Os amigos dos cépticos das alterações climáticas
É cada vez mais difícil saber quem financia os que põem em causa os cientistas que defendem o planeta. (...)

Os amigos dos cépticos das alterações climáticas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: É cada vez mais difícil saber quem financia os que põem em causa os cientistas que defendem o planeta.
TEXTO: É fascinante como as organizações mais ultraconservadoras dos EUA, para não dizer radicais e retrógradas, defendem com a mesma convicção que as mulheres devem ser obrigadas a ter filhos com malformações profundas, que o casamento gay é errado e que a actividade humana não está na origem das alterações climáticas. Como se ser-se conservador nos costumes fosse sinónimo de cepticismo em relação à ciência. E ser-se socialmente liberal nos tornasse mais racionais e confiantes na investigação científica. Mas mais interessante ainda é procurar os nomes de quem financia o “contramovimento das alterações climáticas”. Desde 1997, um ano marcado pelas negociações pré-assinatura do Protocolo de Quioto, foram identificados vários financiadores desta causa bizarra. Há nomes conhecidos como as Fundações Scaife, que apoiam doidos como a Reason TV. Há nomes obscuros como o Knowledge and Progress Fund, o Heartland Institute e o Americans for Prosperity. E há os clássicos, como a ExxonMobil e os irmãos Koch (só Charles e David Koch, donos de um conglomerado de petróleo, gás e químicos com sede no Kansas, ofereceram nos últimos 20 anos 100 milhões de dólares a 84 grupos que negam a responsabilidade humana nas alterações climáticas). Entre 2003 e 2010, a “causa céptica" recebeu 500 milhões de dólares, um quinto do apoio dado às organizações ambientalistas. A desproporção é no entanto mitigada pelo (diferente) uso que ambas fazem do dinheiro. Os “cépticos” investem em lobbying (a congressistas ou estudantes) e os que confiam na ciência investem na procura de soluções (como desenvolver uma indústria de painéis solares na China). De onde vêm estes 500 milhões? A origem do dinheiro dos “cépticos” é cada vez mais secreta. Uma das razões chama-se Donors Trust e Donors Capital Fund, fundos criados logo a seguir a Quioto para “proteger as intenções dos doadores libertários ou conservadores” que “se dedicam aos ideais do 'governo pequeno', da responsabilidade pessoal e da livre iniciativa”. Garantem sigilo a quem dá dinheiro e garantem a sua distribuição pelas “causas certas”. Por outras palavras, são caixas negras impossíveis de escrutinar. Não espanta que os milionários cépticos tenham pudor. A ciência é esmagadora. Passariam por tolos. A NASA diz que o nível do mar subiu 20 centímetros no último século e que nos últimos 20 anos o ritmo da subida foi duas vezes mais rápido; que a temperatura aumentou 1, 1 graus Celsius desde o século XIX, “uma mudança sobretudo causada pelo aumento de dióxido de carbono e outras emissões produzidas pelo homem que são lançadas para a atmosfera”; que a superfície de gelo da Antárctida perdeu 152 quilómetros cúbicos de gelo só entre 2002 e 2005; que os glaciares estão a derreter em todo o planeta (Alpes, Himalaias, Andes, Alasca e África); que a acidez das camadas superficiais da água do mar aumentou 30% desde a Revolução Industrial; e que o mês de Maio de 2017 foi o Maio mais quente de sempre em 137 anos de registos. Há dias, em duas audiências separadas no Senado, o democrata Al Franken, que foi comediante antes de ser político, fez várias perguntas simples e directas a dois membros da Administração Trump sobre alterações climáticas. Fica-se sem saber se é melhor rir ou chorar. Ryan Zink, secretário do Interior, e Rick Perry, secretário da Energia, não conhecem sequer os dossiers. Zink, que no passado defendeu que os glaciares derretem de “forma consistente” há milhares de anos, não soube (ou não quis arriscar) responder à pergunta: “Que previsões fazem os cientistas que trabalham para o Governo em relação ao aquecimento global?”. Já Perry disse que o melhor será encomendar-se um exercício estilo cientistas pró versus cientistas contra e esperar pelos resultados. Franken fez-me rir como quando eu me ria com os seus sketches. “Mas isso já foi feito e sabe quem pagou? Os irmão Koch! Os irmãos Koch! E sabe qual foi o resultado? Igual a todos os outros estudos. ” Zink e Perry também acham que a NASA inventou aquilo de um homem ter ido à Lua. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.
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Partidos LIVRE
Almada devolve o teatro ao povo
Apre!, melodrama burlesco de Pierre Guillois, abre o Festival de Almada retomando a bandeira esquecida (e escarnecida) do teatro popular. Não será o único espectáculo desta edição a fazer-se ao palco sem a tralha das palavras – e a querer falar para o grande público, mas por outros meios. (...)

Almada devolve o teatro ao povo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Apre!, melodrama burlesco de Pierre Guillois, abre o Festival de Almada retomando a bandeira esquecida (e escarnecida) do teatro popular. Não será o único espectáculo desta edição a fazer-se ao palco sem a tralha das palavras – e a querer falar para o grande público, mas por outros meios.
TEXTO: Pierre Guillois gosta tanto da ideia de um teatro verdadeiramente popular que se pudesse evitava o assunto. É “terreno perigoso”, explica, terreno que — a não ser em cima do palco — não há maneira neutra de desbravar (sobretudo em França, acrescenta, deixando toda uma emocionante discussão nas entrelinhas, pelo menos por enquanto). Mas justamente por ele se ter aventurado a desbravá-lo em cima do palco, dispensando liminarmente a tralha das palavras, e também a tralha das boas-maneiras burguesas (incluindo a sua retentiva aproximação ao humor e aos temas sujos do sexo e da escatologia), é mesmo por aí que teremos de ir — porque foi por aí que ele foi em Apre! — Melodrama burlesco, o espectáculo mudo (mas bastante afirmativo) que no final de Maio ganhou o Prémio Molière para a melhor comédia francesa de 2016 e que na próxima terça-feira, dia 4, abre mais uma edição do Festival de Almada. Assim de repente, não estamos a ver melhor lugar para puxar o assunto do que esta cidade suburbana levantada do chão a partir de uma comunidade de perfil historicamente proletário que desde 1976 nunca deixou de se fazer governar por uma câmara comunista e que desde 1984, o ano em que Joaquim Benite lançou a primeira edição do festival, milita religiosamente pelo teatro de 4 a 18 de Julho. Não será difícil encontrar, por aqui, quem já tenha vivido num quarto de criada, como as três personagens deste melodrama burlesco sobre a silenciosa solidão contemporânea nas grandes cidades — e como o próprio Pierre Guillois, que começou inconscientemente a construir Apre! há muitos anos, quando foi profundamente infeliz numa dessas mansardas dos grandes boulevards de Paris que o barão Haussmann mandou abrir para poder acomodar a burguesia, cada vez mais numerosa e cada vez mais vistosa, na segunda metade do século XIX. Ainda que haja melodrama neste fresco sobre “o patético das nossas solidões modernas”, como lhe chamou a Les Inrocks, Apre! tem sobretudo um ADN burlesco que vem da paixão assumida de Pierre Guillois pela comédia de boulevard e pelas piadas duvidosas (que aqui irão sem qualquer complexo de culpa até à regressão infantilóide do xixi-cocó)Ao contrário desses quartos sem luz, sem água, sem aquecimento e sem casa de banho que o protocolo das relações de trabalho do Segundo Império atirou para os últimos andares dos prédios, logo abaixo dos telhados e das chaminés, para que o pessoal doméstico pudesse estar a uma distância de segurança dos patrões, mas ainda assim permanentemente ao dispor, o espectáculo que abre o 34. º Festival de Almada é um lugar para toda a gente. “Não é acidental abrirmos com uma comédia sem texto que toca questões transversais como a solidão desta geração dos 30-40 anos que investe toda a sua vida numa carreira profissional e às tantas se vê sem rede, ou pelo menos sem a rede que teria se tivesse investido em constituir uma família tradicional”, diz Rodrigo Francisco, o director artístico do festival (que, a propósito, também chegou a viver num quarto de criada). “Aqui em Almada”, continua, “olhamos para o público e vemos pessoas tão diferentes — temos mesmo de encontrar um denominador comum”. Talvez ele esteja nestes três vizinhos, um geek que aspira os sapatos quando entra em casa, um freak que de tanto acumular dorme numa rede uns metros acima da tralha e uma rapariga completamente à toa na vida — três vizinhos “que falham em tudo maravilhosamente” (e que nisso, como em muitas outras coisas, incluindo aquelas que prefeririam não ter de partilhar, estarão juntos). Desde Buster Keaton, desde Charlie Chaplin, desde Jacques Tati, com umas quantas guerras e muitas outras atrocidades, pessoais e colectivas, pelo meio, que andamos a rir-nos de losers como eles. E nalguns casos — mas não diremos se Apre! é um deles — a chorar depois. Mas voltemos ao telhado onde Pierre Guillois às vezes ainda regressa mentalmente para constatar que não foram mesmo nada bons, esses tempos a viver numa mansarda de nove metros quadrados com uma casa de banho partilhada ao fundo do corredor e essa sensação muito classe trabalhadora de que melhores dias não virão — e se vierem não subirão as escadas até ao último andar. “Como tantos provincianos, subi até Paris para tentar furar no teatro. Fiquei dez anos num quarto de criada”, contou ao Le Monde em 2015, quando o espectáculo fez a primeira das suas duas carreiras de sucesso na capital francesa. Ao Ípsilon, acrescenta que havia uma portuguesa nessa história (há sempre uma portuguesa nas histórias de Paris): lembra-se dela, “já com os seus 70 anos”, a subir “os sete andares até ao quarto com um balde de água que tinha de ir buscar ao rés-do-chão”. Vem dessa experiência ambivalente de solidão profunda e promiscuidade involuntária, até hoje inscrita com incrível nitidez na sua memória, o realismo em último grau da comédia que traz até Almada. Mas, objectivamente, Apre! é também a consequência directa de uma espécie de sonho (ou de pesadelo) que teve acordado (“Alguém numa casa enorme, com piscina, que de repente começa a encolher até essa pessoa dar por si num quarto de criada”), e daí o nível de delírio que o espectáculo instala desde o primeiro gag, quando o pacote de bolachas guardado no armário do vizinho freak começa a desaparecer no bolso da camisa do vizinho geek. É o primeiro de muitos incidentes absurdos (também haverá ruídos, obras, infiltrações e um triângulo amoroso) que obrigarão estes três mundos à partida encerrados nos seus respectivos cubículos, dispostos horizontalmente sobre o palco como vinhetas numa tira de BD, à coabitação forçada. É todo um tema, e não necessariamente um tema de comédia (mas o subtítulo atira para o melodrama…). “Não costumo construir os meus espectáculos muito conscientemente, mas esse sonho da casa que encolhe conta o que eu senti no meu quarto de criada. E portanto mesmo não estando na minha cabeça o plano de escrever uma tese sobre a solidão nas grandes cidades no século XXI, certamente que Apre! fala dela — sem dizer uma palavra”, explica o actor e encenador ao Ípsilon. Outra “história longa”, acrescenta: “É frequente incluir nas minhas peças cenas sem palavras, porque gosto de construir com os actores coisas que passem por outros lugares. Quando lhes tiramos o texto, desenvolve-se todo um campo de investigação que não temos o hábito de explorar, ao nível da expressão corporal, dos jogos de palco, das imagens… No meu espectáculo anterior, Le Gros, la Vache et le Mainate [2010], queria ir mais a fundo nessa investigação, só que havia um texto com uma direcção precisa, não podia continuar a acumular cenas sem palavras… Fiquei bastante frustrado, mas percebi que a única maneira de fazer isto era escrever de raiz um espectáculo completamente mudo. ” Ao mesmo tempo, esse era o único cenário que lhe permitia incluir-se no projecto como actor: “Há muito tempo que não representava, mas não me apetecia de todo fazer texto. ”Para contracenar com ele, Pierre Guillois foi buscar dois actores que “adora”, Olivier Martin-Salvan e Agathe L’Huillier, ambos sem formação de específica de clown ou de teatro gestual: “Queria actores capazes de explorar jogos físicos, mas sobretudo capazes de compor situações psicológicas e de construir personagens, porque sabia que ia ser um projecto difícil de fabricar: nunca sabes o que vai dar quando tiras a palavra a um actor e o obrigas a descobrir outras coisas. ”Palco Grande – Escola D. António da Costa, Almada, Terça, 4 de Julho de 2017 às 22hAs descobertas que vieram com essa interdição fizeram-nas os três juntos na sala de ensaios, já enfiados nos seus corpos de losers condenados ao fracasso em cada combate quotidiano com o berbequim, com o peixe vermelho do aquário, com a trovoada. E o processo, diz Guillois, “foi apaixonante”: “O mais difícil foi perceber que tínhamos de nos disciplinar fisicamente. Só a meio, quando nos sentámos para ver as filmagens dos ensaios, se tornou óbvio que a partir do momento em que não há palavras o mínimo gesto, o mínimo olhar, a mínima vibração, a mínima aceleração, a mínima desaceleração produzem sentido para o espectador. Isso obrigou-nos a depurar radicalmente o jogo teatral para que a leitura do espectáculo pudesse ser clara. ”À parte algumas ideias que Guillois já tinha na cabeça, Apre! construiu-se de facto nas improvisações a três, de onde emergiram situações a que nunca chegaria “sozinho a desenhar croquis”. Mas não se construiu à primeira: “Nos primeiros 15 dias, ainda só com objectos trazidos para a sala de ensaios aleatoriamente, começámos por explorar histórias de promiscuidade, de intimidade — e as nossas próprias histórias em quartos de criada. Foi assustador. Não fazíamos a mínima ideia do tipo de escrita teatral para que estávamos a caminhar e tirando um ou outro momento mais feliz as improvisações eram péssimas. Tirámos um mês para descansar. ”Teatro Municipal Joaquim Benite, Almada, Todos os dias, de 4 de Julho de 2017 a 18 de Julho de 2017A cenografia viria a ser determinante para encontrar as personagens, e para as personagens encontrarem as suas lutas: “O Olivier acabou por se vincular àquele quarto hi-tech, impecavelmente branco (e ele sempre vestido de preto…), sem janelas mas cheio de gadgets; a Agathe tem o típico quarto de alguém que vem de fora, possivelmente de outro país; o meu é uma mistura do quarto de criada onde vivi em Paris, e onde nunca pendurei o que quer que fosse porque não tinha vontade nenhuma de lá permanecer, e da maneira como a minha avó vivia, acumulando sacos de plástico, guardando o papel de alumínio do chocolate…”. Essa obstinação com a verosimilhança está tanto na cenografia como na banda sonora, ambas disparadoras de situações calamitosas. Mas está sobretudo nas personagens: “Construímo-las com mil detalhes, para que tudo seja sólido, para que a empatia com o público seja total. São personagens tentaculares, com várias camadas, para as quais inventámos toda uma biografia de maneira a estarmos, como actores, verdadeiramente dentro delas, nunca de fora. ”Esqueçamos os gags com a panela da sopa e o corte de cabelo, com as agulhas e o sangue: isto pode estar a acontecer aqui, agora. “Há cada vez mais pessoas que têm o seu trabalho e o seu salário, que têm dinheiro para os seus gadgets e para as suas férias, mas que a subida absurda das rendas obrigou a escolher entre ter uma casa decente nos subúrbios ou uma minúscula assoalhada no centro da cidade. ”Ainda que haja melodrama, e ele é bem explícito, neste fresco sobre “o patético das nossas solidões modernas”, como lhe chamou a Les Inrocks, Apre! tem sobretudo um ADN burlesco que vem da paixão assumida (não confundir com guilty pleasure) de Pierre Guillois pela comédia de boulevard e pelas piadas duvidosas (que aqui irão sem qualquer complexo de culpa até à regressão infantilóide do xixi-cocó). O encenador admite que parte da gramática vem da idade de ouro do cinema mudo (“Enquanto ensaiávamos fomos redescobrir os fundadores: Chaplin, Buster Keaton, Bucha & Estica, Harold Lloyd…”), mas sublinha que às tantas teve de parar de olhar para esses filmes. “Isto é teatro, não é cinema, e confrontamo-nos com outros constrangimentos: para começar, é preciso refazer a mesma cena todas as noites, não basta que nos saia bem uma vez…”, explica, ressalvando que também anda por aqui algum Mr. Bean e muito Jérôme Deschamps/Macha Makeïeff da fase televisiva La Famille Deschiens. E, claro, um certo Jacques Tati: “A casa hiper-moderna d’O Meu Tio foi uma influência para o quarto do Olivier… Mas vimos sobretudo o Playtime, para perceber como um cineasta que já é do tempo do sonoro se serviu do mudo. ”O humor, como se perceberá ao fim dos primeiros cinco minutos, vem de outro lugar, mais insolente, mais brejeiro, que no final há-de descambar num apocalipse rabelaisiano. O mau gosto, para Guillois, não é aliás um interdito, pode é haver outros: “O meu último espectáculo era muito trash, ia muito longe no humor negro sobre a sexualidade e sobre a homossexualidade; o próximo será uma ópera pornográfica. Aqui quis fazer um espectáculo para todos, crianças incluídas: foi aí que estabeleci o limite. ” De resto, diz, não se auto-censura: “Há uma tradição teatral do mau gosto, de que me sinto tão herdeiro quanto me sinto herdeiro do Claude Régy ou da Ariane Mnouchkine. Ou do Astérix, ou do Gaston Lagaffe, que também adoro. O meu teatro é uma enorme mistura de géneros. E para mim foi salutar ver como um público chique como o do Théâtre du Rond-Point reagiu às manifestações de mau gosto deste espectáculo — acho libertador. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É um instinto que também vem do passado, mas já não do passado que teve num quarto de criada, vindo de Rennes, onde nasceu em 1968. Pierre Guilllois teve de sair de Paris para descobrir, na Alsácia, que o seu lugar era o teatro popular. Primeiro em Colmar, onde, como artista associado do Atelier du Rhin, desenvolveu um projecto com os bairros pobres da cidade e vários ateliers com amadores. Depois, em Bussang, onde dirigiu outra experiência absolutamente singular, o Théâtre du Peuple, enorme construção de madeira aberta para a floresta, com mil lugares sentados, que Maurice Pottecher fundou em 1895 para retirar o teatro das mãos das elites e o devolver ao povo. “Hoje já poucos operários o frequentam, mas continua a ser suficientemente conhecido — e legitimado — pela comunidade local para que quando chega um espectáculo mais fulgurante apareçam pessoas que em França não encontras em mais sala nenhuma. ” Pessoas como as que aparecem em Almada, onde Joaquim Benite quis fazer um festival de Verão à imagem dos que surgiram na Europa depois da Segunda Guerra Mundial, para cicatrizar as feridas da destruição: “O Festival de Almada trouxe para aqui essa fórmula de um teatro elitista para todos. Um teatro como o que os gregos inventaram — para os cidadãos, para a cidade — e como o que Shakespeare e Molière fizeram. Só no século XIX é que a burguesia se apoderou do teatro para o usar como ferramenta de exclusão social, nas suas salas à italiana, com veludos, com camarotes”, defende Rodrigo Francisco. Para Pierre Guillois, o teatro popular será isso — um lugar para todos, em que se misturam as classes sociais — ou não será. “Em França, apesar da longa tradição de descentralização do pós-guerra, o teatro é um fenómeno de castas extremamente fechado. É o paradoxo da magnífica história (um pouco menos magnífica nos últimos anos) do teatro francês: a aposta na excelência da dramaturgia e das linguagens cénicas acabou por segregar os públicos e por excluir os 95% da população que não se sentem suficientemente cultos para entrar. ”Talvez não em Almada, onde Pierre Guillois encontrará no Palco Grande da Escola D. António da Costa, aberto para o centro de outra cidade igualmente proletária, um teatro à medida da sua utopia pessoal.
REFERÊNCIAS:
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César Lacerda: depois da vanguarda, “reaproximar a música do povo brasileiro”
Jovem cantor e compositor mineiro encerra este domingo no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa, uma digressão por sete cidades portuguesas. (...)

César Lacerda: depois da vanguarda, “reaproximar a música do povo brasileiro”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jovem cantor e compositor mineiro encerra este domingo no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa, uma digressão por sete cidades portuguesas.
TEXTO: Depois de Tiê e Pélico, César Lacerda. O Espaço Espelho D’Água (junto ao Padrão dos Descobrimentos, em Belém) continua a receber novos nomes da música popular brasileira no âmbito do projecto Faro Pelo Mundo. Neste domingo, 2 de Julho, pelas 19 horas, o jovem cantor e compositor mineiro termina em Lisboa uma digressão portuguesa que começou nas Caldas da Rainha (a 16 de Junho) e passou depois por Vila Nova de Gaia (17), Fafe (24), Aveiro (25), Vila Real (28) e Bragança (29). Nascido em Diamantina, Minas Gerais, em 5 de Maio de 1987, César Lacerda ia desde muito cedo para a escola de música da sua mãe, pianista e directora do Conservatório de Música daquela cidade. “Noutras famílias, os filhos vão estudar música ou fazer natação como coisas exteriores à vida da casa. Mas a vida da minha casa era música. ” Só mais tarde, no acesso ao ensino superior, ele começou a olhar a música com outros olhos. “Pouco antes de entrar na universidade, eu estudei na Fundação de Educação Artística, uma escola importante por ter levado para Belo Horizonte o repertório de vanguarda da música dita contemporânea. ” Foi o irmão que o convenceu a seguir na música, porque ele estava interessado “em psicologia para psicanálise. ” Do piano, que aprendera em criança, à flauta, que estudou depois, acabou por fixar-se no violão. “Isso estava de certo modo inconsciente em mim”, diz César Lacerda. “Sempre que eu fantasiava, em adolescente, com a ideia ser um artista que tivesse as minhas canções, a imagem dessa fantasia era a de uma pessoa que tem um violão à mão. E é uma fantasia nacional, porque a música brasileira se desenvolveu através desse instrumento. ”Os primeiros discos, gravou-os César ainda integrado na banda cLAP!, um3 e 13’31, ambos de 2006. Depois é que vieram os seus trabalhos a solo: César Lacerda (2011), Porquê da Voz (2013), Paralelos & Infinitos (2015) e O Meu Nome É Qualquer Um (2016), este gravado em parceria com Rómulo Fróes. “Tenho um orgulho danado desse trabalho. Analisados separadamente, eu e Rómulo não temos nada a ver. Mas a gente conseguiu encontrar algo entre o que eu faço e ele faz que originou uma terceira coisa. É um disco que fala de assassinatos de crianças negras na favela, do amor por um transexual, do amor entre dois homens, enfim, temas complicados. É um disco que tem um peso, não é de escuta simples. A minha sensação é que ele vai ser descoberto ao longo dos anos, porque é exigente na sua escuta. Mas tem sido bem recebido, a gente está a rodar com ele há quase um ano pelo Brasil. Vai sair agora em vinil. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No Espelho de Água, onde estará em solo absoluto, só voz e violão, ele não tem um repertório definido à partida, como não teve ao longo desta digressão portuguesa. “Eu chego, noto como está o ambiente e vou pensando nas canções dos meus três discos, toco também algumas canções novas, do disco que virá em Setembro, e tocarei umas coisas diferentes. Em Aveiro, por exemplo, toquei Sampa, de Caetano Veloso. Em Caldas da Rainha toquei Amar pelos dois, de Luísa Sobral, que ficou famosa pelo Salvador Sobral. Enfim. Basicamente, serão canções minhas e algumas releituras. ”O próximo disco de César Lacerda terá, diz ele, muitas diferenças em relação aos anteriores, começando pela direcção artística, que não será dele. “Convidei o Marcos Preto, que tem trabalhado com a Gal e com o Tom Zé, e a gente pensou este disco como se fazia os discos de cantora nas décadas de 1960 e 70. A primeira faixa é com uma banda rock; a segunda é um standard com regional de samba; a terceira é uma de voz e piano; a quarta… Enfim, é um disco onde a unidade assenta na variedade de temas nas canções. Começo a achar que esse já é o meu melhor disco, tem as melhores canções e é muito directo. A música brasileira actual caminhou para um lugar de muita experimentação e distanciamento do público. Esse disco novo é uma reaproximação com a ideia de MPB fazendo parte do povo brasileiro. ” Em Setembro ouviremos.
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O Exodus vai abrir as portas do mundo a Aveiro
Mais de 700 pessoas vão participar na segunda edição do National Geographic Exodus Aveiro Fest, que decorre no Centro de Congressos da Cidade este sábado e domingo. (...)

O Exodus vai abrir as portas do mundo a Aveiro
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mais de 700 pessoas vão participar na segunda edição do National Geographic Exodus Aveiro Fest, que decorre no Centro de Congressos da Cidade este sábado e domingo.
TEXTO: Abrir as portas ao mundo. Resumidamente, e com uma frase tão simples quanto ambiciosa, a organização do National Geographic Exodus Aveiro Fest propõe-se a trazer a Aveiro, pelo segundo ano consecutivo, profissionais de relevo na área da fotografia e do vídeo que se tenham notabilizado nas temáticas de viagem e aventura. Tal como no ano passado, trará dez oradores para partilhar as suas histórias, as suas experiências e as suas técnicas para, mais do que formar (embora essa componente seja muito importante, e vai haver masterclasses para isso) possam sobretudo “inspirar”, impelir toda a gente a ser curiosa, criativa, sonhadora, dinâmica. E se o mundo é amplo, vasto, complexo e, às vezes, até assustador, é também um mundo onde é possível fazer a diferença, onde se pode sonhar que é possível mover montanhas, um grão de terra de cada vez. Quando sonhou este festival, Bernardo Conde começou a mover essas areias. Agora, um ano depois, e em vésperas da segunda edição, já se começa a formar uma pequena grande montanha, somando sonhos, projectos e ambições de presenças confirmadas que chegam um pouco de todo o mundo – a organização disse à Fugas que há bilhetes vendidos para participantes de vários países, e até continentes. Tal como na primeira edição, o painel principal dos dez oradores que vão fazer o Exodus deste ano é bastante diversificado dentro das próprias áreas da fotografia e do vídeo. Mas também do ponto de vista etário, para confirmar que a idade inscrita no passaporte tem relevância reduzida. Em termos de idades, o espectro começa em William Albert Allard, um veterano com mais de 50 anos de experiência enquanto fotógrafo da National Geographic, que fará uma masterclass sobre os segredos da iluminação, e termina com Lilliana Libecki, de 14 anos, que vai acompanhar o pai, Mike Libecki, numa sessão onde propõem uma nova abordagem na forma como se deve educar os mais novos e como com crianças também se fazem grande viagens de exploração e aventura (eles, por exemplo, subiram ao Kilimanjaro juntos). Mas é diversificado também nos temas e nas técnicas, tendo como denominador comum o facto de cada um deles ter muitas histórias para contar – e surpreender. Por exemplo, o engenheiro de minas Benjamim Von Wong, que desistiu da profissão para ser um artivist, um activista que usa a arte da fotografia como ferramenta para chamar a atenção dos problemas do mundo. O objectivo é, mais do que mostrar as portas do mundo aos 700 presentes, que, tal como no ano passado, vão preencher todas as cadeiras de Centro de Congressos de Aveiro, é pôr toda a gente a reflectir, a conversar, a partilhar. Porque “exodus” significa movimento, e este Aveiro Fest está paulatinamente a transformar-se numa comunidade que preconiza o movimento global da criatividade, mas em prol de um planeta sustentável e com futuro. Poderá parecer cedo para estar a afirmá-lo, já que, afinal, a edição que decorre no primeiro fim-de-semana de Dezembro é apenas a segunda. Mas bastará sentir o pulso aos que estiveram o ano passado (e se apressaram a comprar bilhetes para este ano) ou então ler os relatos dos oradores que, em 2017, foram as estrelas maiores deste festival, para perceber que em Aveiro se criou um momento muito especial. Que este ano todos querem ver repetido. O festival é feito de vários momentos e vários níveis, sempre de partilha. As speaking sessions, para um público mais generalista (sim, não é preciso ser fotógrafo, videógrafo nem aspirante de nenhuma destas disciplinas para aproveitar estas sessões), vão contar com vários nomes nomes de peso nas várias áreas do cinema e da fotografia. A começar por Celine Cousteau, realizadora de documentários e co-fundadora da Céline Cousteau Film Fellowship, um programa sem fins lucrativos cuja missão é capacitar os jovens aspirantes a cineastas, criativos e activistas a inspirar mudanças através do cinema. Criativos e activistas também poderia ser epíteto a atribuir a outros oradores que vão passar pelo palco do festival. Como Jennifer Adler, mergulhadora e fotógrafa de conservação ambiental, e que dedica o seu trabalho à exploração e conservação do meio aquático; ou como Jody MacDonald , que na última década foi fotógrafa residente numa expedição global de kiteboarding, surf e parapente aos locais mais remotos do mundo); ou ainda como Keith Ladzinski, realizador e fotógrafo, que trabalha em lugares remotos para retratar a beleza natural do planeta e desportos radicais; ou Eduardo Leal, um fotógrafo português especializado em documentários focados na América Latina e Caraíbas; ou, ainda, Rob Withworth, que se notabilizou na técnica de time-lapse. Porque fora do grande auditório também é possível encontrar inspiração, pelo palco mais pequeno do NomadLounge também vão passar histórias de relevo. No painel “Talentos Exodus”, vai dar-se a conhecer o trabalho de quatro portugueses que se têm vindo a destacar em temas que reflectem os vectores do National Geographic Exodus Aveiro Fest. Entre eles a fotografia/videografia de viagem, aventura e exploração, a fotografia documental de realidades culturais e étnicas, a fotografia de projectos de sensibilização e conservação da natureza, assim como projectos fotojornalísticos inerentes a questões sócio-humanitárias. Para tal, lá estarão Patrícia de Melo Moreira (fotojornalista da AFP, venceu o prémio Estação Imagem 2018 Coimbra com o trabalho Verão Negro, sobre os incêndios do ano passado), Daniel Pinheiro (fotógrafo e videógrafo de natureza), Guilherme Melo Ribeiro (videógrafo de viagem) e João Almeida (fotógrafo de viagem). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E depois vão passar pelo palco do Exodus fotógrafos e realizadores que abraçaram projectos épicos, como Mathieu Paley, que ganhou prémios por causa dos seus projectos em povoações isoladas e pelas escaladas nas montanhas mais altas do mundo e que nos últimos quatro meses andou a viajar de autocaravana em Portugal com os dois filhos. Ou ainda Timothy Allen, o fotógrafo dos megaprojectos, um dos quais a série da BBC Human Planet, que andou pelos cinco continentes a documentar as várias formas de humanidade e sobrevivência. E por falar em projectos épicos, bastará referir que o autor homenageado do ano será Yann Arthus-Bertrand, que assinou o documentário Human. Tudo isso se passará no palco, e é fácil adivinhar comunicações inspiradoras. Mais difícil é antecipar o que se passará nos corredores, nas conversas informais à volta de um copo ou de um puff, escadas acima e abaixo ou junto das imagens que estarão em exposição. Foi esse ambiente “íntimo, autêntico, inspirador”, como reparou Ami Vitale, fotógrafa na National Geographic, uma das oradoras do ano passado. Michael Clark, que já foi palestrante “em vários grandes festivais de fotografia”, diz que o Exodus foi um dos festivais “mais divertidos, bem pensados e bem executados” em que já participou. E, dizendo ter sido “uma experiencia incrível e até mesmo emocional”, atreve-se a antecipar que o Exodus vai rapidamente tornar-se num dos principais festivais de fotografia do mundo, como o Visa pour L’image, o Look3 ou o Photoville. Mário Cruz, vencedor de um World Press Photo com o trabalho sobre os talibés no Norte de África e orador na primeira edição, diz que foi o ambiente de proximidade criado entre a organização, os oradores e o público o principal responsável pelo facto de o festival ter superado as suas expectativas. “Estou certo que a segunda edição será igualmente bem-sucedida e contará comigo desta vez no lado do público”, diz Mário Cruz. A Fugas, claro, também vai lá estar. Yann Arthus-Bertrand – Personalidade do Ano ExodusO que é ser Humano?Yann Arthus-Bertrand ensaiou uma resposta num documentário que assinou com esse nome, Humanos. Passou três anos a coleccionar histórias da vida real, entrevistando mais de dois mil homens e mulheres de mais de 60 países. O resultado são relatos pessoais, muitos deles emocionais, que abordam temas que nos unem a todos: o amor, a guerra, a homofobia, a pobreza, a diversidade, o amor (outra vez) e a felicidade que todos, afinal, procuram. Arthus-Bertrand defende que a única maneira de pôr as pessoas a pensar é através das emoções, do coração. O documentário, estreado em 2015, mostra-nos isso: mais importante do que as paisagens (elas aparecem, a largos intervalos), é ouvir as pessoas. O cenário é um fundo negro. É a melhor forma de sobressair o sorriso, o olhar, as emoções de cada uma das pessoas que ali vai falar um pouco de si. Antes de Human, houve Home, um documentário com paisagens aéreas que revela como é o planeta, a nossa casa. Depois de Home há Woman, uma visão do mundo através das mulheres. Yann Arthus –Bertrand vai ser Personalidade do Ano Exodus, e a entrega desta homenagem será um dos pontos altos da edição deste ano do National Geographic Exodus Aveiro Fest. Com ele a organização pretende “retribuir e homenagear a entrega e o trabalho dedicado a causas e à inspiração da descoberta através do mundo da fotografia e do vídeo”. Benjamim Von WongO engenheiro que deixou as minas para ser artivistEle diz que as imagens extravagantes e exageradas são a melhor forma de passar uma mensagem, sobretudo quando os temas são recorrentes, e andam mais na boca do que na acção muita gente. Movem-no problemas de cariz ambiental e projectos de impacto social. Aborda-os levando o surrealismo à fotografia, misturando cenários reais com uma boa dose de ficção e o resultado é sempre surpreendente. Cada imagem de Von Wong tem por trás, necessariamente, uma incrível história para contar. O storytelling que o engenheiro de minas que se dedicou à fotografia a tempo inteiro apenas em 2012 vai levar ao palco do Centro de Congressos de Aveiro terá de ser um dos pontos altos destes National Geographic Exodus Aveiro Fest. Sem saber quais dos seus muitos projectos escolheu para fazer a apresentação em Aveiro, sabemos que tem muito por onde optar. Seja com as toneladas de roupa que encontrou numa fábrica abandonada no Camboja e com as quais construiu cenários a chamar a atenção para a poluição e para o desequilíbrio provocada pelo consumo em massa. Ou com projectos como #MermaidsHatePlastic, onde fotografa uma sereia e 10. 000 garrafas de plástico, ou #RethinkRecycleRevive, com lixo electrónico. E se a formação em engenharia de minas lhe serviu para alguma coisa, deve ter sido para dar resposta técnica aos complexos cenários que constrói para fazer as suas fotografias. Lilliana Libecki e Mike LibeckiHá todo um mundo para explorar em famíliaMike Libecki foi considerado Explorador do Ano pela National Geographic em 2013. Já fez 75 expedições, enfrentou muitos perigos e condições adversas, correu risco de vida várias vezes. Mas não consegue parar. “Pior”, passou a compulsão de escalar, explorar, viajar à filha, Lilliana Libecki, que tem agora 14 anos. Pai e filha vão fazer uma palestra em que se propõem convencer Aveiro que pode haver uma nova abordagem no conceito de viajar em família. Viajar em família pode ser fazer uma expedição de esqui na Antárctida ( Lilliana foi a mais nova de sempre a fazê-lo, tinha apenas 11 anos), ou então a escalar o Kilimanjaro (Lilliana e o pai subiram-no quando ela tinha apenas 12 anos). O lema de Mike Libecki é o de que a paixão deve estar em todas as coisas, sem travão (é ouvi-lo na TEDx Talk intitulada "Why Ration Passion? (Porque Racionar a Paixão?"), onde disserta que o segredo do sucesso é a paciência e o optimismo, sempre. A filha, claro, sai ao pai. Criou uma associação sem fins lucrativos, a The Joyineering Fund, com o objectivo de retribuir ao planeta aquilo que ele nos dá. Com os donativos que recebeu já instalou energia solar no Peru, Nepal e Tanzânia e melhorou a educação em escolas, orfanatos e mosteiros. Timothy AllenO fotógrafo dos megaprojectos e dos lugares remotosElencar o número de vezes que ganhou prémios internacionais de fotografia de viagem seria cansativo, mencionar as vezes que esteve nomeado é extenuante. Os prémios não dizem tudo, mas dizem muito da qualidade do trabalho deste fotógrafo britânico, bacharel em zoologia e que teve o seu primeiro projecto de reportagem anual publicado, quando acompanhou um comboio de ajuda humanitária à Bósnia. Acabou por ficar conhecido como o fotógrafo das populações indígenas e dos lugares remotos, depois de ter feito cobertura de histórias globais, como a guerra civil nas remotas ilhas das Especiarias do Extremo Oriente da Indonésia ou a bizarra subcultura dos campeonatos mundiais de taxidermia (animais embalsamados), ou, mais recentemente, projectos no Árctico, em florestas tropicais e locais remotos do deserto. Actualmente, é sobretudo (re)conhecido por ser o fotógrafo de serviço do megaprojecto levado a cabo pela BBC, o programa Human Planet, filmado em mais de 40 países. Durante dois anos, Timothy Allen foi responsável pela fotografia desta produção, algo que aconteceu num altura em que as primeiras máquinas DSLR começaram a adoptar as capacidades de filme alta definição.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra filha humanos educação ajuda negro comunidade social consumo mulheres pobreza humanitária homofobia
“Então não vamos poder matar os bandidos?” Três dias no submundo do WhatsApp brasileiro
A rede de troca de mensagens saltou para a ribalta da campanha eleitoral no Brasil pela quantidade de desinformação ali partilhada. Um autêntico caldeirão de informação, mentiras e preconceitos. (...)

“Então não vamos poder matar os bandidos?” Três dias no submundo do WhatsApp brasileiro
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.09
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: A rede de troca de mensagens saltou para a ribalta da campanha eleitoral no Brasil pela quantidade de desinformação ali partilhada. Um autêntico caldeirão de informação, mentiras e preconceitos.
TEXTO: Durante três dias, o PÚBLICO acompanhou as conversas dentro de um grupo de apoio a Jair Bolsonaro e de outro favorável a Fernando Haddad no WhatsApp, a rede de troca de mensagens que ganhou protagonismo na campanha para a eleição do próximo Presidente brasileiro pelo que representa na proliferação da desinformação. Diariamente, são partilhados nesta rede milhares de textos, áudios, vídeos, sons, notícias misturadas com informações falsas, comentários misturados com factos ou disfarçados de factos, excertos da Bíblia, citações, músicas, imagens com frases-chave pensadas para convencer os eleitores sobre os assuntos mais polémicos do momento. Os dois grupos aos quais o PÚBLICO acedeu, através de uma pesquisa online em sites oficiais de apoio aos candidatos e links partilhados entre os apoiantes, são dois no universo de muitos milhares. Juntos reúnem cerca de 340 pessoas. O WhatsApp tem 120 milhões de utilizadores activos no Brasil. “Bolso tarde a todos!”, “bolso tarde!”. O cumprimento é trocado num grupo de WhatsApp de apoio a Jair Bolsonaro. A imagem do grupo é o candidato com uma espingarda na mão ao lado das palavras: “Eu sou o mito. ”A conversa aqui é uma torrente que não tem horas mortas. O número de mensagens chega às mil por dia e vem tudo misturado. Levantam-se os fantasmas do comunismo e da Venezuela, erguem-se as bandeiras anticorrupção e a favor da família, e até o direito a ser de direita. Se Haddad ganhar, é porque há uma fraude eleitoral, os jornais estão comprados, dizem. Partilham-se orações e sondagens verdadeiras e falsas. Por vezes, surgem conversas paralelas, desabafos, publicidade a negócios pessoais — de vez em quando, alguém lembra que vende serviços de assessoria na compra de armas, por exemplo. O grupo junta cerca de 250 pessoas — há sempre alguém a entrar ou a sair — e a conversa é aberta a todos. Lucas (usamos o primeiro nome dos utilizadores que aparece na conversa do WhatsApp) partilha uma playlist que inclui batidas para todos os gostos. Entre elas, um rap chamado Bolsonaro, o Messias pt. 1. Quem canta é Luiz, o Visitante, um músico que se auto-intitula “o primeiro rapper de direita no Brasil”. “Nem ele imaginaria/ Quantos soldados teria/ Lutando em prol da família/ Hoje somos a maioria. ” A letra dá voz ao sentimento de muitos apoiantes do candidato de Jair Bolsonaro e do Partido Social Liberal. “A direita tem nome/ E tem cara/ Que tem coragem de dizer o que/ Muitos sabem mas não falam. ”Há canções populares conduzidas pelo acordeão, beats electrónicos, ritmos latinos. Música a diferentes velocidades para passar a mesma mensagem: “É melhor já ir-se acostumando/ Bolsonaro está chegando. ”Lucas é um dos membros mais activos. É a favor da morte dos “bandidos”, mas não dos gays, como fez questão de sublinhar numa conversa sobre os direitos dos homossexuais. A discussão começou com um vídeo partilhado por Capet que mostra um inquérito onde os diversos intervenientes parecem concordar com o assassinato de homossexuais. O vídeo é uma montagem mal disfarçada. Pelas roupas e pelos penteados, aparenta ter sido filmado nos anos 1990. É difícil saber qual o grau de verdade destas declarações ou qual a origem. Capet partilha-o com uma interpelação ao grupo — “vocês concordam com isso?” — e um emoji de um coração partido. Quinze minutos depois, Leonardo diz que concorda. Capet, que se confessa homossexual e apoiante de Bolsonaro, pergunta: “Mas você quer que eu morra?” “Se você for gay, talvez. Se der em cima de mim, tem que morrer. Mas se não, de boa!”Sentido, Capet, responde com um emoji que chora. Lucas entra na conversa: “Rapaz, eu aqui não sou contra gay de forma alguma. O que me preocupa é a questão das cartilhas gay, que quando colocados em escolas é o mesmo que um portão aberto para a pedofilia. ”Leonardo mostra pela primeira vez que se preocupa com os sentimentos de Capet, tenta explicar a sua posição: “Mas, irmão. Na bíblia diz que é errado. ”“Na bíblia também diz que é errado matar”, contra-argumenta Capet. “Jesus amava gays também. ”Leonardo: “Então não vamos poder matar os bandidos?” [Emoji com uma lágrima]Capet: “Sim, nem gays. ”Lucas: “É o quê? Bandidos, sim. Gays, não. Tem que mandar bandido para a vala. Se a gente for pensar para esse lado, o Brasil não vai para a frente. ”Capet: “Jesus perdoava os bandidos, tanto que um foi para o céu junto com ele. ”Anderson mete-se na conversa: “Levítico 20:13. O homem que se deitar com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometeram uma abominação, deverão morrer, e seu sangue cairá sobre eles. ”Anderson: “Eu tenho amigos gays mas que me respeitam e que são bolsonarianos. ”Isabeli: “É por pessoas como você que Jesus e o Bolsonaro são mal falados. ”José Neto: “Acho que é melhor usarmos bolsonaristas. ”A conversa prossegue, caótica. Pelo meio, continuam a entrar novos membros, são partilhadas novas imagens com argumentos pró-Bolsonaro. Vando: “Bolsonaro sempre se pronunciou contra o kit gay e não contra os gays. ”A estratégia é comum entre os apoiantes de Bolsonaro. Apesar de haver registo de inúmeras declarações homofóbicas do candidato (em 2011, por exemplo, numa entrevista à Playboy, disse que preferia que um filho dele morresse a declarar-se homossexual), ele nega sempre e os seus apoiantes fazem o mesmo. O “kit gay” é outra mentira da campanha anti-Haddad, que acusa o antigo ministro da Educação de querer distribuir nas escolas um livro a incentivar os comportamentos homossexuais e com imagens explícitas de actos sexuais. O livro que aparece em vários vídeos nunca foi distribuído nas escolas nem está relacionado com o Ministério da Educação. Na realidade, é uma publicação da editora Companhia das Letras destinado a crianças pré-adolescentes e adolescentes e pretende ser uma ferramenta pedagógica sobre orientação sexual. A luta contra a informação falsa não é nova no Brasil. Nos últimos anos, surgiram várias agências especializadas na verificação de factos e muitos órgãos de comunicação social têm os seus próprios fact-checkers. Mas a velocidade com que a informação falsa corre nas redes tem sido avassaladora para estes grupos, que estão também a descobrir que muitas pessoas não estão interessadas em saber a verdade. O Facebook e a Google apoiam projectos de combate à proliferação das chamadas “fake news” (que na verdade, não chegam a ser notícias, mas sim informações falsas) no Brasil, mas o WhatsApp está fora do raio de actuação destas iniciativas por ser um sistema de troca de mensagens privado exterior à esfera destes dois gigantes empresariais. Uma característica do WhatsApp que está a ser aproveitada por quem quer espalhar boatos ou mentiras ou incentivar a desinformação. Ainda assim, o WhatsApp revelou que baniu milhares de contas durante a campanha no Brasil. Entre os utilizadores censurados, esteve o filho de Jair Bolsonaro, Flávio, impedido de usar a aplicação durante quatro dias devido a “comportamentos de spam” (envio de mensagens em massa). Também um perfil criado pela campanha da ex-presidente Dilma Rousseff foi bloqueado. Para além destes bloqueios, uma investigação do jornal Folha de São Paulo revelou um esquema de compra de disparos em massa de mensagens pago por empresários pró-Bolsonaro. Os conteúdos partilhados no WhatsApp podem chegar a milhares de pessoas sem qualquer monitorização. Cada grupo nesta rede pode ter no máximo de 256 pessoas, mas os conteúdos ali publicados podem ser repartilhados para outros grupos de tamanho igual de forma sucessiva. A ideia é que exércitos de apoiantes de cada lado se esforcem por fazer as mensagens darem a volta ao Brasil através dos ecrãs de telemóvel. Um estudo feito por duas universidades brasileiras, em conjunto com a Lupa, uma agência de verificação de factos brasileira, analisou as conversas de 347 grupos públicos de apoio aos candidatos à presidência do país antes da primeira volta. Os grupos foram acompanhados durante um mês e envolveram ao todo cerca de 18 mil utilizadores. Durante este período, foram partilhadas mais de 100 mil imagens, 71 mil vídeos, 13 mil áudios, 562 mil mensagens de texto e 90 mil links. A Agência Lupa analisou a veracidade das 50 imagens mais partilhadas e concluiu que apenas quatro eram verdadeiras. Ao contrário do que acontece no outro grupo, aqui a discussão é controlada. Apesar dos cerca de 110 inscritos, apenas os administradores podem falar. São onze, mas só dois se mostraram activos nestes três dias. O ritmo também é mais lento. Menos de cem mensagens por dia. Muito do material partilhado é uma resposta aos argumentos utilizados para convencer os apoiantes pró-Bolsonaro. Fala-se de valores, como a importância dos direitos humanos e das mulheres. Denunciam manobras de distracção com a Venezuela, explicam o falso “kit gay”. Há também alertas para os perigos do fascismo e ainda uma carta de Lula. “Não podemos deixar que o desespero leve o Brasil na direcção de uma aventura fascista, como já vimos acontecer em outros países ao longo da história”, escreve o antigo presidente numa longa missiva, em que, entre outros feitos, sublinha os avanços conseguidos na justiça que permitiram investigações como a Lava-Jato. A conversa corre só num sentido e é mais organizada. Denuncia uma máquina partidária por trás. Há até vários hiperligações para pastas com materiais de campanha distribuídos por temas: “Zap contra o Fascismo”, “Zap contra o Bolsonaro”, “Vira voto”, “Design Activista”. Cada pasta tem imagens, vídeos, frases e até uma lista de reportagens para partilhar. Dentro do “Zap contra o Bolsonaro”, a lista só tem um link: “Filho de Bolsonaro aluga seu carro para si mesmo. ”As mensagens têm um tom mais formal e não permitem comentários: “[Time Haddad] Aqui vai material para compartilhar com evangélicos, cristãos e judeus. Compartilhem ao máximo! Está funcionando” ou “[TIME HADDAD] Lembre-se, se só você ver esses vídeos, não estaremos fazendo o trabalho mais importante. Espalhe, mande para amigos, familiares, poste no grupo da igreja, do futebol. Veja os que as pessoas respondem. Converse com elas!”A dinâmica contrasta com a do grupo de apoio a Bolsonaro, que pulsa constantemente. Um pulsar caótico, mas que não deixa nunca de estar presente. Os adversários notam a diferença e gozam. Mas esta estratégia pode ser também uma defesa: por várias vezes apareceram apelos entre os apoiantes de Bolsonaro para se invadir grupos, páginas do Facebook e perfis públicos dos adversários. Apesar de não termos encontrado notícias falsas dentro deste grupo, sabemos que elas também estão presentes na campanha do PT. Um exemplo: em declarações ao jornal O Globo esta semana, Haddad acusou o candidato a vice-presidente de Bolsonaro de torturador durante a ditadura militar. “O Mourão foi, ele próprio, torturador”, disse. A informação foi classificada como falsa pela Agência Lupa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. À medida que a data das eleições se aproxima, a distância entre os dois candidatos parece encurtar. No grupo de Haddad, anuncia-se a “virada”. “Sábado é dia de rua! Onde você estiver, é o último dia para virar todos. Não vamos deixar o Brasil cair no abismo. ”Do outro lado, alerta-se para uma “fraude”, que envolve a compra das empresas de sondagem e a manipulação das urnas electrónicas. “Se Bolsonaro não for eleito, já sabemos o que aconteceu e não aceitaremos o resultado!!!”Seja o que for que acontecer no domingo, parece difícil convencer qualquer um dos lados a aceitar o outro.
REFERÊNCIAS:
Referendo histórico liberaliza o aborto na Irlanda
Duas sondagens situam o apoio à mudança da Constituição nos 68% e 69%, num referendo muito participado. Campanha pelo "não" já assumiu derrota. (...)

Referendo histórico liberaliza o aborto na Irlanda
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Duas sondagens situam o apoio à mudança da Constituição nos 68% e 69%, num referendo muito participado. Campanha pelo "não" já assumiu derrota.
TEXTO: Os irlandeses votaram de forma esmagadora a favor da legalização do aborto, de acordo com as projecções reveladas após o fecho das urnas. Os votos ainda estão a ser contados, mas restam muito poucas dúvidas. O resultado representa o culminar de uma "revolução silenciosa que ocorreu nas últimas décadas" num país que tinha um dos regimes mais restritivos para a interrupção da gravidez, afirmou o primeiro-ministro Leo Varadkar, que esteve na linha da frente no apoio à liberalização. O principal grupo da campanha contra a legalização do aborto já concedeu a derrota no referendo da Irlanda. "Não há perspectiva que a legislação não venha a ser aprovada", admitia esta manhã o porta-voz da campanha contra a legalização, John McGuirk, citado pela Reuters. A Irlanda acorreu às urnas em peso, para decidir se mudava uma norma constitucional que impedia o aborto e, segundo as primeiras sondagens, logo após o fecho das urnas (às 22h), os eleitores votaram maioritariamente pela mudança. Segundo a primeira sondagem realizada pela Ipsos/MRBI para o jornal Irish Times, divulgada minutos depois de as urnas terem fechado, o "sim" ganhou por 68%, contra 32% para o "Não". Estes números são baseados em 4000 inquéritos realizados à boca das urnas em 160 estações de voto. A margem de erro é de mais ou menos 1, 5%. Ainda não há números da taxa de participação, mas admite-se que a abstenção foi historicamente baixa. Segundo o Irish Times, as projecções apontam para a vitória do "Sim" por 77% em Dublin. Terá sido na capital onde mais eleitores expressaram apoio à mudança. Porém, uma análise do mesmo jornal sustenta a ideia de que este resultado não assenta nuns quantos sectores da sociedade, mais urbanos e liberais. Uma vitória tão larga demonstra "um desejo tão esmagador quanto imprevisto", até porque a projecção aponta para "uma distribuição uniforme do voto no Sim por todo o país e por todas as faixas etárias, com excepção dos eleitores com mais de 65 anos". Alguns minutos depois, uma outra projecção feita para o canal RTE apontava para resultados semelhantes: 69% de votos no Sim, 31% no Não. Os resultados definitivos começarão a ser apurados no sábado de manhã, mas na Irlanda acredita-se que, seja qual for a diferença de percentagens, a mudança na legislação é uma certeza. À luz do que o executivo irnlandês propõe, as mulheres irlandesas passarão a poder interromper uma gravidez nas primeiras 12 semanas, com assistência médica certificada. Os profissionais de saúde terão o dever legal de debater a opção pelo aborto com a requerente, que deve respeitar um período de três dias de reflexão. Findo este prazo, se mantiver a sua vontade, poderá então realizar-se a interrupção da gravidez. Em circunstâncias específicas, o aborto poderá ser realizado numa gravidez que já conte mais de 12 semanas, especificamente nos casos em que haja grave risco de saúde ou mesmo de morte para a progenitora. Nessas situações, o governo pretende que sejam consultados dois profissionais de saúde certificados para decidirem se o aborto deve ser permitido. Duas horas antes de as urnas encerrarem, as estimativas apontavam para a maior participação eleitoral dos últimos três anos, pelo menos, e como previa o primeiro-ministro irlandês a grande adesão ao voto impulsionou o resultado do "Sim", o lado dos que querem uma lei menos conservadora. De acordo com a agência Reuters, a participação era elevada em Dublin, e também noutras cidades e áreas menos urbanas do país, onde se registaram longas filas de espera desde que as urnas abriram, às 6h desta sexta-feira. Tal cenário levava analistas citados pela mesma agência a preverem que a participação eleitoral poderia suplantar a do referendo ao casamento gay, decidido em 2015, quando 61% dos eleitores manifestaram a sua opinião nas urnas. "Não dou nada por garantido, mas estou tranquilamente confiante", comentou o líder do executivo de Dublin. "Uma elevada taxa de participação seria vantajosa para o lado do 'Sim'", defendeu o governante, que convocou este referendo e o apelidou como "a oportunidade de uma geração" para mudar. Em concreto, no boletim de voto era perguntado aos eleitores se eles defendem mudar ou manter a frase fundamental da 8. ª emenda à Constituição irlandesa, introduzida em 1983. No essencial, esta alteração reconhece e concede a um nascituro o mesmo direito à vida que é reconhecido à mãe, atribuindo ao Estado a obrigação de defender esse direito à vida da criança ainda por nascer. E na prática desembocou numa situação que manteve as mulheres irlandesas proibidas de abortar, uma proibição que acabaria por ser parcialmente levantada três décadas depois, em 2013, mas só para certos casos em que a progenitora corre risco de morrer. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Marcada pela doutrina social da Igreja, a Irlanda legalizou o divórcio em 1995, por uma pequena maioria de votos, e tornou-se o primeiro país a legalizar por referendo o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, em 2015. Porém, nenhum tema social divide mais a população de 4, 8 milhões de irlandeses como o da interrupção voluntária da gravidez. A solução para mulheres irlandesas tem sido viajar até Inglaterra, no caso de pretenderem fazer um aborto – um direito igualmente estabelecido por referendo, em 1992, visto que também era proibido. Segundo números oficiais, todos os anos há cerca de 3000 mulheres a atravessarem a fronteira irlandesa para interromperem uma gravidez.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto morte lei social criança sexo mulheres casamento gay divórcio
Irlanda despenaliza o aborto em votação maciça
Resultados oficiais confirmam sondagens: 66,4% a favor da mudança contra 33,6%. Primeiro-ministro fala em "revolução silenciosa". (...)

Irlanda despenaliza o aborto em votação maciça
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Resultados oficiais confirmam sondagens: 66,4% a favor da mudança contra 33,6%. Primeiro-ministro fala em "revolução silenciosa".
TEXTO: O referendo à reversão de uma das mais restritivas leis de aborto na Irlanda venceu com 66, 4% a favor da mudança, com 33, 6% a votar para a manutenção das restrições. O anúncio do resultado da votação, levada a cabo no dia anterior, foi algo demorado e durante a tarde juntou-se uma multidão em frente ao Castelo de Dublin, a sede do Governo, esperando ouvir o resultado exacto. "Para mim, este é também o dia em que dizemos 'já chega'”, disse após a divulgação dos resultados o primeiro-ministro, Leo Varadkar. “Já chega de médicos a dizer às suas pacientes que não podem fazer nada no seu próprio país. Já chega de viagens solitárias para o outro lado do Mar da Irlanda. Já chega de estigma e o véu de segredo é levantado e chega de isolamento quando desaparece o fardo da culpa. ”O primeiro-ministro reagira logo quando se tinha já tornado evidente que o “sim” vencera, ao início da tarde, descrevendo o momento como o culminar de uma "revolução silenciosa que ocorreu nas últimas décadas" num país onde apenas era possível interromper uma gravidez se houvesse um grave risco para a vida da mãe. Entre a multidão havia vários cartazes de apoio aos políticos que apoiaram o “sim” no referendo, como o primeiro-ministro e o ministro da Saúde. O referendo de sexta-feira perguntava aos eleitores pela abolição da cláusula constitucional 40. 3. 3 que desde 1983 estabelecia um direito à vida para o feto igual ao da mãe. O resultado era que abortar era proibido na esmagadora maioria dos casos – violação, malformação do feto, etc – permitindo-o apenas no caso de grave risco para a saúde da mãe. Varadakar disse esperar ter uma nova lei de aborto em vigor até ao final do ano. O Governo propôs que a alternativa, caso o sim vencesse, fosse a liberalização do aborto até às 12 semanas de gravidez. “É incrível. Durante anos e anos e anos temos estado a tentar cuidar de mulheres e não temos conseguido cuidar de mulheres. Isto é verdadeiramente importante”, reagiu Mary Higgins, médica obstetra, da campanha para o Sim, citada pelo Guardian. A morte de Savita Halappanavar, uma mulher a quem foi recusado um aborto apesar de estar em risco de infecção, e que acabou por morrer de septicémia, em 2012, foi considerado por muitos um ponto de viragem na percepção pública em relação à lei. A campanha contra a alteração da lei lamentou a “tragédia de proporções históricas” que foi a derrota do “não” e prometeu continuar a protestar “se e quando houver abertura de clínicas de aborto na Irlanda”, disse o porta-voz da campanha do não John McGuirk à BBC. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A participação no referendo foi um recorde – 64, 5%, mais do que no anterior, em 2015, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (venceu o “sim”). O resultado levou imediatamente a pedidos para alteração da lei na Irlanda do Norte, onde apenas em circunstâncias muito excecionais é permitido o aborto, ao contrário do que acontece no resto do Reino Unido. Mas o DUP, partido que apoia o governo de Theresa May, já se declarou contra qualquer alteração ou "pressão para ter aborto a pedido".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto morte lei mulher violação sexo mulheres casamento
Tribunal Constitucional chumba normas da lei da gestação de substituição
Juízes consideram o quadro jurídico demasiado aberto, sem definição dos limites do contrato entre os beneficiários e a gestante e declaram inconstitucional a impossibilidade de a gestante de substituição não poder revogar o contrato até à entrega da criança. (...)

Tribunal Constitucional chumba normas da lei da gestação de substituição
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.5
DATA: 2018-05-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Juízes consideram o quadro jurídico demasiado aberto, sem definição dos limites do contrato entre os beneficiários e a gestante e declaram inconstitucional a impossibilidade de a gestante de substituição não poder revogar o contrato até à entrega da criança.
TEXTO: O Tribunal Constitucional (TC) chumbou várias normas da lei da gestação de substituição, mas protege os contratos já celebrados. Até ao momento o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) autorizou dois casais a recorrerem a este método, mas existem outros sete pedidos em apreciação. O pedido de fiscalização foi feito no ano passado por vários deputados do CDS e do PSD. Esta terça-feira, o TC emitiu um comunicado onde afirma que a gestação de substituição, "só por si, não viola a dignidade da gestante nem da criança nascida em consequência de tal procedimento nem, tão-pouco, o dever do Estado de protecção da infância". No entanto, considera que alguns aspectos particulares da diploma legal lesam "princípios e direitos fundamentais consagrados na Constituição". A primeira crítica do TC é relativa à "excessiva indeterminação" da lei no que toca aos limites da autonomia das partes do contrato de gestação de substituição, assim como aos limites às restrições admissíveis dos comportamentos da gestante. Ou seja, os juízes consideram, por unanimidade, que o quadro jurídico é demasiado aberto e permite negociações sobre condições da gravidez que podem ser excessivas. Por isso, defendem que é necessário densificar e concretizar as regras de conduta dos beneficiários e da gestante de substituição, até para que o CNPMA possa definir os critérios de autorização prévia dos contratos a celebrar entre pais biológicos e a gestante de substituição. O segundo ponto crítico refere-se ao facto de a gestante não poder revogar o consentimento prestado no contrato em que abdica de direitos fundamentais até à entrega da criança. Para a maioria dos juízes do Palácio Ratton, esta restrição constitui uma "violação do direito ao desenvolvimento da personalidade, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, e do direito de constituir família". Em terceiro lugar, é apontada a "insegurança jurídica para o estatuto das pessoas gerada pelo regime da nulidade do contrato de gestação de substituição", ou seja, as crianças geradas ao abrigo destes contratos que sejam anulados posteriormente ficam impedidas de serem reconhecidas juridicamente como filhos dos casais que recorreram à PMA, o mesmo sucedendo com estes quanto ao reconhecimento da sua paternidade. Neste ponto, que foi votado por unanimidade, critica-se ainda o facto de a lei não diferenciar as causas invocadas para declarar a nulidade do contrato em função do tempo ou da sua gravidade. Os direitos violados são o da identidade pessoal e o princípio da segurança jurídica. Já quanto à regra do anonimato de dadores e da gestante de substituição, o TC reconhece que tal não afronta a dignidade da pessoa humana, como alegavam os deputados que pediram a fiscalização da lei. No entanto, considerou que a opção legal de estabelecer como regra, "ainda que não absoluta, o anonimato dos dadores" e das gestantes de substituição, neste caso como regra absoluta, "merece censura constitucional, devido a impor uma restrição desnecessária aos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas” através deste método. Ou seja, são as crianças que ficam sem direito a saber quem são os seus progenitores biológicos. O TC só não dá razão aos peticionários quanto à dispensa da averiguação oficiosa da paternidade. No caso em que a beneficiária é uma mulher "que, independentemente do estado civil e da respectiva orientação sexual, tenha recorrido sozinha às técnicas de PMA", o TC concorda com a dispensa da averiguação oficiosa da paternidade. Isto porque, "mesmo conhecendo a identidade do dador, este não pode ser tido como progenitor da criança nascida". Desta forma considera que não foram violados os parâmetros constitucionais invocados no pedido de fiscalização: o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade e o direito à identidade pessoal. Com esta decisão, a lei mantém-se em vigor, mas a eliminação das normas declaradas inconstitucionais impede a sua aplicação na prática, até que o diploma seja alterado no Parlamento para corrigir os pontos inconstitucionais. O que agora está previsto em regulamentação terá de ser introduzido na lei, obrigando a que esta seja novamente discutida pelos deputados. No entanto, e porque desde que a lei entrou em vigor, em Agosto de 2016, já foram aprovados dois casos de gestação de substituição pelo CNPMA, o TC limitou os efeitos da sua decisão de modo a salvaguardar as situações em que já se iniciaram o procedimentos terapêuticos, incluindo a recolha de gâmetas e a criação de embriões. Esta limitação dos efeitos foi decidida por unanimidade, "com fundamento em imperativos de segurança jurídica e em cumprimento do dever do Estado de protecção da infância" . Eurico Reis, que até Março foi presidente do CNPMA e que é actualmente relator dos processos de autorização de celebração do contrato de gestação de substituição, mostrou-se muito crítico da decisão tomada pelo TC. "A legislação desaparece, a regulamentação desaparece. Podemos derrubar um edifício, derrubando um pilar", apontou, referindo-se ao chumbo das normas respeitantes à gestação de substituição. Uma das que acredita que poderá mais impacto negativo é a questão relacionada com o tempo de arrependimento da mulher que cede o útero. A lei prevê que a gestante possa arrepender-se até às dez semanas de gestação, prazo idêntico ao da interrupção voluntária da gravidez. "A balança não pode pender excessivamente para um lado ou para outro. Alargar excessivamente o prazo de arrependimento vai constituir uma forma de não existirem contratos. As dez semanas são um prazo razoável. O que vemos é uma manifestação de motivações não jurídicas. Nenhuma Constituição pode nem deve ir a este nível de detalhe", diz ao PÚBLICO o juiz-desembargador. Questionado sobre os sete processos que estão em avaliação, Eurico Reis admite que "podem ficar irremediavelmente prejudicados", deixando de existir fundamento jurídico para continuarem. Para o magistrado, esta decisão do TC "é a interpretação de um grupo de pessoas que projectam as suas concepções ideológicas". "O simples facto de agora se considerar inconstitucional uma coisa que em 2009 foi entendida como claramente constitucional, que é a questão da identidade civil dos dadores, demonstra perfeitamente isto. As decisões dos tribunais são para serem cumpridas, mas como vivemos numa sociedade livre temos o direito de emitir opiniões sobre a decisão dos tribunais. "Para Eurico Reis a quebra do sigilo do dador vai levar ao afastamento dos mesmos. "Vão acabar com os dadores portugueses. Foi o que aconteceu nos EUA e nos países nórdicos quando afastaram o sigilo da identidade. Os dadores não querem ser pais nem mães, querem ajudar outros a serem-no. Não estão a proteger a família, estão a julgar contra a família", aponta. O responsável considera que esta medida vai obrigar a um aumento da importação de ovócitos e esperma e com isso da despesa. Esta solução já é usada em muitos centros de PMA públicos, dado que o número de dadores nacionais é insuficiente para dar resposta às necessidades, sejam eles casos de mulheres solteiras ou casadas com outras mulheres, casais heterossexuais ou na gestação de substituição quando um dos membros do casal for infértil. Para Claúdia Vieira, presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade, a decisão do TC "é um retrocesso vergonhoso". "Tentámos fazer tudo para sensibilizar os juízes para olharem para a questão de outra forma. Depois da promulgação da lei por parte do Presidente da República não estávamos à espera deste revês. "As reacções dos casais que podiam beneficiar da gestação de substituição fizeram-se logo sentir através das redes sociais. "As pessoas estão em estado de choque, desesperadas e consideram que mais uma vez estão a ser empurradas para a clandestinidade e que lhes foi tirado o direito à família", resume. Mas há ainda a questão da identidade do dador, cujo impacto pode ser ainda maior, alerta Cláudia Vieira. "Se hoje já é difícil a dádiva, não sei que efeitos [esta decisão] vai ter. ”"Dúvidas tinham razão de ser"Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A líder do CDS, Assunção Cristas, mostrou-se satisfeita com a decisão do TC. "Esta é uma decisão politicamente relevante porque mostra que as nossas dúvidas tinham razão de ser", apontou, lembrando que "quando a lei foi publicada o CDS ficou com muitas dúvidas e inquietudes" que motivaram o pedido de fiscalização da constitucionalidade da legislação. "Procurámos levantar o máximo de dúvidas possíveis para dar a oportunidade ao TC de se pronunciar, sabendo que tem mais tempo para fazer uma análise aprofundada. Achamos que era importante ter essa clarificação, importante que os juízes se pudessem pronunciar com toda a tranquilidade sobre temas tão complexos que tocam na dignidade da pessoa, nos direitos das crianças, no direito das pessoas conhecerem a sua proveniência genética. Hoje o tribunal deu-nos razão", afirma. Já o BE, que avançou com o processo no Parlamento que veio a dar origem à lei, depois de debatida num grupo de trabalho criado para o efeito, não se quis pronunciar para já sobre o chumbo do TC.
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD LIVRE BE
Empresa de barrigas de aluguer quer abrir representação em Portugal
Uma agência de barrigas de aluguer israelita com sedes espalhadas em vários pontos do mundo vem dar uma palestra a Lisboa sobre os seus serviços no próximo fim-de-semana. O P2 conversou com o dono, Roy Rosenblatt-Nir, que afirma estar a estudar a abertura, a curto prazo, de uma “representação” em Portugal. (...)

Empresa de barrigas de aluguer quer abrir representação em Portugal
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma agência de barrigas de aluguer israelita com sedes espalhadas em vários pontos do mundo vem dar uma palestra a Lisboa sobre os seus serviços no próximo fim-de-semana. O P2 conversou com o dono, Roy Rosenblatt-Nir, que afirma estar a estudar a abertura, a curto prazo, de uma “representação” em Portugal.
TEXTO: A data para a palestra de Roy Rosenblatt-Nir, num hotel em Lisboa, estava marcada muito antes da recente polémica em torno do “chumbo” do Tribunal Constitucional de várias normas que regulamentavam a Lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), em que se incluiu a gestação de substituição. No próximo fim-de-semana, o CEO da Tammuz Family, uma agência internacional de surrogacy (o equivalente em português a barrigas de aluguer), e com a ajuda de advogados portugueses, vem “explicar como é o processo na Ucrânia e nos Estados Unidos”. São estes os países com quem trabalha, por terem legislações que considera serem “muito boas” para “ajudar” as pessoas que, pelos mais diversos motivos, não podem ter filhos. Depois, num futuro próximo, pretende abrir em Portugal “uma representação”, com vista atender as dezenas de pedidos de cidadãos nacionais que lhe chegaram ao seu escritório no Brasil. “Portugal não está dando uma boa solução para quem precisa de ter filhos”, diz Rosenblatt-Nir numa conversa por telefone com o P2, a partir de Kiev. Este empresário israelita é fluente em português, pois viveu vários anos no Brasil como cônsul de Israel. Foi lá que conheceu a agência de que agora é dono. Os epítetos com que tem sido classificado pela imprensa brasileira vão desde “guru da reprodução” a “explorador” de mulheres brasileiras com problemas financeiros. Apesar desta ligação ao Brasil, Rosenblatt-Nir diz ao P2 que a Tammuz não trabalha com mulheres brasileiras, nem como doadoras nem como gestantes. O site da empresa tem uma alínea a dar conta disso mesmo. À semelhança de outros, o site está disponível em várias línguas, incluindo espanhol, inglês e ucraniano. De resto, há possibilidade de escolha da surrogate (gestante) e também da doadora de óvulos. Por exemplo, lemos que é obrigatório que a candidata já tenha passado por uma gravidez sem contratempos. “Além disso, realizamos diversos exames para saber se a saúde dela está perfeita, para que nada arrisque a sua vida ou a vida do bebé. Fazemos também avaliações psicológicas para nos certificarmos de que ela entende o processo, está segura, de que não existe nenhuma pressão externa e de que há, nessa atitude, uma motivação altruísta, além da financeira”, detalha a página da Tammuz. À primeira vista, o negócio da Tammuz Family é muito semelhante ao de uma agência de viagens: há “soluções” para todos os casos, um preço-base, destino e serviços clínicos e jurídicos. Assim, um casal heterossexual casado pelo civil gastará, no início, 45 mil dólares (cerca de 37 mil euros) para ter um bebé, se o destino for a Ucrânia. O preço sobe para mais do dobro (100 mil dólares/82, 3 mil euros) se os clientes não forem nem casados nem heterossexuais, sendo que, nestes casos, o destino sugerido é a Califórnia, nos EUA, onde a legislação é totalmente aberta. Sobre preço dos seus serviços, o empresário não tem dúvidas: “Não tem como dizer que não é caro”. Afirma que gostaria de conseguir um “preço razoável porque cada um quer a sua parte”. “Mas qual é a alternativa?”, pergunta. “A alternativa é não ter”, responde logo de seguida. Questionado sobre se não estará a contribuir para uma sociedade em que só os ricos podem ser pais, Rosenblatt-Nir garante que “não tem como” fazer mais barato. “A nossa ideologia é não discriminar ninguém”, avança este israelita de 42 anos, homossexual, casado e pai de dois filhos. Foi durante a sua estada no Brasil como cônsul que teve contacto com a agência de que agora é responsável: “Na época, um casal de amigos procurou-nos porque queria entender como o processo funcionava para realizarem o sonho da paternidade também. Depois disso, nós [marido e dois filhos] voltámos para Israel, porque a minha missão como cônsul acabou. Decidimos, então, trazer a agência para o Brasil e facilitar o serviço para os brasileiros”. Rosenblatt-Nir vem agora apresentar os serviços da empresa aos portugueses interessados em terem filhos, através de uma palestra onde é necessária uma inscrição prévia. Sobre a legalidade desta acção, o empresário afirma que “a proibição da publicitação das barrigas de aluguer é só referente aos processos feitos em Portugal”. Como outros agentes internacionais atentos ao que se passa no resto do mundo, Roy confirma que a “busca pela técnica [de gestação de substituição] no exterior também é motivada devido à ausência de legislação que regulamente a prática nos países de origem dos clientes”. Apesar de os procedimentos clínicos serem feitos ou na Ucrânia ou nos Estados Unidos, a Tammuz afirma ter soluções para eventuais problemas com o registo e nacionalidade dos bebés. Certo é que o debate em torno destas questões, que ultrapassam as jurisdições de cada país envolvido, está longe de ter terminado. “Em todos os países em que actuamos, o registo de nascimento será emitido no nome do pai e da mãe ou, nos casos de casais homo-afectivos, constará o nome de ambos os pais”. “Os trâmites legais dependem muito do país onde o processo de surrogacy [gestação] será realizado”, acrescenta. Para além de outras informações sobre os doadores (ou doadoras), a Tammuz garante no seu site que os futuros pais receberão um “historial médico-familiar” dos envolvidos, mas não apresenta nenhum corpo clínico próprio. A empresa tem escritórios em vários pontos do mundo: “Brasil, Austrália, Estados Unidos, África do Sul, Índia, Suécia, Dinamarca e, em breve, na Argentina”. “Já tivemos pais noruegueses, ingleses, espanhóis, alemães, franceses, holandeses, austríacos, etc. . Os europeus representam 30% dos nossos clientes”, revela o empresário. “Acredito que [o direito à paternidade e maternidade] é uma questão de direitos humanos”, defende Roy. Desde que exista dinheiro para tal, entenda-se. E isto apesar de considerar que presta um serviço que não é como outro qualquer: “É um serviço que tem de ser tratado com muito juízo” e no qual é preciso “saber que toda a gente está protegida”. Ou seja, tem de ser gratificante para todos os envolvidos, ainda que de formas diferentes. Para uns, pode ser a vontade da parentalidade, que não era possível no país de origem por um motivo de saúde ou outro qualquer; para outros, a compensação financeira por doar o seu corpo durante o tempo de gestação. Em troca da realização de um desejo existe compensação financeira. “Para todos os lados [é observada] uma ética”, acrescenta o empresário. Questionado sobre quais as balizas dessa ética, defende que não é a ele que cabe defini-las: “Nós não somos juízes, não temos o direito de dizer ‘você não tem direito’ [a ser pai ou mãe], mas é claro que se chegar algum caso duvidoso”, sublinha o israelita, não lhe dá seguimento. Situação que afirma ter acontecido uma vez, entre as centenas de processos atendidos. Era o caso de alguém que pensava que não podia ter filhos de forma natural e que acabou por ser encaminhado para um psicólogo “após uma longa conversa”. Os serviços clínicos da empresa fazem “sempre uma longa conversa” com os requerentes para se perceber se estão em condições de dar início ao processo. Ao todo, segundo adiantou ao P2, já foram mais de 650 as crianças nascidas através dos seus serviços, em quase dez anos de actividade. “Quer melhor publicidade que a do Cristiano Ronaldo?”A agência de Roy, sediada em Israel, não é nova nem é única. Basta uma pesquisa na Internet e nas redes sociais para se encontrarem vários sites e vários “pacotes” para resolver os casos mais diversos, incluindo até a escolha do sexo do bebé. Alguns estão traduzidos para português e, até agora, não existe nenhuma lei que impeça qualquer pessoa de entrar em contacto com estas empresas. Apesar de ainda não existir publicidade no sentido tradicional do termo, o recurso a estas agências é desde há uns anos conhecido e falado. A Tammuz está longe de estar sozinha neste mercado de que ainda muitos falam à boca pequena, mas que os portugueses conhecem, sobretudo, através da mediatização de alguns casos de figuras públicas. “Quer melhor publicidade que a do Cristiano Ronaldo?”, exemplifica André Dias Pereira, membro da CNCV (Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida) e uma voz desde sempre crítica da promulgação do diploma que veio regulamentar a gestação de substituição. Para este professor da Faculdade de Direito de Coimbra, “as portas ao turismo reprodutivo já estavam abertas antes”. Contudo, concorda que, agora, depois do chumbo do TC, “fica mais apelativo ir a um país que tenha tudo de acordo com as regras dos contratos”. “Eu concordo com a Convenção dos Direitos Humanos e Biomedicina e concordo com a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, que diz que o corpo humano enquanto tal não deve servir de fonte de lucro ou ter um preço”, afirma. “Aliás, ser humano não deve ter um preço na sua globalidade”, disse ao P2. Nessa medida também, não discorda do recente chumbo do Tribunal Constitucional que “quis aproximar o processo à adopção e menos a uma prestação de serviços”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E se os filhos quiserem conhecer os progenitores?A questão do anonimato dos dadores é um dos pontos onde existe mais discórdia e André Dias Pereira – que também já defendeu várias teses de mestrado sobre estas matérias – diz que “tendencialmente” aproxima-se do acórdão (do Tribunal Constitucional), que, na sua opinião, quer proteger a dignidade da pessoa humana e é “mais amigo da mulher”, ao quebrar também a relação contratual que a obrigava a entregar a criança aos pais. “O anonimato viola o direito da criança, daqui a 20 ou 30 anos, de saber a sua origem. Acho que esse direito faz sentido”, explica ao P2. Para Roy Rosenblatt-Nir, o problema em torno do anonimato “não existe”. E baseia-se no seu exemplo pessoal: “Sou pai de dois filhos e, em nossa casa, essa pergunta não existe”. Por isso fez um livro chamado A História de Saar e Rotem, onde é contada a forma como eles nasceram e que inclui as fotografias da barriga onde estiveram. “Eles crescem com isso em mente, não existem coisas complicadas”, remata. “Cada um na vida tem [as suas] dificuldades. A gente supera, né?”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
O projecto autoritário de Bolsonaro: uma hipótese de trabalho
Devemos levar a sério as promessas dos políticos autoritários. Bolsonaro parece estar a montar uma “democracia musculada” sob tutela dos militares. (...)

O projecto autoritário de Bolsonaro: uma hipótese de trabalho
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Devemos levar a sério as promessas dos políticos autoritários. Bolsonaro parece estar a montar uma “democracia musculada” sob tutela dos militares.
TEXTO: Se é justificado dar um desconto às promessas eleitorais dos “partidos burgueses”, ensina a experiência que, ao contrário, devemos levar a sério as promessas dos políticos autoritários. Jair Bolsonaro foi eleito com a promessa de destruir o “sistema”, liquidar a elite política e cooptar uma nova. Durante meses, pareceu um candidato débil e acantonado num nicho minoritário. Com as eleições de domingo tudo mudou. Bolsonaro vai dominar o Congresso. Parece querer também neutralizar o Supremo Tribunal Federal (STF) e instaurar um regime tutelado pelo Exército. É algo que já estará em curso, ainda antes da tomada de posse, a 1 de Janeiro. A “guerra cultural” e o fantasma do “golpe de Estado” desviaram as atenções do cerne da questão do regime. Os cientistas políticos demorarão muito tempo a assimilar a vertiginosa mudança do Brasil. Dispomos de descrições e de hipóteses. É um tempo mais propício às imprecações do que à análise fria. Tudo o que hoje se escreve pode ser anulado pela voragem de um processo de que não temos as chaves. Mas os politólogos ou os simples jornalistas não podem abdicar de pensar — ou imaginar — aquilo que se anuncia. “A política tradicional morreu ontem”, disse ao Globo o politólogo Jairo Nicolau após o “arrastão eleitoral” de domingo. “Mudou tudo. Estamos diante de fenómenos nunca vistos. ” Faltam os pontos de referência. Na Câmara dos Deputados, acabou a hegemonia dos três partidos oriundos do combate à ditadura e trave mestra do sistema inaugurado pela Constituição de 1988. O Movimento Democrático Brasileiro (MDB), — “o partido que manda no Brasil” — e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que disputava a presidência com o PT desde 1994, sofreram uma queda abrupta, que desarticulou a “política tradicional”. Os analistas previam 15 a 20 deputados para o Partido Social Liberal (PSL), de Bolsonaro, que tinha quatro. Elegeu 52. Nos próximos meses deverá atrair 13 deputados de pequenos partidos que não chegaram aos 1, 5%. Tornar-se-á então o maior partido, à frente do PT, que conquistou 56 lugares. Um bloco de partidos do “centrão”, somando 142 eleitos, deverá entrar na maioria. A soma não chega aos três quintos (308) necessários para aprovar reformas constitucionais — a começar pelas económicas —, precisando de votos do MDB e do PSDB, ambos divididos sobre o apoio a Bolsonaro. Sob liderança do PT, a oposição de esquerda deverá somar 160 deputados. Mais inesperado ainda foi o efeito de arrasto da votação presidencial sobre a eleição de governadores e prefeitos. No Senado, parcialmente renovado, o PSL, com quatro mandatos, necessitará sempre de acordos com o MDB e o PSDB. Conclui Nicolau: “No domingo à noite, vimos um grande partido de direita nascer. Com os votos que obteve e os recursos [públicos] que receberá a partir de 2019, já nasce como um actor central do novo quadro partidário. ” É uma “nova direita”, composta por uma área de extrema-direita, outra da direita “pragmática” e diversos centristas. A erosão das instituições é o grande tema. É aqui que surgem os mais sérios sinais sobre o futuro do regime democrático. Deixo de lado as mais notáveis tiradas antidemocráticas de Bolsonaro e centro-me em duas instituições: o Exército e o Poder Judicial. O ex-capitão cedo anunciou: “Vou botar alguns generais nos ministérios caso eu chegue lá. Qual é o problema?” O sinal mais relevante é a equipa de generais na reserva — com acordo tácito do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas — que está a redigir, em Brasília, o seu programa de governo nas áreas ditas estratégicas. O grupo é coordenado pelo general Augusto Heleno, anunciado como próximo ministro da Defesa. Dele fazem parte alguns civis: o economista Paulo Guedes, o “czar da Economia”, os filhos do candidato, dois assessores políticos e ainda lobbyistas do agronegócio e da finança. Os militares estão particularmente interessados em campos como a ciência e tecnologia, as infra-estruturas, os negócios estrangeiros e, naturalmente, a segurança pública. Note-se que não há nenhum sinal de que os militares pretendam assumir o ónus da governação. A ideia será outra. Há no Brasil um claro desequilíbrio dos poderes. Houve uma grande retracção do executivo, e também do legislativo, por corrupção e incompetência. É neste quadro de crise da democracia que o poder judicial se tornou um actor central, invadindo competências naturais do poder político. Deixando de lado o activismo de magistrados como Sérgio Moro, sublinho o estatuto de árbitro assumido — em grande parte a pedido dos políticos — pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Foi decisivo no processo de destituição de Dilma Rousseff e no processo de Lula. Em Setembro, quando Bolsonaro estava em plena ascensão, tomou posse da presidência do STF o ministro (título dos seus membros) Dias Toffoli. A sua eleição foi contestada pela direita, visto ter sido nomeado por Lula. Mas depressa esclareceu a sua posição. Pediu ao Exército a nomeação de um assessor militar. Villas Bôas indicou o nome do general Azevedo e Silva, ex-chefe do Estado-Maior. De resto, segundo a imprensa, Toffoli deu outras garantias ao Exército: adiar para 2019 a decisão sobre a prisão de Lula e vetar a publicação de uma entrevista do mesmo Lula. Note-se que, antes da decisão sobre a libertação de Lula, Villas Bôas manifestou o seu “repúdio da impunidade” e o STF rejeitou o habeas corpus. Bolsonaro também anunciou outro projecto: elevar de 11 para 21 o número de membros do STF. Nomeará dois em 2020, em substituição de outros dois que se reformam. O alargamento do tribunal, que passaria a ter uma maioria por ele nomeada, levantaria uma oposição frontal no STF, como intervenção ilegítima no poder judicial, e dificilmente passaria no Senado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Bolsonaro não é muito amado no Exército, que não aprecia a sua linguagem violenta. Mas a sua candidatura abriu-lhe as portas à tutela do poder político. O que, a haver uma “normalização” do STF, indiciaria o advento de mais uma “democracia autoritária”. É apenas um cenário que faz prever a eclosão de novos e graves conflitos, com previsíveis surtos de violência. Todas as atenções se concentraram na “guerra cultural”. Anota Vladimir Safatle, professor de Filosofia na Universidade de São Paulo: “O que nós vimos foi uma anticampanha, baseada no esvaziamento do espaço político, exactamente por meio das provocações às minorias vulneráveis — negros, mulheres, LGBT — que se revoltam, com toda a justiça, mas esse jogo ocupa todo o espaço da campanha. ” Da parte de Bolsonaro, e de quem o patrocina, terá sido um cálculo estratégico que, de facto, esvaziou a discussão política e encobriu um projecto autoritário.
REFERÊNCIAS: