Lacticínios portugueses vão entrar na China
Visita de Cavaco Silva à China ajuda a desbloquear entraves à exportação de lacticínios para aquele país. (...)

Lacticínios portugueses vão entrar na China
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DATA: 2014-05-18 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20140518170209/http://www.publico.pt/1636446
SUMÁRIO: Visita de Cavaco Silva à China ajuda a desbloquear entraves à exportação de lacticínios para aquele país.
TEXTO: Na visita de Cavaco Silva à China, que termina este domingo, em Macau, foram desbloqueados os entraves à exportação de lacticínios portugueses para aquele país. Cerca de três dezenas de empresas portuguesas do sector manifestaram interesse, estando também prevista uma visita empresarial àquele país asiático. Esta informação foi dada como quase certa por Cavaco Silva alegando que considerava que a comissão mista tinha resolvido as questões relacionadas com os bloqueios às exportações para a China de produtos portugueses. Contudo, a Rádio Renascença já avançou que o processo já foi concluido. Está ainda em curso o desbloqueamento da exportação de produtos suínos, que foi um dos temas abordados. Ao final da tarde, o Presidente da República dará uma conferência de imprensa, onde deverá fazer o balanço desta visita oficial de sete dias à China.
REFERÊNCIAS:
Étnia Asiático
História de uma das leveduras do vinho começou na Patagónia
Equipa internacional liderada por portugueses identificou a origem de espécie de levedura importante na produção de bebidas alcoólicas. O seu ADN reflecte um processo de domesticação. (...)

História de uma das leveduras do vinho começou na Patagónia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-06-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: Equipa internacional liderada por portugueses identificou a origem de espécie de levedura importante na produção de bebidas alcoólicas. O seu ADN reflecte um processo de domesticação.
TEXTO: O berço geográfico da Saccharomyces uvarum foi a Patagónia chilena. Usada na produção de vinho e cidra na Europa viajou primeiro daquela região da América do Sul para a América do Norte e daqui seguiu para o continente euroasiático. Através da análise e comparação genética entre estirpes selvagens de Saccharomyces uvarum de todo o mundo e estirpes usadas na indústria, uma equipa internacional liderada por portugueses conseguiu verificar a sua origem geográfica e o resultado da domesticação feita pelo homem, conclui um artigo publicado ontem na edição da revista Nature Communications. O iogurte, a cerveja ou vinho são substâncias produzidas graças à fermentação feita por bactérias ou leveduras. A partir de farinhas ou açúcares, estes microorganismos alimentam-se, produzindo substâncias como álcool ou ácido láctico. No caso do vinho, o processo industrial de fermentação alcoólica recorre normalmente à levedura Saccharomyces cerevisiae. Mas em climas mais frios, onde a fermentação é com temperaturas mais baixas, os produtores vinícolas usam a Saccharomyces uvarum. Alguns vinhos do País Basco (Espanha), de Verona (Itália) ou da Borgonha (França) usam esta espécie de levedura. Assim como a cidra, uma bebida alcoólica produzida com sumo de maçã. Em Portugal, pensa-se que esta estirpe não é usada, preferindo-se a Saccharomyces cerevisiae. Além de trabalharem melhor a temperaturas mais baixas, “há compostos aromáticos que as leveduras Saccharomyces uvarum produzem que são superiores aos da Saccharomyces cerevisiae”, explica ao PÚBLICO José Paulo Sampaio, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, que liderou a equipa com cientistas da Argentina, dos EUA e de França. Mas ainda se sabe pouco sobre a origem e a evolução da Saccharomyces uvarum. “O nosso trabalho é procurar as estirpes selvagens para as comparar com as estirpes domésticas e perceber como ocorreu a domesticação”, diz o cientista. A domesticação de animais ou de vegetais requer a observação e a escolha de seres vivos com certas características consideradas uma mais-valia. Apesar de as leveduras serem microscópicas, observadas só há alguns séculos, José Paulo Sampaio defende à mesma a existência de uma “domesticação”, já que o resultado da actividade das leveduras foi sendo avaliado pelo sabor das bebidas. “A bebida tem um aspecto sensorial. Os nossos antepassados sabiam dizer: ‘Gosto desta bebida, não gosto daquela. ’ Quando uma bebida funcionava, guardavam um bocadinho daquela bebida e usavam-no num novo lote”, diz o cientista. A equipa fez amostragens de estirpes de Saccharomyces uvarum usadas na indústria na Europa, bem como de estirpes naturais presentes na Europa, na América do Norte e do Sul, na Ásia e na Oceânia. No hemisfério Norte, este fungo encontra-se associado a algumas espécies de carvalhos. No hemisfério Sul, aparece associado a espécies de Nothofagus, um género de árvores que nos climas temperados da Patagónia e da Oceânia ocupa os mesmos nichos ecológicos que os carvalhos no Norte. O estudo mostrou a existência de uma grande diversidade genética nas estirpes da Patagónia. Esta diversidade foi decrescendo na América do Norte e na Europa. Através da comparação genética, a equipa concluiu que as estirpes que hoje são usadas na Europa vieram da América do Sul, via América do Norte. E as estirpes da Oceânia são o que resta de um habitat maior, quando a levedura existia no grande supercontinente Gonduana, que há dezenas de milhões de anos se foi partindo na América do Sul, África, Antárctica e Oceânia. Não se sabe quando ou como é que a levedura chegou à América do Norte e depois daí até à Europa e à Ásia. Nada indica que o homem tenha tido um papel nesta migração. “Arriscar-me-ia a dizer que [estas migrações] nos antecederam e que as leveduras têm mecanismos próprios de dispersão que não conhecemos. ”Quando é que a Saccharomyces uvarum entrou na produção de vinho é outra incógnita. Segundo o cientista, as amostras mais antigas de Saccharomyces uvarum datam do final do século XIX. Gene resistente aos sulfitosMas os efeitos desta utilização de séculos acabam por se revelar no ADN das leveduras pelas “introgressões genéticas”: genes provenientes de outras espécies de leveduras e que aparecem nas estirpes industriais de Saccharomyces uvarum, mas neste caso não se encontram nas da natureza. “Tudo começa com uma hibridação”, explica o cientista: uma célula de levedura de Saccharomyces uvarum cruzou-se ao acaso com uma célula de Saccharomyces eubayanus, usada na produção da cerveja. O resultado deste cruzamento é uma levedura híbrida, com metade do genoma de cada espécie progenitora. Mas se a nova levedura continuar a cruzar-se só com a Saccharomyces uvarum, o genoma da Saccharomyces eubayanus fica mais diluído até quase desaparecer. No entanto, alguns genes da Saccharomyces eubayanus podem ser escolhidos e ficar para sempre nas estirpes de Saccharomyces uvarum, como é o caso do gene FZF1. “Este gene é central em muitos mecanismos de resistência aos sulfitos e foi sistematicamente submetido à domesticação. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
O Mundial é um exemplo de flexi-segurança
Quase um terço dos treinadores saiu após o final do torneio. Quase metade tem o futuro por decidir. (...)

O Mundial é um exemplo de flexi-segurança
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DATA: 2010-07-13 | Jornal Público
SUMÁRIO: Quase um terço dos treinadores saiu após o final do torneio. Quase metade tem o futuro por decidir.
TEXTO: Marcello Lippi já tinha o destino traçado antes de chegar à África do Sul, mesmo que voltasse a ser campeão do mundo com a Itália: iria ser substituído por Cesare Prandelli. Quatro anos antes, já lhe havia acontecido o mesmo, substituído por Roberto Donadoni, mas saíra por cima, com um título. Desta vez, saiu sem glória e vergado pela humilhação de uma eliminação precoce, tal como a França de Raymond Domenech, mais circo e menos equipa. Em comum outro facto: Lippi e Domenech são dois dos dez treinadores que vão procurar novo emprego, agora que terminou o Mundial. Outro dos treinadores com despedida anunciada era o milagreiro alemão Otto Rehhagel, que conduziu a Grécia a um título europeu em 2004, sendo substituído no cargo pelo português Fernando Santos. Dunga, odiado por todos os brasileiros, já sabia que só um título mundial lhe iria salvar o emprego, mas a selecção canarinha ficou-se pelos quartos-de-final e o técnico foi despedido assim que voltou a casa. Para além de Lippi, Carlos Alberto Parreira era um dos dois técnicos em competição com um título mundial no currículo (com o Brasil, em 1994), mas saiu ao não ter conduzido a anfitriã África do Sul para lá da fase de grupos - a primeira vez que um organizador não passou desta fase. Já Sven-Goran Eriksson irá por certo continuar a ser um “globetrotter” do futebol mundial. O sueco apenas esteve alguns meses na Costa do Marfim, não passou da fase de grupos, ganhou 2, 4 milhões de euros e é dado como o principal candidato a treinador do Fulham, da Premier League inglesa. Continuando no futebol inglês, há um treinador que vai sobreviver ao fracasso da selecção que orientou. Fabio Capello vai manter-se a gerir os destinos da Inglaterra, segundo dizem os “media” britânicos, não pela eventual vontade da federação em despedir o italiano, mas em não ter dinheiro para o fazer - Capello ainda tem mais dois anos de contrato, com um salário anual de 7, 1 milhões de euros, que faz dele o seleccionador mais bem pago do mundo. Entre os 32 treinadores mundialistas, nove têm a certeza que vão continuar (o português Carlos Queiroz é um deles), enquanto 13 não definiram ainda o seu futuro. Alguns por tabu auto-imposto, outros à espera de uma decisão federativa. Maradona, por exemplo, apenas conduziu a Argentina aos “quartos”, mas o povo e os jogadores querem que ele fique e, segundo o líder federativo, só depende dele próprio a sua continuidade, embora tenha dito que se ia embora após a eliminação frente à Alemanha. Uma incógnita é o que vai acontecer a Kim Jong-Hun, da Coreia do Norte, depois das três derrotas no Mundial. Só quando a selecção asiática voltar a competir fora do país é que se vai saber.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave circo salário marfim
Bancos centrais preocupados com a deflação
Ministros das Finanças, governadores dos bancos centrais e grandes financeiros chegaram a Washington para o Oktoberfest anual da governação económica e, caso não se tenha percebido pelas manchetes dos últimos dias, estão muitíssimo preocupados com a possibilidade de a recuperação económica global estar prestes a desacelerar. (...)

Bancos centrais preocupados com a deflação
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-10-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ministros das Finanças, governadores dos bancos centrais e grandes financeiros chegaram a Washington para o Oktoberfest anual da governação económica e, caso não se tenha percebido pelas manchetes dos últimos dias, estão muitíssimo preocupados com a possibilidade de a recuperação económica global estar prestes a desacelerar.
