Espelho meu, espelho meu, diz-me que este corpo não é o meu
Girl coloca o espectador no quarto de Lara, uma rapariga trans que quer ser bailarina clássica. Propõe a comunicação com a angústia da intimidade - como num filme de terror. Uma primeira obra de um cineasta belga que já chegou aos Globos e está em campanha para os Óscares. Entrevista com Lukas Dhont, 27 anos, antes de aterrar em Los Angeles. (...)

Espelho meu, espelho meu, diz-me que este corpo não é o meu
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Girl coloca o espectador no quarto de Lara, uma rapariga trans que quer ser bailarina clássica. Propõe a comunicação com a angústia da intimidade - como num filme de terror. Uma primeira obra de um cineasta belga que já chegou aos Globos e está em campanha para os Óscares. Entrevista com Lukas Dhont, 27 anos, antes de aterrar em Los Angeles.
TEXTO: Por esta altura, o belga Lukas Dhont, 27 anos, já aterrou em Los Angeles. É uma daquelas narrativas que pode calhar na sorte aos “pequenos” filmes. Tudo começou na secção Un Certain Regard de Cannes, em Maio: o seu Girl - O Sonho de Lara, primeira longa, a partir da história verídica de um rapariga trans que aspirava a ser bailarina, foi um pequeno acontecimento, e acabaria por receber a Câmara de Ouro, prémio atribuído às primeiras obras — questão de trabalho de realizador e de trabalho de actor, o jovem Victor Polster, Girl é um filme liberto do previsível. Agora, Girl, que transformou a história de Nora Monsecour na personagem de Lara, concorre para os Globos de Ouro e Dhont faz trabalho de promoção para os Óscares. No momento também em que se abate sobre Girl algo de previsível: as críticas sobre os seus supostos pecadilhos figurativos e sobre o facto de a história ter sido contada por um realizador e um actor cisgéneros. Realização: Lukas Dhont Actor(es): Victor Polster, Arieh Worthalter, Oliver BodartNora Monsecour, em carta publicada na Hollywood Reporter, já argumentou que essas críticas rasuram a sua identidade. E que Girl conta a história da sua adolescência “de uma forma que não mente, que não esconde” — o contacto com Lukas Dhont para a concretização do filme, precisou, ajudou-a a aceitar-se como mulher transgénero e a amar-se, “finalmente, sem fúria ou vergonha”. “Argumentar que a experiência de Lara como trans não é válida, porque [o realizador] Lukas [Dhont] é cisgénero ou porque temos um actor principal cisgénero ofende-me. ”Na verdade, Girl, que chega quinta-feira às salas portuguesas, coloca-se para além de um programa. A história de Nora/Lara é mesmo a da não pacificação da intimidade e da identidade. Como uma turbulência interior irredutível a qualquer normalização exterior — o mundo que rodeia Lara não é sequer intolerante à sua aventura, e no entanto. . . Girl põe o espectador no quarto, e junto aos espelhos, de Lara, propõe uma comunicação com o silêncio e com a angústia — como num filme de terror. E há o jovem actor Victor Polster, que Lukas Dhont, nesta conversa, diz ter sido uma pérola. Tinha 18 anos, estava na escola de Cinema quando leu sobre Nora Monsecour, uma bailarina trans. E estava, nessa altura, ainda a lidar com a sua sexualidade. Que momento foi esse, então, e como desembocou, anos depois, em Girl?Foi de facto um momento crucial na minha vida. Muitas coisas estavam a unir-se. Sempre soube que queria fazer cinema. Sempre pensei que era a forma de me expressar e que conseguiria ser o mais honesto comigo próprio nos filmes: usá-los para falar do que me era pessoal. Foi nessa altura que li a história de uma rapariga trans de 15 anos, Nora, que queria tornar-se bailarina clássica. Interessou-me o facto de o mundo do ballet poder ser uma enorme metáfora de um sistema que reserva papéis para homens e para mulheres — e eis uma rapariga trans que procura uma via nesse sistema. A integração é uma necessidade das pessoas queer, trans, gay ou lésbicas, e senti uma ligação muito grande com Nora. A primeira ideia foi fazer um documentário. Mas naquele momento da sua vida Nora não queria ser filmada. Comecei então a pensar numa ficção. Ao longo dos anos manteve-se em contacto com Nora. O projecto e a personagem autonomizaram-se como ficção — o realizador também fez o seu percurso. . . — ou mantém-se muito chegado ao retrato dela?A personagem de Lara está muito próxima de Nora, que a inspirou, que foi o seu molde. Mas Lara não é Nora; é Lara. É tão próxima quanto é diferente. Lara tem todas as características que eu e Nora considerávamos essenciais, quando falávamos de fazer a personagem existir no ecrã. Mas outras vezes é outra pessoa, inspirada por vezes em mim. E talvez seja inspirada por outras personagens femininas do cinema. Uma das surpresas é a forma como opta pelo que é interior e não pelo exterior — isto é, tudo o que rodeia a personagem, o contexto social e familiar, parece pacificado. Lara é aceite. Mas gradualmente o filme entra no quarto dela, aparecem os espelhos, e é aí que Girl propõe um diálogo do espectador com Lara, com os seus medos, com o medo. É o que diz , porque, sim, é verdade que as relações mais próximas da personagem são sempre solidárias, não existe um conflito exterior directo no filme, nem com o pai, nem com familiares, nem com a equipa médica. Mas penso que há uma pressão externa, e isso no filme é simbolizado pelo mundo do ballet. Usamos o ballet como metáfora de um mundo que tem uma grelha, papéis definidos para homens e mulheres, o que para muitos é difícil de habitar. Era a história que queria contar. Pensei que havia potencial cinematográfico nesse mundo, que, aliás, é usado nos filmes de terror — por exemplo, Darren Aronofsky [O Cisne Negro, 2010]. Quando vemos uma personagem trans ou LGBT, surge quase sempre associado o confronto com o exterior. É o que vemos nas notícias, é o que vejo em redor. Por isso quis concentrar-me na personagem, no facto de ela ser o maior antagonista de si mesma. Ou porque o mundo funciona assim, ou porque há forças destrutivas dentro dela, queria que fosse uma personagem em diálogo consigo mesma. Começa a ficar rodeada de espelhos, que a obrigam ao confronto. . . Sim, é muito preciso o que diz. Esse processo de criação de imagens, o reflexo, é complexo. Para Lara, o seu corpo, a sua imagem, é o seu maior conflito. O reflexo é algo muito susceptível de confronto para os adolescentes — e para muitas pessoas em geral. No caso de Lara isso é exponenciado. Queríamos que o protagonista e o antagonista fossem a mesma pessoa. Eu e o director de fotografia [Frank van den Eeden] usámos muito os espelhos, os reflexos. No mundo do ballet, nas aulas, os espelhos são omnipresentes. Lara quer escolher uma profissão que exige enorme confronto consigo mesma, com a sua aparência. É isso que é interessante naquela arena física: ela está lá, a tentar encaixar-se nos outros corpos, mas sabendo que não pertence ali. A relação com o pai [Arieh Worthalter]. . . Eles formam um “casal”, não é? Ele é o homem e ela é a mulher da casa — porque a mãe é figura ausente. E há ainda uma criança, o irmão mais novo de Lara. Há aquele momento em que Lara fica inquieta quando o pai recebe uma “amiga”. . . Estava interessado em criar uma família em que só havia um pai e em que uma relação — pai e filha — que costuma ser apresentada como problemática era afectuosa e respeitosa. E tornou-se interessante ter Lara como elemento de um triângulo familiar, no lugar da mulher da casa. Não estávamos à procura disso no argumento, mas acabou por ser importado, de forma livre, da realidade. O desafio foi o casting. Foi aberto, não foi dirigido a rapazes ou a raparigas, qualquer candidatura podia ser válida. Foi a fase mais difícil, porque era preciso encontrar alguém de 15 anos que aguentasse o que acontece no filme. Era possível? Vimos mais de 500 jovens, e a certa altura pensávamos que não íamos encontrar alguém que pudesse fazer a personagem. Queria encontrar alguém por quem me apaixonasse, tal como me tinha apaixonado por Nora — tinha de ter a mesma relação com essa pessoa de 15 anos. E de repente apareceu Victor [Victor Polster] e tornou-se claro, para mim, para a equipa e para Nora, que tínhamos encontrado uma pérola. Foi espectacular desde o primeiro momento, ficámos maravilhados, e isso nunca mudou. Havia gente adulta que chorava no set quando filmávamos cenas com Victor. Foi uma experiência intensa ver alguém tão novo e tão talentoso. É natural, para além do maravilhamento, querer saber como é que um adolescente entende a complexidade desta personagem. A pergunta que lhe fazem é: como é que um adolescente pôde ser protegido da perturbação que a personagem lhe poderia causar? Mas para a geração de Victor isso talvez seja naturalmente mais fluido, ele esteve menos em dificuldade do que imaginamos. Sim, a geração de Victor é muito aberta a falar de género e de sexualidade. Quando lhe propus o papel, não houve dúvida, não houve problema. E, quando conheceu Nora, ficou claro por que estávamos a fazer o filme e por que é que ele estava a querer fazer a personagem. O papel, a sua dificuldade ou estranheza, nunca foi uma questão. Para ele a dança foi um desafio maior. Embora tenha treino de dança clássica, nunca se tinha posto em pontas — algo só para raparigas. Teve de aprender em três meses, isso, sim, foi um desafio. Dizer como dirigi Victor é complexo. Foi uma combinação de muitas coisas. Primeiro, foi importante, para alguém que nunca tinha actuado, encontrar a necessária confiança para se sentir livre no set. Durante três meses, antes da rodagem, eu, Victor, Arieh [Worthalter, o pai] e o intérprete da personagem do irmão mais novo, fazíamos tudo juntos, íamos jantar, jogar bowling, íamos ao cinema. Queria que se sentisse confortável com toda a gente. Era preciso criar uma zona de conforto, para que Victor, que era um adolescente de 15 anos, não congelasse. A seguir, foi importante a preparação de quase seis anos em que conheci Nora e em que, por isso, conheci Lara. Isso permitiu-me conversar honestamente com Victor para lhe dizer o que pretendia. E depois ainda foi preciso treiná-lo em tudo o que fosse necessário. Teve terapia de voz — ele já de si é muito feminino, isso foi algo que pudemos utilizar. E tive a sorte de ter alguém como Arieh para me ajudar nos momentos mais emotivos com Victor. Quando se é actor e nunca se fez nada antes, é preciso ajudar o outro a chegar “lá”. Dirigir Victor foi um trabalho de grupo — não fui só eu a dirigi-lo para que ele se elevasse até à emoção pretendida. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Como numa família. . . Sinto, muito intensamente, que fizemos este filme dessa forma. O encontro com Nora definiu o seu lugar como realizador. Está iniciar um périplo de promoção para os Globos de Ouros e os Óscares. E depois?Nora tornou claro que temos de ser verdadeiros connosco próprios. Foi uma lição a nível pessoal. A nível profissional, deu-me o material para falar sobre aquilo de que quero falar. Mas agora que o fiz preciso de me afastar. Preciso de fazer o trabalho de luto. Preciso de deixar partir [o filme] e encontrar algo de novo. Estou a escrever um novo filme, algo totalmente diferente. É assustador e ao mesmo tempo confortável.
