Porque marchamos?
Portugal pode vir a receber em 2022 o EuroPride. Este evento representa a comercialização do movimento (pinkwashing) com a falsa desculpa de estar a celebrar o “progresso”. As marchas são o caminho para a mudança. (...)

Porque marchamos?
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 11 Homossexuais Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-06-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Portugal pode vir a receber em 2022 o EuroPride. Este evento representa a comercialização do movimento (pinkwashing) com a falsa desculpa de estar a celebrar o “progresso”. As marchas são o caminho para a mudança.
TEXTO: No ano e mês em que se assinalam os 50 anos da Revolta de Stonewall, que ocorreu a 28 de Junho de 1969, levanta-se novamente a questão: porquê continuar a marchar? Porque saímos à rua para lutar por algo que aparentemente está conquistado e garantido? Por que razão faz (ou não) sentido marcharmos?Para começar, uma marcha é uma manifestação pública, que consiste em ocupar a rua (espaço público) para reivindicar algo. É uma acção colectiva, é a democracia participativa. Nós, cidadãos e cidadãs, devemos ter uma participação mais activa na sociedade. A cidadania na rua significa isso mesmo. Exercer a cidadania é ter consciência dos seus direitos e deveres, garantindo que estes sejam colocados em prática. Passa por o cidadão e pela cidadã terem um papel activo. O activismo é a militância por uma causa, é a transformação da realidade por meio de uma acção prática, ou seja, através de um protesto/manifestação. Ou seja, privilegia a acção directa através de meios pacíficos ou violentos. As marchas são políticas, são uma reivindicação. Cada marcha tem o seu manifesto político. As marchas servem para celebrar o que já se conquistou, recordar os que já morreram a lutar e conquistar o que ainda falta cumprir. O papel das marchas passa por transmitir uma mensagem e ajudar a construir o movimento social. Passa por consciencializar, mobilizar e despertar o pensamento crítico. Gritam-se palavras de ordem, há cartazes, bandeiras, símbolos, etc. Tudo isto são componentes fundamentais numa marcha que inspiram um protesto que se quer fazer ouvir pelos que não estão a marchar. É preciso convencer os olhares passivos e críticos de fora: “Sai do passeio e vem para o nosso meio. ”O ano de 2019 tem sido particularmente rico em marchas em Portugal, como a histórica Greve Feminista (8 de Março), as duas igualmente históricas Greves Climáticas Estudantis (15 de Março e 24 de Maio) e com as habituais marchas pelos direitos LGBTI+. Todas estas lutas se cruzam: feminismo, clima, LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, intersexo e outras identidades). O belíssimo cartaz da 14. ª Marcha do Orgulho LGBT do Porto exprime todo este cruzamento de lutas. Sob o mote “O Porto não se rende e o orgulho não se vende”, a marcha do Porto bate o pé firmemente e dá luz e esperança ao caminho que cada vez tem mais sentido, “a interseccionalidade das opressões e a importância do activismo para a reinvindicação do(s) Orgulho(s)”. Servem também de exemplo o cartaz da 2. ª Greve Climática Estudantil: “Agora que já estás de pé, não te voltes a sentar!” e o mote da Greve Feminista, organizada pela Rede 8 de Março: “Se as mulheres param, o mundo pára”. A interseccionalidade das lutas cruza várias raízes como o género, a orientação sexual, a raça, a etnia, a classe social, etc. O caso de Marielle Franco (1979-2018), feminista e defensora dos direitos humanos, é paradigmático. Marielle era mulher, negra, lésbica e favelada. O movimento activista está a crescer e a fundir-se com as gerações mais novas. Mas ainda não é suficiente. Ainda há quem não se identifique ou que é contra este tipo de manifestações públicas. Sente-se uma fraca identificação com motes de luta, de política e de solidariedade. Ainda há uma certa passividade, ignorância e despreocupação. E há quem queira boicotar e ocupar o espaço das marchas. Passados 50 anos de lutas e conquistas de direitos LGBTI+ nunca foi tão urgente regressar às origens de revolta como hoje. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Focando apenas na temática LGBTI+ e visto estarmos em pleno mês de Junho, o mês do Orgulho (Pride), é de salientar que são cada vez mais as empresas duvidosas que transformam este mês numa época de consumismo de produtos revestidos com as cores LGBTI+ com o único objectivo de gerar lucro. Portugal pode vir a receber em 2022 o EuroPride. Este evento representa a comercialização do movimento (pinkwashing) com a falsa desculpa de estar a celebrar o “progresso”. O Pride é uma festa, uma parada, um desfile de marcas. São ocos, um vazio político que consiste em festejar o orgulho LGBT, sem reivindicar absolutamente nada. Ainda há tanto por lutar e o sistema capitalista, machista, xenófobo e patriarcal quer ocupar o movimento activista. Em Portugal assinalam-se os 20 anos da primeira marcha, em Lisboa. Vinte anos depois Aveiro, Barcelos, Braga, Bragança, Coimbra, Faro, Funchal, Guimarães, Porto, Vila Real e Viseu também já marcham! As marchas são o caminho para a mudança. Porque nada está garantido e de um momento para o outro tudo pode desaparecer. É preciso ir para a rua, é preciso marchar todos os dias! Devemos marchar enquanto não estivermos todos(as) livres de qualquer tipo de opressão, ou seja, “não há orgulho para algumas(uns) sem a libertação de todas(os) nós”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos humanos mulher social género sexual mulheres deveres negra feminista raça lgbt feminismo lésbica
Joaquim Pinto, James Franco e Gore Vidal no QueerLisboa 2013
17ª edição do festival de cinema gay e lésbico decorre de 20 a 28 de Setembro e foi apresentada esta quarta-feira em Lisboa. (...)

Joaquim Pinto, James Franco e Gore Vidal no QueerLisboa 2013
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-09-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: 17ª edição do festival de cinema gay e lésbico decorre de 20 a 28 de Setembro e foi apresentada esta quarta-feira em Lisboa.
TEXTO: E Agora? Lembra-me, o documentário auto-biográfico de Joaquim Pinto que saiu do recente festival de Locarno com o Grande Prémio do Júri, terá a sua primeira exibição oficial em Portugal integrado no 17. º Queer Lisboa. A edição 2013 do Festival Internacional de Cinema Queer (de temática LGBT - lésbica, gay, bissexual e trans-género) decorre de 20 a 28 de Setembro próximo no cinema São Jorge e no Teatro do Bairro, em Lisboa, e a sua programação foi esta quarta-feira divulgada. O Queer 2013 vai trazer igualmente a ante-estreia em Portugal do filme de James Franco e Travis Mathews, Interior. Leather Bar. , sobre as lendárias "cenas cortadas" do policial de William Friedkin com Al Pacino A Caça, bem como o documentário de Nicholas Wrathall The United States of Amnesia, retrato do recém-falecido escritor e ensaísta americano Gore Vidal. Com 93 filmes nas suas várias secções, escolhidos de entre cerca de 700 obras submetidas à organização, o 17º Queer Lisboa tem este ano uma forte presença portuguesa, num total de 15 entradas. Entre elas encontram-se duas longas-metragens na competição oficial: Noches de Espera, de Tiago Leão, e O Carnaval é um Palco, a Ilha uma Festa, de Rui Mourão. O festival exibirá igualmente a curta de João Pedro Rodrigues O Corpo de Afonso, encomenda de Guimarães Capital da Cultura. A organização do certame apontou o modo como a actual situação política e económica europeia afecta as comunidades LGBT como "fio condutor" da programação da edição 2013 do Queer. Uma das secções paralelas, Queer Focus, olha aliás este ano para a ligação entre a cidade e a comunidade LGBT. Quatro júris distintos serão encarregues de escolher os melhores filmes nas quatro principais secções competitivas do festival: Melhor Longa-Metragem, Melhor Curta-Metragem, Melhor Documentário e a nova In My Shorts, dedicada às curtas "escolares" realizadas no âmbito de cursos de cinema. Cinta Pelejà, directora do DocLisboa, os realizadores Cláudia Varejão, António da Silva e Carlos Conceição e a produtora Maria João Mayer são alguns dos nomes escalados para os quatro júris internacionais. Entre as longas a concurso encontram-se Interior. Leather Bar. , que, estreado nos festivais de Sundance e Berlim, terá estreia portuguesa no início de Outubro, e In the Name of, da polaca Malgoska Szumoska (realizadora de Elas, com Juliette Binoche), sobre a atracção homossexual de um padre por um jovem delinquente. Mantêm-se as populares retrospectivas Queer Pop e Queer Art (este ano sob o genérico Queer Sci-Fi Art) e as Noites Hard, dedicadas ao cinema pornográfico, destacam este ano o realizador Avery Willard. A abrir o festival, no dia 20, estará o documentário do americano Malcolm Ingram Continental, sobre a lendária sauna nova-iorquina do mesmo nome, e a encerrar, a 28, o filme de Michael Mayer Out in the Dark, sobre uma história de amor entre um israelita e um palestiniano. O programa pode ser consultado a partir de hoje no site oficial em www. queerlisboa. pt, e os bilhetes encontram-se já à venda nas bilheteiras das salas. Seis escolhasE Agora? Lembra-me, o documentário/ensaio auto-biográfico sobre a vivência de vinte anos com o HIV e com a hepatite C do cineasta Joaquim Pinto terá a sua estreia portuguesa na 17ª edição do Queer Lisboa. Apresentado a concurso no Festival de Locarno, venceu aí o Grande Prémio do Júri e ainda o prémio da Federação Internacional de Críticos de Cinema (FIPRESCI). O Carnaval é um Palco, a Ilha uma Festa é o título do documentário de Rui Mourão apresentado na secção competitiva do 17º Queer Lisboa. Trata-se de um olhar sobre as festas de carnaval açorianas na ilha Terceira, inspirada pelo comentário casual de uma terceirense “apaixonada” por elas. O filme-ensaio Interior. Leather Bar. chega ao Queer Lisboa 2013 com assinalável notoriedade internacional, antes de uma estreia portuguesa em início de Outubro. O encontro entre James Franco, actor de filmes como Homem-Aranha ou Oz, o Grande e Poderoso, e o cineasta Travis Mathews ocorre sob o signo do controverso policial de 1980 de William Friedkin A Caça, ambientado no submundo gay nova-iorquino. Gore Vidal – The United States of Amnesia é o título do documentário que Nicholas Wrathall dedicou ao escritor e ensaísta norte-americano, exibido no Queer Lisboa. Vidal ainda colaborou activamente com o cineasta, que rodou parte significativa do filme antes da sua morte em 2012. The Comedian, apresentado na secção competitiva do Queer Lisboa, é um dos objectos mais peculiares do recente circuito de festivais. A primeira longa do britânico Tom Shkolnik, sobre a vida pessoal e amorosa complicada de um comediante londrino, foi inteiramente improvisada pelo elenco frente à câmara, em takes únicos, e montada ao longo de um ano a partir de 90 horas de imagens. I Am Divine é outro dos documentários apresentados no Queer Lisboa. O realizador Jeffrey Schwarz conta a história de Harris Glenn Milstead, aliás Divine, o ícone queer popularizado através dos filmes do cineasta de culto John Waters, como Pink Flamingos, Female Trouble ou Laca, falecido em 1988 com apenas 42 anos.
REFERÊNCIAS:
"As universidades estão cheias de radicais de esquerda"
É um dos polemistas do momento. Professor de Psicologia na Universidade de Toronto, fala sobre género, minorias, esquerda/direita, homossexualidade, religião, o papel matriarcal... A suas palestras online têm dezenas de milhões de seguidores e enche salas de conferências por onde passa. 12 Regras para a Vida, o seu último livro, é um fenómeno de vendas. (...)

"As universidades estão cheias de radicais de esquerda"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 14 | Sentimento 0.35
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: É um dos polemistas do momento. Professor de Psicologia na Universidade de Toronto, fala sobre género, minorias, esquerda/direita, homossexualidade, religião, o papel matriarcal... A suas palestras online têm dezenas de milhões de seguidores e enche salas de conferências por onde passa. 12 Regras para a Vida, o seu último livro, é um fenómeno de vendas.
TEXTO: Jordan B. Peterson dá uma entrevista atrás de outra e estas começam a atrasar-se. O P2 chega antes da hora, mas tem de esperar que o professor catedrático de Psicologia da Universidade de Toronto termine a terceira que dá na manhã de quinta-feira. Quando sai da sala, percebe-se que está cansado. Distante, informa a editora que precisa de parar para comer. Qualquer coisa? Não, o almoço. Esperamos e só uma hora depois de marcada é que a entrevista começa. Pelo meio ficamos a saber junto do editor José Prata da Lua de Papel, que a conferência que este professor — um fenómeno do YouTube com mais de 1, 5 milhões de seguidores — dará naquela noite teve de mudar de sala, de uma com capacidade para 80 lugares para outra com 600, e depois para o hall do campus de Carcavelos da Universidade Nova de Lisboa, com capacidade para mil lugares sentados. Aqui, quem quisesse podia ver e ouvir Peterson de pé e sabe-se que alguns bilhetes gratuitos (obtidos mediante uma inscrição prévia) foram vendidos. As perguntas que seriam feitas naquela noite foram votadas numa aplicação. As três mais populares foram as escolhidas e àquela hora da manhã já tinham mais de 600 votos cada uma. São sinais de que o sucesso deste professor canadiano é grande. E há que lembrar que as suas conferências, bem como as entrevistas, são, regra geral, rodeadas de polémica. A saber: é acusado de ser misógino; questiona por que continua a comunidade LGBT a exigir coisas quando já tem tantos direitos; não acredita que haja disparidades salariais entre homens e mulheres; condena-as por criarem filhos fracos. No campo da política, a direita olha para Peterson com admiração. Afinal, lembra os crimes perpetrados pelo comunismo, mas o professor salvaguarda que também não esquece as atrocidades nazis. Ao final da tarde, a plateia está completa e é constituída, sobretudo, por jovens que aclamam Peterson quando este desce a imponente escadaria para chegar ao palco. A sala de pé, palmas e gritos como se de uma estrela de rock se tratasse. Apesar do entusiasmo geral, não se vislumbra qualquer sorriso no rosto fechado do conferencista. A palestra durará quase hora e meia e o professor faz uma ligação entre o seu anterior livro Maps of Meaning que, diz o editor, “revolucionou a psicologia das religiões”, e o novo, o que veio lançar e é já o número um nos tops de venda nacionais, 12 Regras para a Vida. Embora pareça ser um livro de auto-ajuda — Quer ser uma pessoa melhor? “Levante a cabeça e endireite as costas” é a regra n. º 1 —, Peterson percorre a história da humanidade, recorrendo à biologia, à psicologia, à religião (a Bíblia é sobejamente citada), à literatura e até aos filmes da Disney. Mas voltemos ao final da manhã do dia em que o psicólogo andou a promover os seus livros em Portugal. Peterson almoça com a sua mulher, Tammy Roberts. São adeptos da dieta carnívora. Só comem carne de vaca e foi a filha Mikhaila a primeira a começar esta dieta por razões de saúde. É no último capítulo do livro que ficamos a saber que em criança Mikhaila sofreu de artrite reumatóide, teve problemas com as articulações e que, por isso, teve de ser submetida a várias operações. Neste capítulo (cada um corresponde a uma das 12 regras), Peterson escreve: “As pessoas podem sobreviver a muita dor e perda. Mas, para perseverar, devem ver o bem no Ser. Se perdem isso, estão verdadeiramente perdidas. ”No seu último capítulo fala da doença da sua filha e termina dizendo: “As coisas estão bem. Por agora. ” Como está a sua filha?Muito melhor. É por causa da dieta carnívora? Funciona?Parece que sim. Ela não tem sintomas. Mas é uma dieta controversa, sobretudo quando tanta gente está a deixar de comer carne. Eu não a recomendo. É muito monótona, torna as viagens difíceis, é má para a nossa vida social e é chata. Já se sabia que o jejum faz bem a quem tem artrite, li muito sobre isso, quando a minha filha era criança, mas começámos a perceber que ela reagia [mal] a quase tudo e foi assim que chegámos a esta dieta. Nesse último capítulo parece que a relação que tem com a sua mulher é muito equilibrada, que ambos estão presentes na tomada de decisões em relação à educação dos vossos filhos. . . Foi sempre negociado. . . . no entanto, no seu livro é muito crítico em relação às mães, à forma como estas educam os filhos. Até escreve sobre as mães de Hitler e de Estaline. Onde estavam os pais?Boa pergunta! Um bruto alcoólico, o pai de Estaline, e o de Hitler. . . bem, não me recordo. Hipoteticamente, algo não estava bem naquelas famílias — embora Estaline tenha mantido a relação com a sua mãe toda a vida, sem nunca se ter tornado mais brando. E a culpa é das mães?Não necessariamente. Porque no seu livro começa no Génesis [o primeiro livro da Bíblia] lembrando que a culpa da expulsão do Paraíso é de Eva, simbolicamente a mãe de todos. Bem, Adão também teve problemas, escondeu-se de Deus, o que é muito cobarde da sua parte. Não penso que a culpa seja especificamente das mães, mas penso que as crianças são vulneráveis à privação de cuidados maternos, especialmente nos primeiros dois anos de vida, embora não tenha de ser a mulher a providenciá-los. Mas a infância é muito vulnerável e precisa de uma ligação forte. E de toque?De toque, de brincadeira. De leitura?Sim. E de atenção? Hoje quando vamos a um restaurante vemos crianças muito pequenas com gadgets nas mãos. Que consequências têm nessa ligação de que fala?Bem, é complicado, porque ainda não sabemos. E não interessa quais são as consequências porque [os gadgets] estão a evoluir muito rapidamente. Isso é um problema quando não conseguimos manter-nos a par da evolução da tecnologia. Mas penso que o primeiro perigo não é o que está nos aparelhos electrónicos, mas como é que estes interferem na vida das crianças. Quando estão ao telefone, não estão a interagir umas com as outras. A minha suspeita é que [o smartphone] está a ocupar um espaço que poderia estar ocupado com outra coisa. A interacção com as máquinas vão tornar-nos mais inteligentes, mas a questão é com o que estão a interferir. O mesmo aconteceu com a televisão. Quando os meus filhos eram pequenos, 4 a 6 anos, púnhamo-los a ver filmes da Disney com outras crianças da mesma idade e não tem nada de mal, mas eles deviam ter brincado. Só que quando brincam são barulhentos. E se estiverem à frente de um ecrã estão sossegados. Sim, porque estão ocupados. Mas há algo que tem que ver com o brincar e o fazer de conta que não deve ser opcional, porque as crianças aprendem com o fazer de conta, imaginam o que querem ser, criam papéis. Acho que algumas das questões, como as confusões que sentem em relação ao seu género, no final da adolescência, parece-me que foi por que não brincaram nem fizeram de conta quando eram crianças. Por isso, pergunto-me se foi por que não brincaram e fantasiaram em pequenos e é quando chegam à universidade, quando têm mais liberdade, que começam a explorar e a experimentar. Chegam à universidade com menos maturidade?São tratados assim por toda a gente. Incluindo os pais, que querem que eles continuem a ser bebés?Esse é o arquétipo da mãe devoradora. Muita compaixão. . . E voltamos à culpa das mães!Bem, é uma representação simbólica. A culpa não é das mães, porque se os pais estiverem lá devem encorajar a autonomia, mas os pais também podem ser muito protectores. Penso que é mais comum serem as mães, porque as mulheres estabelecem laços tão apertados com os seus filhos que há um conflito entre a protecção e a promoção da autonomia. É difícil de gerir, muito difícil: protegê-los q. b. e deixá-los ir q. b. O casal precisa de encontrar um equilíbrio. O casal deve ser constituído por um pai e uma mãe?Dois é melhor do que um. Perguntava se o casal tem de ser heterossexual?Não sei. Há pessoas que são criadas pela avó e pela mãe. Por isso, não estou preocupado com isso em termos psicológicos. Não há estudos de confiança que olhem para o efeito nas crianças das famílias de casais do mesmo sexo. O problema são as famílias monoparentais, porque é esmagador para esses pais, pois têm de trabalhar 40 horas por semana e cuidar dos filhos. Defende que devemos criar filhos fortes. E as filhas?Seria bom, porque, se não for forte, a vida engoli-lo-á. A vida é muito difícil e quanto mais resiliente e competente, melhor. E não é importante criar filhos que sejam, por exemplo, bondosos, solidários, compreensivos para com os outros?Mas ser forte não significa ser cruel. Se for forte, um dos maiores indicadores é que os outros confiam nele. Não significa ser egoísta ou autocentrado, isso pode levar à brutalidade e à crueldade. Mas, se for forte, as pessoas confiam nele e isso é bom, seja rapaz ou rapariga, seja homem ou mulher. Mas a regra n. º 3 diz que devemos fazer amizades com quem quer o melhor para nós. A páginas tantas, aconselha que devemos deixar para trás os amigos que não nos fazem bem. Muitas vezes, esses são os mais frágeis. Não devemos ser compassivos para com eles?O amor é uma combinação de misericórdia e justiça. Se a misericórdia for muita, as pessoas abusam e isso não é saudável. Eu não recomendo que se abandonem as pessoas, mas se elas desistiram de si próprias, então não podem arrastar-nos com elas. Por exemplo, os nadadores-salvadores quando fazem um salvamento de alguém que está em pânico não se aproximam demasiado, porque senão correm o risco de se afogarem. Não ajuda. Por isso, dizem: “Mantenha a calma, para que eu possa ajudá-lo. ”Há muitas situações na vida em que os pais têm de tomar decisões difíceis — por exemplo, quando expulsamos um filho de casa quando já tem 26 anos. É horrível, porque temos medo do que vai acontecer, mas tem de ser feito para que se torne autónomo. Há sempre uma tensão terrível quando temos de encorajar o outro e, ao mesmo tempo, queremos protegê-lo. Por vezes, a compaixão não é suficiente. É preciso disciplina?Misericórdia e justiça. Há um antigo dizer religioso que refere que a misericórdia e a justiça são a mão esquerda e a direita de Deus. Se for só misericórdia, toda a gente abusa; se for só justiça, então ninguém sobreviverá, porque todos cometemos erros. Portanto, tem de haver um equilíbrio entre a misericórdia e a justiça. É crítico em relação à escola. Qual deve ser o seu papel na sociedade?[Silêncio, seguido de uma pequena gargalhada] Bem, o papel da escola [hoje] é ser um armazém de crianças, enquanto os pais estão a trabalhar! Se a pergunta for qual deveria ser o papel da escola, então não seria tão cínico e diria que é um espaço de socialização, onde as crianças aprendem a estar, fazem amigos, e isso é importante e necessário. E talvez aprendam alguma coisa, mas não estou convencido. Ao sistema escolar é exigido tanto que não é surpresa que não funcione bem. As crianças deveriam ser ensinadas em casa?O ensino doméstico na América do Norte é adoptado por famílias que são extremamente religiosas, por outras que suspeitam do sistema ou não estão contentes com as orientações ideológicas do sistema público. Por exemplo, a frequência de escolas católicas por famílias que não professam aquela religião acontece porque as famílias não se identificam com as ideologias niilistas e neomarxistas das escolas públicas. Por exemplo, as escolas básicas de Ontário têm orientações para ensinar literatura do ponto de vista da opressão: quem foi oprimido por quem? Não há uma justificação para esse tipo de ensino, quando estamos a introduzir as crianças na literatura, porque isso é uma subversão da literatura. Mas não é uma forma de ensinar a diferença, o respeito e a tolerância para com o outro?É complicado. O que queremos promover?A igualdade?Mas a igualdade de género, a de rendimentos? Temos de decidir. Os estudos mostram que as diferenças entre homens e mulheres aumentam à medida que as sociedades se tornam mais ricas e têm mais igualdade de género. Não confio em nenhuma ideologia que procure promover igualdade, porque é tecnicamente impossível. Porquê?Porque as variáveis são muitas. Vamos definir: o que queremos é que em todas as profissões estejam representados todos os grupos, de acordo com a sua prevalência na população. Isso seria o ideal. Então temos dezenas de nichos e todos têm de ser preenchidos respeitando os grupos identitários. Quais? O sexo, a etnia, a idade, o grupo socioeconómico, a atractividade, o temperamento, a inteligência, a deficiência. . . Portanto, podemos duplicar o número de grupos sem limite e, de cada vez que acrescentamos um, vamos aumentar a complexidade do processo, o que levaria à criação de uma burocracia maciça. Não podemos simplificar e ficar só pelo sexo?Homens e mulheres escolhem profissões diferentes. Nesse caso, vamos forçá-los a que escolham ocupações proporcionalmente à representação do género na sociedade [para cumprir a regra da equidade]? Portanto, nunca conseguiríamos aplicar. Vamos esquecer os CEO [haver mais homens em cargos de liderança do que mulheres], que a meu ver é só uma questão de inveja. Vamos aos níveis mais baixos, por exemplo, pedreiros e operadores de máquinas — 99% são homens. O que fazer? Vamos obrigar as mulheres a fazer esses trabalhos?Mas essas profissões não podem ser uma carreira para as mulheres?Talvez sim. Há mulheres fisicamente fortes!Sim, mas tendencialmente não são pedreiros ou operadoras de máquinas. Habitualmente são médicas ou enfermeiras. Ser enfermeira não é um trabalho fácil e é fisicamente exigente. Nos países escandinavos, as mulheres são encorajadas a fazer outros trabalhos e o que se observa é que homens e mulheres não escolhem os mesmos. Escreve sobre as diferenças de género mesmo na escolha do nosso parceiro. Enquanto as mulheres procuram homens fortes, poderosos e ricos, os homens querem companheiras jovens. Não é o factor biológico a funcionar: a questão da sobrevivência da espécie, mais do que a ambição?As mulheres ricas só se casam com homens ricos, logo, as disparidades são cada vez maiores, porque o dinheiro está nas mãos de cada vez menos pessoas. A razão por que o fazem é porque quando engravidam e têm filhos ficam vulneráveis e precisam de alguém em quem confiar. Fazem-no porque querem alguém competente comparando com os outros homens e comparando consigo mesmas. À medida que as sociedades se tornam mais igualitárias, as diferenças entre as personalidades dos homens e as das mulheres tornam-se maiores, assim como diferem mais os seus interesses. Então é uma questão biológica, como o exemplo das lagostas de que fala no primeiro capítulo [as mais fortes podem escolher o melhor território, a melhor comida e as melhores fêmeas]?Acontece com muitas espécies, mas não com todas. O que nos torna diferentes dos outros animais é que as mulheres são selectivas em termos sexuais e muito selectivas. E isso é mau?Não, não me estou a queixar. É um facto que contribuiu para a nossa rápida evolução e foi o que nos tornou aquilo que somos, mas é duro para os homens que não encontram uma companheira; é duro para mulheres que estão em hierarquias mais altas e não encontram alguém à sua altura. Há estudos sobre a relação entre o QI [quociente de inteligência] e a probabilidade de se casar — as probabilidades de as mulheres com um QI superior se casarem é menor. É uma consequência de terem menor escolha. Podemos ver isso na perspectiva dos homens — estes sentem-se intimidados por essas mulheres. Por exemplo, ela é jovem, bonita, inteligente e tem uma boa carreira. São quatro dimensões de intimidação, porque as probabilidades de serem rejeitados são enormes. E não é intimidante para uma mulher estar ao lado de um homem jovem, bonito, inteligente e bem sucedido profissionalmente?Provavelmente vai sentir-se intimidada, mas a probabilidade de ser rejeitada é menor. Há experiências sobre isso: foi pedido a alunos universitários para perguntarem a pessoas do sexo oposto se queriam ter sexo com eles. Se for um homem a perguntar a várias mulheres, a resposta será invariavelmente “não”. Se for uma mulher, os homens dirão que “sim”. Portanto há diferentes taxas de rejeição entre homens e mulheres. Parte da explicação é ser uma questão biológica, mas a outra é que o custo potencial do sexo é maior para as mulheres. Em muitos dos capítulos, usa a Bíblia como forma de fundamentar as suas ideias. É religioso?Penso que todos somos. Mesmo os ateus?Sim. As pessoas têm uma hierarquia de valores através da qual vêem o mundo e no topo dessa hierarquia está Deus. Mesmo que Deus esteja “morto”, como afirma Nietzsche?A questão é: vamos substituí-Lo por quê? Quando Moisés sai do Egipto, quando o [seu] povo está no deserto, [este] começa a adorar ídolos atrás de ídolos. Isso é o que acontece quando Deus morre — fragmentámo-Lo em ídolos e as pessoas vão atrás deles. Em termos psicológicos, existe a tendência de tornar a estrutura de valores uma unidade com um valor muito forte no topo, uma força que unifica. Essa “coisa” no topo o cristianismo representa-a numa trindade: há o pai, o que significa que, se for uma pessoa bem estruturada, esse será a personificação da sua cultura; depois há o filho, porque a cultura não é suficiente e precisa da juventude e da visão; e o espírito, que será a propensão dentro de nós para encontrar um eco entre o pai e o filho. Isto não é algo que se aceite como facto científico. Podemos perguntar: o que é a fé? É a vontade de aceitar as consequências do agir. Se tiver fé em alguma coisa, vai agir. Cristo diz que nem todos os que gritam “Senhor, Senhor” serão salvos. Isso significa que a mera profissão da crença, a afirmação “Eu acredito em Deus” não é suficiente — e é por isso que, em parte, não gosto de responder a essa pergunta. O que diz é que, mesmo não sendo religiosos, somos um ser religioso, a religião nasce connosco?É interessante perguntar isso. A predisposição que temos para a crença religiosa e a possibilidade da experiência religiosa é algo com que definitivamente nascemos. Porquê? Podemos responder “porque há provas de que Deus existe”. Mas não necessariamente. Contudo, há provas de que as experiências religiosas são universais. Não há nenhum antropólogo ou neurocientista sério que tenha dúvidas sobre isso. Se olharmos em termos psicológicos para o cristianismo, vemos a abstracção daquilo que nós admiramos, um ser messiânico, alguém a imitar, mas é mais do que isso, porque é a separação entre o que é admirável e o seu oposto, a eterna batalha entre Cristo e Satanás ou a batalha entre o bem e o mal. E podemos perguntar: reflecte a estrutura da realidade? E a resposta é: não sabemos. Eu não excluiria essa possibilidade, porque nós reflectimos a estrutura da realidade. Penso que a biologia reflecte a metafísica, a confirmação está nos dois hemisférios do cérebro, a dinâmica entre caos e ordem. Não acredito que exista uma maneira melhor de interpretar o mundo do que como a batalha entre o bem e mal, a batalha entre o caos e a ordem. E este é um conceito religioso. Ao longo do livro refere muito o pecado e o sofrimento. Não nascemos para ser felizes?Creio que não devemos buscar a felicidade, mas buscar significado. Uma das razões por que as minhas palestras são tão populares é porque nunca sugiro que devam buscar a felicidade. Sugiro que, se surgir, devem ficar profundamente gratos, porque é uma derrota da miséria; e, se está a acontecer, então devem gozar essa sorte. Se o Sol brilha, aproveite. Mas porque não há-de o Sol brilhar sempre?Porque as pessoas são frágeis. Há momentos extraordinariamente difíceis. Cometemos erros, temos de lidar com catástrofes morais, podemos ficar doentes ou um membro da nossa família, perder o emprego, envelhecer. As coisas mudam de maneira imprevisível. . . Portanto, tudo é sofrimento?Sim, é isso mesmo!Mas não devia. Bem, essa é a questão. As grandes tradições religiosas dizem que há uma motivação que permite que tenhamos opções, apesar das nossas limitações. O sofrimento e a maldade estão lá e temos de lidar com elas. Aceitar sem ressentimento, o que é muito difícil. Aceitar com amor, o que é difícil. Mas é o que fazemos quando amamos uma criança, ela é frágil e porta-se mal com frequência, mas a nossa atitude para com ela é positiva, decidimos que, apesar das suas limitações, vale a pena. Portanto, essa deve ser a nossa atitude para com a própria existência. Queremos pensar: “Isto vale a pena. Vale, apesar da luta, do sofrimento, da morte. ” Daí a ideia de que devemos imitar os valores mais altos. É uma exigência enorme para as pessoas, mas todas as outras alternativas que existem levam-nas a viver um inferno. Entre esses valores está a verdade, plasmado na regra n. º 8: “Diga a verdade, ou, pelo menos, não minta. ” Quando aqui cheguei, lembrei-me dos Dez Mandamentos. Não continuam actuais? Não são preferíveis às suas 12 regras?Bem, o propósito do livro é traçar regras para uma conduta ética que todos já conhecem. Há momentos em que aquilo que assumimos como verdade é posto em causa, o que traz instabilidade. Temos de lembrar às pessoas aquilo que já sabem, é verdade. Há duas coisas que me dizem constantemente, nas palestras, nos aeroportos: as pessoas contam-me sobre como a sua vida melhorou, com as decisões que tomaram depois de ler o livro; a segunda é que lhes dei palavras para expressar coisas que já sabiam que eram verdade. Ainda sobre a verdade: esta não se tornou ainda mais importante num momento em que as fake news ajudam a eleger presidentes?É sempre importante. A regra diz para dizer a verdade ou pelo menos não mentir. A verdade transforma o caos em ordem, diz o Génesis. As fake news não contribuem para o caos?Só a ideia de que as notícias são falsas contribui para o caos, porque algumas são só uma questão de opinião. Mas de cada vez que um jornalista escreve algo que sabe que não representa os factos, especialmente se for para chamar a atenção, está a corromper o diálogo e torna as coisas piores. No Ocidente, a palavra é sagrada e a estabilidade do mundo depende do carácter sagrado da palavra. Temos de nos dar bem uns com os outros e isso não acontecerá se trairmos e decepcionarmos os outros. Não é um problema para o mundo existir um presidente como Donald Trump que usa o Twitter para mentir ou para agredir os seus opositores?É um problema quando qualquer pessoa faz isso. E não diria que todas as mentiras são geradas no cenário político norte-americano. O presidente Trump está envolvido num jogo propagandístico muito complexo que está a ser jogado por diferentes jogadores. Acho que é um erro terrível pensar que ele é a fonte primária das fake news, há muito spin político. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Que mensagem transmite Trump quando expulsa um jornalista da Casa Branca?É sempre perigoso para alguém que está numa posição de poder como o Presidente interferir com a autonomia jornalística. É para isso que existe a imprensa livre e um dos riscos de ser Presidente dos EUA é aturar os jornalistas. O que está a acontecer é que, à medida que os media tradicionais enfrentam uma crise competitiva com o YouTube, podcasts e jornalismo online, a tentação de “sensacionalizar” leva a que se criem muitas fake news. É uma má estratégia, porque se perde a credibilidade. No seu livro afirma que os homens são pressionados a ser femininos e que isso leva a que se interessem pelo fascismo. Movimentos como o #MeToo ou os dos direitos dos homossexuais são uma forma de ditadura ou induzem-na?Qualquer organização tem tendência para a tirania, à medida que o tempo passa. É possível fazer uma analogia entre os primeiros passos do movimento LGBT e o movimento dos direitos civis norte-americanos e ver que houve um aumento, até ao infinito, do espectro da expressão sexual e de como as coisas podem ser levadas demasiado longe. A comunidade LGBT já ganhou uma guerra cultural: o cidadão comum não desaprova a homossexualidade e, se o fizer, não o diz. O casamento é legal. Ponto. Claro que ainda há preconceito, sim, mas não o suficiente que justifique o nível de activismo, especialmente ligado à ideologia niilista e neomarxista. Parece mais preocupado com o comunismo do que com o crescimento dos movimentos fascistas. Quando os meus alunos chegam à universidade, nunca ouviram falar das mortes causadas pelo comunismo. Falo sobre isso, mas também sobre o fascismo — tenho várias conferências no YouTube sobre isso. O que me preocupa é que as universidades estão cheias de radicais de esquerda e não os há de direita.
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo
Até que o Porno nos Separe ou o amor os junte
De um lado, a matriarca conservadora e religiosa. Do outro, o filho que é uma estrela no universo porno gay. Entre eles, um computador e uma estrada tortuosa. Até que o Porno nos Separe, de Jorge Pelicano, é um documentário pronto a derrubar preconceitos a partir da viagem emocional de uma mãe em mudança. Para ver esta sexta-feira no Caminhos do Cinema Português. (...)

Até que o Porno nos Separe ou o amor os junte
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 14 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: De um lado, a matriarca conservadora e religiosa. Do outro, o filho que é uma estrela no universo porno gay. Entre eles, um computador e uma estrada tortuosa. Até que o Porno nos Separe, de Jorge Pelicano, é um documentário pronto a derrubar preconceitos a partir da viagem emocional de uma mãe em mudança. Para ver esta sexta-feira no Caminhos do Cinema Português.
TEXTO: O cordão arco-íris atado à volta do pescoço já a denuncia. É Eulália Almeida, de 67 anos, quem nos abre a porta de sua casa para uma conversa que, ainda não sabemos, se há-de prolongar por duas horas e meia. Pelo meio, há-de chorar, sorrir, esbracejar, sobretudo comover quem a escuta. Mãe-galinha, mãe-coragem, mãe-que-faz-tudo, para não perder o filho e o mundo. Como a do fado que a dada altura trauteia no documentário que nos traz aqui. Deus ouviu a minha preceDeu-me um filho encantadorNunca o hei-de trocar pelos tesouros mais vastosAinda que tenha de andar a vida inteira em pedaços“O fado é a minha história”, confessa. E quando o realizador Jorge Pelicano a ouviu cantarolá-lo enquanto descascava batatas e brincava com o gato Kiko, pensou: “Isto é o filme”. É o documentário Até que o Porno nos Separe, que se estreia esta sexta-feira, 30 de Novembro, em Portugal, no festival Caminhos do Cinema Português (21h45, Teatro Gil Vicente, Coimbra), depois de passagens por BAFICI, na Argentina, e Jihlava, na República Checa. Em 2019 deverá chegar às salas de cinema de todo o país. Uma história de amor entre uma mãe e um filho, mas também um filme que quer aniquilar preconceitos, inspirar famílias LGBTI+, falar da Internet e das redes sociais, mostrar que as pessoas não são herméticas, alheias à mudança. Um retrato íntimo cuja conclusão, sem spoilers porque isto é a vida real, é resumida em poucas palavras pelo tal filho, o actor porno Fostter Riviera, Sydney Fernandes no passaporte: “O amor pode mudar tudo. ”Já há muito tempo que o documentarista Jorge Pelicano, autor de Ainda Há Pastores? (2006), Páre, Escute, Olhe (2009) e Pára-me de Repente o Pensamento (2014), queria fazer um trabalho sobre pais e filhos e a, por vezes, “conturbada” relação que os liga. E sempre quis perceber como é que os pais dos actores e actrizes de filmes pornográficos lidavam com uma escolha dos filhos que, provavelmente, não “iria ao encontro das expectativas” por eles criadas. Foi esse o ponto de partida. “Não queria fazer um documentário sobre bastidores da pornografia, queria chegar aos actores para depois chegar aos pais”, conta o realizador de 41 anos, ao telefone com o PÚBLICO. Assim conheceu Fostter Riviera, uma estrela internacional no universo porno gay, actor várias vezes premiado e com mais de 300 filmes no currículo. Dois dias depois de lhe dizer ao que vinha, estava frente a frente com a progenitora, Eulália Almeida, e no final dessa conversa tinha uma certeza: “Este era um filme muito difícil de fazer porque a maior parte das pessoas quer esconder, mas eles queriam contar esta história. ” Sydney, aliás, deu-lhe carta-branca. “Ele”, sublinha Jorge, “nunca esteve preocupado com o que a mãe ia dizer no filme, nunca a quis influenciar”. O documentário, de quase uma hora e meia, arranca com as janelas semicerradas do Bairro de São Tomé, no Porto, onde Eulália vive e Sydney cresceu. Um paralelismo, quem sabe, com o que vem a seguir: o arranque do Windows, um ecrã com uma fotografia no background, uma mulher que se senta, arranja o rato e o teclado e abre a janela do Facebook para percorrer mensagens no Messenger. A partir daqui, o que se vê é um filme a dois tempos: um que assenta nas comunicações digitais entre mãe e filho entre 2013 e 2017, autênticas “cartas de amor nos tempos modernos” que fizeram as vezes de guião, e outro, o tempo real, que corresponde às filmagens feitas entre 2016 e 2017 por uma pequena equipa de três pessoas a tentar ser “invisível”. É através desta linha temporal que o espectador assiste a uma mãe em, por vezes dolorosa, transformação. Há muitas Eulálias a separar a Eulália que hoje nos recebe e que, orgulhosa, sai à rua com o seu “amuleto” com as cores da bandeira LGBT ao peito (se alguém a questiona diz que o mundo não deve ser visto “a preto e branco”, antes em tons “arco-íris”) daquela que há cinco anos descobriu que o filho era homossexual e fazia filmes para adultos através de um vídeo de uma entrevista que uma amiga lhe mostrou. Um momento em que o mundo, o seu mundo, parou. “Vejo o meu Sydney a dizer que chegou a fazer um filme na VCI e as lágrimas começaram a cair pela cara abaixo”, recorda a mãe. Fostter Riviera era então um nome em ascensão na indústria. Sydney emigrara aos 23 anos para a Alemanha, atraído pelas melhores condições de trabalho que um webdesigner como ele poderia ter, mas também para seguir o seu caminho na pornografia. E a mãe era a única da família que não lhe conhecia o hobby. “Como é que se diz a uma mãe que se é actor porno?”, questiona hoje, retórico. Em Até que o Porno nos Separe vemo-los, ainda, a digerir essa realidade, com emoções à flor da pele, até ao coming out final — o dela. Uma “luta muito solitária”, nas palavras de Pelicano, em “clausura”, num “bairro com muitas janelas” onde todos se entreolham. E sobretudo travada, madrugadas adentro, ao computador, que aqui, “sinal dos tempos”, é também uma “personagem”: “É um filme sobre a relação entre a mãe e o filho e pelo meio está a Internet, que tanto os separa, como os junta. ” Entre a câmara e a protagonista está muitas vezes um ecrã e a página de Facebook do filho, cujas palavras em inglês Eulália tenta perceber com a ajuda de um dicionário — também foi com os livros que aprendeu, sozinha, a dominar o computador e a Internet; também foi com os livros que requisitava na biblioteca que começou a “aprender o que era a homossexualidade”. De um lado, uma mulher, conservadora e religiosa, devota a Santa Rita, que a vela no seu quarto. Do outro, o filho que lhe caiu nos braços aos cinco meses, fruto biológico de um irmão entretanto falecido. Pelo meio, por todo o filme, lento e denso, angústia, sufoco e um grande “amor obsessivo” (não serão todos?). Contra tudo e contra todos. Entre uma mãe que procura e um filho que não liga, mesmo no dia do aniversário. Entre uma mãe que não percebe e um filho que não explica. Entre uma mãe que, por vezes, parte ao ataque e um filho que não sabe como lhe falar. “O filho também evita a aproximação para não magoar, mas esse distanciamento acabava sempre por magoar”, comenta o realizador, que estava também interessado em apontar o foco para a “obsessão da comunicação” tão comum do mundo das redes sociais. O que é particularmente notório em Sydney, sempre online, mas sempre ausente. “Essa dualidade também me interessava”, reconhece Jorge. “Ele é muito presente na rede social, mas na sua vida pessoal procura um isolamento grande. ”Assumidamente, o filme mostra o ponto de vista da mãe, mas também vai ao encontro do filho em Berlim, onde é filmado em situações de alguma reclusão. Numa das cenas, depois de uma entrevista de emprego, o jovem surge solitário, de carapuço enfiado na cabeça, a atravessar uma rua chuvosa. Quando viu o documentário pela primeira vez, Eulália não chorou, mas aquele momento tocou-a. Percebeu, ao vê-lo, que algo não estava bem e ela nunca soubera de nada. “Entristeceu-me”, confirma. “O filme é a pura realidade da minha vida, do sofrimento que passei para que este filho não se perdesse, para que eu não perdesse esse filho, porque os filhos nunca se perdem. ”“Não é fácil abrires as portas do teu mundo”, confessa Sydney, “um mundo que escondes de tanta gente”. Porquê fazê-lo então? Vários motivos. Mostrar que a pornografia é mais do que “uma coisa obscena ou ligada à prostituição”. Contrariar a ideia que “todos os actores são pessoas sem formação”, completa Jorge, dando o exemplo do protagonista, aluno de mérito no secundário, actualmente director de produto numa empresa em Amesterdão. Remata o primeiro: “Eu tenho uma família, um emprego, uma vida normal. A pornografia é uma loucura que me deu e gosto, mas não me faz ser menos ou mais do que os outros. ” Como ele, também outros: “Gostava de mostrar às pessoas que temos uma mãe por trás, um grupo de amigos. ” Este é, nas palavras do realizador, “um filme cheio de preconceitos”, que, espera Sydney, também poderá inspirar outros filhos e outros pais de homossexuais, bissexuais, transexuais. Fora com os tabus, os silêncios, a discriminação — “é tudo”, conclui, “uma questão de vergonha e catolicismo, há que dar amor antes que seja tarde demais”. E, em última análise, também é uma carta de amor: “Será a última forma de dizer à minha mãe que a amo. ”Jorge não sabia como é que tudo ia acabar. “É o prazer de fazer documentário”, realça. Estavam sempre “na expectativa”, a realidade trocou-lhes as voltas um par de vezes, mas ofereceu-lhes um final de bandeja que o realizador filmou de lágrimas nos olhos. É um filme “que demora a ser concretizado” também porque as personagens “estão em constante transformação”. Sente que para os protagonistas a experiência foi uma “espécie de libertação”. Estão “mais aliviados” por atirarem cá para fora o que andava lá dentro a burilar, por “escancarem as janelas”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Sydney, por exemplo, viu-o 18 vezes. Mudou-o. “O filme”, admite, “fez-me abrir os olhos para a família que eu poderia ter abandonado, mas tive muita sorte por ter uma mãe de garra que não me deixou fugir”. Agora com 29 anos, está apaixonado, mais estável, mais próximo. Não tem feito tantos filmes, não se vai despedir da indústria, mas quer também apostar no seu “trabalho normal” para um dia, quem sabe, abrir a sua própria empresa de produção de aplicações móveis. Por seu turno, Eulália recusa-se a olhar para trás. “Costumo dizer que devia ter menos 30 anos, ” graceja. Deixou de ser aquela mulher “que vivia para a casa”. Fez, diz, o seu “coming out” e tornou-se uma activista de mão cheia. Corre as Marchas do Orgulho para discursar (“E eu nunca fui a nenhuma!”, surpreende-se Sydney), é uma das caras da Amplos – Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual. Tal como no pós-25 de Abril lutou pelo direito à habitação, abraçou a 100% esta causa. Por muito que o marido por vezes torça o nariz — ele não quis participar no filme (“Na pesquisa percebi que para os homens é muito mais difícil aceitar”, diz Jorge), tal como a filha do casal que, afiança a mãe, está agora arrependida. A secretária, o seu antigo “canto da dor”, onde tantas vezes chorou vigiada por Kiko, é hoje o seu “canto do do amor e da alegria”. Continua a fazer estudos de mercado, inscreveu-se num curso de inglês e num outro de Sociologia na Universidade Aberta. Agradece todos os dias a Santa Rita, gosta muito de ouvir David Guetta e já está a sonhar com o Natal e com a aletria que irá fazer para o filho, se ele vier. Uma pessoa muda ou abre uma nova janela em si mesma? Escreve Eulália, já perto do final do filme, numa mensagem que publicou no seu mural do Facebook a 13 de Março de 2017: “Andei durante vários meses a ponderar se estaria preparada para fazer uma grande loucura: escancarar o meu armário. Não há nada mais forte do que o elo entre uma mãe e um filho porque ser mãe é uma missão maravilhosa mas com muitos desafios. Pelo meu filho, redescobri-me. ”
REFERÊNCIAS:
Edouard Louis: da bandeira arco-íris ao colete amarelo
Jovem autor de sucesso com Acabar com Eddy Bellegueule, atravessa polémicas violentas e tempestades mediáticas para defender sem descanso a causa homossexual tal como a da gente pobre esquecida. Entre livros chocantes muito pessoais, conferências em todas as partes do mundo, activismo e manifestações dos Coletes Amarelos, retrato daquele que tenta o traço de união, a convergência das lutas. (...)

Edouard Louis: da bandeira arco-íris ao colete amarelo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jovem autor de sucesso com Acabar com Eddy Bellegueule, atravessa polémicas violentas e tempestades mediáticas para defender sem descanso a causa homossexual tal como a da gente pobre esquecida. Entre livros chocantes muito pessoais, conferências em todas as partes do mundo, activismo e manifestações dos Coletes Amarelos, retrato daquele que tenta o traço de união, a convergência das lutas.
TEXTO: Conhecemo-lo cerca de um ano antes da publicação do seu primeiro livro. Um ano antes do tumulto que passou a acompanhá-lo para onde quer que fosse, cada vez que publicasse, falasse, ou mesmo quando não dissesse nada. Era um homem muito novo, alto, esguio e louro, doce, cortês e desconhecido. De facto, começava-se a falar bastante disso, em Paris, mas em alguns círculos, mais em pequenos círculos literários e homo. A tranquilidade e a segurança educada de Edouard Louis – então com 21 anos, nascido na Picardia, uma das regiões mais pobres de França – traduziam já a força inabalável das suas convicções, certezas insolentes próprias da sua idade juvenil, considerava-se, mas que não se alterariam nem numa vírgula posteriormente, e que na nossa conversa acendiam de vez em quando uma centelha febril nos seus olhos azuis. Ele tinha, por exemplo, embirrações muito claras em relação a certos barões esquerdizantes frequentemente homo, de uma certa imprensa agressiva e avançada, que cerrava fileiras na defesa dos seus lugares, postos, visibilidade mediática; e privilégio, oh quão sagrado, de distinguir o que era bem, bom e bonito. Uma casta arrogante, é certo, bastante detestável, sem dúvida, para quem não fizesse parte do grupo. Edouard Louis não hesitava em exprimir a sua aversão a essa dúzia de personagens, que lha retribuíram bem, tanto quanto puderam, agredindo-o nos seus artigos ou nas redes sociais, antes de desaparecerem quase todos, varridos pelo passar da moda, pela lassitude do público e pelas falências dos seus meios de comunicação. E era precisa muita coragem para enfrentar, tão só e tão jovem, aquelas divindades poderosas e estabelecidas. Peixe no restaurante? Ah, não, obrigado. Havia comido que chegasse para toda a vida, porque o pai pescava disso todos os dias e tivera de o comer todos os dias. Foi preciso coragem também para se extirpar do seu meio, da sua terra da Picardia, forçar o destino, trabalhar muito para se sentar também ele nos bancos das mais exclusivas faculdades de Paris, observar, aprender, infiltrar-se naqueles salões intimidantes, naqueles círculos da juventude dourada, sobreeducada, nos edifícios imponentes, até apagar completamente a sua pronúncia da Picardia tão troçada em França, e que é imitada para parodiar os proletários, os campónios, os pedintes desdentados. Quando lhe perguntámos se ainda conseguia falar com aquela pronúncia da Picardia, foi incapaz, bloqueou, de tanto que tinha treinado com uma amiga estudante o modo de falar típico da “alta”, dos aristocratas com muitos estudos. Quando lhe fazíamos notar que se tinha saído muito bem, ele, a elevar a sua condição e a sair da lama, retorquia sem pestanejar que era precisamente por tê-lo conseguido que sabia a que ponto era impossível. Os seus cavalos de batalha, seria muita ousadia falar de obsessões, eram primeiro a chaga social que é a reprodução das elites, a endogamia, os ricos poderosos e as elites intelectuais que se multiplicam entre si, batendo com a porta às massas populares cada vez mais ignorantes e esquecidas; em seguida, a homossexualidade, que ele embandeirava em arco. Uma homossexualidade que tinham querido fazê-lo pagar, engolir, apagar a murro, à pedrada, com crachás e humilhações. Desprezava as personalidades cuja homossexualidade era conhecida de todos em Paris e que se obstinavam em escondê-la e até em mentir, fingindo-se hetero: traidores à causa. Uma homossexualidade que era impossível viver tranquilamente no meio de onde ele vinha. Edouard Louis contou a sua assustadora juventude no seu primeiro romance: Acabar com Eddy Bellegueule. Está tudo ali, desde o primeiro livro: a criança inteligente já destinada a fugir um dia desse meio proletário e pesado, pegajoso como barro; a criança homossexual a enfrentar a hostilidade e a violência em toda a parte, sobretudo na sua própria casa; a miséria que fez dos seus o que serão para sempre; a violência que assenta arraiais na ignorância e na coerção social; a revolta como o sistema que cristaliza as classes sociais e fecha as portas. Acabar com Eddy Bellegueule teve um sucesso estrondoso em França e no mundo, com vendas estratosféricas, artigos e traduções no mundo inteiro, conferências, autógrafos em dezenas de livrarias; uma mediatização do autor de causar vertigens aos escritores de sucesso mais experientes. Com tudo isto, as primeiras polémicas e uma histerização da pessoa de Edouard Louis. Tinha então 22 anos. Centenas de milhares de leitores reconhecem-se na escrita fluida e seca que ele utiliza para contar o que todos os jovens homo de província viveram mais ou menos. Os jornalistas são ditirâmbicos, mas bem depressa as primeiras salvas vêm de uma franja de críticos e de observadores autorizados, que julgam com desconfiança a chegada tonitruante deste desconhecido que não pertence a nenhuma capela respeitável da edição parisiense, ousando fazer cócegas aos prescritores de tendências, metendo-lhes debaixo do nariz uma homossexualidade que não seja nem glamour, nem brilhante, nem flamejante. Tudo se precipita, vão fazer perguntas na sua aldeia, passam a pente fino os seus diplomas, há jornais que contam escândalos que os seus próximos teriam feito, mesmo a sua mãe, que irrompeu por uma conferência adentro para vituperar o seu filho por tê-los arrastado daquela maneira pela lama. Espera-se com avidez a queda do jovem prodígio, o burn-out, a negação; nunca chegarão. O jovem Edouard Louis parece alimentar-se dessas polémicas, tira proveito de cada golpe de vento da tempestade para se firmar e se afirmar. Como se aguenta, como não cai para o lado com um esgotamento? Mistério. Talvez comparado com o que um jovem homossexual tem de passar num meio hostil, este ruído mediático não seja mais do que uma ligeira brisa?Todos esperam que Edouard Louis faça uma viragem quando publica, em 2016, a sua segunda obra, a qual trata, sempre em tom autobiográfico, de um tema altamente inflamável: Histoire de la violence [História da violência]. Numa noite de Natal, Edouard convida para sua casa um homem para fazer amor. A meio da noite, o homem tem um ataque de fúria, ameaça-o, bate-lhe, violenta-o e viola-o. Chama-se Reda, é um jovem magrebino da Argélia. Esta agressão serve de base de reflexão ao autor para tentar actualizar as fontes da violência. Fiel à sua escola de pensamento que aponta, como fermento da violência psíquica, a violência exercida pelas elites sobre as classes populares, ele prossegue juntando à sua reflexão as pragas do racismo, do colonialismo, do desenraizamento. Compreende-se nas entrelinhas que Edouard Louis encontra, pelo menos, circunstâncias atenuantes, ou mesmo desculpas, para o acto odioso de Reda. Novo cisma, nova polémica violenta, um ano depois dos atentados islamistas do Charlie Hebdo e do Bataclan, as feridas ainda estão abertas, as reacções são indignadas. Poucas pessoas estão dispostas a encontrar agora desculpas para alguém que se pareça de perto ou de longe com um árabe violento. Outros acusam com irritação Edouard Louis de reproduzir, por sua vez, o cliché detestável, banal e racista do “maricas branco parisiense” que explora sexualmente magrebinos, limitando-os a um papel de “máquina de beijar”, viril, inquietante, dominadora e sem outra função que não seja a de satisfazer as depravações burguesas. Por fim, e é aí que entra em cena a máquina judiciária, Reda reconhece-se no livro e, em Paris, amigos gays de Reda ofendem-se com o retrato feito por Edouard Louis, que é escandalosamente mentiroso. Reda apresenta queixa. Edouard Louis é defendido por Emmanuel Pierrat, um advogado célebre, abertamente homossexual, franco-maçon, coleccionador entendido de arte, defensor da imagem de numerosas figuras públicas. A panela de ferro contra a panela de barro. Incómodo. A imprensa e as redes sociais atiram-se ao folhetim judiciário, literário e, agora, people. No presente, o caso continua a correr na justiça. O advogado Emmanuel Pierrat explica-nos: “Esperamos o despacho de pronúncia do juiz de instrução. O meu cliente e eu aprovamos totalmente as alegações do Ministério Público que visam levar a julgamento Reda [pseudónimo do arguido no livro], sem aumentar este duplo drama humano: violação e roubo por um lado para Edouard Louis [tendo o cuidado de considerar a presunção de inocência], destino trágico do indiciado, pelo outro lado. Chega finalmente o último romance de Edouard Louis, Qui a tué mon père [Quem matou o meu pai], que se poderia considerar uma tentativa de síntese, uma redenção, um traço de união entre as origens familiares, a homofobia, a violência, relatadas com traços vigorosos no primeiro romance, e a expressão de um perdão, de uma reconciliação, da vontade de ser o porta-voz desse povo mudo e martirizado que, por sua vez, martiriza porque é esse o seu destino. Edouard Louis foi visto como um jovem ambicioso, vítima e carrasco de um proletariado homofóbico? É porque se enganaram, porque eis chegado o tempo da defesa desse povo e da acusação dos mecanismos, das políticas e até das figuras políticas, que ele nomeia, uma por uma, como verdadeiros responsáveis do seu atraso. “Tu pertences àquela categoria de humanos aos quais a política reserva uma morte precoce” (em Qui a tué mon père, éditions Seuil). Qui a tué mon père regressa às humilhações dolorosas, infligidas por esse pai obcecado por manter a sua atitude viril, enquanto perde o pé socialmente, em álcool, dificuldades no trabalho, diminuição física, conflitos com a mulher e os filhos, vergonha de ter de assumir um filho efeminado, grácil, muito inteligente e não suficientemente vigoroso. E, contrapondo-se a ele, o jovem Edouard, desejando a todo o custo ser “visto” pelo pai, ser amado, admirado por ele, como, por exemplo, naquele dia em que se travestiu de menina, num espectáculo que organizou de improviso e em que dançou, rodopiou, tentou em vão atrair o olhar do pai, desesperadamente e sem êxito… O livro está, no entanto, semeado de episódios felizes, momentos secretos, íntimos e alegres, risos por vezes partilhados com o pai tão distante. Edouard Louis deixa uma mensagem de amor tremendamente comovente e sensível, tal como pode sê-lo a de um filho que continua a sentir o ardor causado por não ser um rapaz como os outros, para um pai que não soube como fazer para o amar. A seguir, ele vira-se para os políticos e os seus pacotes de medidas antipobres, que fizeram curvar-se as costas do pai, que o embruteceram de fadiga e ressentimento, que o reduziram a nada. Estas passagens não brilham pelos matizes, mas o objectivo não é, claramente, a temperança em ciência económica: ser muito à esquerda ou não ser…A revolta dos Coletes Amarelos calhou na hora certa, esse “roncar” dos pobres, como começaram por qualificá-lo certos jornalistas, como se o Zé Povinho emitisse roncos à maneira dos porcos. Edouard Louis foi visto a encabeçar uma marcha em Paris de Coletes Amarelos, fotografias logo divulgadas pela imprensa. Ele publicou nas redes sociais discursos inflamados e petições. Que quer ele dizer-nos? Vejamos, Edouard Louis não é um trânsfuga de classe; e se, um dia, ele decidiu perder a pronúncia da Picardia, foi para melhor falar em nome dos seus. Sempre lhe correu nas veias a insurreição e a febre de acção de rua. E, se é um homossexual famoso, é para melhor erguer o estandarte dos pequenos sem voz. Convergência das lutas. "Os coletes amarelos falam de fome; de precariedade, de vida e de morte. Os 'políticos' e uma parte dos jornalistas respondem: “símbolos da nossa república foram destruídos. ” Mas de que fala essa gente? Como se atrevem? De onde vêm??" (Excerto de um post do Facebook de Edouard Louis, 4 de Dezembro 2018). Quando o seu rosto ainda era desconhecido, tínhamo-lo reconhecido numa cadeia de televisão de informação, na altura da batalha pelo casamento gay, diante da Assembleia Nacional, a vociferar com um pequeno grupo de activistas gays contra uma figura homofóbica caída depois no esquecimento: “Bruxa! Bruxa!”, berrava, fora de si. Talvez ele também irrite por causa disso: ele não é senão palavras, frases, livros e conferências; é também um homem jovem que desce à rua. Talvez ele irrite porque foi o primeiro a colocar sob os projectores a questão homossexual ao nível da endogamia, traço de união inesperado, ainda que o seu mentor Didier Eribon, célebre universitário, sociólogo e escritor, tivesse publicado, anos antes dele, Retour à Reims, romance autobiográfico gémeo de Acabar com Eddy Bellegueule. Também a história de um jovem homossexual da província que…Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Edouard Louis é objecto de fascínio-repulsa. Diz-se tudo e mais alguma coisa acerca dele, como, por exemplo, que exigiria não ser fotografado pela imprensa senão de um ângulo que o favorecia ou que aquela seria "a Capa", ou nada feito. Ele nega por vezes com um tweet estas afirmações, outras vezes nem isso. Mantém-se fiel, haja o que houver, às suas amizades, às suas teses originais e às embirrações. Os media que traíram as suas causas, nem lhes fala. As redes sociais lançam-se sobre o seu caso na justiça. Durante esse tempo, ele faz conferências, encontra-se com os leitores, percorre o globo conforme as traduções dos seus livros, apresenta-se nos países reaccionários e homofóbicos (a Polónia, recentemente), nos países resistentes às teses de extrema-esquerda (a Suíça há bem pouco tempo). É raríssimo aparecer na televisão, praticamente inacessível, não tem tempo, tem 26 anos, quer salvar o mundo. Tradução de Rita Veiga
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Pais consideram "desadequado" inquérito sobre orientação sexual de alunos do Porto
“Sinto-me atraído/a por: Homens, Mulheres, Ambos” é uma das questões da ficha entregue a uma turma do 5.º ano, segundo uma imagem que circula nas redes sociais. Ministério da Educação diz estar a investigar junto do estabelecimento escolar. (...)

Pais consideram "desadequado" inquérito sobre orientação sexual de alunos do Porto
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 9 Homossexuais Pontuação: 13 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-10-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Sinto-me atraído/a por: Homens, Mulheres, Ambos” é uma das questões da ficha entregue a uma turma do 5.º ano, segundo uma imagem que circula nas redes sociais. Ministério da Educação diz estar a investigar junto do estabelecimento escolar.
TEXTO: A Escola Básica Francisco Torrinha, no Porto, entregou a uma turma de alunos do 5. º ano uma “ficha sociodemográfica” em que pergunta se se sentem atraídos por homens, mulheres ou por ambos, questionando ainda se namoram ou se já namoraram anteriormente. O Ministério da Educação está a investigar o caso junto do estabelecimento escolar. O caso tornou-se público esta quarta-feira depois de ter sido divulgada nas redes sociais uma fotografia dessa ficha. Ao PÚBLICO, fonte da escola Francisco Torrinha — que tem alunos do 5. º ao 9. º ano — disse nesta quarta-feira que os responsáveis “não prestavam declarações” sobre o assunto. A escola Francisco Torrinha pertence ao Agrupamento de Escolas Garcia de Orta. Na ficha divulgada online, o aluno inquirido tem nove anos. Além da orientação sexual, são também feitas outras questões, como a nacionalidade, qual a pessoa com quem vive e outras informações sobre o encarregado de educação. Ao PÚBLICO, o Ministério da Educação disse que não sabia de antemão da existência do documento. "Sabe-se que é um caso isolado e [o Ministério da Educação] está a apurar informação junto do estabelecimento escolar em causa", afirmou fonte do gabinete de comunicação. Em declarações ao PÚBLICO através do Facebook, um representante da Associação de Pais da Escola Básica Francisco Torrinha afirma que o inquérito é “desadequado à idade”, mas acredita que o “tema tomou proporções ainda mais desadequadas do que o próprio inquérito” – até porque “está previsto no programa do Ministério da Educação”, na estratégia nacional para a Cidadania e Igualdade de Género. “Trata-se de um caso isolado que está a ser devidamente tratado, tudo está a decorrer dentro da normalidade”, refere ainda o representante que já se reuniu com os responsáveis da escola, dizendo que o inquérito não fere susceptibilidades e assegurando a sua confiança no estabelecimento escolar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. À Lusa, um encarregado de educação confirmou à agência de notícias ter recebido um papel a autorizar a participação do filho na disciplina "Cidadania", em que "se abordariam temas como as relações interpessoais e violência no namoro", mas refere que não esperava que fossem colocadas questões deste género. “Aquilo que ao ver esta notícia nos preocupa mais é perceber, por um lado, qual é a motivação, a intenção por trás destas perguntas. Acreditamos que possa ter sido boa, mas desadequada”, diz ao PÚBLICO o sociólogo e coordenador de projectos da ILGA (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo). “Já enviámos um pedido de esclarecimento e informação à escola, mostrando-nos disponíveis para colaborar de uma forma construtiva para desenhar estratégias, de que forma estes assuntos podem ser incluídos salvaguardando sempre a segurança e o bem-estar das pessoas, nomeadamente os jovens que estão neste contexto”, refere ainda. Telmo Fernandes diz ainda que “as temáticas não devem ser evitadas” e que devem até “ser abordadas desde muito cedo, quando se começa a falar sobre identidade, sobre diversidade, sobre as famílias, sobre a realidade humana”. O que pode acontecer já no pré-escolar, admite, dizendo que já foram desenvolvidas actividades que abrangiam esta faixa etária, falando-se sobre “diferentes tipos de família, usando ilustrações e linguagem adequada”. com Aline Flor
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Facebook cancela conta de italiana por foto de beijo gay
Imagem de duas mulheres a beijarem-se provocou denúncias. Rede social afirmou que violava as regras contra a nudez e pornografia. (...)

Facebook cancela conta de italiana por foto de beijo gay
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 13 | Sentimento 0.208
DATA: 2014-05-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Imagem de duas mulheres a beijarem-se provocou denúncias. Rede social afirmou que violava as regras contra a nudez e pornografia.
TEXTO: Duas mulheres beijam-se, com as cores do arco-íris pintadas nas faces. A fotografia foi escolhida pelo amor que transmite de uma forma “pura”, explica Carlotta Trevisan, uma italiana de 28 anos, que viu a sua conta do Facebook apagada por ter violado as regras da rede social sobre “nudez e pornografia”. Carlotta queria apenas assinalar o Dia Internacional contra a Homofobia e Transfobia. A italiana actualizou a sua fotografia de perfil com a imagem do beijo das duas mulheres na última quinta-feira, numa afirmação pela defesa dos direitos das lésbicas, gays, bissexuais e trangénero e para lançar uma discussão sobre a homofobia. Pouco depois, os comentários positivos e de apoio começaram a surgir mas intervalados com críticas e mensagens homofóbicas. “Isto não presta”, alguém escreveu. “Tira a fotografia. Tenho que proteger o meu filho menor”, lia-se noutro post. Carlotta, que tem uma filha de seis anos, conta ao jornal La Stampa que não percebeu o porquê do negativismo em torno da fotografia. “Num beijo entre duas pessoas de qualquer género vejo apenas o seu amor, nada mais. Não me incomoda”. Após alguns comentários negativos, a italiana recebeu uma mensagem do Facebook onde era informada que a imagem que publicou tinha sido alvo de denúncias por violar a questão da nudez e pornografia, conteúdos proibidos na rede social. Foi-lhe ainda pedido que retirasse a fotografia da sua página, o que Carlotta se negou a fazer. “Esta é uma das várias fotografias do género que podemos encontrar no Google. Por isso, qual é o mal?”, questionou. O perfil foi cancelado pelo Facebook. A italiana decidiu partilhar a imagem com os amigos através de email e contou-lhes o que tinha acontecido. Como resposta recebeu solidariedade e força para protestar junto do Facebook. “O que me magoa é a razão pela qual bloquearam a conta e por que me proibiram de comunicar com os meus amigos, com o mundo”, lamentou ao La Stampa. Questionada sobre se estaria disposta a criar um outro perfil na rede social, Carlotta respondeu que quer recuperar a página que já tinha criado. Esta terça-feira, a página da italiana estava de novo activa e sua foto de perfil é agora a imagem censurada. O Facebook recusou-se, até ao momento, a comentar o caso. Segundo um estudo avançado na semana passada pela Ilga Europa, Itália foi considerado um dos países que mais desrespeitam os direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero (25% afirmaram aceitar a diversidade sexual). O Reino Unido está no topo da lista (82%), seguido da Bélgica (78%), Espanha (73%), e depois Holanda, Noruega e Portugal, países com valores próximos dos 70%.
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Cavaco será obrigado a promulgar adopção por casais gay antes de sair
Presidente vetou diploma na véspera da eleição presidencial e divulgou decisão no dia a seguir à ida às urnas. Assunto volta ao Parlamento já no início de Fevereiro. PS, PCP, BE e PEV vão confirmar a lei para “ultrapassar veto”, obrigando Cavaco a promulgá-la em Fevereiro. (...)

Cavaco será obrigado a promulgar adopção por casais gay antes de sair
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 13 | Sentimento 0.058
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Presidente vetou diploma na véspera da eleição presidencial e divulgou decisão no dia a seguir à ida às urnas. Assunto volta ao Parlamento já no início de Fevereiro. PS, PCP, BE e PEV vão confirmar a lei para “ultrapassar veto”, obrigando Cavaco a promulgá-la em Fevereiro.
TEXTO: O Presidente da República anunciou nesta segunda-feira que vetou o diploma que permitia a adopção plena por casais gay, e também as novas regras aprovadas pela esquerda parlamentar da interrupção voluntária da gravidez, mas já é certo que Cavaco Silva acabará por ter de promulgar ambos os diplomas três semanas antes de deixar o Palácio de Belém. Isto porque os partidos de esquerda já disseram que dentro de duas semanas, quando estes decretos forem reapreciados em plenário, vão confirmar o conteúdo agora vetado, aprovando-os novamente por maioria absoluta. Nestes casos, pela Constituição, o Presidente está depois obrigado a promulgar as leis no prazo máximo de oito dias, sem poder repetir o veto. A 4 de Janeiro — por coincidência o mesmo dia em que os dois diplomas deram entrada no Palácio de Belém para Cavaco Silva os apreciar —, no debate na SIC Notícias com a bloquista Marisa Matias, Marcelo Rebelo de Sousa, eleito no domingo para a Presidência da República, afirmou então que não vetaria os diplomas. Falta um “amplo e esclarecedor debate público” sobre a adopção plena por casais do mesmo sexo para que se possa introduzir uma alteração tão “radical e profunda” na lei, argumenta o Presidente da República ao anunciar esta segunda-feira o veto do diploma que lhe fora enviado pelo Parlamento. A mesma razão é apontada para a recusa do decreto com as novas regras para o aborto, que acaba com a taxa moderadora e reduz a obrigação de acompanhamento psicológico durante a decisão da mulher, e que Cavaco Silva classifica como um “retrocesso” no direito de informação da grávida. As duas mensagens estão assinadas com a data de 23 de Janeiro, ou seja, o dia de reflexão prévio às eleições presidenciais deste domingo, mas só foram divulgadas pela Presidência da República esta segunda-feira de manhã. Os diplomas regressaram já esta segunda-feira ao Parlamento, que os deverá reagendar em conferência de líderes para o plenário entre os dias 10 e 12 de Fevereiro – o regimento exige que sejam discutidos pelo menos 15 dias depois de entrarem, numa espécie de período de ponderação. Segundo as reacções da esquerda, a vontade é reafirmar o seu conteúdo. Devem, por isso, ser votados logo no dia da discussão, seguirão para Belém e o Presidente tem então oito dias para, obrigatoriamente, os promulgar, descreveu ao PÚBLICO o deputado Duarte Pacheco, vice-presidente da Assembleia. Na mensagem que enviou ao Parlamento, juntamente com a devolução do diploma para que os deputados o reapreciem, como determina a lei, Cavaco Silva desconstrói a argumentação jurídica usada pela maioria de esquerda. O Chefe de Estado lembra que o pressuposto de que parte o decreto que lhe chegou às mãos é o da “existência de uma discriminação dentre casais de sexo diferente e casais do mesmo sexo no que respeita à adopção”, ao passo que é comummente aceite que a adopção “deve reger-se pelo superior interesse da criança”, o qual “deve prevalecer sobre todos os demais, designadamente o dos próprios adoptantes”. “É consensual que, em matéria de adopção, o superior interesse da criança deve prevalecer sobre todos os demais, designadamente o dos próprios adoptantes. O interesse da criança é a linha-mestra condutora que deve guiar não apenas as opções legislativas sobre adopção como a própria decisão dos processos administrativos a ela respeitantes”, afirma Cavaco Silva. Não é uma questão de igualdadeO Presidente recusa também a justificação de que a adopção plena por todo o tipo de casais resultaria de uma imposição constitucional ou legal, defendendo que “o princípio da igualdade não impõe necessariamente a solução agora consagrada”. Cita acórdãos do Tribunal Constitucional de 2009 e 2010 sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo para concluir que a igualdade de tratamento entre casais de sexo diferente e do mesmo sexo é uma matéria do “domínio da liberdade de conformação do legislador” e não uma “imposição constitucional”. Cavaco Silva considera que “está, ainda, por demonstrar em que medida as soluções normativas agora aprovadas promovem o bem-estar da criança e se orientam em função do seu interesse”. Conta que recebeu uma exposição sobre o diploma de um grupo de “reputados juristas e professores de Direito” que defende, precisamente, que este regime tem “fundamentos descentrados da tutela jurídica destas crianças”. O Presidente vai ainda buscar o exemplo da co-adopção, é uma questão legal “muito mais circunscrita” do que a adopção plena, e que envolveu a audição de duas dezenas de associações e especialistas no Parlamento, ainda que o processo não tenha ficado concluído. Isto para dizer, continua Cavaco Silva, que a adopção plena e irrestrita a casais do mesmo sexo é uma “matéria de grande sensibilidade social” e implica uma tal “alteração radical e muito profunda” do ordenamento jurídico, que não deve entrar em vigor sem se fazer antes um “amplo e esclarecedor debate público, que envolva múltiplas correntes sociais e especialistas em diversos domínios”, de forma a que se chegue a uma solução consensual que “garanta que nos processos de adopção seja acautelado prima facie o superior interesse dos menores”. Liberdade da mulher não está em causa, insiste CavacoSobre as alterações ao regime da interrupção voluntária da gravidez (IVG), Cavaco Silva também cita o TC para se justificar, lembrando que a consulta obrigatória de aconselhamento prévia à decisão de interrupção da gravidez é comum em sistemas jurídicos que nos são próximos”, como a Alemanha, em que o período de reflexão é de pelo menos três dias, ou a Espanha, em que a lei impõe o dever de informar a mulher sobre direitos sociais na maternidade. Por isso, insiste que o diploma do anterior Governo que a esquerda quer agora alterar vai ao encontro das suas preocupações. Agora, ao “diminuir os direitos de informação e ao eliminar a obrigatoriedade do acompanhamento técnico especializado durante o período de reflexão”, a esquerda opera um “retrocesso” no direito da grávida à informação, sem se ter feito o “devido debate público e uma adequada ponderação”. O Presidente pede então aos deputados que façam uma “auscultação de entidades ou personalidades com relevância neste domínio e uma mais amadurecida reponderação sobre as soluções legislativas” numa área que considera de “grande sensibilidade política, ética e social”. A Federação Portuguesa pela Vida já saudou o veto presidencial: muitos portugueses, afirma em comunicado, não concordam com esta lei e não aceitam que "uma mulher seja deixada sozinha às circunstâncias adversas ou até à pressão de terceiros, na opção pelo aborto legal". Sobre as taxas moderadoras no aborto e a redução do processo de acompanhamento, Marcelo assumiu que também as deixaria passar ainda que tenha uma “posição pessoal” diferente sobre o que deve ou não ser cobrado na área da saúde. “Não há como vetar”, afirmou, realçando que o fim das taxas moderadoras na IVG estava no programa eleitoral, foi “sufragado” nas eleições e “a maioria parlamentar decidiu”. O PS já veio dizer que vai reconfirmar a aprovação no Parlamento dos diplomas agora vetados pelo Presidente da República (quer o da adopção quer o que revoga as alterações introduzidas à lei de interrupção voluntária da gravidez). Esta posição foi transmitida à agência Lusa pelo vice-presidente da bancada socialista Pedro Delgado Alves: "Não podemos deixar de lamentar que o Presidente da República, na recta final do seu mandato, continue empenhado em criar obstáculos e não em resolver questões de direitos fundamentais. Estamos perante vetos que não são definitivos e, por certo, a Assembleia da República vai ultrapassá-los. "Especificamente no que respeita ao veto aplicado ao decreto sobre a abertura à adopção de crianças por casais do mesmo sexo, Pedro Delgado Alves considerou "inexplicável" o conjunto dos fundamentos invocados pelo chefe de Estado. "Pelos vistos, passou ao lado de Cavaco Silva todo o debate que foi feito publicamente sobre esta questão. Por isso, ignora até as evidências científicas que justificam a evolução constante no diploma, já que ficou demonstrado que a solução proposta é a que melhor protege os direitos das crianças", alegou Pedro Delgado Alves. "Da parte do PCP há uma total disponibilidade para, o mais breve possível, ultrapassar este veto presidencial. Provavelmente, com discussão já na próxima quarta-feira, porque quando há um veto torna-se prioritário, e, se possível, a votação na sexta-feira", disse também à Lusa a deputada comunista Rita Rato. Segundo a parlamentar, "estas matérias são da maior importância no que respeita aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e ao direito de todas as crianças crescerem numa família que cuide delas, as ame e garanta, de forma plena, o seu desenvolvimento integral". "Não tem fundamento o que é invocado porque, quer no Parlamento, na sociedade e em todo o país este assunto tem sido profundamente discutido e tem tido grande acolhimento", disse Rita Rato. Também a porta-voz do Bloco de Esquerda acusou o Presidente da República de "pura mesquinhez política". Numa curta declaração, lida na sede nacional, em Lisboa, Catarina Martins lamentou que a acção do chefe de Estado possa vir a ter "consequências", designadamente porque, diz, prolonga "o tratamento indigno a mulheres que recorrem à IVG" e adia "por alguns dias os direitos de crianças às suas famílias por inteiro". "Estes vetos são um acto de pura mesquinhez politica. Acontecem um dia depois das eleições presidenciais para permitirem que a direita escondesse as suas contradições durante a campanha. Permitem também recordar-nos como o tempo de Cavaco Silva acabou há muito. "Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Catarina Martins lembra que "existem condições para o Parlamento confirmar com urgência os diplomas que Cavaco Silva vetou, obrigando à sua promulgação". E sublinhou: Cavaco Silva "vai acabar o seu mandato menorizado pela Assembleia da República e socialmente isolado por escolha própria. "Para a deputada bloquista, estes "foram temas debatidos, sufragados e houve uma escolha socialmente maioritária e essa escolha vai ser reconfirmada na Assembleia da República com urgência". "Os Verdes" qualificam como "lamentável" o facto de o Presidente da República ter exercido o seu direito de veto político, assumindo "uma postura profundamente retrógrada e que vai contra aquelas que são as pretensões já amplamente demonstradas na sociedade portuguesa". Em comunicado adiantam que contribuirão para "reconfirmar estes diplomas na Assembleia da República".
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Um tempo de subtileza para Gaye Su Akyol
O título do álbum significa algo como “fantasia consistente é realidade”. — Como quem diz que tem de se criar “uma outra realidade” para suportar as regras que vigoram sob a deriva autoritária do Presidente Erdogan. (...)

Um tempo de subtileza para Gaye Su Akyol
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O título do álbum significa algo como “fantasia consistente é realidade”. — Como quem diz que tem de se criar “uma outra realidade” para suportar as regras que vigoram sob a deriva autoritária do Presidente Erdogan.
TEXTO: No arranque de Istikrarli Hayal Hakikattir, a cantora turca Gaye Su Akyol atira-nos um osso. E nós abocanhamo-lo, plenos de entusiasmo e de contentamento. Mas não demora até que percebamos que fomos enganados. Se o tema que dá nome ao álbum segue pelos caminhos de um surf rock (aspergido de psicadelismo) nas margens do Bósforo, esse mesmo figurino que Gaye Su Akyol fixou com espanto e mestria em Develerle Yasiyorum (2014) e Hologram Imparatorlugu (2016), amparada por uma banda soberba — cuja vida autónoma, sem cantora, certificada com o nome Bubituzak, não é menos fascinante —, essa que era a marca distintiva da sua música aparece agora menos proeminente. Vem à frente só para garantir que continuamos com Gaye, mas leva-nos depois para um outro cenário, em que tudo se torna mais subtil e difuso. Autoria: Gaye Su Akyol Glitterbeat RecordsTalvez porque o tempo hoje a isso obriga. Em entrevista recente à revista inglesa Songlines, Ali Güçlü Simsek, guitarrista, produtor e namorado de Gaye Su Akyol, falava da opção da banda em apresentar-se em palco atrás de máscaras como uma forma não apenas de concentrar as atenções na figura de super-heroína espaventosa da cantora, mas também de “sugerir dissimulação”, algo “idealmente adequado a estes dias em que na Turquia revelar em absoluto a nossa identidade e os nossos propósitos pode garantir alguma atenção indesejada das autoridades conservadoras e pró-islâmicas”. Daí que, embora desacelerando nessa via de surf rock com claro travo turco e devedor das sonoridades do rock psicadélico da Anatólia (conforme sonhado por Baris Manco ou Erkin Koray), se mantenha a necessidade escapista providenciada pela música. O título do álbum, aliás, explica Su Akyol, significa algo como “fantasia consistente é realidade” — como quem diz que tem de se criar “uma outra realidade” para suportar as regras que vigoram sob a deriva autoritária e persecutória do Presidente Recep Tayyip Erdogan. Em termos musicais, o que isto significa é que Istikrarli Hayal Hakikattir é notavelmente eficaz a mergulhar em águas mais profundas. Todo o imaginário criado pela cantora enquanto passo adiante numa canção turca herdeira da tradição das vozes revolucionárias como a de Selda Bagcan surge agora em ambientes que se impõem carregando no mistério e sem recorrer ao mesmo frenesim que antes vigorava. O encanto imenso de Gölgenle Bir Basima é um perfeito exemplo: toda uma canção vagarosa que se insinua e nos vai enleando pouco a pouco, até não nos oferecer qualquer possibilidade de fuga. É um transe em lume brando, de uma sedução sublime, mas que parece montar-nos uma armadilha da qual, quando nos apercebemos, já não conseguimos libertar-nos, eliminando qualquer porta de saída. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Logo a seguir, Meftunum Sana, sem fazer uso da mesma qualidade quase dissimulada, ou Sahmeran, imaginando uma fronteira inexistente entre Turquia e México, acentuam essa ideia de que Gaye Su Akyol, sabiamente, logrou não se tornar ela própria vítima da explosão internacional alcançada pelo anterior Hologram Apparatu. Teria sido fácil alimentar as boquinhas ocidentais ávidas de uma dose de revolta turca em formato rock local de uma outra clareza; mas este disco em que a Turquia aparece por detrás de uma névoa, como se esfumasse e passasse a ser quase o holograma de que antes falava Gaye, recusa alimentar um cliché geográfico. Não fugindo às suas raízes (há mesmo uma versão de Baris Manco, Hemserim Memleket Nire) encontramos aqui uma sonoridade mais velada. Como se antes ocorresse uma jusposição magnífica entre o universo nervoso dos Bubituzak e a voz dolente de Akyol, e agora houvesse uma banda a ser pensada para esta cantora. E, claro, como se antes a explicitação fosse permitida e agora fossem precisas novas formas de mascarar as intenções — no que isso tem, por si só, de violentamente político.
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Palavras-chave cantora
Ministro da Saúde indiano declara homossexualidade uma “doença”
Ghulam Nabi Azad, ministro da Saúde na Índia, provocou um grande alvoroço ao afirmar, durante uma conferência sobre a SIDA, que o sexo entre pessoas do mesmo género é “anti-natural.” (...)

Ministro da Saúde indiano declara homossexualidade uma “doença”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-07-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ghulam Nabi Azad, ministro da Saúde na Índia, provocou um grande alvoroço ao afirmar, durante uma conferência sobre a SIDA, que o sexo entre pessoas do mesmo género é “anti-natural.”
TEXTO: Azad, para além de comparar a homossexualidade a uma patologia, declarou-a uma “doença proveniente de outros países” e sublinhou que “o sexo entre homens não deveria acontecer, embora seja uma realidade”. E acrescentou, citado pela BBC: “Apesar de não ser natural, existe no nosso país e está a expandir-se rapidamente, tornando-a difícil de detectar. ”O primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh e a líder do Partido do Congresso, Sonia Gandhi, estavam presentes na conferência juntamente com vários ministros do Governo que, no entanto, saíram do colóquio antes das declarações feitas por Ghulam Nabi Azad. Em 2009, a questão das relações homossexuais foi abordada durante um julgamento memorável, no qual ficou definido que ter relações sexuais com uma pessoa do mesmo sexo não é um acto criminoso. Segundo o Supremo Tribunal de Deli, a lei que existia há 148 anos, e que condenava actos homossexuais podendo levar a sentenças de 10 anos de prisão, era não só discriminatória como também “uma violação dos direitos fundamentais. ” No entanto, a discriminação homossexual continua generalizada e activistas pelos direitos dos homossexuais continuam a lutar contra esta tendência. Uma dessas activistas, líder da campanha contra a SIDA da Fundação Naz, ficou chocada com as palavras do ministro da Saúde e respondeu que Azad “vive noutro planeta". E adiantou: "Ou ele está muito mal informado ou está a falar para um público muito restrito”. Anjali Gopalan acrescentou também que é muito mais fácil um homem infectar uma mulher do que uma mulher infectar outra, uma vez que as mulheres casadas têm poucas possibilidades de negociar com os maridos a prática de comportamentos mais seguros. Anand Grover, relator especial das Nações Unidas sobre a saúde, também criticou os comentários de Azad. Em declarações ao jornal "Hindustan Times", Grover disse: “É lamentável e totalmente inaceitável que um ministro deste estatuto ainda seja insensível a grupos vulneráveis como os homossexuais. ” Por seu turno, o activista dos direitos homossexuais Mohnish Kabir Malhotra considerou que Azad deve pedir desculpas imediatamente e declarou à AFP que “a homossexualidade faz parte da natureza e até tem referências em textos religiosos, por isso chamá-la anti-natural é um absurdo. "
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