TEXTO: Os governadores dos bancos centrais, tendo baixado, de um dia para o outro, as taxas de juro para zero, estão a ponderar novas e criativas formas de aumentarem o provimento de dinheiro e de crédito, e de evitarem que se instale uma dinâmica deflacionária. O Banco do Japão deu o primeiro passo anunciando que injectaria o equivalente a 60 mil milhões de dólares na economia comprando não só obrigações do governo mas também IOUs de curto prazo a bancos e empresas, e pacotes seguros de empréstimos imobiliários. O Banco Central Europeu está a acumular obrigações de alguns dos países-membros mais endividados. E o presidente da Reserva Federal dos EUA, Ben Bernanke, parece ter convencido os seus colegas de que está na altura de imprimir mais um ou dois mil milhões para comprar títulos e obrigações do Tesouro com datas de vencimento mais tardias. Nesta altura dos acontecimentos, os riscos por os bancos centrais não fazerem nada (deflação, desemprego elevado e continuado) são maiores do que o risco de fazer trabalhar a impressora da moeda (inflação futura). Mas ninguém deverá esperar que isso seja uma poção mágica para a economia. Alguns especialistas em modelos económicos calculam que a taxa de desemprego se vai manter acima dos nove por cento quer a Fed aumente o seu orçamento em 500 milhões de dólares quer o faça em dois mil milhões de dólares. A razão é que as vias normais que permitem criar folga monetária estão bastante esgotadas. As taxas de juro estão já tão baixas que reduzi-las ainda mais não irá induzir maior recurso ao crédito. Os agregados familiares o que pretendem é pagar as suas dívidas e não aumentá-las, e as empresas têm bastante liquidez e não prevêem um aumento de vendas que justifique alargar as sua capacidade produtiva ou as suas linhas de produtos. O único canal que está a funcionar é o mercado financeiro. Nas últimas semanas, os preços das acções e das obrigações subiram, antecipando o fluxo de dinheiro do banco central; esses preços mais elevados devem, por sua vez, ajudar a reforçar a confiança entre os executivos das empresas e entre os consumidores mais abastados. As taxas mais baixas vão também melhorar os lucros dos bancos, muitos dos quais estão por um fio e desesperados por compensar os prejuízos ainda indeterminados e resultantes das suas actividades de crédito imobiliário. Voltar de novo a alimentar bolhas financeiras não é geralmente considerado um objectivo meritório para a política monetária mas mostra o crescente desespero dos responsáveis da Fed, que sentem não ter outra opção. O assunto mais urgente da agenda deste fim-de-semana tem a ver com taxas de câmbio e a ameaça de que os países vão começar a competir na desvalorização das suas taxas de câmbio com o propósito de reforçarem as suas economias. Também aqui foi o Japão a dar o primeiro passo, intervindo nos mercados financeiros para fazer baixar o valor do iene em relação ao dólar. No entanto, o principal objectivo do Japão não era proteger as suas exportações para os Estados Unidos - era lutar contra a perda de quota de mercado global em favor de competidores na China, em Taiwan e noutras potências do Sudeste Asiático que, de algum modo, ancoram a sua moeda no dólar. O Japão não é o único país preocupado com a valorização da sua moeda e o consequente efeito nas suas exportações. A Coreia do Sul e o Brasil adoptaram também medidas para atenuar o impacto de uma valorização das suas moedas, e os exportadores europeus começaram a queixar-se do recente subida no valor do euro. O que se receia é que os países desencadeiem uma série de desvalorizações competitivas que possam conduzir a uma guerra comercial generalizada e desestabilizar o sistema financeiro global. No centro deste problema está a obstinada recusa da China em permitir que a sua moeda, o yuan, se valorize gradualmente em relação ao dólar reflectindo o extraordinário aumento da riqueza e da produtividade no país. Permitir a flutuação do yuan é um primeiro passo necessário para reequilibrar uma economia global que se tornou dependente do facto de os Estados Unidos consumirem muito mais do que produzem e a China produzir muito mais do que consome. Esse desequilíbrio foi a principal causa da recente bolha do crédito e, enquanto ele se mantiver, vai ser difícil aos Estados Unidos fazerem baixar a taxa de desemprego para um nível aceitável. Durante anos, a China tem vindo a iludir a questão da sua moeda, prometendo evoluir para uma moeda baseada no mercado e susceptível de flutuações sempre que as pressões aumentam muito - mas sem nunca deitar mãos à obra. E há anos que os responsáveis norte-americanos de diferentes governos vêm dizendo que a paciência e a persistência dão melhores resultados do que impor o tipo de tarifas retaliatórias que alguns furiosos membros do Congresso exigem. Mas, nesta semana, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, reconheceu que a estratégia da cenoura sem o pau falhara e começou a aumentar a pressão sobre a China. Ele deixou bem claro que os Estados Unidos deixariam de apoiar o esforço da China para obter um papel relevante em organizações como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional enquanto esta continuasse a desvalorizar a sua moeda e a promover outras políticas mercantilistas. Geithner também deu a entender que os Estados Unidos procurariam conseguir sanções internacionais contra a China se esta continuasse a gerar enormes excedentes comerciais, favorecendo as exportações em detrimento do consumo interno. A resposta das autoridades chinesas, e dos seus cães de fila na comunidade empresarial norte-americana, era previsível. Por um lado, dizem que não foi só o yuan que desvalorizou e que, de qualquer forma, a sua valorização não afectaria significativamente a balança comercial. Depois, numa segunda tirada, dizem que aumentar a taxa de câmbio levaria ao encerramento de muitas fábricas chinesas e, nas palavras do primeiro-ministro, Wen Jiabao, isso "seria um desastre para a China e para o mundo". Esse poderá ser o tipo de lógica que determina a opinião do comité central mas dificilmente nos faz confiar em que a China esteja pronta a ocupar a sua legítima posição na liderança económica global. Colunista do Washington Post
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Um quinto das plantas do planeta está ameaçado de extinção
Uma em cada cinco espécies de plantas no planeta está ameaçada de extinção, a maioria nas regiões tropicais, revela hoje um estudo científico internacional que atribui as maiores responsabilidades às intervenções humanas no meio. (...)

Um quinto das plantas do planeta está ameaçado de extinção
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-09-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma em cada cinco espécies de plantas no planeta está ameaçada de extinção, a maioria nas regiões tropicais, revela hoje um estudo científico internacional que atribui as maiores responsabilidades às intervenções humanas no meio.
TEXTO: A destruição da floresta em Madagáscar está a empurrar para a extinção a pequena palmeira Dypsis brevicaulis. Estima-se que a população mundial esteja agora reduzida a 50 plantas em três locais. Mas não é caso único. O grupo mais ameaçado é o das Gimnospérmicas, onde se incluem os pinheiros e as araucárias e o habitat que, de momento, mais preocupa é a floresta tropical. E é nos trópicos que se concentra a maioria das espécies ameaçadas. Para chegar a estas conclusões, os investigadores dos Kew Gardens, do Museu de História Natural de Londres e da UICN (União Mundial de Conservação da Natureza) estudaram uma amostra de 7000 espécies – dos principais grupos de plantas, como os Briófitos, Pteridófitos, Gimnospérmicas e Angiospérmicas -, representativas das 380 mil conhecidas actualmente. Do trabalho resultou o primeiro estudo à dimensão da ameaça ao mundo vegetal. “Pela primeira vez temos uma ideia clara do risco de extinção das plantas conhecidas no mundo. Este relatório mostra que as mais urgentes ameaças e regiões em maior perigo”, comentou Stephen Hopper, director dos Kew Gardens. E os resultados não surpreenderam ninguém. “O estudo confirma aquilo que já suspeitávamos, ou seja, que as plantas estão ameaçadas e que a principal causa é a perda de habitat induzida pelo ser humano”, acrescentou o responsável. O relatório refere, especificamente, a conversão de habitats em solos agrícolas e para pastagens. No Sudeste asiático, as plantações de óleo de palma estão a causar um “efeito devastador nas florestas tropicais nativas”, ameaçando “muitas espécies de plantas”. Já na Austrália, ecossistemas inteiros estão a entrar em colapso devido à infestação do fungo Phytophthora cinnamomi que causa o apodrecimento das raízes. E se os Estados Unidos, Europa e Ásia não têm espécies muito ameaçadas, os autores alertam para a crescente expansão e intensificação de práticas agrícolas e desenvolvimento urbano. Relatório será levado à cimeira de NagoyaA partir de aqui, este relatório faz caminho até à Cimeira da ONU dedicada à Biodiversidade, em meados de Outubro em Nagoya, Japão. “A meta para a biodiversidade em 2020 que será discutida em Nagoya é ambiciosa. Mas numa altura em que aumenta a perda da biodiversidade, é inteiramente apropriado intensificar os nossos esforços”, considerou Hopper. “As plantas são a fundação da biodiversidade e o seu significado em tempos climáticos, económicos e políticos incertos tem sido descurado há muito tempo”. “Todo o nosso esforço terá merecido a pena se os líderes mundiais tomarem medidas significativas para reduzir o actual ritmo de perda da biodiversidade”, disse Neil Brummitt, responsável pelo projecto no Museu de História Natural de Londres. Os responsáveis adiantam que este projecto vai ser revisto periodicamente, para “monitorizar o destino das plantas”, mostrando onde e que tipo de acção é necessária. Ainda assim, esta não será uma missão fácil. Avaliar a ameaça às plantas (com 380 mil espécies estimadas) é mais complicado do que fazer o mesmo em relação às aves (9998 espécies), mamíferos (quatro mil) ou anfíbios (6433).
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Fabricante japonês inventa aparelho que traduz miados para linguagem humana
Depois de ter vendido 300 mil aparelhos que, alegadamente, traduzem o ladrar dos cães para linguagem humana, o fabricante japonês de brinquedos Takara Co. está a planerar fazer o mesmo para os gatos. Chamado Meowlingual, o aparelho previsto entrar no mercado japonês em Novembro, traduz os miados dos gatos para frases como "Estou farto", apesar das palavras exactas ainda não estarem definidas, informou ontem a empresa, sediada em Tóquio. O aparelho deverá custar 74 dólares (65 euros), ligeiramente mais barato do que o dos cães, o Bowlingual, que custava 125 dólares (111 euros). Ambos os aparelhos utilizam dados ci... (etc.)