REFERÊNCIAS:
Da América Latina para Portugal, o festival ¿Anormales? é para todxs
Da América Latina para a Europa, o festival ¿Anormales? vai ocupar a Disgraça, em Lisboa, até 3 de Dezembro. A organização espera que haja “algo que fica, que se transforma, que continua” quando o festival itinerante partir (...)

Da América Latina para Portugal, o festival ¿Anormales? é para todxs
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Da América Latina para a Europa, o festival ¿Anormales? vai ocupar a Disgraça, em Lisboa, até 3 de Dezembro. A organização espera que haja “algo que fica, que se transforma, que continua” quando o festival itinerante partir
TEXTO: O ponto de partida é uma “maleta gigante” que Stéphane Jacob começou por levar a várias cidades da América Latina em 2010. Stef chega “normalmente com um mês de antecedência” com o que chama de “material de base” — alguns documentários e uma exposição — e começa a fazer contactos para trazer participantes locais. É assim que nasce cada edição do ¿Anormales?, um “festival transfeminista do-it-yourself itinerante” que reúne filmes, performances, música, oficinas e debates ligados à temática LGBT e feminista. Com um sotaque mesclado entre o francês e o castelhano, Stef conta que a ideia nasceu em conversas na Casa Brandon, em Buenos Aires (cidade onde vive), e repete-se em mais do que uma edição por ano — a última foi em Abril, na Bolívia. Depois de quase oito anos a circular pela América Latina, o belga — que viveu em Portugal durante 16 anos e fez parte do colectivo Panteras Rosa — volta a atravessar o Atlântico para trazer o festival a terras lusas. A partir desta quarta-feira, 29 de Novembro, e até domingo, 3 de Dezembro na Disgraça, em Lisboa, e de 9 a 12 de Dezembro na república Rosa Luxemburgo, em Coimbra. Com o passar do tempo, Stef foi juntando materiais dos países por onde passou e o espólio cresceu. O material do festival ¿Anormales?, em particular os documentários, será “quase todo inédito em Portugal”, reunindo uma série de filmes activistas que muitas vezes ficam à margem dos grandes festivais. “Quando o festival se vai, há algo que fica”Em Lisboa, a organização conta com dois “cúmplices”: o colectivo Panteras Rosa e a TransMissão, uma associação trans e não-binária criada neste ano. Estes colectivos ajudam nas traduções, no apoio a pessoas com mobilidade reduzida e a fazer a ponte com os espaços e artistas da cidade. Para Stef, esta participação é essencial: “Quando o festival se vai, gosto quando há algo que fica, que se transforma, que continua”. O ¿Anormales? promove o debate sobre questões como a despatologização das pessoas trans, as operações de normalização impostas às pessoas intersexo, a legalização e a descriminalização total do aborto — que é ilegal na maior parte dos países da América Latina —, o trabalho sexual, o impacto do VIH. Na programação para Lisboa, as noites são pontuadas com cinco performances “escolhidas a dedo” pela organização: “Se repetir muitas vezes, se repetir muitas, se repetir”, de Zé Luis C; “Conferência Anal”, de Jota Mombaça; “inSANO”, com Rose Mara Kielela, Thais Zaki e John Kalagary; “Every man kills the thing he loves”, com Ann Antidote e Lun Ário; e a performance de drag king de Joaquim Fónix. Em três momentos haverá conversas com convidados depois da projecção dos documentários: os activistas intersexo Vincent Guillot e Loe depois do filme Entre dois sexos (Régine Abadia), na sexta-feira, 1 de Dezembro, às 18h; Alessandro Avellis, realizador de A Revolução do Desejo (Alessandro Avellis e Gabriele Ferluga), no sábado, dia 2, às 16h30; e Irmã Rosa, co-protagonista do filme E a tua irmã (Sylvie Leroy e Nicolas Barachin), também no sábado, às 21h. “Tenho vontade de dizer que queremos tudo”Um dos temas aos quais o festival aponta holofotes é o debate sobre as questões trans. “Chegámos a uma geração que não está para estar calada”, nota Sérgio Vitorino, activista LGBT e fundador das Panteras Rosa há mais de dez anos. E o debate que terá lugar no sábado à tarde serve para dar voz às pessoas trans sobre a lei que está em discussão na Assembleia da República. “Para que elas possam intervir. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Sacha Montfort é um dos participantes nessa conversa sobre “como pessoas trans vêem a política”, onde se junta a Eduarda Santos, Daniela Bento e Laetitia. Activista trans, Sacha é um dos membros da associação TransMissão, criada no Verão deste ano para dar mais visibilidade às questões da comunidade trans. Sacha, 32 anos, explica que o ponto de partida foi a “Declaração Colectiva Trans pela nossa Auto-Determinação”, uma carta aberta assinada por mais de 80 pessoas trans entregue no início do ano à secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade, às comissões parlamentares da Saúde e de Assuntos Constitucionais e aos grupos parlamentares. A TransMissão espera manter o assunto em agenda, “dando espaços de visibilidade a existências que normalmente são apagadas”. “Queremos fazer algo agora, quando está a ser feito o debate da lei, falar na nossa própria voz para obter a autodeterminação, para obter todos os nossos direitos humanos”, defende Sacha. “Tenho vontade de dizer que queremos tudo”, desabafa. “Há muitas coisas para fazer, seja a nível de consciencialização, do trabalho da lei, mas talvez o mais importante seja o trabalho comunitário para não deixar ninguém isolado. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto direitos lei humanos comunidade igualdade sexual feminista ilegal lgbt
Quando um pai assume que, afinal, é uma mulher “trans”
Trinta e cinco pessoas que mudaram a menção ao sexo no registo civil já tinham filhos quando iniciaram o processo de transição. Como é que se explica a um filho que não se é o que se parece? (...)

Quando um pai assume que, afinal, é uma mulher “trans”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Trinta e cinco pessoas que mudaram a menção ao sexo no registo civil já tinham filhos quando iniciaram o processo de transição. Como é que se explica a um filho que não se é o que se parece?
TEXTO: Foi a filha que lhe deu coragem para sair do armário. Quase dois anos e meio, uma graça como nunca vira, inconveniente como só visto, não batia nas portas antes de entrar. Viu-lhe as unhas dos pés pintadas e quis mostrá-las à avó. Eva assustou-se. Que diria quando percebesse que usava lingerie? Teria de se esconder da filha? Esconder-se da filha não seria afastá-la? Até quando conseguiria continuar a fazer de conta que era um homem num corpo de um homem?Quem lhe dera ter um corpo de mulher. Há tantos anos que esse desejo a assaltava. “Consegui meter esse desejo dentro de uma caixinha, submetê-lo a ruído de fundo. " De repente, lá estava a pequena a meter o nariz em tudo. O tal ruído de fundo tornou-se ensurdecedor. Tinha 35 anos, o emprego de que gostava, a companheira heterossexual, o pai e a mãe numa deriva religiosa. E se fosse despedida? E se a mulher a deixasse? E se os pais se desfizessem no desgosto?“À medida que o tempo passa, isto torna-se cada vez mais inevitável”, pensou. “Se espero até a minha filha fazer 18 anos, tenho de sacrificar mais uma década da minha vida. E aí ela pode encontrar uma forma radical de lidar com tudo isto. Pode sair de casa. Se continuar a adiar isto, corro o risco de lhe dar uma educação preconceituosa. Não quero correr esse risco. ”Os olhos de Eva reluzem ao revelar este debate interior. Está sentada numa esplanada, de pernas cruzadas, sumida na sua aparência masculina. O processo de transição ainda agora começou. Para já, só fez cinco sessões de depilação a laser. Há uns dias, saiu pela primeira vez de casa com um vestido. Foi comer um gelado com a mulher, que está a tentar lidar o melhor que pode com a revelação feita em Novembro. Vai fazer “a transição total”. Não vai ser fácil passar despercebida. “Tenho traços muito masculinos. Tenho 1, 88 metros. Chego a qualquer lado, sou o cabeçudo. ” Quando se imagina com um corpo de mulher, também imagina a filha a chamar-lhe pai. “Não acho que seja saudável ela tratar-se por mãe. Ela tem uma mãe. Não posso eu ficar com esse lugar. Eu vou ser sempre o pai dela. ”Conforme for tendo uma aparência mais feminina, descobrirá as implicações na relação com a filha. Há-de chegar à altura de lhe explicar que “género não é sexo” e que “importante é uma pessoa ser quem é e permitir que os outros sejam quem são”. Para já, quer é atirá-la ao ar e vê-la rir às gargalhadas. Desde que a lei da identidade de género entrou em vigor, no princípio de 2011, até ao final de Maio deste ano, 587 pessoas alteraram a menção ao sexo nos documentos. Desses, 35 já tinham filhos. Três registaram filhos já depois. Como é que se explica a um filho que não se é o que se parece? Como é que se lhe diz que se vai fazer a transição? E como é que eles lidam com isso? Há grande diferença entre as crianças e os adultos?Não há notícia de estudos sobre parentalidade “trans” em Portugal. Há pistas vindas de fora. Uma equipa do Williams Institute on Sexual Orientation and Gender Identity Law and Public Policy, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, fez uma revisão de literatura científica e encontrou 51 referências. Ideias-chave: há mais mulheres do que homens “trans” com filhos; a parentalidade é mais frequente em pessoas que fazem a transição tarde; quem faz a transição já depois de ter filhos tem de renegociar a sua identidade e as suas relações com eles; a vasta maioria das pessoas “trans” que participou nos estudos afirma ter boas relações com os filhos; há queixas de discriminação informal, via outro progenitor, ou formal, via tribunais, nos processos de regulação das responsabilidades parentais. Em vários textos e palestras, a terapeuta norte-americana Arlene Istar Lev, que se especializou no acompanhamento de pessoas lésbicas, gays, trangénero e suas famílias, descreve a dinâmica familiar expectável numa situação destas. Há filhos que são apanhados de surpresa. E filhos que vão vendo sinais de que o pai ou a mãe não é o que parece. Há um período de ajustamento que tende a ser sinónimo de crise. No turbilhão emocional, um ou vários membros da família tentam demover a pessoa “trans”. E num período de negociação. Por fim, restabelece-se o equilíbrio, que nem sempre equivale a aceitação. Eva ainda pouco disto viu. Outras pessoas transgénero já passaram por essas fases todas, como Francisca. Francisca está com 60 anos. Ainda adolescente, já se enfiava no quarto para se maquilhar. Quando se casou, levou este lado para a intimidade com a mulher, Maria Eugénia. Introduziu-o como um fetiche. Eram os filhos ainda pequenos, começou a andar pela casa com maquilhagem, unhas pintadas, sandálias. “Eu chegava por volta das oito da noite, vestia-me, maquilhava-me e estava assim em casa e não sentia que os meus filhos tivessem problemas. ”Era um segredo de família. As crianças não levavam ninguém para casa. Com os namoros, isso mudou. Avisavam quando levavam alguém. Francisca não se vestia de mulher ou corria para o quarto e voltava a vestir-se de homem. Com o tempo, os namorados das filhas tornaram-se maridos. “As minhas filhas não iam estar sempre a avisar. ” E Francisca foi ficando mais confinada. Durante muitos anos, a hipótese de transição nem se colocava. Construíra a vida em torno da mulher e dos três filhos. A sua imagem pública era de marido e pai. O que aconteceria se anunciasse que, afinal, era uma mulher “trans”? A mulher ia aceitá-la? Os filhos iam aceitá-la? Que mudanças isso provocaria na vida de todos?“Eu tinha um problema que não era muito fácil de resolver”, salienta. “Eu sou casada com uma mulher. Em Portugal, o casamento entre pessoas do mesmo sexo não era permitido até 2010. Até aí, para alterar a minha identidade, tinha de me divorciar. Enquanto os meus filhos eram menores, também não podia alterar a identidade. ”Em 2011, o país passou a ter a lei da identidade de género que permite mudar o nome próprio e a menção ao sexo nos documentos sem fazer tratamento hormonal e cirurgias de reatribuição de sexo. E anunciou a criação da Unidade Reconstrutiva Génito-Urinária e Sexual do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que arrancou no ano seguinte e tem sido alvo de críticas. O ponto de viragem para Francisca foi uma formação sobre género. Reconheceu-se no que ouviu. Quando teve de fazer um trabalho, partilhou a sua história com os colegas. A partir dali, não havia volta atrás. “A partir de agora, tenho de ser eu. Mesmo que seja obrigada a ficar sem os meus filhos, sem a minha mulher, tenho de ser a Francisca. O Francisco tem de desaparecer. ”Tentou em vão encontrar as palavras certas. Os dias foram dando lugar às semanas, as semanas foram dando lugar aos dias. No final de 2014, reuniu a família. “Recordo-me de apagar a televisão e de sentar toda a gente a uma mesa. Disse-lhes que quando me vestia de mulher, quando me maquilhava, não era por fetiche. ” Houve uma filha que saiu da mesa, indignada. Deu início ao processo de mudança de nome próprio e menção ao sexo no registo, que a nova lei de autodeterminação de género deverá simplificar, acabando com a necessidade de relatório médico. Há dois anos, quando por fim reunia os documentos necessários, deslocou-se à conservatória. Uma filha foi com ela. A outra deixou de lhe falar. “Uma diz que eu tenho o direito de ser quem eu sou. A outra chegou a chamar-me aberração, palhaço. Quando alterei os documentos, perguntou-me onde estava o pai, se não tinha mais pai. ”De certo modo, o pai não existe. No assento de nascimento, já não consta Francisco. Agora, só lá está Francisca. Só que a declaração de nascimento de cada uma das suas filhas gémeas, de 31 anos, e do filho, de 35, só é alterada se eles quiserem. “Eles podiam ficar constrangidos se aparecesse lá: filho de Maria Eugénia e Francisca Solange”, concede. Pior seria se fossem menores. Não teria de andar com a papelada da regulação das responsabilidades parentais. Teria de contar a história toda vezes sem conta. As gémeas nasceram com uma diferença de cinco minutos. Têm nomes que começam pela mesma letra do alfabeto, frequentaram as mesmas escolas, fizeram-se cabeleireiras, casaram-se no mesmo dia, têm um filho cada uma, só que isso tudo não as torna iguais. Se tiver de as descrever, Francisca dirá que uma é um doce e a outra um salgado. Não era difícil saber o que ia na cabeça de uma das filhas: “Como é que eu posso mostrar ao meu pai que isto não altera o amor que eu sinto por ele? Como é que eu posso ajudá-lo a fazer a transição?” E na cabeça de outra: “Porque está ele a fazer isto? Posso convencê-lo a não fazer isto? O que é que eu vou dizer aos meus sogros? O que é que eu vou dizer às minhas amigas? Como é que eu vou explicar isto ao meu filho? Que tipo de relação vamos ter, agora?”Conhece-as tão bem. E nem por isso lhe custa menos. “Não entendo”, meneia numa tarde de conversa, no pequeno restaurante que gere com a mulher, à beira da Estrada Nacional 14, no Câstelo da Maia. “Os meus filhos foram criados com o máximo de carinho. Sempre lhes dei tudo o que pude…”Não é só personalidade. O contexto desempenha um papel. “Há sempre influências externas. Ali, possivelmente, foi isso que se passou. O marido da minha filha é sexista, homofóbico, transfóbico”, suspira. A outra filha já se divorciou. A literatura científica mostra que há quem nunca aceite, quem aceite bem e quem aceite com renitência. E Francisca teve isso tudo. É que o filho está num “nim”. “Dentro de casa, está tudo bem. Desde que alterei a minha identidade, nunca mais quis sair comigo. ”Não lhe leva a mal. Sabe-o receoso dos preconceitos alheios. E, nesse embalo, pode imaginar o torpel que vai na sua cabeça: “Eu quero apoiar o meu pai, mas tenho vergonha. O que vou dizer se alguém for malcriado com ele ou se se puser a fazer piadas maldosas? O que vão pensar de mim?”Nos netos não percebe reprovação. Do alto dos seus sete anos, o filho da gémea que a apoia explica o que lhe aconteceu: “Quando a avó Francisca era pequenina era menino por fora e menina por dentro. Agora, que a avó Francisca já cresceu, é menina por dentro e por fora”. O outro neto, filho da gémea que a despreza, conta cinco anos e já lhe disse: “O meu pai diz que só tenho uma avó (a mãe dele). Eu já disse ao meu pai que tenho três avós: a avó Gena, a avó Mila e a avó Chica. ”“As crianças não nascem preconceituosas”, comenta Francisca. “São os adultos que as tornaram preconceituosas. ”A idade pode fazer a diferença, ao que se depreende do artigo Adaptation and adjustment in children of transsexual parents, assinado por Tonya White e Randi Ettner na revista científica European Child & Adolescent Psychiatry. Entrevistaram 27 pais e 55 crianças e perceberam que as crianças que eram mais novas no momento da transição do pai ou da mãe tendiam a manter uma relação melhor com eles e a ter menos dificuldades de adaptação. As tensões entre pais encabeçam os factores de stress. O conflito parental tende a reflectir-se na relação entre a criança e o pai ou a mãe “trans”. “É fundamental os filhos ou as filhas das pessoas transexuais saberem que o pai ou a mãe são a mesma pessoa”, acredita Sílvia, uma mulher de 45 anos que está a fazer a transição há quatro. “Não é por mudarem de sexo que deixam de ser um pai ou uma mãe. O amor de um pai ou de uma mãe mantém-se. Muita da força que eu tenho neste processo vem desse amor que tenho pela minha filha. ”A filha conta oito anos. “Ela sabe o meu novo nome, sabe que sou menina, sabe que vou ser operada. ” E não dá sinais de mal-estar por causa isso. “Para ela, é natural”, parece-lhe. “Ela tem uma postura que devia ser exemplo para outros. ”Não é ingénua. Não faltam relatórios e estudos a atestar que o preconceito contra lésbicas, gays, trangénero e intersexo se estende às famílias. Não é por acaso que algumas crianças nem falam nisso na escola. Acha que a ajuda estar a crescer com esta realidade, sentir-se amada, ser uma menina inteligente e generosa. O nome próprio, o pronome e outros marcadores de género são ferramentas de reconhecimento social de identidade importantíssimas para quem está em transição. Sílvia gostava que a filha a tratasse pelo nome próprio. Disse-lhe isso pela primeira vez num centro comercial do Grande Porto. Sentaram-se num sofá. Havia gente a passar para trás e para a frente. “Expliquei-lhe que, como eu sou uma menina, as outras pessoas acham estranho que ela me chame pai. ” A filha anuiu, mas continua a chamar-lhe pai. “Ela diz que não está habituada. ” E Sílvia compreende. “É um bocado embaraçoso estar num sítio cheio de gente, como um shopping, e ela chamar-me pai, mas não quero estar a obrigá-la. Nem quero que isso seja uma questão para ela. O importante é que ela se sinta bem. Ela que me chame o que lhe apetecer. Quando for maiorzinha, se calhar vai ser diferente. ”A criança mostra-se aberta a outras possibilidades. “Uma vez, disse-me que preferia chamar-me mãe, mas para mim isso é mais estranho porque acho que a maternidade e a paternidade vão para além do género”, prossegue. Não abdica de ser pai. “A minha filha tem um pai e tem direito de continuar a tê-lo. ”Era já essa a posição de Eva e é também a de Francisca. “Não me importo que me chamem pai”, diz esta última. “A minha filha que é um doce de vez em quando ainda diz ‘papá’ e eu adoro. Foi assim sempre que ela me tratou. Não quero que me trate de forma diferente, porque pai serei sempre. O género físico que me permitiu ser pai nada tem que ver com o género sentido. ”Não serão atitudes raras. Érica Renata de Souza encontrou atitudes semelhantes ao fazer um estudo no Canadá. No artigo Papai é homem ou mulher? Questões sobre a parentalidade transgénero no Canadá e a homoparentalidade no Brasil, publicado na Revista de Antropologia da Universidade de São Paulo, diz que a parentalidade não está colada ao género sentido, mas ao laço anterior à transição. Os filhos têm uma relação parental estabelecida e isso sobrepõe-se à mudança de aparência do pai ou da mãe “trans”. Outros estudos mostram que não é assim quando a parentalidade acontece já depois da transição. A parentalidade será uma das experiências mais marcantes de um ser humano. Tende a introduzir uma mudança drástica. De certo modo, também foi a parentalidade que fez Sílvia assumir-se como mulher transgénero. Quando a filha nasceu, passou a ter sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo. Antes de lhe pegar, lavava as mãos uma e outra vez. Só pensava em doenças. Era como se o seu corpo não fosse seguro. Procurou ajuda. Durante a psicoterapia, começou a perceber até que ponto passara a vida inteira a castrar-se. Tal como Eva ou Francisca, Sílvia era uma mulher "trans" e homossexual casada com uma mulher "cis" (que se identifica com o sexo que lhe foi atribuído à nascença) e heterossexual. Sempre vivera como um homem e sempre fora assim que a mulher a vira. “Ela lidou muito, muito mal com isto”, diz. “Acho que não quis logo divorciar-se porque tinha um trabalho que a forçava a ausentar-se muito e dava-lhe jeito eu ficar a cuidar da nossa filha. ”Sílvia vivia nos Açores. Começou a ir a Lisboa às consultas, decidida a obter o diagnóstico de “disforia de género” que lhe permitiria alterar os documentos e avançar para os tratamentos e as cirurgias que tanto desejava. O processo é complexo e demorado. Com o diagnóstico, em 2014, veio o divórcio. A prática clínica de Zélia Figueiredo, responsável pela consulta de sexologia no Hospital Magalhães Lemos, no Porto, mostra-lhe que é comum os homens "trans" terem companheiras que apoiam a sua transição. O mesmo não acontece com as mulheres "trans". E isso tem muito que ver com aceitação do outro na sua diferença, mas também orientação sexual. “Num mundo perfeito, as pessoas aceitariam as outras como elas são”, comenta Sílvia. “No mundo real, toda a gente tem os seus limites, os seus bloqueios, os seus preconceitos. É preciso trabalhar a diversidade. Parece que só há homem e mulher, homossexual e heterossexual e há muita coisa no meio. ”Há pouco mais de um mês, Sílvia mudou-se para casa da nova companheira. Para ela, mulher "cis", bissexual, tanto se lhe dá que Sílvia tenha um pénis ou uma vagina. Está, porém, desejosa pelas cirurgias de reatribuição de sexo. Quer que ela sinta, por fim, que o seu corpo corresponde à sua cabeça. Eva não sabe o que esperar da mulher com quem está há 13 anos. “Ela diz que não se iria relacionar com uma mulher, mas ainda gosta de mim e está disposta a aprender. Ambos sabemos que pode chegar a um ponto em que não dá. Para já, vamos tentar, não vamos mais negar um ao outro seja o que for. ”Nada parece impossível. Francisca está com Maria Eugénia há quase 38 anos e acredita que assim continuará até que a morte as separe. Maria Eugénia nem queria acreditar quando Francisca anunciou a transição. “Foi terrível”, diz. “Como muitas pessoas pensaram, eu também pensei: se é mulher, com certeza gosta de homens, já não gosta de mim. Ia perder a pessoa maravilhosa que ele sempre foi enquanto homem, enquanto marido. ” Passou-lhe tanta coisa pela cabeça. “Porquê? Porquê agora? Porquê a mim?”Houve muito choro, muita briga, muita noite mal dormida. Maria Eugénia mergulhou de cabeça numa depressão. Tinha 15 anos quando se apaixonou por Francisco. “O meu marido amou-me sempre muito. ” Ela gostava da vida que levavam. Tinham um pequeno restaurante de venda de leitão. Imaginava-se a envelhecer com Francisco, perto das filhas, a ver crescer os netos. “Parecia que os meus sonhos estavam todos a ir pela água a baixo. Eu pensava: já não me vou ver com o meu marido, velhinhos, de mãos dadas. ”Olhava para o marido e ouvia-o dizer que o Francisco morrera, que no seu lugar estava a Francisca e que a Francisca a amava tanto como o Francisco a amara desde a primeira vez que a vira. Como podia ela relacionar-se com aquela pessoa? “Nunca fui lésbica, não sou, nem vou ser. ”Pacificou-se. “Quando a gente ama uma pessoa, não há nada que faça desaparecer esse amor”, acredita. Pelo menos neste caso, o amor prevaleceu. “Tive de fazer o luto. Tive que aceitar que o Francisco já não estava ali para aquelas coisas que nós tínhamos antes. . . As relações sexuais. E pronto. . . Foi difícil. Mas para mim, neste momento, o importante é ter a Francisca ao meu lado. ”Não era só elas. Havia todo um mundo em volta, a começar pelos irmãos de Maria Eugénia residentes em França, que também precisava de fazer uma espécie de transição. Decidiu meter-se num avião e ir lá. Os irmãos ouviram, incrédulos. “E agora?”, perguntavam. “O que vai ser de ti? Vais ficar com uma mulher?”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Só um dos oito irmãos de Maria Eugénia a apoia na decisão de manter o casamento. Francisca teve mais sorte. Os quatro irmãos não se afastaram. E a mãe, de 84 anos, até reagiu bem. “Ela diz que eu sou o que eu quiser. Trata-me por filha”, sorri. Está a escrever um livro sobre a sua vida. Espera que o seu testemunho possa ajudar outras pessoas a sair do armário e a lidar com o vendaval inicial. Francisca tem os cabelos compridos, os lábios pintados, como as unhas dos pés e das mãos. De manhã, feita a higiene pessoal, maquilha-se sempre. “Eu não me posso ver sem maquilhagem”, enfatiza. “Eu gosto de me olhar ao espelho e de ver traços femininos. Claro que não é por ser mulher que tenho de me maquilhar. Mas eu sou uma dessas que gostam de fazer isso. ”Há nisto tudo, reconhece, uma carga simbólica. “Aquilo que não consegui fazer durante tantos anos, quero fazer agora”, diz. “Agora, ninguém olha para mim de forma esquisita. Se calhar, olha e eu não noto”. Não lhe interessa. “Eu não consigo fazer com que as pessoas pensem de forma diferente, com que não me discriminem, mas consegui ficar mais forte, consegui não me sentir discriminada”, garante. Só lamenta que a filha tenha decidido exclui-la da sua vida e, por arrasto, Maria Eugénia. “Cheguei a dizer-lhe: os filhos não são sempre aqueles que são concebidos por nós, são aqueles que nos dão afecto. ”
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De párias a modelos: como professoras “trans” estão a mudar a escola na América Latina
Leona, Fernanda, Luma, Cláudia e Alanis. São professoras transgénero na América Latina. E é a partir da sala de aulas que procuram quebrar tabus: "Quando a escola se torna um espaço comprometido com a luta das pessoas que foram marginalizadas e feridas, fazemos uma educação reparadora." (...)

De párias a modelos: como professoras “trans” estão a mudar a escola na América Latina
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Leona, Fernanda, Luma, Cláudia e Alanis. São professoras transgénero na América Latina. E é a partir da sala de aulas que procuram quebrar tabus: "Quando a escola se torna um espaço comprometido com a luta das pessoas que foram marginalizadas e feridas, fazemos uma educação reparadora."
TEXTO: São 7h00 quando Leona Freitas, de 30 anos, chega ao trabalho. Loira, com quase 1, 80 metros, sai do carro do namorado com uns saltos altíssimos, maquilhagem leve, bem vestida. Despede-se dele com um beijo carinhoso e caminha até à entrada da creche municipal. Os saltos são trocados por ténis, mais confortáveis para o vai-e-vem dentro da instituição e para o corre-corre atrás dos mais pequenos. Mas ao entrar na escola, quase sempre ouve algo como “Cadê o Albert?”. “A minha transição foi lenta. Pensei que me ajudaria o facto de haver muitos homossexuais na educação, mas não. Uma 'trans' foi novidade para eles”, conta. Leona não se importa. O que lhe dá alegria é estar perto das crianças, brincar com elas, dar-lhes comida à boca. “O meu namorado quer ter um filho. Preocupo-me com isso, pois não posso, claro. ”A vida corre em slow motion. Moradora em Congonhas, no Brasil, uma pequena cidade de 50 mil habitantes no interior de Minas Gerais conhecida pelas suas festividades religiosas, Leona anda quase sempre ao lado do namorado ou da mãe. Católica, assim como a família, mas “menos praticante” do que a mãe, procura frequentar a igreja “pelo menos nas datas importantes”. “Os olhares são inquisidores mesmo. Depois que assumi a minha transexualidade, nunca mais pude comungar. Fico lá no fundo. ”Fábio, companheiro de Leona, faz questão de a ir buscar todos os dias à creche. Dali, seguem para outra escola, na zona rural de uma cidade vizinha. Lá, a professora é adorada pelos alunos, mas tem de conviver com a resistência dos colegas, da direcção e dos pais em relação ao seu nome social. Não a tratam por Leona, mas reconhecem-na como mulher. “Eu tenho o privilégio de ter a Albert como minha secretária. Para ser um secretário, é necessário ética e isso é o que a Albert tem”, diz a directora Rosarita da Silva Rodrigues. Leona reconhece que a obstinação em tratá-la pelo nome de nascimento vem do desconhecimento do que significa identidade de género e do “conservadorismo da sociedade congonhense”. “Para eles, eu era um homossexual que se vestia de mulher. Não sabiam sequer me nomear — se eu era travesti, gay”, diz, com certo pesar. “Mas eu não me queixo. Herdei da minha mãe essa capacidade de superar as adversidades. Acho que já avancei muito, pois eles já se referem a mim como mulher. O meu nome social é que não dizem. Tudo bem. A minha presença aqui já é uma quebra de tabus. Sou a única 'trans' do município. Já me conforta tornar o caminho de outras mulheres transgénero na educação mais tranquilo. ”Leona conquistou esse posto de trabalho graças a um concurso público. A prova assegurou-lhe a oportunidade de fazer carreira no ensino público e, no Brasil, raras são as mulheres que trabalham como professoras no ensino privado. “Ainda somos muito poucas nesse espaço”, confirma a educadora "trans", doutorada e escritora Amara Moira. “Para que possa ensinar, ser professora, as instituições vão ter que te blindar de alguma forma naquele espaço. E elas não querem comprar essa briga. ”Fernanda Ribeiro, 38 anos, também trabalha na rede pública, cargo que conseguiu através de concurso público. Professora de um colégio tradicional e centenário de Ribeirão Preto, quase não sai de casa. Ribeirão é um pólo da indústria do álcool de cana-do-açúcar do estado de São Paulo, onde a economia pujante e progressista contrasta com o conservadorismo da sociedade – 72, 2% dos eleitores que foram às urnas no dia 28 de Outubro votaram em Jair Bolsonaro. “Ninguém sabe quem eu sou fora da escola", diz Fernanda. "Sou vista como uma prostituta, uma marginal. Quando entro para comprar algo num lugar, tenho medo de ser atingida na cabeça por uma lâmpada ou por um pedaço de pau. ”A educadora lembra os seus primeiros dias na escola: “Anunciei de cara que sou travesti. Quando cheguei com o discurso 'sou travesti e professora' foi uma desconstrução muito grande. Foi uma oportunidade para mostrar que nós podemos ocupar qualquer espaço, principalmente o educacional, que é o mais opressor e segregador com travestis e transgénero. ” Na América Latina, o termo travesti refere-se a pessoas que se se identificam com um género diferente daquele que foi atribuído no nascimento e que fazem alterações nos seus corpos, mas não a cirurgia de reatribuição do sexo. Fernanda era ainda uma criança quando o pai, um policial militar, percebeu que ela não era como os demais meninos. “O meu pai foi um visionário por perceber que eu era diferente e por insistir que se haveria algo que me poderia garantir um futuro eram os estudos. Ele nunca me deixou faltar nas aulas. ”Contar com o apoio dos pais foi essencial para sobreviver ao ambiente escolar e, mais tarde, conquistar um diploma universitário. São poucas as pessoas "trans" na América Latina que chegam à universidade. Geralmente vítimas de violência familiar ou expulsas pelos pais, acabam por não conseguir prosseguir os estudos. A maioria desiste mesmo no ensino secundário, pois a escola é sinónimo de crueldade, exclusão, insegurança, omissão. Quase sete em cada dez estudantes dizem já ter sido atacados verbalmente por causa da sua identidade de género e quase oito em dez sentem-se excluídos por se identificarem como "trans", apontam várias investigações de 2016 sobre o ambiente escolar realizadas na Colômbia, Brasil e Argentina. “Como consegue permanecer num lugar em que você não é reconhecida, não é aceite com as suas diferenças? Não tem como sobreviver nesses espaços”, diz Luma Andrade, "trans" e professora na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). A peruana Cláudia Vásquez Haro tinha quase 30 anos quando ingressou no curso de Comunicação Social da Universidade Nacional de La Plata (UNLP), a cerca de uma hora de Buenos Aires. Anos antes, já se tinha assumido como travesti e estava prestes a tornar-se na primeira transgénero a frequentar aquela instituição. Hoje, aos 40 anos, é investigadora e professora. Lembra-se perfeitamente do dia em que se foi matricular. “Estávamos em 2005, sete anos antes de a Argentina aprovar a Lei de Identidade de Género. Os meus documentos ainda tinham o meu nome de nascimento”, conta. “Pedi à minha mãe e à minha irmã que me esperassem na porta. Se eu voltasse em 15 minutos era porque não havia conseguido suportar os olhares. A minha mãe cansou-se de esperar”, ri. Entrou na sala de aula e, resoluta, declarou: “Professor, se o senhor não se incomoda, gostaria que me chamasse Cláudia. Se ficar incomodado, então me chame pelo meu sobrenome. ”O início não foi fácil, teve de repetir esse bordão inúmeras vezes. Até que um dia se fartou: “Eu pensei: ‘Chega!’ Levantei-me e disse: ‘O meu nome é Cláudia e eu não me reduzo à minha genitália'. A turma ficou muda, de olhos arregalados, mas uns minutos depois começou a aplaudir. Eu já estudava lá há uns dois, quase três anos, mas foi a partir daquele momento que as coisas começaram a mudar. ”Primeiro, conta ela, uma de suas professoras anunciou: “A partir de agora, neste curso você é Cláudia. ” Foi à lista de alunos, riscou o nome de nascimento dela e reescreveu-o com o seu nome social. Poucos dias depois, numa reunião de professores, a docente comunicou aos colegas que havia uma mulher "trans" no curso e que ela deveria ser respeitada. “Em 2008, a instituição tornou-se a primeira faculdade pública da América Latina e do Caribe a reconhecer a identidade auto-percebida dos seus alunos 'trans'”, diz, orgulhosa. Anos depois, a UNLP criou a Direcção de Diversidade Sexual e entregou-lhe a chefia. O fervor com que Cláudia defende que outras mulheres "trans" ocupem a universidade — como alunas, docentes, investigadoras — remete para a sua própria jornada. E sublinha que a sua família — “mãe, irmãos, tios, primos” — foi fulcral nessas conquistas. "Sem o apoio deles, eu não estaria aqui. Sabe-se lá quantas Cláudias ficaram no caminho, quantas não conseguiram concluir os estudos, nem chegar à universidade. "“Eu sou peruana e emigrei para a Argentina. Pensava que a única saída que me restava era a prostituição”, diz Ariana Linares, estudante "trans" da UNLP. “Quando conheci a Cláudia e vi que ela tinha conquistado seus sonhos, pensei: ‘Se ela pode, porque não eu? Porque todas nós não podemos?' Foi quando decidi batalhar para entrar na faculdade. ”Numa sociedade marcada pelo machismo e pela religiosidade extrema, ser mulher "trans" é ser vista como pária. “Você é triplamente penalizada: pela sua família, que te chuta para fora de casa; pela escola, que não entende os nossos trânsitos corporais nem as nossas vidas e que não se quer abrir para a diferença; pelo mercado de trabalho, que não te aceita”, diz Alanis Bello, 32 anos, professora transgénero da Universidade Nacional Pedagógica, em Bogotá (Colômbia). “Ninguém espera que uma 'trans' vá dar aulas. Parece que há uma incompatibilidade entre esses dois imaginários. Quando se entra na sala de aula, todos os estereótipos são atirados para cima da pessoa: ‘Não, não pode ser professora porque é puta, vai transformar as crianças em homossexuais, não se meta com meu filho’. ”Alanis chegou à universidade em guerra porque não queria mudar seus documentos. Para a instituição, ela era somente Jason. “Todo o mundo esperava encontrar um senhor. Como eu gosto de incitar a curiosidade dos meus alunos, cheguei com uns saltos altíssimos, maquiada, super drag”, conta, rindo. Ao evocar os primeiros anos como docente e investigadora, relata que a comunidade académica a via com desprezo. “Achavam que eu estava ali simplesmente porque era 'trans', mas que eu não tinha um discurso, não tinha uma forma de ensinar”, relata. “E falavam e falavam de Paulo Freire [célebre pedagogo brasileiro]. Um dia, disse: ‘Vou transformar Paulo Freire em travesti'. Eu queria questionar esses cânones de pensamento. ”Pouco a pouco, construiu uma rede de alianças com alunos, docentes e diversos sectores da universidade. “Estamos a criar um novo projecto pedagógico, uma pedagogia travesti”, expõe. Alanis não acredita na escola inclusiva. “A inclusão cria guetos de diferentes. Mas quando a escola se torna um espaço comprometido com a luta das pessoas que foram marginalizadas e feridas, fazemos uma educação reparadora. Nós, professoras, somos trabalhadoras do cuidado, como as putas. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os alunos de Alanis sentem no dia-a-dia esse acolhimento. “Desde pequenos que somos ensinados por professoras, mais do que tudo. Elas ensinam-nos quais devem ser os comportamentos que correspondem a nosso género”, diz Laura Moralez, uma das estudantes. “Quando você chega ao ambiente académico e encontra alguém com um corpo chamativo, mas com uma humanidade, uma intelectualidade incríveis, você enamora-se. Foi como colocar o meu mundo de cabeça para baixo: de que não há um caminho, mas mil caminhos para tomar, pensar e sentir. ”* Esta reportagem foi financiada pelo Centro Europeu de Jornalismo
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O “poliamoroso” e os beijinhos na avó
Uns precisavam de beijar mais vezes os avós, os outros precisavam de beijar mais vezes Daniel Cardoso – assim se evitariam em simultâneo as micromariquices e as macrogrunhices. (...)

O “poliamoroso” e os beijinhos na avó
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uns precisavam de beijar mais vezes os avós, os outros precisavam de beijar mais vezes Daniel Cardoso – assim se evitariam em simultâneo as micromariquices e as macrogrunhices.
TEXTO: O caso da semana não foi o orçamento, as suspeitas de Carlos Alexandre, o Brasil de Bolsonaro ou a Operação Éter – foi um jovem de cabelos compridos que se levantou no Prós e Contras para emitir uma opinião bizarra sobre os beijinhos nas avós. Nada contra. É bom que continuemos a ter alguma coisa para discutir socialmente, agora que o campeonato de futebol está parado e já ninguém vê a mesma telenovela. Convém apenas que respeitemos aquilo que são regras de uma boa argumentação, e, neste caso, tanto um lado como o outro estraçalharam-nas estrondosamente ao longo da semana. Comecemos por aqueles que acham que obrigar crianças a beijar os avós está mesmo muito errado e que apareceram munidos de estudos e de citações do pediatra Mário Cordeiro. Estes supostos defensores de Daniel Cardoso levam um chumbo em honestidade intelectual. O problema das declarações no Prós e Contras não está em defender que uma criança não deve ser forçada a beijar quem não lhe apetece, mas na relação de causalidade que ele estabelece entre esse gesto e a aceitação de abusos sobre a sua intimidade quando chega à adolescência. Daí a sua referência a Michel Foucault e às microfísicas do poder. Aquilo que Daniel Cardoso fez não foi propagandear a parentalidade positiva. Foi estabelecer uma correlação entre a obrigação do beijo no presente e a tolerância ao abuso sexual no futuro, e é essa correlação que me parece escandalosamente abusiva. O Diário de Notícias, sempre na linha da frente na defesa dos cavaleiros das causas fracturantes, fez uma boa entrevista a Daniel Cardoso. Só que introduzia o tema desta forma: “A frase em questão, na discussão sobre o consentimento sexual, foi esta: ‘É preciso falar de educação de forma concreta. A educação é quando a avozinha ou o avozinho vai lá a casa e a criança é obrigada a dar o beijinho à avozinha ou ao avozinho. Isto é educação, estamos a educar para a violência sobre o corpo do outro e da outra desde crianças. Obrigar alguém a ter um gesto físico de intimidade com outra pessoa como obrigação coerciva é uma pequena pedagogia que depois cresce. ’” Qual é o problema desta citação? O problema é que retira estrategicamente estas palavras finais de Daniel Cardoso no programa: “E o que é que acontece? Depois vemos os estudos com jovens adolescentes e quarenta e tal por cento deles e delas acham natural que o namorado lhes controle o telemóvel. ” O Diário de Notícias manteve o argumento aceitável e apagou o nexo de causalidade insustentável. Assim é fácil. Mas isto não foi o mais grave que aconteceu após as declarações de Daniel Cardoso. O mais grave foi terem-se aberto as comportas da selvajaria homofóbica e preconceituosa, espalhando-se pelas redes sociais uma longa galeria de fotos de Daniel Cardoso, uma das quais até foi parar à primeira página do Correio da Manhã. De repente, ele deixou de ter nome e passou a ser o “poliamoroso”, e a sua opinião foi imediatamente desvalorizada não por ser parva ou por estar mal sustentada, mas por ter vindo de um homem que tem quatro namoradas, um cabelo esquisito e gosta de bondage. Eis mais uma correlação sem pés nem cabeça. Por mais estranhos que sejam os seus gostos e originais as suas práticas sexuais, elas importam zero para a análise dos seus argumentos. Uns precisavam de beijar mais vezes os avós, os outros precisavam de beijar mais vezes Daniel Cardoso – assim se evitariam em simultâneo as micromariquices e as macrogrunhices.
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Caitlyn Jenner já não apoia Trump: a esperança no presidente foi "mal colocada"
A estrela de reality e ex-atleta olímpica retirou o seu apoio a Trump, escrevendo numa coluna do Washington Post que a comunidade trans está a ser atacada pelo presidente. (...)

Caitlyn Jenner já não apoia Trump: a esperança no presidente foi "mal colocada"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 11 | Sentimento -0.2
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: A estrela de reality e ex-atleta olímpica retirou o seu apoio a Trump, escrevendo numa coluna do Washington Post que a comunidade trans está a ser atacada pelo presidente.
TEXTO: Caitlyn Jenner já não apoia Donald Trump, escreve numa coluna do Washington Post. A estrela de reality e ex-atleta olímpica declarara publicamento o seu apoio ao Partido Republicano nas eleições de 2016, suscitando críticas da comunidade trans. "A esperança de que Trump apoiasse a comunidade LGBTQ foi um erro", reconhece agora. As declarações de Jenner surgem poucos dias após ter sido conhecido um documento produzido pela administração de Trump, que defende o fim do reconhecimento oficial das pessoas transgénero e considerando que o género condiz sempre com o sexo biológico. Não é a primeira medida que Trump apoia a limitar os direitos das pessoas trans: logo no segundo mês do mandato revogou uma medida da era de Obama que dava direito aos estudantes de usar a casa-de-banho que correspondia ao género com o qual se identificavam e meses depois, em Julho de 2017, anunciou que iria proibir a entrada de pessoas trans nas forças armadas. "A realidade é que a comunidade trans está a ser atacada implacavelmente por este Presidente. O líder da nossa nação não mostrou qualquer respeito por uma comunidade que já é marginalizada e debilitada. Ele ignorou a nossa humanidade. Ele insultou a nossa dignidade", escreve Jenner, acusando o governante de se aproveitar da comunidade trans para galvanizar a ala mais à direita do Partido Republicano. Antes das eleições, Trump deu a entender, em várias ocasiões, que iria governar a favor da comunidade LGBT. Na convenção republicana de 2016 assegurou que iria proteger os cidadãos LGBT. "Senti-me encorajada pelo aplauso que recebeu [de republicanos]", confessa Jenner. Também numa entrevista ao programa Today, em Abril de 2016, Trump afirmou que não teria problema se Catlyn Jenner fosse à Trump Tower e usasse a casa de banho das mulheres. "Houve muito poucas queixas da forma como as coisas estão. As pessoas usam a casa de banho que consideram apropriadas. Têm havido tão poucos problemas", comentou então. "Depois da eleição do Presidente, vi um solo fértil para mudança", admite Jenner. "Acreditei que poderia trabalhar dentro do partido [republicano] e da administração de Trump para mudar as mentalidades daqueles que mais precisam", continua, acrescentando que a sua esperança em Trump foi "mal colocada". Em Novembro do ano passado, a ex-atleta passou por Lisboa, para participar na Web Summit, e explicou que sempre esteve no lado mais conservador do espectro político, nomeadamente em relação ao peso do governo, e que teria votado em qualquer candidato do Partido Republicano. Mas deixou em aberto se voltaria a votar em Donald Trump, numa eventual corrida de reeleição. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ao longo dos últimos meses, Jenner — uma das vozes mais influentes da comunidade trans — criticou as posições tomadas pela actual administração, mas nunca retirou oficialmente o seu apoio a Donald Trump. Chegou inclusive a oferecer a sua disponibilidade para falar directamente com o Presidente. "Muito brevemente vamos ganhar liberdade completa a nível nacional e será com o apoio bipartidário", declarou num vídeo publicado no Twitter em 2017, dirigido às pessoas trans. Jenner afirma que está agora, mais do que nunca, decidida a dar mais visibilidade às causas relacionadas com a comunidade trans, dentro e fora dos Estados Unidos, inclusive por exemplo em relação à discriminação laboral, violência e acesso a cuidados de saúde. "Preciso de usar melhor a minha voz, o meu privilégio e a minha fundação para defender e apoiar a nossa comunidade", admite.
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Controvérsia anti-gay ensombra vitória russa no medalheiro dos Mundiais de atletismo
Rússia foi a selecção com mais ouros, mas não faltaram episódios embaraçosos. (...)

Controvérsia anti-gay ensombra vitória russa no medalheiro dos Mundiais de atletismo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Rússia foi a selecção com mais ouros, mas não faltaram episódios embaraçosos.
TEXTO: A estafeta 4x400m feminina, Aleksandr Ivanov (20km marcha), Elena Lashmanova (20km marcha), Tatyana Lysenko (lançamento do martelo), Aleksandr Menkov (salto em comprimento), Svetlana Shkolina (salto em altura) e Elena Isinbayeva (salto com vara). Foram sete os ouros conquistados pela selecção russa de atletismo nos Mundiais que decorreram em Moscovo. Quase tantos quantos os episódios anti-gay, que deixaram mais ou menos embaraçado um país que, em Fevereiro, acolhe os Jogos Olímpicos de Inverno. Isinbayeva, que colocou um ponto final na carreira precisamente nestes Mundiais, foi uma das protagonistas da controvérsia. A campeã condenou publicamente o gesto de apoio à comunidade gay russa feito pela sueca Emma Green-Tregaro – usou as unhas pintadas com as cores do arco-íris (símbolo LGBT), em protesto contra a lei promulgada em Junho pelo Presidente Vladimir Putin, que pune a “propaganda da sexualidade não-tradicional”. Tregaro seria aconselhada a mudar a cor do verniz das unhas. E Isinbayeva teve declarações que correram mundo e deixaram muita gente chocada: “Consideramo-nos gente normal. Aqui vivemos homens com mulheres e mulheres com homens. . . Isso é fruto da história”, disse a saltadora russa, acrescentando: “Temos a nossa lei, que toda a gente deve respeitar. Quando vamos a outros países tentamos seguir as regras locais”. A campeã mundial do salto com vara viria depois a dizer que tinha sido mal entendida: “O inglês não é a minha língua materna, e creio que possa ter sido mal interpretada. O que queria dizer é que as pessoas devem respeitar as leis dos outros países, particularmente quando são convidados. Mas quero deixar claro que respeito os pontos de vista dos outros atletas e sou contra qualquer discriminação com base na sexualidade”. Beijo na estafetaMas o penúltimo dia dos Mundiais traria de volta a controvérsia. No final da estafeta feminina 4x400m, que a Rússia venceu, duas das atletas beijaram-se. Tatyana Firova e Kseniya Ryzhova desmentiram tratar-se de um protesto político. “As interpretações não correspondem à realidade. O beijo foi uma expressão de alegria pela vitória e nada mais, não havia qualquer segunda intenção”, afirmou uma porta-voz das atletas. O ministro do Desporto russo, Vitaly Mutko, desvalorizou os episódios, considerando-os “um problema inventado” pelos media ocidentais. “Não temos uma lei que proíba as relações sexuais não-tradicionais”, afirmou Mutko, explicando que o polémico diploma tem por objectivo a protecção das crianças russas: “Queremos proteger as gerações mais jovens, que ainda não estão totalmente desenvolvidas fisicamente. É uma lei que procura proteger os direitos das crianças – e que não pretende espoliar ninguém da sua vida privada”. Olhando já para Sochi, Vitaly Mutko disse – sem nunca se referir directamente à sueca Emma Green-Tregaro – que espera que os atletas presentes nos Jogos Olímpicos de Inverno “compitam sem perder tempo com outras coisas”. “Os atletas russos, os atletas estrangeiros, os convidados e todos os que vierem a Sochi terão garantidos todos os direitos e liberdade. A lei não retira direitos a nenhum cidadão, seja ou não atleta”, concluiu.
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Papa prepara “uma reviravolta” na Igreja
Teólogo Anselmo Borges leu na entrevista de Francisco o prenúncio de uma Igreja “menos moralista” relativamente a práticas como o aborto. Isilda Pegado lembra que este continua, porém, a ser pecado para a Igreja. (...)

Papa prepara “uma reviravolta” na Igreja
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-09-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Teólogo Anselmo Borges leu na entrevista de Francisco o prenúncio de uma Igreja “menos moralista” relativamente a práticas como o aborto. Isilda Pegado lembra que este continua, porém, a ser pecado para a Igreja.
TEXTO: Uma “reviravolta na Igreja” é como o teólogo Anselmo Borges classifica a entrevista do Papa Francisco divulgada na quinta-feira por várias revistas jesuítas, incluindo a portuguesa Broteria. “O Papa quer recentrar a Igreja no Evangelho. O que ele diz na entrevista é que, antes da religião, está esta busca pela justiça e pela felicidade das pessoas”, sublinhou o teólogo, aplaudindo de pé a crítica que o novo Papa faz ao “moralismo” e ao “legalismo” reinantes entre os membros da Igreja. “Ele diz que o edifício moral da Igreja corre o risco de cair como um castelo de cartas, ou seja, a Igreja não pode continuar obcecada por temas como o sexo, não pode estar constantemente centrada nisso. ”Dando provas de uma postura inédita, Francisco faz questão de recusar para si e para a Igreja o papel de juízes relativamente a comportamentos como a homossexualidade e práticas como o aborto. “Se uma pessoa homossexual é de boa vontade e está à procura de Deus, eu não sou ninguém para julgá-la […]. A religião tem o direito de exprimir a própria opinião para serviço das pessoas, mas Deus, na criação, tornou-nos livres: a ingerência espiritual na vida pessoal não é possível”, afirmou o Papa, apelando a uma postura mais compassiva, até porque “o confessionário não é uma sala de tortura, mas lugar de misericórdia”. Depois de ter lido estas linhas, Anselmo Borges vê a defesa de uma Igreja “mais compassiva e menos julgadora”, capaz de abarcar “as pessoas feridas no sentido moral em vez de as excluir”. O que o teólogo não viu foi uma clarificação sobre se a Igreja “aceita ou não o exercício da homossexualidade” nas mesmas condições da heterossexualidade. “Acho que ele não se pronunciou claramente sobre isso, pelo menos não do mesmo modo que defendeu recentemente a integração plena dos divorciados recasados, no sentido de eles poderem comungar como todos os outros”, conclui Anselmo Borges. O lugar das mulheres na IgrejaRelativamente ao aborto, a postura do Papa é igualmente compassiva: “Penso também na situação de uma mulher que carregou consigo um matrimónio fracassado, no qual chegou a abortar. Depois esta mulher voltou a casar e agora está serena, com cinco filhos. O aborto pesa-lhe muito e está sinceramente arrependida. Gostaria de avançar na via cristã. O que faz o confessor?”, interpela o Papa, depois de sublinhar que a grandeza da confissão consiste no “facto de avaliar caso a caso e de poder discernir qual é a melhor coisa a fazer por uma pessoa que procura Deus e a sua graça”. O que Isilda Pegado, presidente da Federação Portuguesa pela Vida, que se tem batido contra a descriminalização do aborto, vê de novo nestas palavras é a linguagem, mais do que uma alteração da postura da Igreja. “A postura de fundo é a mesma, isto é, não deixa de haver no aborto a destruição de uma vida humana a que a Igreja se opõe”, interpreta. Porque a Igreja “não é só para virtuosos, mas para os pecadores também”, a activista antiaborto sublinha que o Papa pressupõe, no exemplo que dá, o arrependimento da mulher. “É uma questão bem diferente de o homem tornar o acto que é negativo em positivo”, frisa. E insiste que o que o Papa Francisco está a dizer “é que a Igreja não deve excluir as pessoas que cometeram erros”. Com uma linguagem diferente, sim. “Nova, bonita, mais adequada ao século XXI”, adjectiva. Embora assumidamente defensor de uma presença feminina “mais incisiva na Igreja”, o Papa é pouco taxativo quanto à sua tradução prática. Ao mesmo tempo que defende que “o génio feminino é necessário nos lugares em que se tomam as decisões importantes”, Francisco rejeita o que classifica como “machismo de saias”, parecendo com isso descartar a ordenação sacerdotal das mulheres. “Não me pareceu aberto a essa possibilidade”, interpretou Anselmo Borges. “Acho que ele ainda não sentiu que tenha forças para dar acesso total às mulheres”, concorda Maria João Sande Lemos, do movimento Nós Somos Igreja, que se vem batendo há vários anos pela ordenação sacerdotal das mulheres. “Tenho pena que ele não tenha ido por aí, mas penso que esta guerra deve ser das mais difíceis e, por isso, imagino que ele sinta que tem de ir com cuidado. ”Para esta responsável, “enquanto o celibato dos padres não deixar de ser obrigatório, a ordenação das mulheres sairá sempre prejudicada”. Porquê? “Enquanto no subconsciente das hierarquias da Igreja as mulheres continuarem a ser o demónio e a representar o pecado, será difícil dar passos no sentido da plena igualdade”, responde. “As mulheres já assumiram na sociedade civil a plenitude da sua cidadania, só na Igreja é que continuam a ser cidadãs de segunda”, sublinha ainda Maria João Sande Lemos. Mas, apesar de ter detectado um tom algo paternalista” nas palavras de Francisco relativamente a esta questão, a activista considerou a entrevista “excelente”. “Acho que o que ele está a fazer é uma preparação da Igreja, da hierarquia e dos católicos mais à direita. Não quererá ter muitas frentes de batalha em simultâneo”, interpreta.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto guerra mulher homem sexo igualdade mulheres homossexual feminina
O perigoso discurso sexual do Papa
O comportamento sexual humano pode ser perigoso, como demonstrou mais uma vez em Dezembro a terrível violação de uma mulher de 23 anos por seis homens num autocarro de Nova Deli. Depois de uma ida ao cinema, ela e o seu namorado foram espancados, antes de ela ser brutalmente agredida e atacada com uma barra de ferro por mais de uma hora. Treze dias depois, morreu devido aos ferimentos. É frequentemente afirmado que a violação não tem realmente que ver com sexo, mas com poder. É verdade. Mas as violações não são isoláveis do sexo. O acto sexual numa violação é usado como uma forma de tortura, ou mesmo, em alguns c... (etc.)

O perigoso discurso sexual do Papa
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 11 | Sentimento -0.04
DATA: 2013-01-11 | Jornal Público
TEXTO: O comportamento sexual humano pode ser perigoso, como demonstrou mais uma vez em Dezembro a terrível violação de uma mulher de 23 anos por seis homens num autocarro de Nova Deli. Depois de uma ida ao cinema, ela e o seu namorado foram espancados, antes de ela ser brutalmente agredida e atacada com uma barra de ferro por mais de uma hora. Treze dias depois, morreu devido aos ferimentos. É frequentemente afirmado que a violação não tem realmente que ver com sexo, mas com poder. É verdade. Mas as violações não são isoláveis do sexo. O acto sexual numa violação é usado como uma forma de tortura, ou mesmo, em alguns casos, como uma arma mortal. Mas não era isso que o Papa Bento XVI tinha em mente quando falou recentemente sobre os perigos do comportamento sexual. No seu discurso de antes do Natal à Cúria Romana, o Papa não mencionou a violação, muito menos o assassínio sexual de Nova Deli. Em vez disso, na sua defesa da família – ou, como ele diria, da união sagrada entre homem e mulher –, apontou como os arranjos sexuais fora dessa união eram uma ameaça à civilização humana. O que ele tinha em mente, sem o mencionar directamente, eram as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Foi um discurso profundamente confuso. A sua dissertação sobre os perigos inerentes ao casamento entre pessoas do mesmo sexo sucedeu a uma passagem em que lamentava a tendência moderna de evitar os compromissos vitalícios nas relações humanas, como se não fosse isso precisamente o que o casamento gay representa. Claro que, na visão do Papa, o compromisso nas relações homossexuais é parte do problema: cada vez mais pessoas, principalmente no mundo ocidental, reivindicam actualmente a liberdade de escolher as suas próprias identidades sexuais em vez de se ficarem pelos papéis “naturais” e “ordenados por Deus”. As palavras do Papa sugerem que a homossexualidade é uma espécie de escolha de vida, uma forma de decadência moderna – um acto secular, blasfemo até, contra Deus e a natureza – em vez de uma característica congénita. Esta é uma crença comum entre crentes religiosos, sejam eles conservadores católicos, protestantes, judeus ou muçulmanos. De modo significativo, Bento citou Gilles Bernheim, o Grande Rabino de França, que expressou opiniões semelhantes relativamente às ameaças à vida familiar convencional. O medo do comportamento sexual é uma das principais razões pelas quais a maioria das religiões estabelece regras rígidas relativamente às relações sexuais. O casamento é uma forma de conter os nossos desejos perigosos. Restringir a conduta sexual à procriação torna o mundo supostamente mais seguro e pacífico. Como as mulheres excitam os desejos dos homens, considera-se que constituam uma ameaça fora do confinamento do lar familiar. É por isso que, em algumas sociedades, não lhes é permitido sair desse confinamento, ou só o podem fazer se totalmente cobertas e acompanhadas por um parente do sexo masculino. Bento XVI não chega a esse extremo. Nem defende violência contra os homossexuais. Pelo contrário, vê-se como um homem de paz profundamente civilizado. Mas eu afirmaria que o seu discurso, na verdade, estimula o tipo de agressão sexual que pode resultar na selvajaria que teve lugar em Nova Deli. Os seis violadores que mataram a jovem não eram decadentes modernos que optaram por desafiar Deus e a natureza, reclamando novas liberdades seculares, muito menos identidades sexuais heterodoxas. A partir do que podemos supor deste caso – e de muitos outros como ele – são os produtos semiurbanizados de uma sociedade rural altamente convencional, onde os papéis dos homens, e principalmente das mulheres, estão fortemente regulamentados. A vítima, uma instruída estagiária de fisioterapia, parecia ser muito mais moderna do que os seus atacantes. Os homens teriam educação, mas foram incapazes de lidar com as liberdades das mulheres contemporâneas. Por isso, os seis violadores viram-na como uma mulher "solta", uma pega urbana, um alvo fácil. Afinal, ela saiu até tarde com o namorado. Foi precisamente assim que os homens insultaram o jovem casal: o que fazia uma mulher jovem e solteira nas ruas de Nova Deli com um jovem? Ela merecia o que estava para lhe acontecer. A reacção de alguns sectores seguiu linhas semelhantes. Quando as manifestações contra a violência sexual eclodiram em Nova Deli, o filho do Presidente indiano denunciou as manifestantes como "amolgadas e pintadas". Alguns políticos descreveram as vítimas de violação como "aventureiras". O ódio violento contra os homossexuais provém de uma fonte similar. Assim como as mulheres fora da família convencional – mulheres que reivindicam participar no espaço público, trabalhando e vivendo entre os homens – são vistas como sedutoras perigosas, os homens que amam homens são muitas vezes considerados predadores, prontos a atacar as crianças da sociedade. O que muitas pessoas temem não é apenas o comportamento sexual descontrolado, mas o sexo em si. Mas quanto mais o sexo é reprimido e as pessoas são manipuladas para o temer maiores são as hipóteses de violência sexual, porque qualquer pessoa, homem ou mulher, que possa agitar os nossos desejos sexuais torna-se um alvo potencial da nossa raiva. Isto pode ajudar a explicar o que aconteceu em Nova Deli, mas de modo algum o desculpa. Afinal, a maioria dos homens naquela cidade não espancaria um jovem casal com tubos de metal e violaria a mulher até a morte. Centenas de milhares de indianos manifestam-se nas ruas para mostrarem a sua aversão a tais atrocidades. Desejava-se que o Papa tivesse dito algo sobre isto, oferecendo algumas palavras de encorajamento aos homens e mulheres na Índia que já experienciaram violência sexual suficiente que não vem de libertinos modernos, mas de homens profundamente reprimidos. Mas isso será esperar de mais de um homem que parece entender pouco sobre a vida sexual. É por isso que, em vez de falar sobre violadores, ele visou pacíficos homens e mulheres homossexuais que desejam mostrar o seu compromisso com os seus companheiros, casando-se com eles. Traduzido do inglês por António Chagas/Project SyndicateIan Buruma é professor de Democracia e Direitos Humanos no Bard College, e autor de Taming the Gods: Religion and Democracy on Three Continents (Domando os Deuses: Religião e Democracia em Três Continentes – NdT).
REFERÊNCIAS:
Elas querem threesomes, eles querem MILFs. O que pesquisámos no Pornhub em 2018?
O maior site pornográfico do mundo divulgou uma longa análise que revela as preferências mais íntimas dos internautas. 2018 foi ano de Stormy Daniels e de Fortnite. (...)

Elas querem threesomes, eles querem MILFs. O que pesquisámos no Pornhub em 2018?
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: O maior site pornográfico do mundo divulgou uma longa análise que revela as preferências mais íntimas dos internautas. 2018 foi ano de Stormy Daniels e de Fortnite.
TEXTO: Ninguém vê pornografia na Internet, mas todos vêem pornografia na Internet. Só no Pornhub, o mais popular site de conteúdos sexuais a nível mundial (e o 30. º site mais visitado em todo o mundo), 92 milhões de pessoas procuraram e assistiram a vídeos pornográficos a cada dia de 2018. No total, e mantendo-se a tendência até ao final deste mês, o site terá recebido este ano 33, 5 mil milhões de visitas – um aumento de 5 mil milhões de visitas face a 2017. Estes são os maiores números numa longa e detalhada análise que o site publicou esta semana, e que revela as preferências íntimas dos internautas ao longo dos últimos doze meses. Os termos mais pesquisados a nível mundial foram lesbian (lésbica), hentai (um estilo japonês de anime e manga de teor pornográfico), MILF (acrónimo inglês para mother I’d like to fuck), step mom (madrasta) e japanese (japonês/a). São termos que têm estado no top das pesquisas do Pornhub ao longo dos últimos anos. Há nuances, claro. Para já, entre homens e mulheres. Para o sexo feminino, que representa 29% das visitas a nível mundial (quase um em cada três visitantes), lesbian, japanese e hentai foram os três termos mais pesquisados por ordem decrescente. Entre os homens, a preferência foi para japanese, MILF e hentai, pela mesma ordem. Quanto às categorias mais exploradas no site, as mulheres preferiram lesbian, threesome (sexo a três) e japanese; os homens visitaram sobretudo japanese, MILF e mature (mulheres maduras). Outra nota sobre o público feminino: no top dos 20 países que mais acedem a este site (um grupo que é liderado pelos EUA, seguido pelo Reino Unido e pela Índia), as Filipinas são a nação onde há a maior proporção de mulheres entre os visitantes do Pornhub (38%), seguida do Brasil e da África do Sul (ambos com 35%). Fora desse top, no entanto, e como mostra o mapa, há países com uma proporção de mulheres visitantes ainda maior, como a Namíbia ou o Paraguai. E Portugal está abaixo da média no que diz respeito à proporção de mulheres que visitam este site. Para os visitantes do Pornhub identificados como homossexuais (ou que têm interesse em conteúdos homossexuais), korean (coreano), japanese e black (negro) foram os termos mais pesquisados. A categoria mais visitada, paradoxalmente, foi a de straight guys (homens hétero). Estas preferências, no entanto, não são universais. Olhemos para o mapa: a categoria lesbian é claramente a mais popular em toda a América do Norte e na maior parte da América do Sul. E é uma dos mais populares na Europa, incluindo em Portugal. Já ao nosso lado, Espanha prefere mulheres maduras. A categoria hentai é especialmente popular na Ásia e também no espaço correspondente à antiga União Soviética. Ebony (relativo à pele negra) é a mais visitada na África subsariana. Mas há outros termos que, não tendo chegado ao top, registaram este ano um grande crescimento de interesse. Para começar, Stormy Daniels. Estrela pornográfica há muitos anos, a norte-americana foi em 2018 a personalidade mais pesquisada no Pornhub. O motivo é evidente: protagonizou um dos mais mediáticos processos em que o Presidente norte-americano Donald Trump esteve envolvido nos últimos tempos — o milionário terá mantido uma relação extraconjugal com Daniels e terá comprado o seu silêncio de forma ilícita, através de uma despesa não declarada que foi mediada pelo seu advogado Michael Cohen, esta quarta-feira condenado a três anos de prisão. Mas há outra celebridade que também disparou no top do Pornhub e que nada tem a ver com o universo pornográfico. Trata-se da ex-actriz norte-americana Meghan Markle, que casou este ano com o príncipe Harry de Inglaterra. (Mas não, não há filmes pornográficos protagonizados pela actual duquesa de Sussex. )Ao mesmo tempo, o casamento de Meghan Markle com o príncipe Harry foi responsável pela maior quebra de tráfego no site a nível mundial (-10%). Outros eventos internacionais que disputaram a atenção dos visitantes do Pornhub foram a final do Mundial de Futebol (que causou uma quebra de tráfego na ordem dos 66% na Croácia e dos 55% em França), a Liga dos Campeões (só em Portugal o tráfego caiu 9%) e a grande apresentação anual da Apple. Outras personalidades muito procuradas em 2018 – mas, em princípio, sem resultados satisfatórios para os curiosos: Nicky Minaj, Cardi B, Ariana Grande ou a youtuber sssniperwolf. Outra ainda, que continua no top há vários anos, mas esta sim com um filme pornográfico disponível: a socialite Kim Kardashian. O seu vídeo, aliás, continua a ser o mais visto em toda a história do Pornhub. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E em relação a personagens fictícias, e sem surpresa para os mais atentos, Fortnite foi o termo relacionado com videojogos mais pesquisado no Pornhub. E Bowsette, uma vilã feminina inventada pelos fãs de Super Mario, é a personagem mais pesquisada nesse universo. Já no universo televisivo e cinematográfico, Harley Quinn foi a personagem que pelos vistos protagonizou mais fantasias em 2018, seguida da Mulher Elástica (de Os Incríveis), dos próprios Incríveis, Star Wars e Family Guy.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA