de avaliação da integridade e incompatibilidades dos dirigentes do futebol;• Sistema independente de avaliação de conflitos de interesse para dirigentes, mas também para agentes e proprietários de clubes;• Criação de códigos de ética aplicáveis a todos os agentes desportivos;• Alargamento da capacidade eleitoral nas eleições para os órgãos das associações e confederações, nomeadamente através da representação de adeptos e a obrigatoriedade de uma maior representação de mulheres (combatendo a profunda discriminação que existe no futebol e contribuindo, ao mesmo tempo, para romper o cartel político atual);• Controlo independente da integridade dos processos eleitorais e do financiamento das campanhas (por exemplo, uma campanha para a FIFA custa mais de um milhão de euros e ninguém sabe quem, e com que motivação, as financia);• Redistribuição financeira entre clubes para aumentar a competitividade e reduzir os incentivos à corrupção e aos conflitos de interesse (esta redistribuição pode estar associada a formas de tributação — por exemplo das transferências — ou a uma centralização dos direitos televisivos; esta última já acontece nalgumas ligas e na Liga dos Campeões, mas, neste último caso, o modelo de redistribuição não promove a competitividade, pelo contrário, violando, na minha opinião, a decisão da Comissão Europeia que o autorizou). Estas reformas deveriam ser introduzidas (na medida em que sejam aplicáveis) a todos os níveis do futebol, da FIFA aos clubes. Boa parte delas podem, naturalmente, ser voluntariamente adotadas pelas próprias organizações desportivas. Pelas razões que mencionei, a probabilidade de que isso aconteça é, no entanto, praticamente nula. A tentativa de o fazer na FIFA fracassou. Também não o vejo suceder a nível local. Não porque Fernando Gomes ou Pedro Proença não fossem favoráveis (não conhecendo, em detalhe, o seu pensamento sobre estes temas, acredito que são pessoas sérias e têm consciência destes problemas) mas porque os clubes e associações de que dependem vivem na (e da) cultura de futebol que é contrária a estas mudanças. É por esta razões que, quer eu, quer os meus ex-colegas do comité de governação da FIFA, quer os relatores do Conselho da Europa, temos defendido que é fundamental uma intervenção externa sobre o mundo do futebol. Não para tomar conta do futebol, mas para garantir que os seus organismos e agentes atuam de acordo com certos princípios fundamentais de boa governação. Defendemos, nomeadamente, a criação de uma agência europeia independente que desenvolva esses princípios e supervisione a sua aplicação. Nenhum Estado tem o poder, sozinho, para conseguir regular as organizações transnacionais do desporto. A FIFA ameaçará seguramente de exclusão o Estado que o procure fazer. Mas já não o fará com a União Europeia, que representa 28 Estados. O equilíbrio de poder altera-se. Este é um domínio em que a UE pode demonstrar o seu valor acrescentado, impondo algum escrutínio público sobre uma área isenta de qualquer regulação séria neste momento. O ideal seria o modelo de regulação nacional corresponder a este modelo transnacional. Nada impede, aliás, que algumas destas reformas sejam já introduzidas a nível nacional. O mesmo nos clubes. Acho que o meu clube, o Sporting, deveria transformar esta profunda crise numa oportunidade de repensar o seu modelo de governação, seja na limitação do poder presidencial, nos instrumentos de controlo e separação de poderes, ou na introdução de mecanismos de supervisão interna de integridade, conflitos de interesse e compliance. Com isso virá, também, acredito, um prazer pelo jogo que esteja mais associado à nossa vitória do que a derrota dos outros. Num jogo, a vitória conta e como. Mas, no futebol português, aconteceu uma perversão: o prazer da vitória parece depender sobretudo da derrota que se impõe aos outros. . . No Sporting sempre nos afirmámos diferentes e por vezes associámos a nossa dificuldade em vencer a essa diferença. Será terrível se descobrirmos que afinal nem ganhamos tanto nem somos assim tão diferentes. Temos de ter vontade de ganhar, mas começar a ganhar sendo genuinamente diferentes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Milhares de milhões de pessoas amam o futebol. E, no entanto, não têm nenhum poder efetivo sobre o seu governo. Enquanto tal acontecer, e ninguém agir em seu nome, o futebol irá continuar a ficar cada vez mais feio. Diretor da School of Transnational Governance, European University Institute, Ex-Presidente do Comité de Governação da FIFA. O autor escreve segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA UE
A guerra que mudou o mundo
A Grande Guerra mudou o mundo e as suas consequências ainda hoje se fazem sentir. Quando as tropas marcharam para o conflito, em Agosto de 1914, ninguém imaginou que não viesse passar o Natal a casa. Enganaram-se redondamente. A guerra arrastou-se no tempo e alastrou a vários continentes. Foi a primeira guerra industrial e de massas. Nas negociações da paz, o debate político e diplomático era sobre “as responsabilidades”. E entre os vitoriosos não havia dúvida: a responsabilidade era da Alemanha. Uma reflexão sobre o mundo que saiu da Grande Guerra, 100 anos depois do Armistício. (...)

A guerra que mudou o mundo
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Grande Guerra mudou o mundo e as suas consequências ainda hoje se fazem sentir. Quando as tropas marcharam para o conflito, em Agosto de 1914, ninguém imaginou que não viesse passar o Natal a casa. Enganaram-se redondamente. A guerra arrastou-se no tempo e alastrou a vários continentes. Foi a primeira guerra industrial e de massas. Nas negociações da paz, o debate político e diplomático era sobre “as responsabilidades”. E entre os vitoriosos não havia dúvida: a responsabilidade era da Alemanha. Uma reflexão sobre o mundo que saiu da Grande Guerra, 100 anos depois do Armistício.
TEXTO: Faz hoje cem anos. A 11 de Novembro de 1918, era assinado o Armistício que punha fim àquela que todos chamavam a Grande Guerra. Tinha começado quatro anos e meio antes, a 28 de Junho de 1914, quando um nacionalista sérvio, Gravrilo Princip, assassinara o herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, o arquiduque Francisco Fernando, na ponte velha da pequena cidade de Sarajevo. A Europa ficou chocada, mas talvez não fosse motivo para preocupação. Afinal, não era o primeiro e não seria o último dos assassinatos políticos. Eram sempre uma comoção interna, mas nunca tinham tido repercussão internacional. Jamais se imaginou que tal pudesse desencadear uma crise e muito menos um conflito à escala mundial. Porém, o clima de nacionalismo exacerbado, a teia de acordos secretos entre as potências europeias e uma sucessão de acontecimentos mal entendidos conduziu, em pouco mais de um mês, a uma guerra generalizada. Quando as tropas marcharam para a guerra, em Agosto de 1914, todos pensaram que esta guerra seria como as outras: limitada no tempo, no espaço, nos meios e nas consequências. De um lado e de outro dos beligerantes — potências centrais e aliados — ninguém imaginou que não viesse passar o Natal a casa. Enganaram-se redondamente: políticos e diplomatas, generais e soldados e a própria população civil. A guerra não foi curta no tempo: foi longa e durou mais quatro anos e meio. Não foi circunscrita na geografia: na procura de mais forças e novas alianças, a guerra alargou-se das grandes potências beligerantes à periferia europeia, aos territórios coloniais e teve repercussões no Médio e Extremo Oriente. Os Estados Unidos, na tradição da doutrina Monroe, entenderam ficar afastados das questões europeias. Mas em 1917 a guerra submarina alemã ataca um navio mercante no Atlântico, pondo em causa os interesses comerciais americanos e a liberdade nos mares. A Alemanha, por outro lado, incita o México a invadir os Estados Unidos. E estes dois simples acontecimentos foram o bastante para mudar a posição americana. Os Estados Unidos entraram em guerra em 1917 e desequilibraram, definitivamente, a balança estratégica a favor dos aliados. A guerra também não seria limitada nos meios. E por uma simples razão: porque não era uma guerra, apenas, entre exércitos; era uma guerra ente nações. Uma guerra que mobilizou, bem entendido, milhões de soldados e as tecnologias militares mais avançadas. Mas que mobilizou muito mais do que isso, nações inteiras. A economia, a sociedade e a opinião pública, tudo se organiza em função da guerra: a indústria para a produção do armamento; os transportes para a mobilização das tropas; o mercado de trabalho que, com os homens na frente de batalha, se abre às mulheres; a propaganda para moralizar as tropas, mobilizar as opiniões públicas e legitimar o esforço de guerra. O Estado cresce com as novas funções: planeia, organiza, intervém, onde jamais pensara intervir. Os governos reforçam os mecanismos de controlo sobre a economia e a sociedade. É a grande guerra das nações e a primeira guerra industrial e de massas. Militares e civis estão todos em guerra. É essa a lógica da guerra total. As consequências, essas, foram devastadoras. Os números não conseguem traduzir o horror: 10 milhões de soldados mortos, 20 milhões de feridos e mutilados, milhares de civis mortos durante o conflito, vítimas da fome da epidemia ou da violência. E, claro, o colapso de três impérios: o alemão, o austro-húngaro e o otomano. A Grande Guerra mudou o mundo e as suas consequências ainda hoje se fazem sentir. Dos tratados de paz surgiram novas ideias, uma nova geografia política e uma nova ordem internacional. Muitas das fronteiras na Europa e no Médio Oriente são, ainda hoje, o resultado dos acordos de paz do pós-Primeira Guerra. Do colapso dos grandes impérios autocráticos e multinacionais, agora reduzidos nas suas fronteiras, nasceu uma pluralidade de Estados com nomes nunca vistos, como Jugoslávia ou Iraque. Uns, nos Balcãs, cujas fronteiras correspondiam a pequenas nacionalidades, outros, no Médio Oriente, em que as fronteiras não correspondiam nem às nações nem às confissões religiosas. Não sabemos ao certo o que teria acontecido se o destino tivesse sido outro, mas o que sabemos é que desde então a violência dos nacionalismos étnicos ou dos fundamentalismos religiosos não deixou de fazer vítimas e espalhar o horror. Nas negociações da paz, o grande debate político e diplomático era sobre “as responsabilidades” da guerra. E entre as potências vitoriosas não havia dúvida: a responsabilidade era da Alemanha. Apesar da moderação americana do Presidente Wilson, britânicos e, sobretudo, franceses, tinham um só objectivo: a Alemanha tinha de pagar. Tinha de pagar e pagou. Reduzida nas suas fronteiras, mutilada no seu território e obrigada ao pagamento de pesadas reparações e indemnizações de guerra. Numa palavra, politicamente, “humilhada”. O resultado político do tratado de paz e as penalidades impostas à Alemanha foram sentidas por muitos alemães como ilegítimas e rapidamente apelidadas como Diktat. Estava aberto o caminho para esse terrível problema que por vezes surge na vida das pessoas como das nações e que se chama “ressentimento”. Quando Adolf Hitler surge e promete acabar com o Diktat, contava já com esse poderoso aliado. Mas o ressentimento não funcionou apenas entre os derrotados. Funcionou também entre os vitoriosos, insatisfeitos com a sua vitória. Foi o caso da Itália, que nunca obteve, à mesa das negociações, as conquistas territoriais que achava corresponderem ao seu esforço de guerra e a que, entendia, tinha direito. Ora, foi em boa medida esse mesmo ressentimento que ajudou Benito Mussolini a chegar ao poder, em 1922. A guerra deixou marca também na Rússia czarista. Ainda em plena guerra e por causa da guerra, a revolução russa de 1917 depõe o império dos czares e funda um regime de tipo novo: a União Soviética. Obrigada a uma paz separada e mutilada no seu território, instaura um regime comunista que abre um conflito ideológico e político que marcará todo o século XX: para uns, entre o capitalismo e o socialismo, para outros, entre o totalitarismo e a democracia. Uma coisa é certa, só a falência do comunismo, a queda do império soviético e o fim da Guerra Fria puseram termo a este conflito que a Grande Guerra tinha aberto. A herança foi pesada no Médio Oriente. Das ruínas do vasto império otomano nasceu no pós-guerra uma Turquia minguada, moderna e laica. Mas desde 1916 que a França e a Grã-Bretanha tinham dividido a região em zonas de influência: grosso modo, a Síria e o Líbano para a França; a Jordânia e o Iraque para a Grã-Bretanha. À boa maneira imperialista, as fronteiras traçadas para os despojos pós-otomanos eram arbitrárias e correspondiam mais aos interesses das potências europeias do que às realidades locais. Ainda hoje são causa de instabilidade, conflito e guerra. Mas pior do que isso, logo em 1915, os britânicos prometem aos guardiões do lugar santo de Meca a independência para os árabes, em troca de uma aliança na luta contra o Império Otomano. E, em 1917, a célebre declaração Balfour promete, precisamente, o contrário para os judeus: uma pátria na Palestina. De então para cá, sionismo e nacionalismo árabe não mais pararam de se combater e o conflito israelo-árabe está longe de ter um fim. Mas os efeitos da guerra chegaram ao Extremo Oriente. Ambas as potências asiáticas, China e Japão, lutaram ao lado dos aliados. E ambas saíram insatisfeitas com a paz e desiludidas com o Ocidente. Seguiram, contudo, caminhos diferentes. O Japão, sentindo-se maltratado pelas “potências brancas”, quis introduzir uma cláusula de igualdade racial na declaração da Sociedade da Nações. O Presidente Wilson, oriundo do Sul dos Estados Unidos, sabia que uma tal cláusula jamais passaria no Congresso, pondo em perigo a ratificação americana da Sociedade das Nações. Recusou liminarmente, no que foi apoiado pelos europeus. Esta recusa ocidental foi vista como humilhação e pretexto para o desenvolvimento do imperialismo e do militarismo japonês de que o episódio final seria o ataque à base norte-americana de Pearl Harbour, em plena II Guerra Mundial, a 7 de Dezembro de 1941. Por seu lado, a China tinha uma outra pretensão: o território sob controlo alemão na província de Shandong, ao sul de Pequim. As potências ocidentais negaram também tal pretensão. E pior do que isso entregaram-na, temporariamente até 1922, ao Japão como mecanismo compensatório da recusa da cláusula racial. O resultado não foi só o agravamento da rivalidade entre as duas potências asiáticas. Foi também o afastamento dos nacionalistas chineses em relação ao Ocidente e o princípio da influência de um novo modelo vindo da União Soviética. O Partido Comunista Chinês é fundado em 1920 e muitos dos desiludidos com o desfecho da paz e a democracia ocidental, em 1919, aderiram ao partido. Anos mais tarde, Mao Tsetung iniciava a longa marcha, triunfante em 1949. A China comunista ainda hoje aí está. O teatro central da guerra foi a Europa, mas os impérios coloniais das potências europeias foram arrastados pelo vórtice do conflito. Nos domínios de povoamento britânico como o Canadá, a Austrália, Nova Zelândia ou a África do Sul, a participação na guerra foi vista como pertença à “família britânica”, mas ao mesmo tempo como força e afirmação nacional. Nas colónias, a mobilização política e a participação militar das populações não europeias, africanas ou asiáticas no esforço de guerra dos respectivos impérios foi fundamental na formação das elites independentistas e dos futuros movimentos anticoloniais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas, como é obvio, o essencial passava-se entre a Europa e os Estados Unidos. Ou, dito de outro modo, entre o declínio da Europa e a ascensão dos Estados Unidos. A Grande Guerra enfraqueceu a confiança da Europa em si própria e reforçou o excepcionalismo americano, no sentido em que os Estados Unidos se viam como diferentes e melhores que o resto do mundo. Antes da guerra, a Europa era o centro do mundo, depois da guerra, os europeus descobriram que o centro se deslocara para os Estado Unidos. A Europa estava economicamente devastada e politicamente balcanizada. A América era agora o país mais industrializado, o que tinha o maior stock de ouro, a moeda mais forte e era o maior credor a nível mundial. A grande praça financeira mudara-se para o outro lado do Atlântico: de Londres para Nova Iorque, e a moeda de referência internacional deixara de ser a libra para passar a ser o dólar. Mas a hegemonia económica tinha agora uma tradução política e militar. Os Estados Unidos eram a grande potência emergente e a nova ordem internacional foi uma ideia sua e em particular do Presidente Woodrow Wilson. Contra a velha diplomacia secreta que acreditava ter levado à guerra, propunha uma diplomacia aberta que deveria ser pública e institucionalizada numa organização internacional. A guerra ficaria fora da lei e os Estados comprometiam-se com a resolução pacífica dos conflitos. A Sociedade das Nações foi essa primeira tentativa de uma organização especificamente destinada a garantir a segurança internacional e a paz. Não teve sucesso, mas a ideia perdurou e a sua sucessora — a Organização das Nações Unidas — aí continua. Claro que houve uma outra consequência, essa mais negra e quiçá menos visível: a brutalização das sociedades, na expressão de George L. Mosse — a exposição à violência quotidiana, ao sofrimento extremo e à banalização da morte. Brutalização de que talvez o absurdo da poesia Dada ou pesadelo da pintura surrealista sejam ao mesmo tempo a melhor expressão e a forma de a exorcizar.
REFERÊNCIAS:
Étnia Árabes
Genética sugere que nós e os neandertais nos reproduzimos várias vezes
Temos um pouco de neandertal no nosso ADN. Terá resultado de um único encontro da nossa espécie com os neandertais? Não, dois cientistas dos EUA defendem que esse encontro ocorreu muitas vezes. (...)

Genética sugere que nós e os neandertais nos reproduzimos várias vezes
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Temos um pouco de neandertal no nosso ADN. Terá resultado de um único encontro da nossa espécie com os neandertais? Não, dois cientistas dos EUA defendem que esse encontro ocorreu muitas vezes.
TEXTO: Ainda falta saber muito sobre a relação da nossa espécie – Homo sapiens – com os neandertais, outro grupo de humanos. Ou melhor: ainda há muitos mistérios sobre as relações que os humanos modernos tiveram com os neandertais. Afinal, num estudo publicado na última edição da revista científica Nature Ecology & Evolution, dois cientistas dos Estados Unidos defendem que os neandertais e os humanos anatomicamente modernos se cruzaram – ou seja, reproduziram-se – várias vezes ao longo de dez mil anos. Se hoje os humanos modernos estão praticamente em todo o planeta, há menos de 100 mil anos estavam confinados a África. Nessa altura, já os neandertais e os denisovanos (outros humanos) habitavam o Oeste e o Leste da Eurásia, respectivamente. “Quando grupos de humanos anatomicamente modernos começaram a espalhar-se para fora de África, todas essas populações se encontraram”, escreve Fabrizio Mafessoni – do Instituto Max Planck, na Alemanha, e que não fez parte do trabalho – num comentário também publicado na Nature Ecology & Evolution sobre este estudo. As marcas desses encontros estão registadas no nosso ADN. Em 2010, depois de uma sequenciação com grande qualidade do genoma de uma mulher neandertal, revelou-se que os humanos modernos (de origem não africana) tinham entre 1% e 4% de ADN neandertal. Mais tarde, em 2017, publicou-se a sequenciação de um segundo genoma de outra mulher neandertal e essas percentagens foram actualizadas. Se antes desse estudo se tinha concluído que as populações não africanas actuais da nossa espécie tinham no genoma entre 1, 5% e 2, 1% de ADN neandertal, passou a saber-se que temos mais ADN neandertal do que pensávamos: será entre 1, 8% e 2, 6%. “A descodificação do genoma neandertal confirmou o quão semelhante era ao da nossa espécie a nível molecular e revelou que a maioria dos actuais humanos de descendência não africana carrega pequenos fragmentos do genoma de neandertal”, referem Joshua Schraiber e Fernando Villanea, ambos da Universidade de Temple e autores do estudo agora publicado numa explicação no site da Nature. “A questão que nos vem imediatamente à cabeça é: ‘Com que frequência se cruzou a nossa espécie com os neandertais?’”Pensava-se que tudo isto resultasse de um único episódio de cruzamento entre neandertais e a nossa espécie. Esse episódio teria acontecido algures no Médio Oriente logo quando os primeiros humanos modernos deixaram África. “Esta hipótese era sustentada pelo facto de todos os humanos não africanos terem a mesma quantidade de ancestralidade neandertal (aproximadamente 2%), tal como seria de esperar se o cruzamento ocorresse com um antepassado de todos os não africanos”, explicam os autores. Contudo, havia uma peça que não se encaixava nessa hipótese. Numa análise genómica verificou-se que as populações de humanos modernos do Leste asiático carregam no seu genoma entre 12% e 20% mais ADN neandertal do que as populações europeias. Ou seja, abriu-se assim a hipótese de que a nossa espécie se tenha cruzado do ponto de vista reprodutivo mais do que uma vez com os neandertais. Como tal, Joshua Schraiber e Fernando Villanea decidiram estudar a forma como os fragmentos de ADN neandertal diferem nos genomas de indivíduos actuais do Leste asiático e da Europa. Para isso, através de um modelo matemático e computacional, analisaram a distribuição desses fragmentos nos genomas de pessoas dessas duas populações. Desta forma, construíram modelos teóricos sobre a quantidade de “encontros” entre neandertais e humanos modernos. “Encontrámos uma forte sustentação de que o cruzamento dos humanos modernos com os neandertais aconteceu múltiplas vezes, primeiro e principalmente no Médio Oriente, mas também no Leste asiático e na Europa mais tarde”, explica ao PÚBLICO Fernando Villanea. “O segundo cruzamento genético no Leste asiático foi um pouco mais extenso, resultando numa contribuição elevada para os genomas dos indivíduos do Leste asiático. ”Quando é que tudo aconteceu? “A grande contribuição genómica dos neandertais para os humanos modernos pode ser traçada há entre 50 mil e 60 mil anos. Mas uma pequena porção de fragmentos de neandertais nos genomas humanos tem uma origem mais recente”, responde Fernando Villanea. Contudo, o cientista refere que não é claro se o cruzamento entre os dois grupos de humanos foi contínuo ao longo do tempo ou se foi limitado a pequenas (e discretas) ocasiões. “Ambas as espécies estiveram em contacto aproximadamente durante dez mil anos, mas antes pensávamos que só se tinham cruzado uma vez”, destaca Fernando Villanea. “Sabemos agora que mais tarde houve pequenas ocasiões em que se cruzaram. Ainda não sabemos muito bem por que é que o contacto mais tardio entre as duas espécies resultou apenas num pequeno contributo na sua ancestralidade”, interroga-se o cientista. E adianta que há questões a responder como: esses encontros mais tardios foram raros devido ao declínio dos neandertais (extinguiram-se há cerca de 28 mil anos)? Ou ambas as espécies estavam menos predispostas para o cruzamento?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Sobre se esses encontros foram violentos ou consentidos, Joshua Schraiber responde ao jornal espanhol ABC: “Não há forma de saber isso através dos dados genéticos. Isso é uma questão para os arqueólogos!”“Os autores exploraram estas questões quantitativamente [a interacção entre neandertais e a nossa espécie], mostrando que um modelo com múltiplos encontros entre os primeiros humanos modernos e os neandertais é robusto”, considera Fabrizio Mafessoni no seu comentário. O cientista – que foi um dos autores de um estudo publicado este ano sobre uma menina que viveu há 50 mil anos e que teria uma mãe neandertal e pai denisovano – ilustra assim o cruzamento entre grupos humanos: “O cenário de múltiplos episódios de cruzamento entre neandertais e humanos modernos encaixa na visão emergente de que houve interacções complexas e frequentes entre diferentes grupos de hominíneos. ”Para Fabrizio Mafessoni, será preciso sequenciar mais genomas antigos para se desvendar outras informações sobre esses encontros. Quanto a Joshua Schraiber e Fernando Villanea, já têm um projecto a caminho: querem compreender como os neandertais e os denisovanos – por exemplo – se cruzaram com espécies como o Homo erectus. Que histórias estarão para ser reveladas?
REFERÊNCIAS:
Étnia Asiático
No final do ano haverá quase um telemóvel por habitante
Quase todos temos telemóvel mas a Internet ainda é uma miragem para muitos. Em África, por exemplo, apenas 16% da população tem acesso. (...)

No final do ano haverá quase um telemóvel por habitante
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-03-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Quase todos temos telemóvel mas a Internet ainda é uma miragem para muitos. Em África, por exemplo, apenas 16% da população tem acesso.
TEXTO: O número de assinaturas de telemóveis vai chegar aos 6800 milhões no final de 2013, o que significa que nessa altura haverá quase um telemóvel para cada habitante, considerando a previsão de que a população mundial rondará os 7100 milhões. As estimativas são da União Internacional de Telecomunicações (UIT), que fala de uma “revolução móvel”. O relatório da UIT revela que mais de metade das assinaturas de telemóveis – 3500 milhões – está na Ásia, que continua a ser o mercado em maior crescimento nesta área. No final deste ano, a taxa de penetração de telemóveis terá chegado aos 96% em todo o mundo. Mas ainda há discrepâncias: nos países desenvolvidos essa taxa será de 128%, enquanto nos países em desenvolvimento deverá ser de 89%. Em relação ao acesso à Internet, o cenário é diferente. A UIT estima que 2700 milhões de pessoas (cerca de 39% da população mundial) estejam já online e que no final do ano 41% dos lares (outro indicador considerado importante para medir o acesso à Internet) estarão ligados à Internet. O destaque vai para os países da Europa, onde a taxa de penetração é de 75%, seguidos pelos Estados Unidos, com uma taxa de 61%. Segundo o relatório, a velocidade da banda larga (pelo menos 10 Mbit/segundo) é maior em alguns países asiáticos, nomeadamente na Coreia, China e Japão, e em países europeus como a Bulgária, a Islândia e Portugal. Apenas 16% dos africanos tem Internet“A revolução móvel está a dar poder às pessoas nos países em desenvolvimento, fornecendo aplicações ICT [tecnologias de informação e comunicação] para a educação, saúde, governo, banca, ambiente e negócios”, escreve o director do Departamento de Desenvolvimento de Telecomunicações da UIT, Brahima Sanou, no relatório divulgado quarta-feira. No entanto, nos países em desenvolvimento apenas 31% da população terá acesso à Internet no final do ano, ou seja, mais de dois terços das pessoas vão continuar offline. Nos países desenvolvidos, 77% dos habitantes têm Internet. Os dados relativos a África espelham bem essa diferença: apenas 16% da população tem acesso à Internet. Ainda assim, nos últimos quatro anos registou-se um forte crescimento do número de lares com Internet, a um ritmo de 27% por ano, nota a UIT. Segundo esta organização, 90% das 1100 milhões de habitações que ainda estão offline em todo o mundo situam-se nos países em desenvolvimento. Nestes, os equipamentos e a tecnologia têm um custo elevado – uma assinatura pode custar mais de 50% do rendimento per capita. Neste que é o primeiro relatório a analisar o acesso das mulheres à Internet, conclui-se que 1300 milhões de mulheres (37% da população feminina) estão online. Os homens são 1500 milhões, ou seja, 41% da população masculina.
REFERÊNCIAS:
Entidades UIT
Há um bocadinho de Neandertal dentro de nós
O debate durou anos: o homem moderno (nós) e o Homem de Neandertal, hoje extinto, ter-se-iam cruzado e procriado juntos – ou não? Hoje a questão foi definitivamente arrumada pela genética, com a publicação na "Science" do primeiro rascunho do genoma dos Neandertais. A resposta? Sim! A criança do Lapedo teve de facto Neandertais entre os seus antepassados. (...)

Há um bocadinho de Neandertal dentro de nós
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento -0.18
DATA: 2010-05-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: O debate durou anos: o homem moderno (nós) e o Homem de Neandertal, hoje extinto, ter-se-iam cruzado e procriado juntos – ou não? Hoje a questão foi definitivamente arrumada pela genética, com a publicação na "Science" do primeiro rascunho do genoma dos Neandertais. A resposta? Sim! A criança do Lapedo teve de facto Neandertais entre os seus antepassados.
TEXTO: Há meses que nos diziam que a primeira sequenciação do genoma do Homem de Neandertal estava quase pronta. Já está. E proporcionou uma primeira grande surpresa aos próprios autores do trabalho (que, como muitos outros especialistas, não acreditavam nesta possibilidade), ao confirmar que os humanos modernos acasalaram e procriaram com Neandertais. Simplesmente, porque descobriram bocadinhos de sequências genéticas de Neandertal no nosso ADN. A equipa internacional liderada por Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva de Leipzig, na Alemanha, demorou quatro anos a ler os genes desse ser humano, extinto há cerca de 30 mil anos – uma proeza técnica que, segundo os autores, vai ao mesmo tempo permitir perceber o que é que nos distingue deles do ponto de vista evolutivo. “Há seis ou sete anos, eu pensava que a sequenciação da totalidade de um genoma antigo era algo que não iria acontecer durante a minha vida”, disse ontem Pääbo no início de uma conferência de imprensa telefónica convocada pela revista Science. O grande problema, explicou, é que “mais de 90 por cento do ADN encontrado nos fósseis provinha de bactérias ou de fungos” – ou seja, pertencia aos microrganismos que tinham contaminado os ossos após a morte dos indivíduos em questão. Para mais, os fragmentos de ADN obtidos eram extremamente curtos e tinham sofrido alterações químicas. Isto sem esquecer que a sua mera manipulação corria o risco de introduzir uma contaminação adicional, com o próprio ADN dos cientistas – o que é absolutamente indesejável quando se trata justamente de determinar se há genes de Neandertal em nós ou genes nossos neles. . . Uma grande parte do trabalho e das técnicas desenvolvidas tinha portanto como objectivo garantir a autenticidade da proveniência do ADN em estudo. Os cientistas extraíram o ADN principalmente de três fragmentos de osso fossilizado de três mulheres Neandertais, que tinham sido encontrados numa gruta na Croácia entre o fim da década de 1970 e o início da de 1980. Dois desses ossos foram datados com precisão e têm respectivamente 38 mil e 44 mil anos. A partir daí, conseguiu-se reconstituir, nesta primeira fase, cerca de 60 por cento da totalidade dos três mil milhões de pares de bases (ou “letras”) do ADN dos Neandertais. Aconteceu no Médio Oriente Os cientistas também sequenciaram cinco genomas de humanos actuais, de origem europeia, asiática e africana, para fins de comparação com o genoma fóssil – e compararam ainda esse genoma com o do chimpanzé. E descobriram que os Neandertais são, do ponto de vista genético, ligeiramente mais próximos dos humanos modernos fora de África do que dos africanos actuais. A explicação que dão para isto é que, pouco depois de terem saído de África à conquista do mundo, há uns 80 mil anos, provavelmente algures no Médio Oriente (antes de chegarem à Europa), os primeiros homens modernos cruzaram-se com os Neandertais e produziram descendência. Isso não significa que não tenha havido, mais tarde, novos encontros e novos cruzamentos, nomeadamente na Europa. Mas o “fluxo genético” agora detectado – sempre dos Neandertais para os humanos actuais e não em sentido oposto – aponta para um contacto mais precoce, logo à saída de África. A ausência de provas não significa que não tenha havido contactos ulteriores, mas simplesmente que não foi possível detectar sinais genéticos desses contactos, argumentam os cientistas. Seja como for, os seres humanos actuais, da Austrália à Europa, passando pela Ásia (mas não por África), herdaram, naquela altura, bocadinhos de sequências genéticas de Neandertal que continuam, ainda hoje, espalhadas pelo nosso ADN. Os cientistas estimam que entre um e quatro por cento do genoma dos humanos actuais provenha dos Neandertais. Num comunicado, referem mesmo que o genoma do célebre “caça-genes” norte-americano Craig Venter, recentemente publicado, contém segmentos que são mais próximos do genoma de Neandertal do que do genoma “de referência” humano, que inclui uma mistura de ADN de origem europeia e africana! “Um a quatro por cento do meu genoma é Neandertal”, salientou Pääbo na conferência de ontem. “Eles não se extinguiram totalmente, continuam a viver em nós. ” Contudo, as sequências genéticas identificadas como provenientes dos Neandertais estão distribuídas ao acaso pela molécula de ADN e não correspondem a nenhum traço identificável que alguns de nós poderíamos ter em comum com eles. Para Pääbo, “o mais fascinante” disto tudo é, porém, a possibilidade de utilizar este genoma fóssil para procurar provas da selecção “positiva” de traços genéticos, ou seja, de características genéticas que se fixaram ulteriormente nos humanos modernos porque apresentavam vantagens do ponto de vista evolutivo em termos de sobrevivência da espécie – e que nos tornam únicos e diferentes dos Neandertais. A equipa já identificou várias regiões do genoma onde isto poderá ter acontecido, que têm a ver com o desenvolvimento mental e cognitivo (há três genes que, quando mutados, estão implicados na trissomia 21, na esquizofrenia e no autismo), bem como regiões relacionadas com o metabolismo energético, com o desenvolvimento do crânio, da clavícula e da caixa torácica. Pertencemos à mesma espécie?Para Pääbo, esta pergunta não faz sentido. “É um debate estéril”, frisou. “Nunca me pronunciei sobre isto e prefiro deixar essas lutas a outros. O que interessa é que mostrámos que o cruzamento reprodutivo era biologicamente possível entre os Neandertais e nós. Eu diria que eram diferente dos humanos – mas não assim tão diferentes como isso. ”“Há mais de dez anos que as provas arqueológicas e paleontológicas de hibridação cultural e biológica entre Neandertais e homens modernos se vêm acumulando”, disse João Zilhão, arqueólogo português da Universidade de Bristol, em conversa telefónica com o PÚBLICO. Juntamente com o seu colega Erik Trinkaus, da Universidade de Washington, Zilhão descobriu em 1998, no Vale do Lapedo, perto de Leiria, o esqueleto mais completo até à data de uma criança da nossa espécie que viveu no Paleolítico Superior (há cerca de 25 mil anos). O fóssil, afirmam desde então estes cientistas, apresenta uma mistura de traços modernos e de Neandertal. Só que muitos especialistas discordavam desta interpretação – o que, para Zilhão, deixa de ser possível a partir de hoje. “Andámos a dizer isso há dez anos e têm-nos atirado à cara com os dados genéticos”, disse-nos hoje o investigador. E mostrou-se satisfeito com os novos resultados: “Era a última objecção contra o nosso modelo e isso é óptimo. Há que virar a página, o problema está resolvido. ”Mas então somos ou não da mesma espécie? “A dicotomia homem moderno/Neandertal é falsa”, responde-nos Zilhão. “É uma classificação vitoriana, do século XIX. ” O Neandertal foi o primeiro homem fóssil a ser descoberto, um ser a meio caminho entre os macacos e o homem, “e isso encaixava no paradigma da evolução [das espécies]”. Para Zilhão, esta concepção tem criado uma resistência cultural subconsciente. “Como é que um fulano tão feio pode ser igual a nós?”, ironiza. “Do ponto de vista biológico, o que é importante é que, em termos reprodutivos, o homem moderno e o homem de Neandertal funcionam como uma única comunidade. Podiam acasalar. Isso é que conta. ”É provável, entretanto, que o crescente número de pessoas que recorrem a empresas que analisam o seu genoma venham a saber em breve se são portadoras de sequências genéticas vindas dos Neandertais. Até porque o genoma fóssil já foi colocado pelos autores na Internet, numa base de dados genética de acesso livre. Interrogado pelo PÚBLICO a este propósito durante a conferência de imprensa de ontem, Pääbo riu-se: “Tenho a certeza de que algumas dessas empresas vão oferecer isso aos seus clientes. ”
REFERÊNCIAS:
Objectivos do Milénio em exame: derrotas e conquistas
Muito foi conseguido, muito ficou por cumprir dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, aprovados em Setembro de 2000. Eram oito, inspirados em diversos acordos internacionais alcançados ao longo dos anos 90. Àqueles compromissos corresponderam 22 metas, com 48 indicadores quantitativos e prazos precisos. Sobram críticas sobre diversos aspectos, incluindo sobre a qualidade do processo. Fátima Proença, da Associação para a Cooperação entre os Povos, dá o exemplo das vacinas. “Num momento, diz-se: 'As crianças estão todas vacinadas. ' Como? Há trabalho de continuidade ou foi uma campanha internacional?”Apesar d... (etc.)

Objectivos do Milénio em exame: derrotas e conquistas
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 11 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
TEXTO: Muito foi conseguido, muito ficou por cumprir dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, aprovados em Setembro de 2000. Eram oito, inspirados em diversos acordos internacionais alcançados ao longo dos anos 90. Àqueles compromissos corresponderam 22 metas, com 48 indicadores quantitativos e prazos precisos. Sobram críticas sobre diversos aspectos, incluindo sobre a qualidade do processo. Fátima Proença, da Associação para a Cooperação entre os Povos, dá o exemplo das vacinas. “Num momento, diz-se: 'As crianças estão todas vacinadas. ' Como? Há trabalho de continuidade ou foi uma campanha internacional?”Apesar de tudo, Ban Ki-Moon, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), está convencido de que os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio “fizeram uma enorme diferença”. Di-lo no arranque do relatório que serve de balanço dos compromissos assumidos por 191 países, que abaixo se cita. Menos pobreza extremaCaiu para metade a pobreza mais extrema desde 1990. Nesse ano, quase metade da população das regiões em vias de desenvolvimento vivia com 1, 25 dólares por dia. Em 2010, 22%. A maior parte dessas 1, 2 mil milhões de pessoas morava no Sul da Ásia ou na África Subsariana. A Índia acolhia um terço. Nessa lista, seguiam-se a China (13%), a Nigéria (9%), o Bangladesh (5%) e a República Democrática do Congo (5%). O panorama ainda é intolerável. A fome crónica diminuiu, mas continua a afectar uma em cada oito pessoas no Mundo. E em 2013 o planeta atingiu um máximo histórico de 51 milhões de pessoas deslocadas, por força dos conflitos armados, com destaque para a República Centro-Africana, a República Democrática do Congo, o Mali, a Síria, a fronteira entre Sudão do Sul e Sudão. Educação primária mais universalApregoam-se progressos: os países em desenvolvimento na Ásia Oriental, no Sudoeste Asiático, no Cáucaso e na Ásia Central, na América Latina e nas Caraíbas aproximaram-se da educação primária universal. A taxa de matrícula líquida ajustada passou de 83 para 90% entre 2000 e 2012. Metade das crianças privadas de ensino primário vive em zonas de conflito. A África Subsariana concentra 44% delas. Igualdade de género mais efectivaA desigualdade de género aumenta à medida que se sobe de nível de ensino. Os rácios de matrícula de raparigas já não são tão distintos dos rácios de matrículas de rapazes no ensino primário, mas ainda são bem inferiores no ensino superior na África Subsariana e no Sul da Ásia. Persiste a disparidade no mercado de trabalho, embora tenha diminuído ao longo dos anos. Além de ganharem menos, as mulheres têm menos probabilidades de emprego. Temos mais hipóteses de as encontrar a trabalhar a tempo parcial ou numa situação de subemprego. “As diferenças são particularmente notáveis no Norte de África e no Sul da Ásia”, lê-se no relatório. Apesar de continuarem a assumir o grosso das tarefas relacionadas com a família e a casa, o que coloca problemas de conciliação com outras esferas da vida, é cada vez maior a participação política das mulheres. Em Janeiro de 2014, preenchiam 21, 8% dos lugares parlamentares. Em 46 países representavam mais de 30%. Havia, porém, cinco países sem qualquer mulher no parlamento. Baixou a mortalidade infantilA taxa de mortalidade dos menores de cinco anos está a descer mais depressa do que antes. Caiu 1, 2% entre 1990 e 1995 e 3, 9% entre 2005 e 2012. Menos seis milhões de crianças morreram em 2012, em comparação com 1990. Mas a Oceânia, a África Subsariana, o Cáucaso, a Ásia Central e o Sul da Ásia não conseguiram reduzir em dois terços a taxa de 1990, como tinha sido acordado. Morrem, amiúde, de males curáveis. A maior parte das mortes foi provocada por doenças infecciosas, com destaque para a pneumonia, a diarreia e a malária. A mais elevada taxa do mundo é a da África Subsariana – “16 vezes a média das regiões desenvolvidas”. Uma em cada dez crianças ali nascidas não chegava a completar cinco anos em 2012. Serviço de saúde reprodutiva longe de ser universalOs factos são crus: “Quase 300 mil mulheres morreram em todo o mundo em 2013 por causas relacionadas com gravidez e parto”; “a proporção de nascimentos assistidos por pessoal de saúde qualificado aumentou de 56 para 68% entre 1990 e 2012”, mas em 2012 ainda houve 40 milhões de nascimentos sem assistência. A maior parte das grávidas têm apenas uma consulta. Não chega. Para garantir o bem-estar da mulher e da criança, a Organização Mundial de Saúde recomenda um mínimo de quatro. Em 2012, só 52% das grávidas tiveram quatro ou mais consultas de cuidados pré-natal. O problema perdura, em particular, no Sul da Ásia e na África Subsariana.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Centenas de milhares de mulheres ainda morrem de parto em todo o mundo
Centenas de milhares de mulheres continuam a morrer em consequência de problemas relacionados com a gravidez e o parto em todo o mundo. O número de mortes tem diminuído nos últimos anos mas apesar dos progressos, a taxa anual de declínio é menos da metade da necessária. (...)

Centenas de milhares de mulheres ainda morrem de parto em todo o mundo
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 12 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-03-08 | Jornal Público
SUMÁRIO: Centenas de milhares de mulheres continuam a morrer em consequência de problemas relacionados com a gravidez e o parto em todo o mundo. O número de mortes tem diminuído nos últimos anos mas apesar dos progressos, a taxa anual de declínio é menos da metade da necessária.
TEXTO: Todos os anos mais de 350 mil mulheres morrem em todo o mundo por problemas relacionados com o parto e a gravidez, sobretudo em África e na Ásia, e 215 milhões não têm acesso a meios de planeamento familiar, referem dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2010. Em Moçambique, por exemplo, um estudo do Ministério da Saúde (MISAU), divulgado no ano passado, revela que onze mulheres morrem por dia naquele país, em consequência de complicações relacionadas com a gravidez e o parto, O mesmo estudo afirma também que anualmente, 48 de mil recém-nascidos morrem entre os zero e 28 dias de vida, por complicações surgidas pós-parto. Muitos desses problemas resultam de práticas pouco apropriadas durante nascimentos realizados em casa, o que levou a cerca de 27 por cento do total de mortes em crianças menores de cinco anos. Os dados revelados no relatório “Situação Mundial da Infância 2009 – Saúde Materna e Neonatal” do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) indicam os países onde o risco de mortalidade materna é maior: Níger, Afeganistão, Serra Leoa, Chade, Angola, Libéria, Somália, República Democrática do Congo, Guiné-Bissau e Mali. Entre as vítimas, contam-se cerca de 70 mil adolescentes entre os 15 e os 19 anos. As mortes por complicações de parto verificam-se em muitos países de outros continentes, além de África e de Ásia. No Haiti, em cada cem mil nascimentos morrem cerca de 670 mulheres. A Bolívia é o país com a taxa de mortalidade materna mais alta na região andina (290 ao ano), onde há cerca de dois milhões de mães adolescentes, 54 000 das quais com menos de 15 anos de idade. No Peru, 74 por cento das mulheres que vivem em áreas rurais e 90 por cento das indígenas dão à luz em casa e sem assistência médica. Segundo o referido relatório da UNUCEF, a maior parte dos casos de morte em mulheres grávidas deve-se a quatro causas principais: hemorragia severa depois do parto, infecções, hipertensão e abortos. Em 2008, por exemplo, cerca de mil mulheres morreram, por dia, em todo o mundo, devido a essas complicações. Mais de 500 delas viviam na África Subsaariana e 300 no Sudeste Asiático. As mulheres pobres que vivem em zonas rurais, são as principais vítimas, descriminadas pela dificuldade de acesso aos serviços de saúde, segundo a OMS. O relatório notava ainda que o risco de uma mulher de um país em desenvolvimento morrer devido a uma causa relacionada com a gravidez ao longo da vida é 36 vezes maior comparativamente a uma mulher que vive num país desenvolvido. Números optimistasApesar da situação preocupante, o número de mulheres que morrem em consequência de complicações durante a gravidez e o parto diminuiu 34 por cento entre 1990 e 2008, de acordo com o relatório “Tendências da mortalidade materna” realizado pela Organização Mundial da Saúde, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pelo Banco Mundial e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Mas pesar dos progressos, a taxa anual de declínio é menos da metade da necessária para atingir os objectivos pretendidos, segundo Margaret Chan, Directora Geral da OMS. Grande parte das mortes maternas são, contudo, evitáveis, dependendo do acesso ao planeamento familiar e à qualidade dos serviços de saúde. É neste sentido que trabalha a organização europeia Marie Stopes International, com sede em Inglaterra, desenvolvendo acções de protecção à saúde materno infantil em mais de 40 países do mundo. Na campanha “Make Women Matter”, esta organização salienta a necessidade de investir na igualdade de acesso à saúde materno-infantil no mundo inteiro para combater a mortalidade, o baixo uso de contraceptivos e as baixas percentagens de partos com assistência.
REFERÊNCIAS:
Entidades OMS
Ebay proíbe a venda de produtos em marfim
O site de leilões online eBay anunciou que vai banir a nível global a venda de produtos de marfim já a partir do próximo ano. A decisão é anunciada depois de um grupo de investigação para a conservação da natureza ter descoberto mais de 4. 000 itens feitos a partir de marfim de elefante, espécie protegida. “Achamos que esta é a melhor maneira de proteger as espécies protegidas em perigo. É a partir destas espécies que grande parte dos produtos em marfim é produzida, segundo o comunicado divulgado hoje no blogue da companhia. Elefantes africanos e asiáticos são protegidos por organizações americanas como a Interna... (etc.)

Ebay proíbe a venda de produtos em marfim
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2008-10-22 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20081022012652/http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1346972
TEXTO: O site de leilões online eBay anunciou que vai banir a nível global a venda de produtos de marfim já a partir do próximo ano. A decisão é anunciada depois de um grupo de investigação para a conservação da natureza ter descoberto mais de 4. 000 itens feitos a partir de marfim de elefante, espécie protegida. “Achamos que esta é a melhor maneira de proteger as espécies protegidas em perigo. É a partir destas espécies que grande parte dos produtos em marfim é produzida, segundo o comunicado divulgado hoje no blogue da companhia. Elefantes africanos e asiáticos são protegidos por organizações americanas como a International Convention on the International Trade in Endangered Species (CITES) - Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção - e a U. S. Endangered Species Act. Um relatório que irá ser hoje divulgado pelo International Fund for Animal Welfare (IFAW) – Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal, em português - revela que a maioria de vendas de produtos de marfim é feita através da sucursal americana do site. “Numa ocasião, um utilizador comprou um par de presas de elefante por mais de 21 mil dólares (cerca de 15 mil euros) ”. Todos os anos, mais de 20 mil elefantes são mortos ilegalmente em África e Ásia para fazer face aos requisitos de marfim, de acordo com a IFAW. A eBay disse que ainda vai permitir a venda de produtos antigos que contenham pequenas quantidades de marfim, como pianos. A companhia define que só serão consideradas antiguidades objectos produzidos antes de 1990. Definiu também que com esta nova regra a venda de artigos que contenham uma quantidade significativa de marfim, qualquer que seja o nível de antiguidade, como peças de xadrez, alfinetes de peito ou jóias, não será de todo permitida. Grupos de defesa internacionais para a natureza e vida selvagem aplaudem a decisão. Teresa Telecky, directora da Humane Society International citada pela BBC, disse que a decisão “é válida e deve ser vista como um exemplo para outros”.
REFERÊNCIAS:
Em Sines a volta ao mundo faz-se em 59 concertos
A partir desta quinta-feira, e até dia 28, o Festival Músicas do Mundo volta a instalar em Sines e Porto Covo um mapa da riqueza musical de todo o planeta. São dezenas de concertos para aprender a escutar o outro. (...)

Em Sines a volta ao mundo faz-se em 59 concertos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: A partir desta quinta-feira, e até dia 28, o Festival Músicas do Mundo volta a instalar em Sines e Porto Covo um mapa da riqueza musical de todo o planeta. São dezenas de concertos para aprender a escutar o outro.
TEXTO: O ritual já se instituiu e faz parte da rotina de milhares de espectadores. Desde 2003, ano em que uma comunidade mais alargada descobriu o Festival Músicas do Mundo (FMM), graças em grande parte às actuações dos jamaicanos Skatalites e do norte-americano Kronos Quartet, que o último fim-de-semana de Julho é, para muitos, passado em Sines. Não apenas porque a programação é única no cenário português (e mesmo num contexto internacional), mas sobretudo porque o FMM soube preservar uma identidade contrária aos imperativos comerciais de outros eventos do género: a Sines vai-se para tomar contacto com música que se desconhece, muito mais do que para reforçar o amor que se alimenta há anos por artistas de quem se domina a discografia de trás para a frente. Criado em 1999 pela Câmara Municipal de Sines, e desde o primeiro momento com a impagável direcção artística de Carlos Seixas, o FMM tratou de apresentar na sua programação, ao longo dos anos, os nomes maiores das músicas fundadas em tradições locais – Oumou Sangaré, Omar Sosa, Black Uhuru, Hedningarna, Yat-Kha, Konono nº1, Staff Benda Bilili, Asha Bhosle, Tom Zé, Hermeto Pascoal, Rokia Traoré, Femi Kuti, Angélique Kidjo, Toumani Diabaté, Tony Allen, Värttinä, Trilok Gurtu, Tinariwen, Sílvia Pérez Cruz, Hugh Masekela, Salif Keita, Billy Bragg e tantos outros. O rol de nomes, exposto todos os anos nas traseiras do Castelo de Sines, é cada vez mais impressionante. Mais do que o número de artistas que tem passado por Sines e Porto Covo (que, nos últimos anos, chama a si o primeiro fim-de-semana do festival), importa, no entanto, a diversidade de culturas que é chamada a palco. Na edição deste ano, a decorrer entre esta quinta-feira e o próximo dia 28 de Julho (até 22 em Porto Covo, de 23 a 28 em Sines), serão 59 concertos a percorrer 38 países e regiões, sublinhando essa ideia de que o festival é, antes de mais, um espaço de comunhão e de descoberta de outros povos, transformando este encontro numa forma de celebração de troca colectivas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Carlos Seixas declarou à Lusa, a propósito desta 20. ª edição do FMM Sines, que “a boa música não escolhe géneros, nem escolhe fronteiras”. Mas as fronteiras continuam a ser uma dor de cabeça para o programador, talvez até mais hoje do que há 20 anos, com “as grandes questões ligadas às migrações” a boicotarem, por vezes, o trabalho da organização e a vontade dos músicos. Desta vez foram os Konono Nº1, uma das maiores referências actuais da música congolesa e africana, a verem a sua entrada na Europa negada por problemas na obtenção de vistos (em sua substituição actuam os Inner Circle). É um clássico do festival quando toca a artistas asiáticos e africanos, uma vez que em anos anteriores a mesma situação se verificou, por exemplo, com o zimbabueano Olivier Mtukudzi, o moçambicano Wazimbo ou o chinês Mamer. Mtukudzi é, aliás, um dos cabeças de cartaz de 2018, integrando a fortíssima noite de despedida deste FMM, em que partilhará o palco com as canções luso-crioulas de Sara Tavares, a pop libanesa de Yasmine Hamdan, o funaná irresistível dos Bulimundo e o sound-system brasileiro Baiana System. Nos dias anteriores, por Sines passarão ainda nomes obrigatórios como Sutari, Elida Almeida, Derya Yildirim & Grup Simsek, Alsarah & The Nubatones, Sofiane Saidi & Mazalda, Kimmo Pohjonen, Sons of Kemet, Cordel do Fogo Encantado ou Maravillas de Mali. Antes disso, no entanto, o Largo Marquês de Pombal arranca com quatro dias de programação gratuita de primeira linha. Esta quinta-feira, o fado de Aldina Duarte terá a companhia do projecto alternativo egípcio Lekhfa e do jazz-rock-klezmer nova-iorquino dos Barbez. Sexta-feira será a vez do frenesim dos cipriotas Monsieur Doumani ou da pop desconcertante da brasileira Karina Buhr, enquanto sábado nos trará o canto doce maliano de Vieux Farka Touré (filho de Ali Farka) e domingo haverá dança com o klezmer dos polacos Kroke. Mas o fim-de-semana será certamente marcado por duas pérolas de rock carregado de psicadelismo e com forte sabor local: dos turcos BaBa ZuLa (sábado) e dos colombianos Meridian Brothers (domingo).
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filho comunidade género chinês
Portugueses Senza apresentam novo disco ao vivo no Brasil
Nascido em Aveiro, o grupo já tocou na Índia, na China, nos EUA e em África e estreia agora o seu segundo disco, Antes da Monção, num país que nunca visitou. (...)

Portugueses Senza apresentam novo disco ao vivo no Brasil
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.090
DATA: 2018-06-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nascido em Aveiro, o grupo já tocou na Índia, na China, nos EUA e em África e estreia agora o seu segundo disco, Antes da Monção, num país que nunca visitou.
TEXTO: O primeiro disco foi anunciado assim: “Música de inspiração lusófona, inspirada em viagens!” Assinava-o um nome curto: Senza. Não confundir com a palavra “sem” em italiano: senza é nome de um instrumento africano, um lamelofone também conhecido como kissanji, kalimba ou likembe, consoante os lugares onde é construído e tocado. Mas os dois rostos por trás do nome não vinham de África, embora por lá tivessem viajado. Nuno Caldeira e Catarina Duarte conheceram-se na Universidade de Aveiro, onde foram alunos, ele de Design e Novas Tecnologias da Comunicação e ela de Matemática. Mas nenhum é originário de Aveiro: Catarina nasceu em Coimbra, em 1978, e Nuno nasceu em Castelo Branco, em 1981. Um dia decidiram viajar juntos, mais para conhecer lugares do que para fazer música, que na verdade já vinha de trás. Catarina: “Comecei por cantar fado, organizava sessões familiares aí com uns dez, 11 anos. Depois, com 15, comecei a fazer umas coisinhas em público. ” Ainda frequentou canto, no Conservatório, mas desistiu porque achou “que não era por ali”. Teve aulas de jazz, já em Aveiro, onde conheceu Nuno. “Começámos a tocar umas bossas novas, algum jazz. ” Nuno: “Os meus pais tinham vinis de bossa nova. E também jazz, embora eu rejeitasse o jazz na altura. ” A música angolana também foi uma influência, já que a mãe de Catarina viveu lá. Antes de formarem o grupo Senza, funcionaram em duo. “Tivemos grupos, a formação ia mudando mas o núcleo fomos sempre os dois. ”A primeira viagem, no Sudeste Asiático, durou meses: China, Vietname, Camboja, Tailândia. E a música intrometeu-se na forma de uma guitarra que Nuno comprou em Saigão, numa loja onde tinham entrado porque estava muito calor na rua e ali havia ar condicionado. Mudou tudo. “Alguém que carrega um instrumento chama a atenção”, diz Catarina. “As pessoas abordavam-nos na rua, conhecemos alguns músicos…” “E começámos a tocar, às vezes para trocar por dormidas. Começámos a pensar que era giro fazermos músicas nossas mesmo. Foi a primeira vez que sentimos isso”, completa Nuno. Dessa viagem nasceu então o primeiro disco, já assinado como Senza: Praça da Independência (2014). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E continuaram. Uma segunda viagem, desta vez à Índia, resultou num outro disco, Antes da Monção, lançado oficialmente a 4 de Maio deste ano e ainda em fase de promoção. Nele participaram, como convidados, Júlio Pereira, João Frade e Rão Kyao. “Nós temos o compromisso de continuar neste modelo”, diz Nuno. “Mas sem nenhuma lógica geográfica à partida. Foi um acaso que nos levou à Índia, onde tocámos em Nova Deli, Goa e Bombaim, acabando por estender o que se faria em quatro ou cinco dias por um mês. Agora surgiu-nos a possibilidade de fazermos seis concertos em África (Namíbia, Zimbabwe e África do Sul): não foi muito extenso mais foi muito intenso. ” Os sons destas viagens povoam de algum modo os discos que delas saem, mas fugindo a exotismos e colagens específicas. “A intenção pode passar por aí, por se sentir alguma indefinição”, diz Nuno. “O que nós procuramos é que haja de facto uma mistura. ”Agora, os Senza vão apresentar Antes da Monção num país que nenhum deles ainda visitou: o Brasil. Dia 14 tocam em Salvador da Bahia, no Teatro Castro Alves, e depois em São Paulo. “Já há muito tempo que queríamos ir ao Brasil”, diz Catarina. “Aliás o tema Comboio de bambu [gravado no Camboja] tem um piscar de olho ao Brasil. ” Ao seu lado, terão músicos brasileiros: Cláudia Cunha, Alexandre Leão, Luísa Lacerda e o Quarteto Geral. “Tem esse lado muito interessante, para nós e para eles, de fazer um cruzamento Portugal-Brasil”, sublinha Nuno.
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