Fabricante japonês inventa aparelho que traduz miados para linguagem humana
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2003-07-17 | Jornal Público
TEXTO: Depois de ter vendido 300 mil aparelhos que, alegadamente, traduzem o ladrar dos cães para linguagem humana, o fabricante japonês de brinquedos Takara Co. está a planerar fazer o mesmo para os gatos. Chamado Meowlingual, o aparelho previsto entrar no mercado japonês em Novembro, traduz os miados dos gatos para frases como "Estou farto", apesar das palavras exactas ainda não estarem definidas, informou ontem a empresa, sediada em Tóquio. O aparelho deverá custar 74 dólares (65 euros), ligeiramente mais barato do que o dos cães, o Bowlingual, que custava 125 dólares (111 euros). Ambos os aparelhos utilizam dados científicos sobre os sons que os animais fazem, trabalhados por um laboratório japonês que também analisa vozes humanas para ajudar a resolver crimes e fabricar telemóveis. Ao contrário do que acontece com o Bowlingual, o Meowlingual não vai ser colocado na coleira do animal. Maiko Hasumi, porta-voz da Takara, explicou que os donos têm que segurar o aparelho e aproximá-lo da boca do gato. Depois, é só esperar que ele "diga" alguma coisa. Takara pretende começar a vender o Bowlingual nos Estados Unidos no próximo mês. Quanto à versão felina, a empresa espera ter vendido 300 mil exemplares no mercado asiático até Março de 2004.
REFERÊNCIAS:
Djaimilia Pereira de Almeida: não é só raça, nem só género, é querer participar na grande conversa da literatura
Há três anos, com Esse Cabelo, apresentaram-na como representante de uma literatura acerca de raça, género, identidade. Voltou agora com Luanda, Lisboa, Paraíso e diz que quer apenas participar na longa e antiga conversa sobre literatura. Enquanto procura escrever o seu livro ideal, totalmente inventado, uma mancha de texto sem capítulos que resista a discussões acerca do presente. (...)

Djaimilia Pereira de Almeida: não é só raça, nem só género, é querer participar na grande conversa da literatura
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.8
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há três anos, com Esse Cabelo, apresentaram-na como representante de uma literatura acerca de raça, género, identidade. Voltou agora com Luanda, Lisboa, Paraíso e diz que quer apenas participar na longa e antiga conversa sobre literatura. Enquanto procura escrever o seu livro ideal, totalmente inventado, uma mancha de texto sem capítulos que resista a discussões acerca do presente.
TEXTO: O nome de Djaimilia Pereira de Almeida apareceu na literatura há três anos quando publicou Esse Cabelo (Teorema, 2015), ficção autobiográfica, situada num sub-género que recebeu o nome de auto-ficção. É uma espécie de romance-ensaio que despertou a atenção de leitores e da crítica para a que parecia uma voz inovadora de uma geração que falava de raça, identidade, género, questionando clichés associados à condição de negritude ou do que é viver num mundo de estranheza seja no lugar onde nasceu, Angola, como naquele onde cresceu e vive, Portugal. Djaimilia foi então comparada a outras escritoras femininas que surgiram nos EUA, Inglaterra, em países de África como a Nigéria ou a Etiópia; mulheres que escrevem desafiando o que se espera delas. Aos 36 anos, regressa, confirmando que aquele livro não foi um acto solitário numa obra que quer construir, assume aqui, distanciando-se desse eu narrativo inicial e autobiográfico, para se aproximar da invenção mais pura. Está a descobrir o que isso é. Luanda, Lisboa Paraíso (Companhia das Letras) é um passo nessa direcção. Em pano de fundo há a guerra, a pobreza, os retornados, os que ficaram, os que sobrevivem em território estranho, a doença, a exclusão. . . Mas há, entre tudo isto, dois homens como protagonistas, um pai e um filho, e a memória de cada um; um passado que se quer esquecer, alguém que decide que não será mais angolano. É uma construção de identidades condicionada por um presente que nunca se compadece dessa memória, que não a respeita. Esquece-se para se sobreviver no novo livro de Djaimilia Pereira de Almeida, escritora que acaba também de ganhar uma bolsa de criação literária. Esse Cabelo foi um livro muito bem recebido que a conotou, enquanto autora, com as questões de raça, feminismo, identidade, a partir da escrita autobiográfica. Como se vê no modo como a situaram na literatura?Não se pode controlar a maneira como se é recebido nem o que os leitores fazem com o que nós escrevemos. Portanto, lido com todas essas categorias, rótulos de leituras, o que for, com enorme curiosidade e também alguma surpresa. Não aconteceu, até agora, ter sentido que não me estivessem a fazer justiça. Se calhar não utilizaria todas essas categorias para descrever o que fiz, mas recebo-as com grande serenidade. Imaginemos que lhe seriam dadas a escolher categorias que a identificassem. Preferia não escolher. Há muitos aspectos da história da literatura portuguesa que são importantes para mim. É a tradição que conheço melhor e a que está na minha cabeça quando estou a escrever. A literatura portuguesa, a língua portuguesa. Mas a literatura portuguesa é uma coisa muito vasta e todos esses rótulos são leituras a posteriori. Além disso, os livros surgem num certo momento e a recepção que têm é percepcionada pelos momentos históricos que estamos a viver. Esse Cabelo surgiu num momento muito particular em que fez sentido ser abraçado por uma série de causas. Veio num tempo que o recebeu bem. Exactamente. Nessa vastidão histórica e geográfica da literatura portuguesa há espaços e temas que estão, no entanto, menos explorados, periféricos. A sua escrita traz essa experiência. Sim, reconheço-me nessa descrição de que o género de histórias que tenho contado até agora é o de história periférica, mas não me sinto periférica em relação à literatura portuguesa em geral, sobretudo como leitora. É verdade que tenho um percurso de vida parecido com o de muitas pessoas que vieram de África; algumas até nasceram cá; pertenço a esse conjunto de pessoas. Mas tive um acesso privilegiado à tradição literária que muitas dessas pessoas não têm. É natural que quando começo a contar histórias, elas venham de um lugar de onde até agora têm vindo poucas histórias, mas nunca premedito fazer isso. E também não sei se vou continuar a fazer sempre isso, porque interessa-me explorar também o atrevimento de que uma pessoa que venha de uma posição mais periférica possa contar histórias que não se cinjam à periferia. É trazer para a conversa pessoas que se calhar nem sequer chegariam a ler os livros. Interessa-me também, porventura, falar de outras coisas de um ponto de vista menos periférico. Há três anos, quando falámos, já dizia isto, que é preciso que comecemos a ouvir as histórias de pessoas de várias periferias. Tenho muita curiosidade por muitas histórias. Não só pelas de afrodescendentes, mas pelas de outras comunidades que vivem em Portugal. Por exemplo, anseio pelo momento em que comecemos a ouvir as histórias dos asiáticos que vivem em Portugal, ou das comunidades indianas. Não encaro isto como se de repente pudéssemos aceder a todas essas identidades, mas que todos possamos participar numa conversa, que é uma conversa muito antiga, a que se chama literatura portuguesa. De que nomes, dessa tradição, se sente mais próxima e a fazem ter esse sentido de pertença?Não me cinjo à literatura portuguesa, porque pude ler muitas outras coisas. Aliás, os autores a que volto mais vezes são, sobretudo, franceses. Mas na literatura portuguesa interessa-me muita coisa que vai desde Sá de Miranda até. . . nem sei por onde começar [risos], mas Raul Brandão, Fernando Pessoa, muitos poetas. Aos 18 anos, quando comecei a pensar que gostaria de escrever, de fazer isso na minha vida, andava a ler Manuel Gusmão. Sou uma pessoa de livros mais do que de autores; portanto, mais do que dizer autores, sei os livros que me marcaram. O livro do Manuel de Gusmão chama-se Teatros do Tempo [Caminho, 2001] e foi muito importante para mim. Durante certa altura o Álvaro de Campos. Noutra fase, ainda muito jovem, li muito Herberto Helder. Entretanto comecei a alargar as leituras. Mas há livros muito marcantes, Os Pescadores, do Raul Brandão, foi muito importante num certo período e acompanhou-me ao longo de muitos anos. Neste momento, no presente, volta ser muito importante para o que vou fazer a seguir. Há pouco dizia que já não se lembra do que está no seu novo livro. Acaba de sair. Como é que essa memória se apaga assim?Não sei. Mas depois do livro estar feito e publicado, normalmente não o volto a ler. Custa-me bastante, e vou-me esquecendo. No momento em que o livro está pronto sei-o todo de cor. Depois fecho e esqueço. Lendo agora o Esse Cabelo é uma surpresa ver o que lá está porque já me esqueci. Voltou a esse livro?Não. Mas quando vou, quando calha a ir por qualquer razão, já não me lembro de nada. Apagou-se. É um mecanismo de defesa, medo de encarar o texto?Não. Acho que preciso de esvaziar o espaço para o ocupar com outras coisas. Quando publico um livro estou sempre nervosa e começo logo a pensar noutras coisas. Já começou?Sim. Quando estou mais ansiosa, escrever ajuda-me muito. Nos momentos de maior tensão ponho-me a escrever. Normalmente, ponho-me a escrever outra coisa e vou esquecendo o que ficou para trás. Este novo livro traz uma grande oralidade à escrita, uma oralidade quase antiga. Concorda?Nunca tinha pensado nisso. Mas sim, não fiz nenhuma pesquisa. Se calhar são coisas que não sabia que sabia e emergem à medida que vou escrevendo, aparecendo naturalmente; modos de falar, pronúncias. . . Estão num subterrâneo qualquer e a imaginação abre uma caixa. Esta semana estava a pensar nisto, de como é esta coisa de fazer um livro. Agora que estou dedicada a um texto que é passado num outro período, noutro século, e estava a pensar que é como agarrar num prato de vidro ou um jarro de vidro, atirá-lo ao chão e ele partir-se em mil bocadinhos. O momento da escrita é como se os muitos, muitos bocadinhos de vidro vindos de muitos lugares se constituíssem num mosaico reconhecível. Há coisas que não sabia que sei, ou já não me lembro que sabia, que passei por elas. Pode ser um olhar visto não sei onde, o aspecto de uma casa que vi em qualquer lado. São vários bocadinhos que depois formam. . . Um sentido?Sim. Vem de um livro-ensaio, onde há um eu assumidamente autobiográfico, para um romance com alguma coisa de autobiografia. Os dois situam-se mais ou menos na mesma época, em comunidades mais ou menos semelhantes, onde sai do eu ficcional. Como é que isso aconteceu?Sim. O que se passou entre um livro e o outro foi que percebi que o conseguia fazer. Só não escrevi Esse Cabelo na terceira pessoa porque acho que ainda não sabia como é que se fazia isso. Passei três anos a tentar perceber como se fazia porque só me interessava fazer isso. Sair do eu?Sim. Completamente. Agora cada vez tenho menos interesse, ou já não tenho nenhum interesse, em escrever do ponto de vista do eu. Interessa-me afastar-me do meu próprio ponto de vista e virar-me para fora, para o ponto de vista dos outros e aproximar-me de outras figuras que não eu. Eu e a minha particularidade deixaram de me interessar. O que interessa é pensar em como é que se conta uma história, como é que se faz um livro e, de projecto em projecto, trabalhar isso. É como se fosse um vector que antes estava apontado para mim e agora passa a estar apontado em direcção contrária, no sentido do mundo lá fora. Há pouco tempo Zadie Smith contava a dificuldade de fazer o percurso inverso, deixar a terceira pessoa e escrever na primeira, o que só aconteceu no último livro dela. Sim, lembro-me de entrevistas antigas de Zadie Smith em que ela dizia que achava fútil estar a escrever na primeira pessoa. Para mim foi o contrário, porque eu gostava de escrever livros como os que gosto de ler e o género de histórias que gosto de ler é de aventureiros e marinheiros. Que resultam da imaginação. Sim. Homens em mar alto, piratas. Há um sentido de aventura que o ponto de vista da primeira pessoa, acabando por se centrar nas nossas próprias angústias, não permite muito. Sobretudo, interessa-me contar histórias e interessa-me contá-las do ponto de vista do número mais variado de pessoas que eu ainda não sei quem são. Como foi essa aprendizagem, por exemplo, a de construir personagens?À custa de muitas tentativas; tentativa e erro. O livro não é muito longo, mas houve muito desperdício. . . Para mim nunca é desperdício porque em todo esse caminho não deito nada fora, vou sempre buscar coisas; acaba sempre por ter um uso, tal como na costura se usa o desperdício para fazer outras coisas. Mas houve muito, muito desperdício. Sobretudo porque neste caso também tentei procurar uma forma clara, mais clara; uma frase mais clara; procurar um certo ritmo, um modo menos reflexivo de expressão. Sair mais do ensaio?Exactamente. E tentar encontrar a forma de contar adequada à natureza das vidas que eu estava a falar. Interessava-me uma escrita mais terra a terra. Talvez isso tenha sido mais difícil do que propriamente construir as personagens. Talvez a coisa mais difícil tenha sido o processo de desaprendizagem necessário para dizer as coisas de uma maneira simples. Na minha cabeça o livro teve sempre o aspecto de um balanço e, a partir de certo ponto, escrevi-o como se estivesse a contar às personagens como tinha sido a vida delas, como se elas me perguntassem: "então como foi a nossa vida?". Interessava-me contar-lhes de maneira a que elas conseguissem entender. Foi muito difícil porque tinha toda uma série de vícios e de tiquesAutoria: Djaimilia Pereira de Almeida Companhia das LetrasAcadémicos?Académicos e não só, que me interessava mandar fora. É preciso muita paciência para isso – paciência para comigo – para chegar aí. O território de Luanda, Lisboa, Paraíso, no entanto, é-lhe familiar. Não foi para um universo imaginário. Ainda não. Até um certo ponto este é um mundo que eu conheço, mas também só até um certo ponto. Não houve grande pesquisa. Houve uma grande recolha de objectos e as personagens foram construídas a partir dos seus objectos. Há a história de uma mala encontrada numa feira de velharias. Sim, está ali [aponta para outro canto da casa]. São objectos que apanho em feiras de velharias. Vou todos os domingos a essas feiras. Levo muito pouco dinheiro e vou à procura de coisas. O que lhe interessa nessa procura? Histórias?Sim, histórias, mas sobretudo gosto de velharias, mas não são coisas valiosas. Faço colecções de algumas coisas e aquilo mexe com a minha imaginação como mais nada mexe. Começo a pensar: está aqui um copo, de quem foi este copo. Dá-me muitas ideias. Faço isto há muitos anos e nunca pensei em histórias a partir daí. Foi acontecendo naturalmente. A certa altura dei conta de que estava a comprar objectos sem nexo, coisas de que não precisava para nada, lixo autêntico, tralha, e depois comecei a olhar para aquilo tudo e a pensar: isto podia ser tudo da mesma pessoa, podiam ser objectos de uma pessoa. Era como se fosse um enxoval de uma pessoa que eu não conhecia. E começou a atribuir um dono àquele enxoval. Exactamente. Tudo coisas de homens. Um cinto, uns óculos escuros. . . Foi assim que eles nasceram. Depois comecei a desenhar, uns desenhos sem interesse, uns homens; no início de tudo foi assim. Depois ganharam nome e foram nascendo. Houve também muitas imagens. Fotografas importantes da história da fotografia, que também me dão muitas ideias; ver livros de fotografia ajuda-me muito, a perceber nuances, princípios de personagens e princípios de histórias. Isso tudo, junto com leituras que estava a fazer, ajudou a chegar a este livro. Um livro em que, como referiu, os protagonistas são homens. . . Foi totalmente espontâneo. Nunca me apareceram como mulheres e, não sei porquê, mas ultimamente sempre que escrevo, escrevo sobre homens, e como não contrario. . . Como chegou à estrutura deste livro que se divide em duas partes?Essa divisão é muito tardia. Gostava de ser capaz de escrever um livro que fosse, da primeira à última linha, sem capítulos, sem interrupções, um texto contínuo. Dou muita importância à mancha; não conseguindo ainda fazer isso, divido-os por capítulos. O livro saiu há pouco tempo, as reacções estão ainda a sair. Como gere este momento?Desta vez, como não houve lançamento, fiquei menos nervosa. Opção sua?Sim. Porquê?Nunca vou a lançamentos [risos]. Não faz muito o meu género e, então, podendo não o fazer, não fiz. Ao mesmo tempo isso também foi um bocadinho estranho. Não houve nada a marcar, e de um dia para o outro o livro estava nas livrarias; ainda não o vi em nenhuma livraria não vou ver nada. Lê as críticas?Sim, algumas leio. Mas também não leio integralmente. Isso não me interessa. O que sinto é que o que eu tinha de fazer já fiz. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas interessa-lhe ser lida. Interessa-me, sim. Se houvesse um lançamento se calhar teria ficado ansiosa. Mas agora sinto-me feliz porque concluí. A maneira como giro esta fase é pôr-me a escrever. Este é um período muito produtivo, em que escrevo muito. É uma espécie de casaco com que me visto. O seu nome numa altura em que há uma curiosidade global acerca de uma escrita feita por mulheres negras e pelo que traz de novidade à literatura. É uma curiosidade que ultrapassa a literatura e é social e política. Sou leitora de algumas dessas pessoas e acho esse contributo importante. Mas quando se fala de escritores com um percurso como o meu às tantas já não se está a falar de literatura. Já só se está a falar de todo esse lado, social, político. . . Acho importante nunca perder de vista também o aspecto literário. O contributo social e político é tão mais forte e perene quanto se misturar com esta conversa; a conversa: essa conversa antiga, a conversa do que se passa nos livros. Interessa-me participar nessa conversa. É tão mais subversivo o contributo de todas essas pessoas quanto mais ele se inscrever nesta conversa e continuar para lá do momento em que as discussões fora da literatura estavam a ser tidas. Os livros preservam o sentido da discussão e mantêm entre si uma discussão própria, que nos ultrapassa, que se prolonga para lá de nós e para lá do momento que estamos a viver. Não se sente representante de algum tipo de literatura. Não. Talvez sinta uma grande responsabilidade. Mas é, antes de mais nada, uma responsabilidade em relação próprio trabalho que estou a fazer e de respeito para com as personagens de que estou a falar. Presto contas às personagens. Mas não me sinto representante de uma literatura. Sinto que estou a contribuir para uma conversa, que também é essa conversa política, social, etc. , mas quando escrevo não estou a pensar nisso. Estou a perceber como é que se faz o que eu gostava de saber fazer. E preservando um certo gozo em fazer isso. Escrever é a coisa que me dá mais alegria. É uma coisa associada à felicidade. Se ainda por cima os livros contribuírem para uma discussão, se chamarem a atenção para coisas, se forem lidos com benefício para pessoas, fico ainda mais feliz. Mas não premeditei isso, porque se me concentrar apenas nisso tenho medo que os livros se tornem maus.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Na vanguarda da democracia está o riso do cartoon
Os Cartoonistas – Soldados de Infantaria da Democracia, documentário de Stéphanie Valloato, faz mais do que o retrato de doze artistas espalhados pelo mundo. Problematiza, a partir de diferentes contextos políticos e históricos, o protagonismo inédito que o desenho humorístico tem vindo a ganhar desde 2005. (...)

Na vanguarda da democracia está o riso do cartoon
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.3
DATA: 2015-10-08 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os Cartoonistas – Soldados de Infantaria da Democracia, documentário de Stéphanie Valloato, faz mais do que o retrato de doze artistas espalhados pelo mundo. Problematiza, a partir de diferentes contextos políticos e históricos, o protagonismo inédito que o desenho humorístico tem vindo a ganhar desde 2005.
TEXTO: O título não deixa grandes dúvidas. Os Cartoonistas – Soldados de Infantaria da Democracia, que estreia nas salas, é um documentário que faz a defesa do desenho humorístico como uma expressão da liberdade de opinião e, por consequência, da democracia. As suas personagens sãs os cartoonistas, doze ao todo, e vêm dos EUA, França, Tunísia, Costa do Marfim, Argélia, Israel, Palestina, Rússia ou China. Um retrato global desenhado a partir de diferentes geografias, contextos culturais e históricos e que Plantu (Jean Plantureux), cartoonista do Le Monde inaugura com uma sucessão de frases: “Uma escuridão instala-se sobre o mundo e o desenho é uma boa forma de lhe escapar. A democracia é uma luta que se trava todos os dias. Nunca está ganha”. Ao telefone, de Paris, a realizadora Stéphanie Valloatto anui com um entusiasmo urgente, antes de revelar a génese do documentário. “Começou com a sugestão de um amigo, o Radu Mihaileanu. Falou-me da criação do Cartooning for Peace [associação internacional criada em 2006 por Plantu] e desafiou-me e pensar num documentário sobre o trabalho dos desenhadores humorísticos. Achei uma ideia muito bonita e avançámos”. A escolha dos autores e as filmagens não se realizariam sem obstáculos e dúvidas, apesar da ajuda preciosa da associação e de Plantu. “Demorámos a chegar aos artistas africanos, mas conseguirmos”, conta a realizadora. “Muito mais complicado foi encontrar um artista asiático. O primeiro cartoonista chinês em que pensámos não quis falar. Temia ser preso. Tivemos a sorte de encontrar o Pi San”. É por intermédio de Pi San, conhecido pelos seus desenhos animados controversos, que o artista plástico Ai Weiwei faz uma curta e inesperada aparição. Weiwei não é cartoonista, mas a repressão de que foi alvo (está proibido pelas autoridades de sair da China) não é estranha à venezuelana Rayma Suprani, ao russo Mikhail Zlatkovsky ou ao argelino Slim (Menouar Merabtene). Há nos gestos destes a apreensão das pessoas acossadas, uma resignação dolorosa, embora não deixam de falar, de mostrar os seus desenhos, de fitar a câmara. “Achei importante mostrar os seus rostos, as suas casas, os ateliês onde trabalham, a sua intimidade. Quis tirá-los das sombras, onde costumam ficar, mas eles também quiseram sair. Iluminei-os um pouco e curiosamente disseram-me que agora, sob a luz, se sentem mais protegidos”. Escrevia-se que os cartoonistas são as personagens do documentário. Acrescente-se outra. Invisível, “abstracta”, a democracia moderna vive nos desejos e na angústia dos retratados. “Sim, concordo. Quis mostrar o grau da democracia no mundo a partir dos cartoonistas, quis mostrar as dificuldades que eles enfrentam nas suas actividades. Por serem mulheres, como a Rayna ou Nadia [Khiari, criadora do gato irónico, Willis from Tunis], por causa da ascensão do fundamentalismo religioso ou da pressão dos políticos que o Plantu descreve. Creio que a actividade dos cartoonistas pode servir como barómetro da democracia, eles antecipam ameaças, assinalam sintomas”. Canários numa mina de carvãoPara Stéphanie Valloat, a metáfora bélica do título de documentário assenta bem aos cartoonistas. Estão na frente, antes dos jornalistas e outros formadores de opinião. São os primeiros a sofrer ataques e retaliações, como testemunham Slim e Baha Boukhari. O primeiro na Argélia, o segundo na Palestina, satirizaram, respectivamente o governo argelino pós-independência, e o líder do Hamas, Ismaïl Haniyeh. O desfecho? A economia dos seus desenhos foi inversamente proporcional à violência da reação do poder político: foram ameaçados e censurados. Porquê? O que torna os cartoonistas tão expostos à violência?“Nas sociedades modernas, eles acabaram por se transformar em expoentes das fronteiras da liberdade de expressão”, diz o historiador de arte dinamarquês Matthias Wivel. “São mais visíveis do que qualquer outro grupo, em parte porque a sua arte cristaliza, com uma eficácia invulgar, as questões associadas a esse tema. São como canários numa mina de carvão”. Especialista em arte do Renascimento, banda desenhada e desenho humorístico, Wivel faz no entanto uma ressalva importante. “Não acho que o cartoon seja uma arte da democracia moderna. É uma forma de sintetizar a escrita e o desenho, de tipificar a realidade. Pode ser usado com vários propósitos, inclusive anti-democráticos. Um dos exemplos mais infames desse uso esteve, por exemplo, nos cartoons anti-semitas do Der Stürmer [semanário oficial do regime nazi] ”. Mas não pode a vitalidade do cartoon andar a compasso do vigor da democracia? “Sim, admito que sim. A qualidade de uma democracia pode ser medida pela capacidade que tem em acomodar diferentes pontos de vista, incluindo os anti-democráticos”. No documentário, há um ponto de vista e pertence à sociedade dessa democracia. É ela que olha para aos cartoonistas, sem juízos prévios ou analogias forçadas. Pelas palavras e memórias dos intervenientes, o espectador sabe que se confronta com contextos e histórias distintas. “A democracia tem graus diferentes na China, na Venezuela e no Burkina-Faso. Quando falamos de democracia na da Rússia, não estamos a falar da democracia nos Estados Unidos ou em França. Cada cartoonista fala da sua sociedade, da sua cultura”, sublinha a realizadora. Essa consciência manifesta-se nas desilusões expressas por Nadia Khiria, que, depois da Revolução de Jasmim, na Tunísia, nunca imaginou usar tanto o vermelho nos seus desenhos ou na prudência corajosa de Pi Sang, que reconhece a existências de linhas que não devem ser ultrapassadas. Satirizar Vladimir Putin é, na Rússia, uma dessas linhas, como é na Venezuela caricaturar Nicolás Maduro. Quando ultrapassadas, as consequências são descritas no documentário: perseguição, proibição de desenhar, despedimentos sumários. Insultos e ameaças. A repressão é tão forte que as canetas e os lápis se tapam, nem que seja temporariamente, como conta Slim traumatizado com a violência da Guerra Civil da Argélia (1992-2002). Nas democracias ocidentais também existem limites, mas tendem a ser definidas pelas regras do próprio sistema democrático. “Nas leis que proíbem que se ridicularize o chefe de estado ou que proíbem a blasfémia, por exemplo, na Inglaterra, em relação à região anglicana, encontramos linhas vermelhas”, exemplifica João Cardoso Rosas, professor de Filosofia Política da Universidade do Minho. Já nos Estados Unidos, legislação semelhante dá lugar a pressões de caracter social, das comunidades, das associações”. “Os jornais americanos não publicaram as caricaturas de Maomé”, lembra. “E não o fizeram por causa da pressão social, porque existe um cuidado especial quando se trata de religiões. Não é propriamente uma linha vermelha legal, mas social e política. E isso existe em qualquer democracia. A democracia é feita de instuitições e de comunidades. Resta ao cartoonista adaptar-se aos contextos, caso contrário, corre o risco de não ser compreendido, de não encontrar o seu púbico. Não há liberdade absoluta, mesmo nas democracias”. Uma arte num mundo globalizadoNuma das cenas do documentário, o cartoonista americano Jeff Danziger revê um dos seus mais polémicos desenhos (Dick Cheney, ex-vice presidente dos EUA, é um dos visados) e deixa escapar que não o assinou. Medo de represálias, pressões? “Ele de facto sentiu-me incomodado com esse desenho [risos]”, revela Stéphanie Valloato. “Os Estados Unidos não são uma ditadura, mas também aí existem linhas vermelhas. Evita-se escrever sobre sexo, sobre os pobres e os ricos, sobre as minorias, sobre o poder financeiro”. Por vezes, a autocensura é um dos meios que os cartoonistas encontram de fazer à frente às pressões, de sobreviver. Retraem-se conscientes de que o estão a fazer. Ora, para Michel Kichka, cartoonista belga-israelita, descendente de sobreviventes do Holocausto, quem receia magoar os outros com o seu desenho deve procurar outra profissão. A sátira magoa e não é compatível com o politicamente correcto. “Essa é uma tendência que vai dominando na Europa e nos EUA”, acrescenta a realizadora. “A dada altura não podemos falar, não podemos ter uma opinião. Temos todos que pensar com a mesma cabeça. De tanto se defender a diferença, ataca-se a diferença de opinião. Simplesmente, não podemos dizer aquilo que pensamos. ”A outra ameaça que no filme paira sobre muitos dos cartoonistas é a do fundamentalismo religioso islâmico. Em segundo ou em primeiro plano, dito ou não dito, faz sentir a sua presença nos depoimentos dos entrevistados ou em imagens de arquivo. “É por causa das caricaturas de Maomé publicadas em 2005 num jornal dinamarquês que andamos a falar tanto de cartoonistas. Tudo começou aí”, afirma João Cardoso Rosas. “Há um contexto específico muito importante, que é o regresso da questão religiosa à Europa e a oposição entre a liberdade de expressão e uma ortodoxia religiosa. E os cartoonistas, com a sátira e a blasfémia estão no centro dessa oposição. Através do seu trabalho entram em conflito com uma sensibilidade religiosa que é a dos muçulmanos”. Stéphanie Valloato estava ciente da tensão criada por tal oposição, mas não anteviu a tragédia do dia 7 de Janeiro. “No que respeito ao massacre do Charlie Hebdo, há claramente um antes e depois. Sabíamos que os cartoonistas eram perseguidos e assassinados noutros países, mas não imaginámos que isso pudesse acontecer em Paris, no século XXI. Isso não imaginávamos, confesso” Para Matthias Wivel acresce outro factor que vem ampliar a ressonância desse conflito. É, aliás, o mesmo que permitiu o nascimento do documentário. “Vivemos num mundo globalizado em que a informação e a desinformação são transmitidas instantaneamente pelo mundo inteiro para serem interpretadas em contextos muito diversos. Isto criou uma nova situação para os cartoons satíricos que historicamente sempre foram muito dependentes de contextos locais. Veja o Charlie-Hebdo ou Jylands-Posten [o jornal dinamarquês que publicou as caricaturas de Maomé]. Não pensaram, creio eu, que os seus desenhos viessem a provocar este impacto. Os cartoonistas tornaram-se símbolos de algo que não previram e que está relacionado com a circulação rápida e livre da informação”. Sem menosprezar os efeitos da globalização, vale a pena constatar a adaptação do desenho, satírico enquanto arte e técnica, ao mundo criado pelas tecnologias de informação. A actividade de Nadia Khiaria é nesse aspecto exemplar. Foi nas redes socias que esta artista criou e divulgou Willis From Tunis, série de cartoons que acompanharam, na forma de comentários irónicos, os avanços e recuos da Revolução de Jasmin. “O desenho humorístico é muito claro, tem pouco texto. Adapta-se a todos suportes, sejam digitais ou analógicos”, diz Wivel. “Parafraseando Art Spiegelman [o autor de Maus] por vezes é mais difícil não conseguir ler um cartoon, do que lê-lo”. E ler um cartoon pode ter um efeito terapêutico, como lembram (quase) todos os retratados. Rir pode ser, no filme, um antídoto contra o absurdo, a violência, a guerra, a estupidez. Protege-nos do poder e da vaidade. É na sua expressão que os cartoons prosperam. O que poderiam fazer diante do muro da Cisjordânia, da prepotência de Putin ou de Maduro, da ambição de Zarkozy, do fanatismo religioso, senão fazer rir? “Sem o humor, o mundo tornar-se-ia insuportável. Um sítio inabitável”, conclui Stéphanie Valloato.
REFERÊNCIAS:
Violentos, os neandertais? Não mais do que nós
Para verificar se a imagem de humanos violentos que se lhes colou à pele correspondia à realidade, os neandertais foram submetidos a uma análise aos crânios. Passaram no teste da comparação com a nossa espécie naqueles tempos paleolíticos. (...)

Violentos, os neandertais? Não mais do que nós
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento -0.52
DATA: 2018-12-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para verificar se a imagem de humanos violentos que se lhes colou à pele correspondia à realidade, os neandertais foram submetidos a uma análise aos crânios. Passaram no teste da comparação com a nossa espécie naqueles tempos paleolíticos.
TEXTO: É mais uma machadada (salvo seja) num estereótipo que dura há mais de 160 anos, desde que os primeiros ossos de um neandertal foram descobertos no vale (Tal, em alemão) de Neander, perto de Düsseldorf, Alemanha. Depois de terem sido apresentados tantas vezes como criaturas rudes, os neandertais têm vindo aos poucos a ter o seu retrato traçado mais ao encontro de como terá sido na realidade este grupo de humanos. E é neste sentido que surge uma análise de comparação de lesões no crânio em neandertais e humanos modernos (a nossa espécie) seus contemporâneos. Afinal, tanto eles e como nós tínhamos nessa altura, entre há 80 mil e 20 mil anos, o período dos fósseis analisados, níveis semelhantes de ferimentos. O que contradiz a hipótese de que os neandertais tinham um estilo de vida mais violento do que os humanos modernos, uma ideia que seria evidenciada por taxas elevadas de traumatismos ósseos. Os neandertais surgiram como um grupo de humanos há cerca de 400 mil anos na Europa e sempre viveram no continente euroasiático. Há cerca de 28 mil anos desapareceram para sempre como grupo humano, não sem antes – sabe-se agora graças ao avanço das técnicas de sequenciação genética, depois de um intenso debate científico centenário – se terem cruzado reprodutivamente com a nossa própria espécie, deixando-nos um bocadinho do seu ADN como herança genética. À Europa, a nossa espécie, saída de África, chegou há cerca de 45 mil anos. Um dos últimos locais onde os neandertais viveram foi na Península Ibérica. O seu desaparecimento continua a ser um mistério. “Viveu em grutas, cobria o corpo com peles, tinha verdadeiras estratégias de caça, inclusivamente de animais de grande porte, alimentando-se quase exclusivamente de carne, aceitava indivíduos menos capazes fisicamente no seio dos seus grupos, trabalhava a pedra de um modo eficiente e pensava na morte”, escreveu sobre o Homem de Neandertal Eugénia Cunha, antropóloga forense e especialista em evolução humana da Universidade de Coimbra, no livro de divulgação científica Como nos Tornámos Humanos, de 2010. A extinção destes seres “inegavelmente inteligentes”, estará relacionada com a nossa chegada ao Próximo Oriente e à Europa, nota Eugénia Cunha, mas o que aconteceu ao certo não está esclarecido. Para lá deste debate sobre as razões da sua extinção, a forma como os neandertais foram tantas vezes retratados nem sempre lhes foi muito lisonjeira. Eram vistos como rudes e violentos. Mas, entretanto, também já foram representados no extremo oposto – dizendo-se que, se usassem um fato, uma gravata e um chapéu, passariam despercebidos no metro de Nova Iorque. Muitas das investigações que têm surgido indicam que eram humanos sofisticados e parecidos connosco em muitos aspectos. Ninguém nega, no entanto, que há diferenças anatómicas entre os neandertais e a nossa espécie – eles com uma estatura mais atarracada e robusta, adaptada ao frio daqueles tempos, e nós mais esguios. Os neandertais, por exemplo, não tinham queixo, a testa era baixa e o seu cérebro mais volumoso do que o nosso. A ideia da sua rudeza e violência não surgiu do nada: baseou-se numa taxa invulgarmente elevada de ferimentos traumáticos descritos em fósseis de neandertais, explica um comunicado da Universidade de Tübingen (Alemanha), que conduziu agora o novo estudo, publicado esta quinta-feira na revista Nature. E a zona da cabeça e do pescoço, pensava-se, seria particularmente atingida. Por diversas razões: os neandertais teriam um comportamento social violento, os acidentes seriam comuns, uma vez que eram caçadores-recolectores em condições ambientais duras (a Europa estava então sob um manto de neve e gelo), seriam atacados por animais carnívoros como o urso-das-cavernas e, para caçarem, tinham de se aproximar muito das presas para as apunhalar e atirar lanças. “Desta forma, as taxas elevadas de ferimentos nos neandertais têm sido usadas para inferir não só que tinham estilos de vida perigosos como um comportamento violento e técnicas de caça inferiores”, refere o comunicado. “Estas interpretações têm implicações importantes para a reconstituição da paleobiologia e comportamento dos neandertais e moldaram a percepção prevalecente sobre a espécie. No entanto, baseiam-se largamente em provas empíricas, uma vez que os traumatismos entre os humanos do Paleolítico são frequentemente relatados em descrições caso a caso”, acrescentam os cientistas no artigo científico. A equipa de Katerina Harvati, da Universidade de Tübingen, foi então verificar se o estilo de vida e os comportamentos dos neandertais seriam realmente tão violentos como os descreviam. Em vez de se limitarem a analisar os traumatismos em esqueletos a nível individual, os cientistas avançaram para uma análise quantitativa a nível populacional, comparando os traumatismos cranianos entre neandertais e humanos modernos do Paleolítico Superior. Para tal, utilizaram informações sobre centenas de ossos dos dois tipos de humanos, com e sem marcas de ferimentos, publicadas na maior base de dados disponível sobre fósseis. As informações sobre 836 ossos, datados com 80 mil a 20 mil anos, são relativas a crânios de 114 neandertais e de 90 humanos modernos descobertos pela Eurásia – desde Gibraltar até ao Quirguistão, passando por Israel, Itália, França ou Espanha. De Portugal está lá informação relativa a um fragmento de um humano moderno encontrado na Gruta do Caldeirão, na zona de Tomar. Usando vários modelos estatísticos, a equipa teve em conta o sexo, a idade desse indivíduo na altura da morte, a localização geográfica onde o osso foi encontrado e o estado de conservação. “Tanto quanto é do nosso conhecimento, esta é a maior investigação a nível populacional dos traumatismos cranianos nos neandertais até agora e que usa uma amostra de comparação de humanos modernos do Paleolítico Superior como contextualização”, frisa a equipa no artigo científico. “Os nossos resultados refutam a hipótese de que os Neandertais tinham mais tendência para ferimentos na cabeça do que os humanos modernos, contrariando a percepção comum. Acreditamos por isso que os comportamentos comummente mencionados dos neandertais como estando na origem de níveis elevados de ferimentos, como comportamentos violentos e capacidades inferiores de caça, têm de ser reconsiderados”, sublinha por sua vez no comunicado Katerina Harvati. Além de níveis de ferimentos semelhantes, os cientistas constataram que os esqueletos atribuídos ao sexo masculino apresentavam mais ferimentos do que os do sexo feminino tanto entre neandertais como entre humanos modernos, um padrão observado igualmente em grupos humanos mais recentes. Como hipótese para esta constatação, a equipa aponta a divisão do trabalho entre homens e mulheres, bem como outros comportamentos e actividades relacionados com o sexo dos indivíduos. Mas, numa análise mais fina, também se encontraram diferenças. “Enquanto os neandertais e os humanos modernos do Paleolítico Superior exibiam uma prevalência global de traumatismos, descobrimos que existia uma diferença relacionada com a idade em cada uma das espécies”, explica por sua vez Judith Beier, igualmente da Universidade de Tübingen e a primeira autora do artigo científico na Nature. Também como hipótese para estas observações, a equipa adianta que os neandertais poderiam ter mais probabilidade de se ferirem quando eram novos ou de morrer depois de um ferimento do que os humanos modernos. “Este padrão relacionado com a idade é um novo resultado. Globalmente, no entanto, os nossos resultados sugerem que os estilos de vida dos neandertais não eram mais perigosos do que os dos nossos antepassados, os primeiros humanos modernos europeus”, assinala Katerina Harvati. Num comentário na revista Nature que acompanha o trabalho, Marta Mirazón Lahr considera que “o poder” desta análise reside precisamente na forma como o estudo foi concebido. “Em vez de se compararem dados de neandertais com dados mais recentes ou de populações humanas actuais, como fizeram estudos anteriores, os autores basearam as suas comparações em humanos que não só partilharam o seu ambiente com os neandertais como havia semelhanças no nível de preservação dos fósseis”, assinala aquela paleoantropóloga da Universidade de Cambridge, Reino Unido. “O estudo de Beier e dos colegas não invalida as estimativas anteriores de traumatismos entre os neandertais. Em vez disso, fornece um novo enquadramento para interpretar esses dados mostrando que o nível de traumatismos nos neandertais não era excepcionalmente elevado em relação aos primeiros humanos modernos na Eurásia”, acrescenta ainda Marta Mirazón Lahr, que dá ainda destaque às diferenças entre estes dois grupos humanos. “A descoberta de que os neandertais podem ter sofrido mais traumatismos quando eram novos do que os humanos [modernos], ou que tinham um risco maior de morte depois de um ferimento, é fascinante e pode ser uma revelação-chave sobre a razão por que é que a nossa espécie teve uma vantagem demográfica sobre os neandertais. ”Mas se este trabalho vem refutar a má fama dos neandertais, Marta Mirazón Lahr considera que ainda não é a palavra final quanto aos seus traumatismos, uma vez que só foram analisadas as lesões no crânio. “E se os neandertais acumulavam mais ferimentos no corpo do que os humanos [modernos]? Há dados que sugerem que pode ter sido esse o caso. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Independentemente do que futuros estudos venham a concluir sobre as perguntas ainda em aberto, é longo o caminho que os neandertais já fizeram até aqui para que mudássemos a percepção sobre eles. Terminamos com alguns exemplos. Se os imaginamos de cabelo e pele escuros, desenganemo-nos. Também os havia ruivos e de pele clara, como muita gente da nossa espécie oriunda do Norte da Europa, segundo revelou uma investigação, em fósseis de neandertais, de um gene responsável pela variação da cor da pele e do cabelo nos humanos (o gene MC1R, envolvido na produção de melanina). Num outro gene relacionado com a linguagem, o FOXP2, apresentavam já uma mutação, idêntica à dos humanos modernos, que lhes conferia a possibilidade de falarem. E há indícios de que enterravam os seus mortos, tal como nós, uma manifestação de pensamento simbólico. Nos últimos tempos, têm-se acumulado provas de que os neandertais manifestavam um pensamento abstracto e simbólico idêntico ao da humanidade actual – por exemplo, usavam objectos de adorno pessoal, que não tinham função prática mas sim simbólica. E, segundo uma investigação recente de pinturas rupestres em grutas espanholas, terão sido os primeiros a pintar grutas há 65 mil anos, quando a nossa espécie ainda não tinha chegado à Europa. De brutamontes a artistas, e não mais violentos do que nós nesses tempos, assim se traça um retrato mais realista dos neandertais.
REFERÊNCIAS:
Atrás dos burros selvagens da China
Partiram de Portugal para viajar quase cinco mil quilómetros, pelo coração da lendária Rota da Seda, em versão genética. Tinham em mira burros, marmotas e aves. Primeira de duas partes de uma expedição científica. (...)

Atrás dos burros selvagens da China
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento -0.15
DATA: 2010-06-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Partiram de Portugal para viajar quase cinco mil quilómetros, pelo coração da lendária Rota da Seda, em versão genética. Tinham em mira burros, marmotas e aves. Primeira de duas partes de uma expedição científica.
TEXTO: Pela mira telescópica, seis burros, alinhados lado a lado, cabeças levantadas, orelhas espetadas, olham na direcção de quem os olha ao longe. “Eia, que espectáculo! Todos a olhar para cá”, diz Albano Beja Pereira. “Oh, sim”, concorda Chen Shanyuan, quando chega a sua vez de espreitar pela mira, em cima de um tripé assente na areia. “Posso ver?”, atira Nuno Monteiro. Surgem umas orelhas com pontas pretas, crinas negras, cabeças e dorsos cremes, patas e ventres de um branco sujo, entre uma paisagem dominada pela areia pintalgada por vegetação rasteira, verde-escura. O burro selvagem da Mongólia, o Equus hemionus hemionus, esquivo à presença humana, tem o estatuto de espécie ameaçada. Parente afastado dos burros domésticos, encontra-se em bolsas fragmentadas no Irão, Índia, Turquemenistão, Mongólia e Norte de Xinjiang, a região mais a ocidente da China. E depois de Beja Pereira, Chen Shanyuan e Nuno Monteiro, também Ablimit Abdukadir se baixa para os contemplar pelo pequeno monóculo no tripé. Continuam todos virados para cá, mas os quatro cientistas que os espiam conseguem manter-se incógnitos, a um quilómetro de distância, quais David Attenborough em plena expedição atrás dos burros selvagens da Ásia. “Temos o vento contra nós, estamos na melhor situação possível”, diz Beja Pereira, 37 anos, zootécnico do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) da Universidade do Porto, enquanto deixa para trás, junto aos dois jipes por que se reparte a expedição, os outros cientistas e toma a dianteira para se ir aproximando dos burros. Vai a pé, meio agachado, com a mochila às costas. Avança pelas franjas do deserto de Gurbantünggüt, no Norte de Xinjiang. É uma planura arenosa, mil metros acima do nível do mar, coberta aqui e ali por uma crosta de sal que estala mal se pisa. Nem um arbusto alto que faça de esconderijo e dê alguma sombra. Nem uma pinga de água, que ficou esquecida no jipe, para acalmar os efeitos dos 35 graus pelas três da tarde. Nem a sensação de isolamento associada ao deserto. Avista-se uma estrada alcatroada, a mesma utilizada minutos antes pelos jipes da equipa, que continua a ser cruzada por um constante ir e vir de camiões (tem restaurantes na berma, num deles haveria mais tarde de se pedir uma sopa de cogumelos e tofu, mais a mosca que vinha a boiar). E há um cercado, com um portão fechado a cadeado, que um guia local abre para a equipa. Os burros não correm em total liberdade pela planície do Gurbantünggüt, o segundo maior deserto da China, a seguir ao Taklamakan, no Sul de Xinjiang. O cercado, na Reserva Natural de Ungulados Selvagens de Karamaile, com 158 mil hectares, impede-os de ir para a estrada. No seu encalço, logo depois de Beja Pereira, segue Nuno Monteiro, 36 anos, biólogo do Cibio e docente de Parasitologia na Universidade O investigador Beja Pereira recolhe excrementos para análise do ADN Fernando Pessoa, no Porto. E o chinês Chen Shanyuan (ou Jay, a alcunha inglesa que adoptou para os ocidentais), de 30 anos, a viver em Portugal há algum tempo como estudante de pós-graduação de Beja Pereira. Ainda na dianteira, olhos postos no chão, o zootécnico cedo se depara com um objecto, o primeiro de todos, muito desejado pela expedição. “Tens aí luvas?”, pergunta-lhe, cá de trás, Nuno Monteiro. “Tenho”, diz Beja Pereira. O que eles viajaram até este momento chegar. Para sul, 1500 quilómetros Chegaram dez dias antes, a Ürümqi (lê-se algo como “Urumquexi”), a capital de Xinjiang, região onde a etnia uigur (muçulmana, de origem turca e minoritária na China) vive há mais de quatro mil anos e ainda é dominante entre os 20 milhões de habitantes. Esperava-os Ablimit Abdukadir, investigador do Instituto de Ecologia e Geografia de Xinjiang, membro do grupo de especialistas em felinos da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). É este uigur, 56 anos, que é o anfitrião de Beja Pereira, Nuno Monteiro e Chen Shanyuan – este da etnia han, que forma 91 por cento da população da China. Rota da Seda 2010 é o nome da expedição. A capital fica apenas 400 quilómetros a sul da reserva natural de Karamaile. Mas, agora, os seus três milhões de pessoas, estradas largas, filas e mais filas de carros, arranha-céus no centro, triciclos, bicicletas, motorizadas eléctricas, bancas de fruta, de vegetais ou de comida na rua, lojas com cartazes gigantes em mandarim e uigur, um bazar internacional, mulheres com lenços na cabeça, enfim, a azáfama de uma qualquer grande cidade, a que não falta um restaurante da Kentucky Fried Chicken, parecem um mundo distante. É que, até ao encontro com os burros selvagens da Mongólia, muitos foram os quilómetros de estrada, muitas as montanhas atravessadas, as horas no deserto, as sestas a que foi impossível resistir em longas rectas, as paragens em casas de banho improvisadas, muitos os solavancos. Mais distantes ainda parecem os acontecimentos violentos que rebentaram a 5 de Julho do ano passado: durante alguns dias, as ruas de Ürümqi foram palco de confrontos entre uigures e chineses han, que resultaram oficialmente em 197 mortos e mais de mil feridos, no envio de milhares de soldados para manter a ordem e no corte dos telefones, Internet e e-mail, só há pouco tempo restabelecidos (em 1949, Xinjiang passou a ser controlada pela recém-proclamada República Popular da China, mas mantiveram-se os movimentos independentistas e de resistência uigur). Logo à chegada, a expedição começou por arrancar em sentido oposto, para o Sul, portanto, rumo à Reserva Natural das Montanhas Arjin, a 1500 quilómetros de Ürümqi. Objectivo: ver outro burro selvagem da Ásia, o do Tibete, ou Equus kiang. Se o virmos nas fotografias, o burro selvagem do Tibete tem a cabeça e o dorso mais castanhos e peludos do que o burro da Mongólia. É o maior dos burros selvagens da Ásia, e há um mistério em relação a ele. Existem três subespécies, uma delas nas Montanhas Arjin? Ou há apenas uma espécie, com variações ecológicas? “Ninguém sabe, é um quebra-cabeças”, diz Beja Pereira. O facto de a Reserva Natural das Montanhas Arjin ser bastante fechada, em particular à entrada de estrangeiros, tem perpetuado este mistério. É para lá que a equipa se dirige primeiro. Ürümqi-Korla, primeiro dia de viagem, com a passagem por um parque de geradores eólicos, quase sem fim, ainda às portas da capital e pela imensa cordilheira Tianshan, despida de árvores, em tons de castanho, creme e amarelo. Parece talhada à faca. Eis que, no meio de nada, ao fim de 550 quilómetros, surgem os arranha-céus de Korla, uma das cidades da célebre Rota da Seda, que durante séculos ligou a Ásia ao Mediterrâneo. Korla-Qarqan, segundo dia, mais de 700 quilómetros, com travessia pela orla leste do deserto do Taklamakan em plena tempestade de areia. A realidade pelo vidro do jipe apresenta-se esbranquiçada e limitada a poucos metros, como se um nevoeiro se tivesse abatido na auto-estrada, e os grãos finíssimos entranham-se pelo nariz. Durante séculos, a Rota da Seda contornava o Taklamakan, a norte e a sul, convergindo na cidade-oásis de Kashgar. Então o deserto engolia quem se atrevesse a desafiá-lo, agora as suas reservas importantes de petróleo originaram a construção de auto-estradas que o cruzam sem temor. Nem um vislumbre dos camelos selvagens de duas bossas, cada vez mais raros, criticamente ameaçados, que ainda vivem no Taklamakan, antepassados dos camelos domésticos com o mesmo número de bossas, e que a Sociedade Zoológica de Londres inclui entre os dez mamíferos mais raros do planeta (existirão menos de mil na China e na Mongólia). E o terceiro dia, passado em Qarqan, cidade plana, 800 metros acima do nível do mar, outra importante passagem ao longo da Rota da Seda, foi para tratar da logística para a subida a quase quatro mil metros de altitude. Compraram-se agasalhos numa loja de material militar: casacos compridos verdes, gorros, luvas. Entre brincadeiras, Beja Pereira e Nuno Monteiro improvisaram poses militares, esticando os ombros e pescoços com ar imponente, que um capacete na loja atulhada ajudou a compor. Arranjam-se sacos de oxigénio, caso alguém se sinta mal nas alturas das Montanhas Arjin. Há passeios pelo bazar, com as suas bancas de vegetais, sacos de arroz, carne pendurada ao ar livre, restos de uma vaca no chão, pães nan tendidos com a forma de pizzas e colados nas paredes do forno que os coze ali mesmo, ou roupas, tudo a três passos de uma das poucas mesquitas que se encontraram pelo caminho. Sorriem-nos, querem saber de onde vêm os estranhos. As mulheres, pintadas, de saltos altos, exibem os seus lenços garridos, a maior parte mantendo a cara destapada. Os homens optam quase sempre por cobrir a cabeça, ou com bonés ou chapéus de feltro ou os tradicionais chapéus muçulmanos bordados. Há tempo para provar kebabs (espetadas de borrego) e o pollo (prato de arroz com pedaços de cenoura e um naco de borrego em cima), acompanhados pelo chá omnipresente a cada refeição. O guardião da reservaQarqan-Montanhas Arjin, quarto dia de viagem, com um novo guia nesta etapa da expedição, o uigur Tursunjan Yakub, guarda-florestal do Departamento de Florestas de Qarqan. Sem se dar por isso, a altitude vai aumentando – até que a planície de areia e pedras, cortada por uma estrada em tal estado que tudo tremelica, começa a ceder lugar à montanha. Um rio teima em ser presença constante, atravessado vezes sem conta nas curvas e contracurvas montanha acima; a três mil metros é altura de uma paragem. De um lado, tem-se a visão panorâmica das encostas Arjin acabadas de subir, rocha e terra apenas, feridas pela erosão, e do pastor com quem nos cruzámos e que aí vem, montado no seu burro doméstico, um ponto minúsculo visto daqui. Olhando para o caminho a seguir, erguem-se ao fundo os picos com neve da Montanha de Kunlun, parte do sistema montanhoso dos Himalaias, na fronteira entre Xinjiang e o Tibete. Segue-se um planalto. Casas de pastores, rebanhos de ovelhas, cavalos e camelos domésticos dispersam-se aqui e ali. Por fim, a chegada a uma estação de gestão da vida selvagem. Passaram seis horas desde a partida de Qarqan, viajaram-se apenas uns 200 quilómetros. A estação fica num terreiro ventoso e frio, a cerca de 3600 metros de altitude. Há casas de tijolo, há um entreposto comercial, há gente ora sentada à porta, ora de um lado para o outro, ora a carregar mercadorias. “Nesta montanha, e à volta, vivem 500 pastores. São nómadas”, explica Ablimit Abdukadir. “Se precisam de sal, cigarros, combustíveis, fazem as compras aqui. ” No entreposto, há uma sala com dois telefones fixos muito requisitados, sofás velhos, caixas de soro injectável, que dá para uma sala de estar, cheia de gente a entrar e sair, com tapetes nas paredes, um televisor e um reconfortante fogão a carvão. O casal uigur que gere o entreposto recebe os visitantes com pães nan e chá, e logo a expedição volta à estrada, com a intenção de acampar mais acima. É apenas preciso transpor uma cancela, uns metros à frente, que aguarda quem quer entrar na reserva natural. Numa tenda ao lado, um jovem chinês han, o guardião da reserva, quer ver, na autorização escrita dos trabalhos científicos da equipa para a região de Xinjiang, a referência específica às Montanhas Arjin. Como se as Arjin não fossem em Xinjiang. Ou, então, os estrangeiros teriam de pagar quatro mil euros. Não consta tal referência na autorização, e nem Ablimit Abdukadir nem Chen Shanyuan conseguem demover o guardião da reserva. Numa última tentativa, de volta ao entreposto, um telefonema para um dos responsáveis da área protegida também não surte efeito. O mistério dos burros selvagens nas Arjin, onde os cientistas estrangeiros não entram desde os anos 80, até porque a espécie está associada ao vizinho Tibete, uma zona politicamente conturbada, vai portanto manter-se para já. Foram 1500 quilómetros desde Ürümqi, iria iniciar-se o caminho de volta, ao cair da tarde. O saco-cama, que preenche um quarto da mala de viagem, afinal não serviu para nada. Era melhor nem pensar nos abanões no jipe até Qarqan, onde se chegaria à uma da manhã. Nem nos quilómetros até à capital (com um desvio de uns dias para procurar uma certa marmota e a ave que com ela partilha a toca, no planalto de pradarias de Bayanbulak, que ficam para a segunda parte do relato desta expedição). Atravessa-se de novo o Taklamakan, mas pelo centro, e a cordilheira Tianshan. De Ürümqi, a viagem continua para o Norte – em busca dos burros da Mongólia, e a visão, à segunda saída da capital, é a de uma sucessão de centrais térmicas e de refinarias de petróleo e gás natural, recursos em que Xinjiang é rica. “Estou desiludido”, deixa escapar Ablimit Abdukadir. “Em ciência há sempre um risco”, responde-lhe Beja Pereira. ADN a quanto obrigas Voltemos então ao momento em que Beja Pereira e os companheiros andam atrás dos burros da Mongólia – os primeiros que finalmente vêem – e estão prestes a obter o que tanto ambicionam. Excrementos. Caminhando pelo deserto, os animais juntam-se, começam a afastar-se e desaparecem. “Não dá para nos aproximarmos com tanta gente. ” Pelo terreno, Beja Pereira esborracha este e aquele dejecto com o pé, avaliando a sua frescura: “O que é que mais estraga o ADN? Os ultravioletas”, explica. “Nuno, aqui está fresco”, avisa. Através do ADN nos excrementos, Beja Pereira quer inferir o tamanho efectivo das populações de burros selvagens asiáticos – ou seja, o número de genomas únicos que se transmitem à descendência. Dois burros gémeos, por exemplo, contam como um só. Sem ter de os contar, e por meio de um método não invasivo, quer avaliar a consanguinidade dos animais e ver se todos têm igual oportunidade de se reproduzir. Quanto mais elevada for a consanguinidade, menor é a taxa de fertilidade e a viabilidade de uma população e, no final, da própria espécie. Uma auto-estrada que fragmente uma manada, deixando poucos machos de um dos lados, por exemplo, aumenta a endogamia: “Do ponto de vista do ADN, conseguimos ver se há um grupo à parte. ” Beja Pereira, que é membro do grupo de especialistas em equídeos da IUCN, tem estado a fazer este tipo de estudos para os burros selvagens africanos, criticamente ameaçados, mas faltava-lhe um termo de comparação com espécies próximas. Aliás, os burros selvagens de África (Equus africanus) valeram-lhe uma descoberta, com direito a um artigo na revista Science em 2004: anunciou que foram estes burros, e não as espécies asiáticas, a ser domesticados, há cinco ou seis mil anos. Foi o que revelaram as análises de ADN de burros selvagens africanos e de burros domésticos de 52 países, da Europa, África e Ásia. Os antepassados de todos os burros domésticos são assim os burros selvagens de África, mais concretamente duas subespécies (o burro da Núbia, região no vale do Nilo, partilhada entre o Egipto e o Sudão, e o burro da Somália). De fora da domesticação ficaram os burros selvagens da Ásia, de que a espécie da Mongólia e a do Tibete são exemplos. Nuno Monteiro quer saber quais são os parasitas e as bactérias presentes em espécies de zonas remotas como Xinjiang. “Apesar de ter havido uma ‘febre’ de explorar nichos novos, à procura de resistências a antibióticos e a antiparasitários em zonas mais remotas, ainda não se sabe muito sobre espécies emblemáticas como os burros e camelos”, explica Nuno Monteiro. “Era aqui que eles estavam”, aponta Beja Pereira para o terreno espezinhado. “Este é mesmo, mesmo fresco. ” Como bolinhos, os cientistas embrulham as amostras em papel de alumínio ou guardam-nas em tubinhos, que transportam nos bolsos e mãos enquanto cirandam por ali. Mas eles querem mais excrementos e no dia seguinte, o 11. º da expedição, vão procurar outros burros, mais a norte na Karamaile. Seguindo as indicações de outro responsável da reserva, deixam a concorrida estrada alcatrão e metem-se por caminhos de terra. Com tantos furos de petróleo pela planície e minas de carvão mineral a céu aberto, andarão os burros por aqui? Perde-se a vista neste mar de verde rasteiro e castanho, aos tombos nos jipes. Olha-se, pára-se, Beja Pereira esquadrinha a paisagem com os binóculos. Nada, apenas os vestígios que deixaram, pegadas e cocós, em redor de um charco. O silêncio é absoluto, entrecortado por uma ave distante e um telemóvel que toca. “Oláaa. Ah pois éee, hoje é o Dia da Criança”, ouve-se Beja Pereira. Quatro horas atrás dos burros, a tarde toda, mas nem vê-los. Para a manhã seguinte fica a derradeira tentativa, mais perto do local onde se viram os primeiros burros. Os contactos locais de Ablimit Abdukadir dizem que andava por ali uma manada. Será que é desta? Pelo fresco da manhã, ainda da estrada de alcatrão, vislumbra-se um burro solitário, um macho, ao fim de mais de 4500 quilómetros por Xinjiang (região que representa um sexto do território da China) e de tantas massas chinesas picantes às refeições, pequeno-almoço incluído. Um prenúncio de sucesso? “Pode estar doente, ser velho ou recém-chegado à manada”, explica Beja Pereira. Menos de meia hora de balanços pelo terreno irregular e os jipes param perto de um montículo de terra, de onde a paisagem repetitiva é perscrutada. Beja Pereira monta o tripé com a mira telescópica, Nuno Monteiro saca dos binóculos. “Estou vendo!”, diz Beja Pereira. “Um, dois, três, quatro. . . vejo cinco. ” Põe-se a caminho, em passo apressado. Os pés enfiam-se na terra. Os outros ficam no monte para lhe irem apontando a direcção dos burros, a dois quilómetros de distância, que se confundem com o terreno. “É realmente fresco”, diz dos excrementos que encontra, enquanto calça as luvas. Os burros, e afinal são muitos mais, entram por fim no campo de visão. “Estão a comer. ” Curvado, vai até outro montículo com arbustos, uns metros à frente, de onde observa e filma. “São 37. ” O resto da equipa aproxima-se a pé. “Shhhh. ” Agachados à vez, vão atrás de Beja Pereira, de monte em monte de terra. “Não nos podemos mexer agora, estão todos a olhar para cá. ” É realmente um bom dia, resume Chen Shanyuan. “Quantos machos adultos há?”, sussurra Beja Pereira para Ablimit Abdukadir. “Talvez oito. ” Quando os burros se apercebem, a cerca de 200 metros, afastam-se e mantêm sempre uma distância de segurança. Agora que foram vistos, os cientistas saem de trás dos montes de terra. Já podem vasculhar o chão à vontade. “Onde virem moscas. . . ” Segunda parte da expedição: uma história de amizade entre uma marmota e a ave que partilha com ela a toca, a 8 de JulhoO P2 viajou a convite do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do PortoNo Ano Internacional da Biodiversidade, vamos publicar quinzenalmente, e até Novembro, reportagens sobre os trabalhos que investigadores portugueses desenvolvem em Portugal e no estrangeiro na conservação da Natureza. Os conteúdos são da inteira responsabilidade do P2. A série Biodiversidade é patrocinada pelo BES.
REFERÊNCIAS: