Transformismo no exército nazi, entre a guerra e o espírito carnavalesco
Soldier Studies reúne 118 imagens de arquivo que são testemunho de um fenómeno que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial e que se mantém pouco estudado e documentado até hoje: o do transformismo no seio do exército de Adolf Hitler. Em conversa com o P2, o coleccionador Martin Dammann levanta o véu sobre o que poderá estar na origem de um fenómeno aparentemente inconciliável com os valores proclamados pelo Terceiro Reich. (...)

Transformismo no exército nazi, entre a guerra e o espírito carnavalesco
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Soldier Studies reúne 118 imagens de arquivo que são testemunho de um fenómeno que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial e que se mantém pouco estudado e documentado até hoje: o do transformismo no seio do exército de Adolf Hitler. Em conversa com o P2, o coleccionador Martin Dammann levanta o véu sobre o que poderá estar na origem de um fenómeno aparentemente inconciliável com os valores proclamados pelo Terceiro Reich.
TEXTO: “Um homem que cometa actos lascivos e indecentes com outro homem [será] castigado com pena de prisão”. Era este o articulado de uma lei alemã, conhecida por “Parágrafo 175”, que foi implementada em 1870 e abolida apenas em 1994. Durante a vigência do regime nazi a lei manteve-se, mas a sua implementação foi reforçada: em 1936, Heinrich Himmler – então chefe da organização paramilitar Schutzstaffel (também conhecida por SS) – criou o Departamento Central do Reich para o Combate à Homossexualidade e ao Aborto. Em consequência desta decisão, “milhares de homens foram enviados para os campos de concentração por serem homossexuais, onde acabariam por morrer”, pode ler-se hoje numa inscrição do Monumento de Homenagem aos Homossexuais Perseguidos Pelo Regime Nazi, erigido no Parque Tiergarten, em Berlim, em 2008. É provável que todos os soldados que figuram nas fotografias que compõem o livro Soldier Studies –? Cross Dressing in the Wehrmacht tenham cometido ou testemunhado actos de extrema violência – não fosse a II Guerra Mundial por tantos entendida como o pináculo da sistematização do extermínio humano. As 118 imagens de arquivo reunidas pelo artista alemão Martin Damman retratam elementos do exército nazi em ambiente festivo, na privacidade dos seus destacamentos militares nas diversas frentes de combate que se formaram no decorrer do conflito. São fotografias raras, exemplares únicos, e a sua junção resulta de 16 anos de busca intensiva e ininterrupta em arquivos familiares, colecções privadas e feiras de rua de todo o território germânico. O que têm em comum? Nelas figuram soldados vestidos de mulher ou que exibem comportamentos homossexuais. Martin Dammann, em entrevista telefónica ao P2, divide a sua colecção de fotografias sobre transformismo no Terceiro Reich em quatro categorias. “A primeira está relacionada com rituais juvenis de iniciação à vida militar, que têm um aspecto bastante inocente”, explica. Na segunda categoria, coloca as fotografias dos espectáculos oficiais produzidos pela Kraft durch Freude, a organização do Terceiro Reich responsável (não estritamente) pelo entretenimento das tropas no exterior. Na terceira, Dammann coloca as fotografias relativas a espectáculos de grande produção que eram montados nos campos de prisioneiros de guerra. “A última e maior fatia das fotografias que estão disponíveis no livro foram tiradas na frente de guerra ou nas suas imediações, onde os soldados, por iniciativa própria, produziam o seu próprio entretenimento”, explica. Esse exercício consistia em peças de teatro, espectáculos musicais ou outros divertimentos que incluíam máscaras. “Sobre estas iniciativas, existe pouca ou nenhuma informação histórica”, lamenta o artista alemão, confessando ter passado os últimos três anos em busca de sustentação teórica para o livro que lançou em Novembro de 2018, pela editora Hatje Cantz. “Encontrei apenas breves menções em diários, cartas, algumas crónicas de guerra”, esclarece. “Nesses documentos privados, essas mascaradas não são descritas, analisadas. Acredito que fossem tão corriqueiras para os soldados que nem seriam dignas de referência; que seria algo demasiado evidente, demasiado normal. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A normalidade e a excepçãoNa raiz do comportamento transformista dos soldados nazis podem estar as tradições carnavalescas alemãs, sugere Dammann. “No Carnaval, era e é comum na Alemanha que um homem se vista de mulher e vice-versa. ” O autor acredita que nas fotografias estão retratados soldados de todo o tipo de orientação sexual e identidade de género. “Neste contexto particular, essas preferências tornam-se indistintas, motivo pelo qual este tipo de acontecimento poderá ter sido utilizado pelos soldados para dissimular comportamentos de natureza homossexual”, refere. “Acho que é impossível distinguir, nas imagens, quais são os homens que mostram desejo sexual por homens ou por mulheres. Acho que, por vezes, ambos estão presentes na mesma fotografia. ” Dammann analisou cada uma das imagens e garante que em nenhuma encontrou “indícios de irritação”. Nos rostos em redor da figura transformista ou dos protagonistas de uma demonstração de afecto homossexual não é visível nenhum sinal de desconforto, apenas manifestações de alegria. “Assumo que, naquele contexto carnavalesco, toda a gente tivesse a liberdade de se exprimir livremente e de ser feliz. ”O autor termina referindo que o fenómeno do transformismo em contexto militar não é exclusivo do exército nazi. “Tenho fotografias semelhantes de soldados americanos, britânicos, franceses. Já li crónicas da guerra napoleónica em que este tipo de comportamento vem descrito. Creio que o contexto de guerra conduz os soldados a assumir o mesmo tipo de reacção. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto homens guerra lei violência concentração mulher prisão homem género sexual mulheres homossexual
Billy, o fã de Meryl Streep que fala com pessoas na rua
Billy on the Street, o programa cómico em que Billy Eichner interpela pessoas na rua, voltou este ano para uma época de oito curtos episódios. (...)

Billy, o fã de Meryl Streep que fala com pessoas na rua
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Billy on the Street, o programa cómico em que Billy Eichner interpela pessoas na rua, voltou este ano para uma época de oito curtos episódios.
TEXTO: "Podemos separar a arte do artista?" Esta questão é colocada recorrentemente, mas é raro ser resolvida literalmente. Era essa a ideia da pista de obstáculos que a produção de Billy on the Street montou num parque em Nova Iorque, para Robin Lord Taylor, que faz de Pinguim em Gotham, retirar DVDs de dentro de bonecos que representavam artistas, digamos, “problemáticos” num episódio do início de 2017, ainda antes da era #MeToo. Tudo isto acompanhado pelo apresentador do programa, o seu melhor amigo Billy Eichner, que é uma máquina incessante de energia, conhecimento sobre cultura pop, exasperação à volta dos mais irrelevantes detalhes e, acima de tudo, piada. Taylor tirou, por exemplo, uma cópia de Cosby Show de dentro de uma das célebres camisolas coloridas que o entretanto condenado por abuso sexual Bill Cosby envergava nessa sitcom dos anos 1980, ou o DVD de O Que As Mulheres Querem, a comédia romântica de Nancy Meyers, da mão crucificada de Mel Gibson. Billy on the Street, que durou cinco temporadas na televisão de 2011 a 2017, sem nunca ter chegado a Portugal a não ser via YouTube, e voltou este ano para uma temporada de oito curtos episódios mensais, não era só isto. Por exemplo, o cerne do programa era, e continua a ser, Billy Eichner, o nova-iorquino que por causa deste programa passou de cómico obscuro a actor em Parks and Recreation ou American Horror Story, na sua própria sitcom Difficult People, e será, ao lado de Seth Rogen, o Timon do vindouro remake fotorrealista de Rei Leão, a correr pelas ruas da sua cidade natal a interpelar pessoas. Sempre hilariante e inventivo, tentava dar, entre outras, resposta a perguntas como “Será que as pessoas gay querem saber de John Oliver?”, confrontando-as com o próprio, emboscar e forçar, ao lado de Amy Poehler, transeuntes a cantarem canções natalícias, ou apenas demonstrar o seu infinito amor por Meryl Streep. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nos três episódios desta nova temporada que vai a meio, Billy perguntou aos nova-iorquinos, acompanhado por Emma Stone, quando é que achavam que a actriz iria criar a sua conta de Instagram. E tentou encontrar, acompanhado por Tiffany Haddish — que, tal como Billy, é uma fonte inesgotável de energia cómica — uma terceira bruxa para um pretenso remake “mais inclusivo” que iam encabeçar de Três Bruxas Loucas, o filme com Bette Midler do início dos anos 1990. Tentou ainda perceber, com a ajuda do sempre positivo Lin-Manuel Miranda, alguém que passa a vida a tentar inspirar pessoas, se aqueles com quem se cruza na rua são felizes. Os resultados, que têm a missão explícita de contrariar o momento de ansiedade e indignação que os Estados Unidos atravessam, continuam a ser maravilhosos, seja pelas reacções das pessoas ou pelas tiradas memoráveis do apresentador, que se mantém igual. Ainda é a pessoa que, enquanto Lin-Manuel Miranda explica a uma fã aquilo em que consiste a sequela de Mary Poppins da qual é uma das estrelas, interrompe tudo para gritar e resumir o apelo do filme, antes de se ir embora irritado, "Tem a Meryl Streep!"
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Prémio Sakharov: Uma rede e uma bolsa para quem anda na luta
Desde 2016, o Parlamento Europeu atribuiu bolsas de formação a 50 activistas e defensores dos direitos humanos oriundos de 37 países e que podem ser motores de mudança nesses territórios (...)

Prémio Sakharov: Uma rede e uma bolsa para quem anda na luta
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Desde 2016, o Parlamento Europeu atribuiu bolsas de formação a 50 activistas e defensores dos direitos humanos oriundos de 37 países e que podem ser motores de mudança nesses territórios
TEXTO: O impacto do Prémio Sakharov na defesa dos direitos humanos não se esgota na atribuição de um galardão anual. Na última década, o Parlamento Europeu tem procurado alargar o alcance do prémio para além dos dias da visibilidade mediática a cada atribuição. Ainda em 2008, foi criada a Rede do Prémio Sakharov e, desde 2016, são entregues anualmente bolsas de formação a activistas e defensores dos direitos humanos de países fora da União Europeia. A Bolsa Sakharov beneficiou, até agora, 50 activistas de 37 países, seleccionados através de um concurso global, para integrar um programa intensivo de capacitação que lhes permite ganhar um acesso privilegiado à comunidade internacional e familiarizarem-se com as principais ferramentas e apoios financeiros disponibilizados pela União Europeia para promover os direitos humanos além das suas fronteiras. Só em 2018, o programa recebeu mais de 800 candidaturas de todo o mundo e para integrar o lote de escolhidos é necessário ter já um currículo relevante na luta pelos direitos humanos, que projecte já cada candidato como motor de mudança no seu país. Os bolseiros activistas são de quase todos os continentes: a maioria vem da Europa (13), nomeadamente de países da ex-União Soviética e da ex-Jugoslávia, mas também da Ásia (8), América do Sul (7) e África (6), segundo a informação do Parlamento Europeu. Quase todos são activistas em organizações não-governamentais ou advogados especializados na área dos direitos humanos, mas há também jornalistas e investigadores. O leque de direitos humanos que esta guarda avançada ajuda a proteger é amplo, incluindo liberdades fundamentais de expressão e imprensa e direitos cívicos e políticos. Muitos estão também envolvidos na luta contra a discriminação de minorias étnicas e religiosas, mulheres e crianças, pessoas LGBTI e povos indígenas, entre outros. O processo de selecção do próximo grupo de bolseiros também já está em marcha. Estão abertas candidaturas até Janeiro de 2019 para identificar até 14 activistas que integrarão o programa de formação que se inicia em Abril. Este programa assegura formação “nas áreas de conhecimento que são importantes para a sua função enquanto defensores de direitos humanos”, resume Heidi Hautala, vice-presidente do Parlamento Europeu (PE), responsável pela Rede do Prémio Sakharov, que lançou a iniciativa aquando da comemoração dos 25 anos do galardão. Durante duas semanas, dão-se a conhecer as políticas e mecanismos de apoio da União Europeia em matéria de direitos humanos, exploram-se fontes de financiamento internacional, partilham-se estratégias de comunicação e de mobilização social e distribuem-se conselhos para a preservação da segurança (física e digital) dos activistas, mas também se reflecte sobre direitos humanos específicos ou desafios emergentes. Entre os docentes, incluem-se investigadores, líderes de organizações-não governamentais, eurodeputados e, claro, laureados do prémio Sakharov. Uma parte do programa é realizada em Bruxelas e a outra em Veneza, sede do Centro Europeu Interuniversitário para os Direitos Humanos e a Democratização, organização que coordena uma rede de mais de uma centena de universidades que promovem conhecimento nesta área. Aqui, os bolseiros partilham também a sua experiência no terreno com estudantes de todo o mundo na área dos direitos humanos. Esta é igualmente uma oportunidade de troca de boas práticas e contactos entre activistas de várias partes do mundo, de gerações diferentes e a trabalhar em campos diversos, sobre como fazer a diferença a nível local e global. A rede informal que aqui se forma tem um longo alcance e “depende deles manterem-se em contacto”, observa Heidi Hautala. Um dos principais objectivos para a criação da Bolsa Sakharov foi estreitar relações entre activistas, o Parlamento Europeu e as delegações da União Europeia em países terceiros para que esta via de diálogo se mantenha aberta. E o diálogo faz-se nos dois sentidos. “Convidamo-los a partilhar a sua situação connosco”, explica Heidi Hautala, e desta forma, é possível ter uma “bússola global” do que se passa no mundo em matéria de direitos humanos. O retrato da realidade que daqui ressalta é sombrio. “Um grande número de países está a restringir a protecção dos direitos humanos e da sociedade civil”, observa a vice-presidente do PE. A actuação de organizações não-governamentais em prol dos direitos humanos tem sido crescentemente dificultada por barreiras administrativas e legais e, em casos mais extremos, pela perseguição ou mesmo a criminalização das suas actividades. A “redução do espaço da sociedade civil” é um fenómeno global que se acentuou nos últimos anos, como confirma um relatório europeu de 2017. Mais de cem países introduziram alterações legislativas que condicionam as actividades destas organizações – dificultando em particular o acesso a financiamento internacional, mas também a liberdade de reunião e associação – e “muitos regimes utilizam ainda um conjunto de tácticas – formais e informais – para prejudicar” o seu trabalho, refere o estudo. Uma tendência que se tem intensificado também em países democráticos, no que é descrito como um movimento generalizado de “resistência autoritária à democracia”. Oleg Sentsov, o prisioneiro que o Parlamento Europeu quer ver libertadoOs que estão na frente da batalha são os mais atingidos. “O número de activistas de direitos humanos mortos por governos atingiu níveis recorde em todo o mundo”, nota o relatório: 281 pessoas perderam a via neste embate, em 2016, segundo dados da organização Frontline Defenders. Isto acontece por vários motivos e a realidade de cada país conta uma história diferente, mas “na maioria dos casos, é uma forma de subverter as instituições democráticas e governar sem dissensão ou escrutínio público”, simplifica Heidi Hautala. Uma tendência que o PE procura suster “defendendo aqueles que são os activistas mais expostos na defesa dos direitos humanos”. Do diálogo entre activistas e Parlamento Europeu têm emergido outras tendências preocupantes. “Há cada vez mais pessoas a vir ter connosco com preocupações relacionadas com [a violação de] direitos LGBTI”, adianta a vice-presidente do PE. Uma tendência que também se tem reflectido no número crescente de participantes da Bolsa Sakharov que atuam nesta área. “Neste momento, é necessário dar atenção especial aos direitos das pessoas LGBTI, porque, em muitos países, estão sob pressão e existe uma infeliz aversão cultural contra eles”, salienta. Recorde-se que, só no plano legislativo, ainda existem 72 países no mundo que criminalizam as relações entre pessoas do mesmo sexo e, em oito deles, é mesmo “permitida” a aplicação da pena de morte, segundo o mais recente relatório da ILGA internacional, lançado em Maio. De resto, o último concurso global aberto este ano ao abrigo do principal instrumento de financiamento da União Europeia no apoio aos direitos humanos destina a maior fatia (10 milhões de euros) a projectos que visem a protecção de direitos LGBTI em países terceiros. Outro desafio emergente que a vice-presidente do PE gostaria de ver mais abordado no programa de capacitação da Bolsa Sakharov é a defesa do ambiente. “Há cada vez mais pessoas a defender o ambiente, a natureza, o direito à terra”, justifica, e em alguns casos, “são mesmo mortos” por assumirem este compromisso. A situação dos activistas envolvidos na defesa do ambiente tem-se deteriorado nos últimos anos, refere também o mais recente Relatório Anual da União Europeia sobre Direitos Humanos e Democratização. Vários defensores de direitos ambientais “foram atacados e, num número significativo de casos, mortos em vários países por protestarem contra a exploração insustentável de recursos naturais ou promovendo a consciencialização sobre a degradação do ambiente”, pode ler-se. “É um direito público que é constantemente violado. Penso que temos de fazer algo mais quanto a isso”, diz a eurodeputada finlandesa. O Prémio Sakharov vai na sua 30ª edição e, desde 2008, os distinguidos são integrados numa rede que junta laureados e eurodeputados, tendo em vista reforçar a cooperação na área dos direitos humanos. O acesso à comunidade internacional, que abrange ligações não só a políticos de alto nível, mas também universidades e organizações internacionais, é um dos principais benefícios da atribuição do galardão que a rede evita que se perca, mantendo um contacto próximo com estes “embaixadores da liberdade de pensamento”. “Tentamos seguir muito de perto o que eles estão a fazer” resume Heidi Hautala, responsável pela Rede do Prémio Sakharov (RPS). Para isso, a RPS promove regulamente palestras e debates para dar voz às preocupações dos laureados e visibilidade às suas causas, e de dois em dois anos, organiza uma conferência que reúne instâncias europeias e organizações internacionais e da sociedade civil envolvidas na defesa dos direitos humanos. “Ao reconhecer activistas e defensores de direitos com o Prémio Sakharov, o Parlamento Europeu não reconhece apenas o seu compromisso inabalável e acção corajosa”, recorda o presidente da Subcomissão de Direitos Humanos do Parlamento Europeu, “mas também expõe atrocidades que, muitas vezes, passam despercebidas”. Para Antonio Panzeri, a atribuição, em Outubro deste ano, do Prémio Nobel da Paz ao médico e activista congolês, Denis Mukwege, que se tem dedicado ao tratamento de vítimas de violação, constitui “um reconhecimento não só do seu importante trabalho no Congo, mas também da luz que o [prémio] Sakharov lançou sobre a sua história”. O galardão foi-lhe atribuído em 2014, mas através da RPS, o médico congolês continuou a ter um palco para alertar para a forma como a violência sexual tem sido usada como arma de intimidação em contextos de guerra. Por outro lado, se em muitos casos, o prémio providenciou, para além de um valor financeiro, “apoio moral e psicológico” a activistas que trabalham “em condições muito difíceis”, realça ainda Antonio Panzeri, também ajudou a “garantir a sua segurança física”, por via da atenção internacional gerada à volta da sua atribuição. Este efeito panóptico é continuado pela rede, funcionando como uma espécie de “protecção” face à repressão interna de que muitos laureados são vítimas nos seus países de origem. “A visibilidade é muito importante, porque é uma maneira de fazermos pressão sobre as autoridades para deixarem de os assediar”, observa Heidi Hautala. “Infelizmente, acontece com muita frequência”. Por diversas vezes, o Parlamento Europeu interveio em casos de detenção arbitrária de anteriores premiados, procurando exercer a sua influência, através da aprovação de resoluções urgentes e de acções diplomáticas, públicas e privadas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Essa pressão do Parlamento Europeu, e da comunidade internacional em geral, poderão ter contribuído para a libertação, em Abril deste ano, de Salih Mahmoud Osman. O advogado sudanês, distinguido com o Prémio Sakharov em 2007 pelo seu trabalho na defesa legal de vítimas de violência étnica, fora detido em Janeiro, por estar envolvido em protestos contra a subida dos preços de bens essenciais. A detenção motivou uma carta pessoal do presidente do Parlamento Europeu às autoridades do Sudão, uma resolução urgente aprovada em plenário e uma declaração conjunta do presidente da Subcomissão dos Direitos Humanos e da vice-presidente do PE, responsável pela RPS. Esta pressão diplomática, refere ainda Antonio Panzeri, também terá produzido efeitos na absolvição, em 2011, do activista russo Oleg Orlov (laureado em 2009), que havia sido acusado de difamação contra o presidente checheno, Ramzan Kadyrov, e na prevenção do encarceramento do líder da oposição bielorussa, Aliaksandr Milinkevich, que recebeu a distinção em 2006. Ainda sem resultados estão os esforços envidados, mais recentemente, pelo PE para a libertação da advogada iraniana Nasrin Sotoudeh. A vencedora do prémio Sakharov em 2012 foi detida este Verão, após ter contestado o funcionamento faccioso dos tribunais iranianos no julgamento de presos políticos. A advogada enfrenta várias outras acusações na justiça iraniana, nomeadamente por ter assumido a defesa legal de mulheres que se recusam a usar o véu islâmico e ter ajudado a fundar uma organização (entretanto banida) que se opõe à pena de morte.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos morte guerra humanos violência ajuda comunidade social violação sexo estudo espécie sexual mulheres perseguição discriminação
Judeus e palestinianos juntos contra Lei do Estado-nação
A cosmopolita Telavive, segunda maior cidade de Israel, na costa mediterrânica, foi palco da manifestação que irritou o primeiro-ministro. (...)

Judeus e palestinianos juntos contra Lei do Estado-nação
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DATA: 2018-12-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: A cosmopolita Telavive, segunda maior cidade de Israel, na costa mediterrânica, foi palco da manifestação que irritou o primeiro-ministro.
TEXTO: Benjamin Netanyahu afirmou-se este domingo horrorizado com a visão de manifestantes agitando “bandeiras da Organização para a Libertação da Palestina no coração de Telavive”. Já entre os que se concentraram na moderna cidade costeira em protesto contra a Lei do Estado-nação, como é conhecida a “Lei Básica: Israel como Estado-Nação para o Povo Judaico” ouviram-se comentários de regozijo pelo facto de se encontrarem lado a lado judeus e palestinianos, unidos na mesma luta. “Isto é extraordinário. Que me lembre é a primeira vez que judeus e palestinianos combatem em conjunto por alguma coisa. Isto é realmente um grande momento para as pessoas que acreditam na democracia e na igualdade”, disse um manifestante, citado pelos correspondentes da Al-Jazira. “Nós, muitos dos israelitas, acreditamos que [as minorias] têm direito a ser iguais a nós”, afirmou à mesma televisão Dan Meiri, outro manifestante. “O Estado é judaico mas as pessoas que aqui vivem têm direito à igualdade na educação, no Exército, nas universidades, no Parlamento – em todas as áreas”. Ora se os cidadãos palestinianos, 20% da população, já eram discriminados quando eram iguais na lei (menos acesso a bolsas de estudo, empregos, habitação e piores cuidados de saúde), a nova legislação dá-lhes oficialmente o estatuto de cidadãos de segunda – aos 1, 8 milhões de palestinianos e a outras minorias, como os drusos, 2% da população (que beneficiaram de um regime especial desde os anos 1950 quando foram admitidos no Exército, ao contrário dos cidadãos muçulmanos e cristãos de Israel). Aprovada em Julho, a lei que levou dezenas de milhares de pessoas à Praça Rabin de Telavive, declara que “Israel é a pátria histórica do povo judaico e, nela, ele tem um direito exclusivo à autodeterminação nacional”, consagrando Jerusalém unida como capital e definindo o hebraico como língua oficial (até agora o hebraico e o árabe tinham esse estatuto). Na prática, a lei ignora as reivindicações dos palestinianos a Jerusalém Oriental, declarando ainda que só um Estado pode existir nos territórios que controlados por Israel (no seu conjunto, incluindo as terras ocupadas, 50% dos que ali vivem são palestinianos). É uma resposta ao receio israelita de ver ameaçado o seu carácter judaico (que a direita no poder tem promovido incessantemente) num cenário de uma solução de dois Estados, um palestiniano, outro hebraico, com os judeus potencialmente em minoria. Noutro ponto alvo de muitas críticas internas e externas, a Lei do Estado-nação estabelece que os colonatos israelitas na Palestina ocupada (ilegais) têm “valor nacional” e devem ser encorajados. “Esta lei é contra nós, contra a língua árabe, contra a paz, contra o futuro desta terra. Nós somos o verdadeiro povo desta terra”, defende Omar Sultan, que também se manifestou em Telavive. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Muitos, principalmente israelitas, manifestaram-se não só contra a lei mas contra a política geral do actual Governo de direita. “Há muitas medidas antidemocráticas a serem tomadas em muitas áreas – contra os gays, contra as mulheres, o secularismo e os palestinianos”, disse outro manifestante, que não quis ser identificado. “Isto está a tornar-se num regime fascista. Ainda não chegou lá mas vai numa má direcção. ”No habitual Conselho de Ministros de domingo de manhã, quando começa a semana útil, Netanyahu quis deixar claro que o que diz a lei é mesmo o que pensa o seu Governo. “Estamos orgulhosos do nosso Estado, da nossa bandeira e do nosso hino”, afirmou, depois de criticar o protesto. “Israel é um Estado judaico e democrático. Os direitos individuais dos seus cidadãos estão bem ancorados nas leis fundamentais [com valor constitucional num país sem Constituição] e noutras leis. Agora é mais claro do que nunca que a Lei do Estado-nação também é necessária. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos lei educação igualdade estudo minoria mulheres
Querida Aretha Franklin: está no céu a voz que passava a vida no céu e levava-nos até lá
É difícil imaginar que a autora desta música eternamente nova seja capaz de morrer. Morrer parece uma coisa tão banal para um ser tão mágico - no verdadeiro sentido da magia, de ser uma maravilha inexplicável. (...)

Querida Aretha Franklin: está no céu a voz que passava a vida no céu e levava-nos até lá
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-17 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20180817170452/https://www.publico.pt/n1841232
SUMÁRIO: É difícil imaginar que a autora desta música eternamente nova seja capaz de morrer. Morrer parece uma coisa tão banal para um ser tão mágico - no verdadeiro sentido da magia, de ser uma maravilha inexplicável.
TEXTO: Aretha Franklin não era capaz de só cantar. Musicava a voz. A voz dela aventura-se, sai sem pensar por um caminho desconhecido que logo se verá aonde vai dar. Na esperança certa de surpreender-se, de chegar onde nunca dantes chegou, inventando uma nova música, uma nova maneira de fazer dançar a voz, uma outra canção escondida na cantiga que só ela é que ouvia e reproduzia, soltando-se para a canção se ir soltando também. Há um ensaio de estúdio de You're All I Need To Get By (Take 1) que dura 42 segundos. "Are you taping this, Jerry?", pergunta Aretha a Jerry Wexler. Nesses 42 segundos, gravados em 1971, ouve-se o cérebro dela a correr à frente da voz. Isto é o que Aretha Franklin faz a uma canção enquanto espera. Na take 2 ela vai mais longe, explorando a canção com aquela voz divina, tão irrequieta, desinibida, directa, majestaticamente terrestre e humana. Aretha Franklin não tinha medo de nenhuma música, de nenhum músico. Ouviu o tremendo Respect cantado taxativamente por Otis Redding e disse que queria gravar a versão dela. Que conseguiu ser ainda mais soberba, ao ponto daquela gravação masculina, feita por um homem genial sobre o respeito que os homens procuram, ter sido transformada numa gravação feminina, feita por uma mulher genial, sobre o respeito de que as mulheres precisam. E até ter transcendido tudo, até ser sobre o respeito humano que toda a humanidade precisa - "até as crianças e os bebés", disse Aretha numa entrevista recente à Vogue. Também You're All I Need To Get By tinha sido gravado em 1968 por Marvin Gaye e Tammi Terrell. Onde artistas menores viam versões definitivas Aretha Franklin via pontos de partida. Onde outros viam gravações, ela via veículos para transportá-la para o paraíso da música. O génio de Aretha era tal que ela cantava para saber o que ela ainda não sabia. Não era capaz de ensaiar sem mudar tudo, de todas as maneiras, da maneira menos consciente: vamos ouvir o que sai daqui. Não vai sair coisa conhecida. Vai sair coisa bonita, nunca dantes ouvida. E eu quero ouvir porque não há mais ninguém capaz de cantar assim, como o traço do lápis de Paul Klee. A música da voz dela é verdadeiramente universal. Começa-se a gostar em criança porque parece desobediência, parece liberdade, soa a alguém que se está a divertir mais do que qualquer outra pessoa, mais do que deveria, mais do que gostariam os adultos. Na expansão da voz dela ouve-se e sente-se, participa-se na alegria de conseguir cantar assim, como se só a voz dela pudesse explicar o que está ali escondido e tornar tudo irresistivelmente nosso, de todo o mundo, preso à voz dela, eufórico com a sorte que tem de poder ouvi-la. Aretha Frankin era uma inventora musical tão profunda, expressiva e talentosa que arriscava sempre tudo, oferecendo-nos o prazer de correr todos os riscos com ela. Pode-se contar com ela. Sempre que a música parece parada a música dela está cá para mostrar como a música se mexe. A música de Aretha Franklin é um tesouro vivo, uma música que voa inesperadamente cada vez que passamos por ela. É difícil imaginar que a autora desta música eternamente nova seja capaz de morrer. Morrer parece uma coisa tão banal para um ser tão mágico - no verdadeiro sentido da magia, de ser uma maravilha inexplicável. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A maravilha de Aretha Franklin era inexplicável mas cada um, seja criança ou crescida, sente-a completamente. A música dela era música de amor, de todos os amores que há em nós. E é real quando está na voz dela. É isso que é magia. É isso que temos de agradecer. É isso que temos de guardar. A realidade da música dela, chegada ao céu. Porque não há-de vir mais nenhuma Aretha Franklin. Aquela que temos terá de durar para sempre. Felizmente chega e sobra.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens mulher homem criança medo mulheres feminina
Alexander McQueen: como filmar um hooligan com uma agulha
O que fica depois do fogo: McQueen é o documentário que chegou perto demais da chama de Alexander McQueen. No fim, haverá lágrimas. (...)

Alexander McQueen: como filmar um hooligan com uma agulha
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-13 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181013140819/http://publico.pt/1845767
SUMÁRIO: O que fica depois do fogo: McQueen é o documentário que chegou perto demais da chama de Alexander McQueen. No fim, haverá lágrimas.
TEXTO: Alexander McQueen era um hooligan com uma agulha. Lee McQueen era um refém da sua insegurança. McQueen, o documentário que se estreia em Portugal esta semana, é um encontro entre os dois, entre um corpo e a projecção pública de uma identidade. Lee Alexander McQueen é um dos mais importantes, e seguramente dos mais interessantes, criadores de moda de sempre. Era afinal um artista, e este documentário afinal é um filme. Em itálico. “Sempre quisemos fazer um filme”, diz ao Ípsilon Ian Bonhôte, com toda a ênfase de um realizador entusiasmado na última palavra. “O problema de muitos documentários é que caem pelo buraco da informação. No nosso caso queríamos dar corpo a alguém. Destruir o mito e devolvê-lo ao lado humano. ”O mito Alexander McQueen é uma caveira ornamentada, uma Kate Moss desorientada numa passerelle onde também há uma modelo-incubo dentro de uma caixa de vidro, é um casaco de penas de ouro digno de uma rainha ou umas calças a cair rabo abaixo. Mas o corpo Lee Alexander McQueen, “um filho de um taxista, um miúdo da classe trabalhadora”, é a primeira coisa que vemos em McQueen, cuja realização Bonhôte divide com Peter Ettedgui (produtor de Listen to Me Marlon). É a sua versão home video, sem polimento, descontraído, roliço, tímido, com grão. A voz e o sotaque soam a personagem de Little Britain. “Parecia um skinhead”, diz-se a certa altura sobre o rapaz de cabelo rapado e botas pesadas que entrava pelos salões da moda, “muito maltrapilho”, como lembrava carinhosamente a sua mentora na famosa escola Central Saint Martins, Bobby Hillson. Perto da sua morte – do seu suicídio, a 10 de Fevereiro de 2010, dois dias depois da morte da mãe e na véspera do seu funeral -, era menos Lee e mais Alexander, magro e isolado, autor de grandes desfiles e encenações como apoteótica e derradeira Plato’s Atlantis, um homem que passou pela Givenchy e pelo corpo de milhares de mulheres que queria empoderar. A sua história é um clássico contemporâneo e os muitos ingredientes, da descoberta e amizade da editora de moda Isabella Blow à aprendizagem com os alfaiates de Saville Row, passando pela glória nas alturas de ser aceite pelo elitista sistema da moda, fazem parte da sua lenda. Rags to riches, literalmente, partiu de uma base improvável para se tornar referência incontornável. Na sua morte, nas duas exposições Savage Beauty no Metropolitan de Nova Iorque e no Victoria & Albert de Londres, nos livros Blood Beneath the Skin ou Gods and Kings que as rodearam, e agora por ocasião da estreia de McQueen, a lenda vive. E as histórias repetem-se. “Sem educação formal”, não tinha referências – “para ele uma pintura, um livro, era tudo novo”, recorda-se no documentário. McQueen cresce perante os nossos olhos, mas revela-se sobretudo nas vozes de quem com ele conviveu, graças às escolhas de Bonhôte e Ettedgui. Tiveram acesso a horas de filmes caseiros, familiares e dos amigos da era de ouro, e focaram-se: “the McQueen tapes” à mistura com as colecções como a perturbadora VOSS, Jack the Ripper Stalks his Victims ou Highland Rape a servir de guia. Esta é a estreia na realização de uma longa para Bonhôte, autor de um par de curtas e vindo de uma carreira na publicidade. Quando se fala de quão emotivo é o documentário McQueen com Ian Bonhôte, ele entrecorta logo: “É o objectivo”. No final do desfile de Primavera/Verão 1999, a modelo Shalom Harlow veste um volumoso vestido branco. Gira no meio do fogo cruzado de dois braços robóticos serpenteantes, que disparam tinta sobre ela. Ao fundo, num cantinho nos bastidores, Alexander McQueen espreita para a passerelle. Chora pela primeira vez num desfile. É mais uma imagem com grão, de mais um pedaço do corpo do designer britânico, e uma obra de mineração dos realizadores. “Quando estávamos a vasculhar os arquivos vimo-lo lá ao fundo, reconhecemos a camisa, porque ele estava tão pequenino. Não há um plano assim dele, fizemos um grande zoom. E isso conta a história de como quisemos fazer o filme: ver a emoção. Na sala de montagem escrevemos no nosso quadro: ‘Emotion over information’ [“emoção acima de informação”]. E tudo o que só fosse portador de informação, deitámos fora. ”A sua intenção nunca foi fazer um fashion film e isso nota-se – por mais que sejam hoje um género e uma pequena indústria, muitas vezes ficam presos às marcas e a uma relação e mensagem institucional. “Trabalhei muito tempo em publicidade e não me mudei para o cinema para fazer um brand film”, diz rapidamente num bar de hotel lisboeta. Inspiraram-se mais “em Pina, de Wim Wenders, Amy, sobre Amy Wineshouse, e sobretudo Senna, depois do qual ninguém veio falar de um género petrolhead [fanáticos de carros], era um filme sobre um ser humano e sua rivalidade com Alain Prost”. Para o ser humano Alexander McQueen, o barro era o corpo e o molde era o grotesco. Trabalhava sobre a destruição da beleza ou a beleza da destruição. “Sabotagem e tradição, beleza e violência”, viu Isabella Blow na sua colecção de estreia de 1992. Os dois realizadores voaram perto da chama de McQueen, como traças atraídas pela chama. Quiseram ir à descoberta de um artista, sem que nenhum deles tenha conhecido Lee Alexander McQueen. Mas “se se era um jovem criativo em Londres, não se lhe escapava”, lembra Bonhôte. “Ele é muito para além de tecido, material, temporadas, cores, tendências. É emoção, é história, é biografia, é obscuro porque ele próprio o disse: ia ao lado negro da sua alma e tirava estas imagens e punha-as na passerelle. ”De colecção em colecção, a vida vai seguindo. As capitais da moda são suas, toca nas estrelas. Mas dele não falam no filme os seus amigos célebres como Kate Moss, os seus clientes estrela como Sarah Jessica Parker. A ausência de uma Madonna é presença da pungência. “Desde o primeiro dia quisemos evitar o que chamamos ‘os comentadores’. Os historiadores, capazes de falar de quão maravilhosos são [os biografados], mas que não os conhecem. Não precisávamos dos suspeitos do costume. Se tivéssemos uma única Anna Wintour ou uma Suzy Menkes, isso teria distanciado o espectador”, diz Bonhôte sobre as papisas da Condé Nast. Ao invés disso temos a irmã Janet, cujo marido abusou dela e do próprio McQueen, o sobrinho e discípulo Gary, os amigos da primeira hora e os que só os bastidores dos desfiles e dos ateliers reconhecem. “Janet tinha mais 13 anos do que ele e quase o criou. O marido dela violou-o. Ela não sabia. Ela carrega essa culpa. O facto de ter aceitado passar quatro horas a dar-nos tanto dele faz-nos sentir que tínhamos uma grande responsabilidade”, suspira Ian Bonhôte. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No fim, recorde-se, haverá lágrimas, e eles estão ali para “partilhar algum do fardo e alguns daqueles segredos obscuros”, descobriu o realizador. Refere-se sempre a Alexander McQueen, nome de marca, como Lee, nome de casa. Houve quem se zangasse – a própria Janet McQueen, “é tão como o Lee, uns dias odiava-nos, noutros estava fixe connosco” -, houve quem expiasse alguma dor. “A certa altura é algo tão negro, como se estivéssemos num poço e não há luz. Lee nunca lidou com os grandes assuntos da sua vida, ter sido abusado, mas mesmo ter sido um rapaz gay gordo. Acho que nunca se aceitou verdadeiramente, ao seu aspecto. ”Como se filma Alexander McQueen quando já tanto se sabe dele? Indo com ele. “Ele encontrava a beleza no escuro, encontrava o belo no feio. Não havia cool com o Lee. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte escola violência suicídio filho educação rainha negro homem género mulheres corpo gay
Jaime Nogueira Pinto votaria Bolsonaro. Nobre Guedes também o admite
O politólogo votaria Bolsonaro, por entender que “se proclama nacionalista e religioso e defende os valores tradicionais contra a agressão das contra-culturas marginais que se querem impor como regra”. João César das Neves votaria Haddad. (...)

Jaime Nogueira Pinto votaria Bolsonaro. Nobre Guedes também o admite
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.6
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: O politólogo votaria Bolsonaro, por entender que “se proclama nacionalista e religioso e defende os valores tradicionais contra a agressão das contra-culturas marginais que se querem impor como regra”. João César das Neves votaria Haddad.
TEXTO: À pergunta “em quem votaria nestas eleições brasileiras e porquê?”, o politólogo Jaime Nogueira Pinto assume sem rodeios: “Em Jair Bolsonaro”. Não é o único no espectro da direita em Portugal a admitir o voto no controverso candidato de extrema-direita às eleições presidenciais brasileiras. O ex-dirigente democrata-cristão Luís Nobre Guedes também admite que escolheria abster-se ou votar Bolsonaro, sempre “contra o PT”. Numa resposta enviada por escrito ao PÚBLICO, Jaime Nogueira Pinto explica as razões pelas quais votaria em Bolsonaro (pela negativa e pela positiva) e ainda as “reservas”. Que razões apresenta, então, para votar em Bolsonaro “pela positiva”? “Porque Bolsonaro se proclama nacionalista e religioso e defende os valores tradicionais contra a agressão das contra-culturas marginais que se querem impor como regra. ”Quanto às “reservas”, acrescenta: “Acho que por vezes Bolsonaro usa uma linguagem demasiadamente brutal e violenta na polémica. Mas não serão esses excessos retóricos – e um ‘processo de intenções’ que a esquerda quer levantar e sobrevalorizar – que devem impedir alguém de votar contra a continuação do poder petista. ”Já em relação aos motivos que o levariam a votar “pela negativa” em Bolsonaro, Jaime Nogueira Pinto escreve que “a alternativa é Fernando Haddad, um subestabelecido de Inácio Lula da Silva e por isso um representante de um ‘mecanismo’ de corrupção organizada que governou o Brasil por mais de uma década”. E acrescenta ainda: “Devo dizer que as histórias do Mensalão, do Petrolão e do Lava-Jato me chocaram e entristeceram, pois, apesar das diferenças políticas, tinha uma certa simpatia por Lula, e nunca o teria imaginado cúmplice de tais esquemas. E também porque o grau de insegurança, com mais de 60. 000 assassinatos só em 2016, chumba qualquer governo”. Quanto a Nobre Guedes, que sublinha ter vivido cerca de cinco anos no Brasil e continuar a ter escritório de advogados em São Paulo e no Rio de Janeiro, escolheria um de dois caminhos: a abstenção ou o voto em Bolsonaro. “Votaria convictamente contra o PT. Dizer que votaria a favor, é mais difícil. Acho o PT a maior tragédia que o Brasil conheceu. Aquela corrupção generalizada, a violência, a pobreza. Acho que era minha obrigação, como democrata, votar contra aquilo que põe em causa a democracia que é este reino do PT. É como vejo as coisas, se calhar mal, mas é assim”, diz, recordando as eleições em que o comunista Álvaro Cunhal apelou ao voto no socialista Mário Soares, porque o adversário era a direita representada por Freitas do Amaral. “Se for preciso tapem a cara [de Soares no boletim de voto] com uma mão e votem com a outra”, pediu Álvaro Cunhal. Nobre Guedes dá uma reviravolta à história, para falar do presente e das razões que o levam a admitir um voto em Bolsonaro: “Tenho a certeza que dr. Álvaro Cunhal não concordaria com Mário Soares e votou”, diz, contrariando que seja o candidato Jair Bolsonaro quem poderá colocar em causa a democracia no Brasil. “O que eu acho que põe em causa a democracia do Brasil era uma eventual vitória do PT, que originaria uma profunda revolta social e popular”, afirma. “Não concordo com Bolsonaro em inúmeras coisas, com aquilo que tem dito, estou mesmo nos antípodas, mas concordo muito e bastante na parte económica”, afirma Nobre Guedes, sem concretizar, no entanto, quais as propostas ou afirmações de Bolsonaro que merecem discordância. “Na parte política, quem me conhece sabe que não subscrevo muitas coisas que tem dito”, declara. Quais, em concreto? As que se referem aos homossexuais? Às mulheres? Aos negros? “Não ouvi, tem de se ver o contexto [em que foram ditas as afirmações de Bolsonaro], mas sim, são coisas unânimes em se discordar. Mas, para mim, a questão é ser condescendente ou não com o tempo que o PT esteve no poder”, afirma. Também há, porém, no espectro da direita, quem recuse o candidato Jair Bolsonaro. O professor universitário e economista, João César das Neves, por exemplo, diz ao PÚBLICO por email que votaria Fernand Haddad: “Porque temo pela democracia brasileira na alternativa. ”Nesta semana, a líder centrista, Assunção Cristas, disse em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença que não votaria nestas eleições no Brasil. À pergunta “abstendo-se, não estaria a dar a vitória a Bolsonaro?”, respondeu: “Não sei. Dependeria de todos os que votassem do outro lado. Eu certamente não seria capaz de votar num partido que destruiu o sistema democrático brasileiro, que é responsável pelo outro extremismo que está a crescer. Como também, apesar de ser do espaço político de centro direita, não me revejo nos extremismos de Bolsonaro e não seria capaz de votar nele. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Até agora, porém, têm sido mais os intelectuais, políticos e artistas portugueses, da direita à esquerda, a posicionarem-se contra Bolsonaro. A 17 de Outubro, o PÚBLICO noticiava que nomes como o de Eduardo Lourenço, Freitas do Amaral, Francisco Louçã, Francisco Pinto Balsemão, Pepetela, Ricardo Araújo Pereira, José Pacheco Pereira, Boaventura Sousa Santos, Manuel Alegre, Sérgio Godinho, entre muitos outros, assinavam um texto, apelando à derrota do candidato Bolsonaro. No texto, Solidariedade com a democracia e com os democratas do Brasil, pode ler-se que o candidato Jair Bolsonaro “promove o elogio da tortura e da ditadura, que propõe a discriminação das mulheres e o desprezo pelos pobres, representando uma cultura de ódio”.
REFERÊNCIAS:
Democratas reconquistam a Câmara mas republicanos aumentam maioria no Senado
Partido Democrata muito perto de obter grande vitória na câmara baixa do Congresso, com a conquista de mais de 20 lugares ao Partido Republicano. Partido de Trump pode conquistar três senadores aos democratas e o Presidente fala numa “tremendo sucesso” . (...)

Democratas reconquistam a Câmara mas republicanos aumentam maioria no Senado
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.4
DATA: 2018-12-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: Partido Democrata muito perto de obter grande vitória na câmara baixa do Congresso, com a conquista de mais de 20 lugares ao Partido Republicano. Partido de Trump pode conquistar três senadores aos democratas e o Presidente fala numa “tremendo sucesso” .
TEXTO: As eleições intercalares desta terça-feira nos Estados Unidos trouxeram consigo o fim do monopólio republicano no Congresso norte-americano. O partido de Donald Trump manteve a maioria no Senado, mas perdeu a Câmara dos Representantes para o Partido Democrata, numa votação que se acredita poder vir a constar da lista de midterms com maior participação das últimas décadas. O Presidente catalogou a noite eleitoral como um “tremendo sucesso” para os republicanos. Com quatro lugares no Senado e 23 na Câmara ainda por declarar, o Partido Republicano poderá subir de 51-49 para 53-47 ou até mesmo 54-46 a sua representação na câmara alta do Congresso, depois de uma óptima prestação nas zonas rurais, nos estados tradicionalmente “vermelhos” e junto das classes brancas trabalhadoras. Um resultado que já esperado, tendo em conta que dos 35 lugares do Senado em disputa, 26 eram detidos por democratas, contra apenas nove dos republicanos. A confirmarem-se os números, o GOP – como também é conhecido o Partido Republicano – ficará com uma boa margem para aprovar nomeações importantes para os tribunais federais e para o Supremo Tribunal. Apesar de o candidato-sensação do Partido Democrata no Texas, Beto O’Rourke, ter andado muito próximo da vitória, a verdade é que o actual senador, Ted Cruz, manteve o seu lugar. O Partido Republicano tirou três lugares ao Partido Democrata – no Indiana, no Missouri e no Dacota do Norte –, e poderá ainda recuperar mais um, possivelmente na Florida – tendo perdido o Nevada para os democratas. Com a actual maioria, a liderança do Partido Republicano no Senado ficou dependente dos votos de dois ou três senadores da sua bancada (Lisa Murkowski, Susan Collins e John McCain) – estes três senadores votaram contra o fim do Obamacare, por exemplo. Com uma maioria mais confortável, o Partido Republicano tem mais margem para fazer menos concessões. Os republicanos deverão ainda manter os seus principais governadores, apesar de algumas perdas para os democratas. Mesmo derrotado no Senado, o Partido Democrata encaminha-se para uma grande vitória na Câmara dos Representantes, fruto de uma excelente performance nas grandes cidades e áreas urbanas dos EUA. Para reconquistar a maioria, os democratas precisavam de tirar 23 lugares ao Partido Republicano. E o ritmo a que esses lugares estão a cair indica que a maioria para os próximos dois anos será, no mínimo, superior a 20 lugares, numa clara demonstração de força para a grande batalha que se avizinha – as presidenciais de 2020É a terceira vez em 12 anos que a Câmara troca de mãos entre eleições presidenciais. Quanto maior for a vantagem do Partido Democrata entre os 435 membros da Câmara dos Representantes, maior será a margem de manobra da sua liderança para aprovar algumas medidas com o objectivo de pôr o Presidente Trump na defensiva, como um pedido de divulgação das declarações de impostos, ou até o início de um processo de impeachment (destituição). “O que aconteceu foi maior do que uma disputa entre democratas e republicanos. Foi a restauração dos ‘checks and balances’ à administração Trump, previstos pela Constituição”, celebrou Nancy Pelosi, na calha para se tornar líder da maioria democrata da Câmara. Tal como o Partido Republicano precisa de acomodar as exigências dos seus senadores eleitos em estados onde Hillary Clinton venceu em 2016, o Partido Democrata também precisa de uma maioria confortável na Câmara dos Representantes para não ficar refém de alguns dos seus congressistas eleitos em distritos onde Donald Trump venceu em 2016. Tanto na eleição para a Câmara dos Representantes, como para o Senado e para os cargos de governador, o Partido Democrata superou o Partido Conservador em número total de votos – uma consequência do melhor desempenho democrata nas áreas mais populosas do país. O partido de Barack Obama conseguiu ainda eleger um número significativo jovens, de muçulmanos e de mulheres. As 96 candidatas que a CNN prevê que venham a ser eleitas para a Câmara dos Representantes constituem um recorde nos EUA. Alexandria Ocasio-Cortez (Nova Iorque) e Abby Finkenauer (Iowa), ambas com 29 anos, serão as mulheres mais novas de sempre na Câmara. Já Ilhan Olmar (Minnesota) e Rashida Tlaib (Michigan) tornaram-se nas primeiras mulheres muçulmanas a ser eleitas para a mesma assembleia. Por fim, Debra Haaland (Novo México) e Sharice Davids (Kansas) serão as primeiras mulheres nativas-americanas no Congresso. Do lado democrata, o destaque vai ainda para a eleição de Jared Polis, no Colorado, o primeiro governador assumidamente gay. “É o início de um novo Partido Democrático, jovem, étnico, fresco, com mais mulheres e mais veteranos. Não se tratou de uma onda azul, mas de uma onda arco-íris”, reagiu o comentador político da CNN Van Jones. Apesar de o seu partido ter perdido o controlo da Câmara dos Representantes, Trump congratulou-se com os resultados: “Grande sucesso esta noite. Obrigado a todos!”, escreveu no Twitter, pouco depois de conhecidas as primeiras projecções. A esta primeira reacção seguiram-se outras publicações naquela rede social, tendo o Presidente citado personalidades que elogiaram a sua “magia” e que defenderam que muitos dos republicanos eleitos “lhe devem as suas carreiras” depois dos resultados da noite eleitoral. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O chefe de Estado catalogou o desempenho republicano como uma “grande vitória”, apontou o dedo à comunicação social e deixou críticas ao seu próprio partido“Os que trabalharam comigo nesta incrível eleição intercalar e que adoptaram determinadas políticas e princípios, estiveram muito bem. Os que não o fizeram, podem dizer adeus. Ontem [terça-feira] foi uma grande vitória e ainda por cima sob a pressão dos maldosos e hostis media”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Um arranha-céus em chamas e outros programas de Natal
Ficar sozinho em casa a lidar com ladrões, viajar por uma América idealizada, pelos Alpes dos Von Trapp, pela metade mágica do mundo, ou deixarmo-nos contagiar pelo amor (que acontece mais no Natal), algumas pistas cinematográficas para o que fazer no Natal. (...)

Um arranha-céus em chamas e outros programas de Natal
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.12
DATA: 2018-12-21 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181221045833/https://www.publico.pt/1853349
SUMÁRIO: Ficar sozinho em casa a lidar com ladrões, viajar por uma América idealizada, pelos Alpes dos Von Trapp, pela metade mágica do mundo, ou deixarmo-nos contagiar pelo amor (que acontece mais no Natal), algumas pistas cinematográficas para o que fazer no Natal.
TEXTO: Música no CoraçãoO Natal em família — e previsívelQuando se fala de filmes de Natal, este filme que nem uma cena tem passada no Natal é dos primeiros, senão o primeiro, a vir à cabeça. E não só no Portugal dos dois canais, e depois dos muitos mais, mas também no Reino Unido, onde foi transmitido pela primeira vez em 1978, ou nos EUA, onde o filme é tradicionalmente transmitido na televisão na altura do Natal (ou da Páscoa) desde 1976. A história verídica da família Von Trapp tornou-se num melodrama protagonizado pela irresistível Julie Andrews e com sete crianças canoras em escadinha, que sobrevivem primeiro à morte da mãe, depois à disciplina do pai e por fim à ocupação nazi. É um filme de família que até se pode discutir se é um filme de guerra mas que só é de Natal pelo ambiente familiar e pela coincidência televisiva. O destino dos Von Trapp é a Suíça e a sua viagem é pelas colinas vivas com o som da música, polvilhadas de edelweiss, bucólica Áustria fora. Música no Coração empresta-nos o sonho da neve e do Natal branco vendido pela Coca-Cola e traficado por Hollywood, e dá-lhe um toque de reunião familiar em harmonia Do-Re-Mi sobre as dores de crescimento da adolescência, as nossas coisas favoritas e a melancolia de ter de ir para a cama enquanto a vida continua para os adultos. Tudo isso ressoa na época das festas graças à realização de Robert Wise e a uma banda-sonora original icónica. O Natal e as festas de família fazem-se de um ingrediente essencial – para além da comida – que é a repetição. E Música no Coração repete-se em muitos países como o pano de fundo ou o rescaldo das festas, mas também como o prato principal. Sempre com aquele sabor a Norte da Europa a aproximar à Lapónia e ao cheiro a Natal, ou rimando, como na canção, a um Natal recheado de “crisp apple strudels” e “schnitzel with noodles”. Este ano, podemos estar descansados, Música no Coração vai estar a dar na RTP1, outra vez, a acompanhar a Consoada. J. A. C. Harry PotterO Natal mágico – e à inglesaHá comboios que sonhamos sempre apanhar, mas que são como bater contra uma parede. Por mais amor que os britânicos tenham aos comboios e ao cumprimento de horários, na estação de King’s Cross, em Londres, há corações que batem mais forte – os dos fãs de Harry Potter, que fazem fila para se fotografar na Plataforma 9 e ¾ lá reproduzida e onde a viagem dos estudantes e fãs de Hogwarts começa. Talvez tenha sido a estreia do primeiro filme nos cinemas, em Novembro, a arrastar-se como filme de Natal para os leitores e espectadores; depois os canais de TV começaram a pôr os filmes Potter à disposição de todos os muggles por altura do Natal; mas provavelmente é mesmo o ambiente juvenil, de magia, amizade, frio britânico e o imaginário recheado de castelos e aldeias pitorescas que associa os filmes de Harry Potter ao Natal. E eles levam-nos a Londres, um destino natalício para luzes e compras só por si, da estação ao Leadenhall Market (que faz as vezes de parte do Diagon Alley) à Millennium Bridge, mas também ao Glenfinnan Viaduct (Escócia) e à Universidade de Oxford. Harry Potter é quase um produto de Natal completo: é destino, é prenda em livros e filmes e merchandising (nada diz “Natal” como um rebuçado Jelly Bean de sabor a cera de ouvido) e é até um parque temático onde o Baile de Natal de Harry Potter e o Cálice de Fogo é recriado nos Harry Potter Studios em Londres. Mas nem só de Jelly Beans a saber a terra ou banana se fazem as ceias criadas por J. K. Rowling: há pudins de Natal em chamas, bolos com um pinguim a patinar na cobertura branca ou vinho infinito, e também um acessível peru sem efeitos especiais. J. A. C. Sozinho em CasaO Natal americano – sem famíliaAh, as maravilhas da família. Esta é “uma comédia de família sem a família”, como avisa o poster, e oficial e irredutivelmente um filme de Natal. Eis uma família numerosa que se junta e depois perde uma peça essencial – Kevin. Ah, os McAllister. O tio forreta, o primo choninhas que faz chichi na cama, o irmão brutamontes, 11 miúdos e quatro pais que só querem ir passar um Natal de postal a Paris. E vão, todos menos Kevin, que fica para trás na casa nos arredores de Chicago para nos prendar com o cenário americano do Natal da neve e das casas luminosamente enfeitadas. É escrito por John Hughes e realizado por Chris Columbus, que sabem tocar todas as notas da comédia familiar ou adolescente, e criar estes hábitos que são os filmes de Natal. Repetido à exaustão, nem por isso amado pela crítica e por todos, Sozinho em Casa oferece o cenário: a missa do galo, as baladas e os cânticos tradicionais americanos que nos enchem até hoje as lojas da globalização (incluindo um playback de White Christmas) e uma pizza só de queijo – porque o Natal também é o sonho das refeições que um miúdo quiser no meio de tantos bacalhaus e legumes cozidos. A música de John Williams põe o laço na prenda que é Sozinho em Casa, filme que desde que se estreou, em 1990, começou a levar públicos das gerações contemporâneas e das que se lhe seguiram para uma aventura de Natal 100% americana, com pais Natal de centro comercial, filmes a preto e branco e a celebração da montagem da árvore de Natal perante uns inesquecíveis ladrões de brincar. E estes últimos são talvez a verdadeira viagem de Sozinho em Casa, porque este é um filme de empoderamento infantil. Kevin ganha aos ladrões, à pizza e faz o Natal quando uma criança quiser. Também ganha o Natal quando finalmente tem a família de volta. J. A. C. Os Ricos e os PobresO Natal da empresa – a pedra no sapatinhoOs Ricos e os Pobres é uma pedra no sapatinho. No filme de John Landis, Eddie Murphy e Dan Aykroyd são os peões de um jogo de troca de lugares entre o rico corretor (branco) e o fura-vidas (negro) operado por dois irmãos que fazem dos mercados financeiros o cenário para uma história de Natal invulgar e tão deliciosa quanto um lombo de salmão fumado escondido na barba falsa de um Pai Natal. A festa de Natal da empresa é o cenário onde o rico tornado pobre surripia, vestido de vermelho e branco e com o álcool a dar-lhe coragem líquida não só salmão, mas também pãezinhos e um naco de carne. É também onde o pobre tornado rico percebe que o tentam incriminar com um saco de drogas no meio de copos de champanhe e um ar frio bem yuppie. Natal nos anos 1980, Natal moral com dois lados bem distinguíveis: a prostituta interpretada por Jamie Lee Curtis a fazer a festa com pouco apesar da neve impiedosa de Filadélfia e os idosos milionários Randolph e Mortimer Duke a serem o retrato da abundância e arrogância. Este Natal é o dos espertalhões, passado no terreiro da bolsa e do tráfico de influências, no frio, sempre no frio, urbano e com as cores e o sujo das metrópoles americanas. A viagem também é da literatura e da música clássica, com ecos de O Príncipe e o Mendigo de Mark Twain e de As Bodas de Fígaro, e de um tipo de humor que (quase) já não se faz, com brancos a caricaturar negros com a cara pintada de castanho e homofobia casual, e uma visita à loja de penhores em vésperas de Natal para serem mesmo boas as festas. J. A. C. Assalto ao Arranha-CéusNatal de pé descalço – e uma metralhadora, Ho! Ho! Ho!O melhor conselho de viagem de sempre? Figas com os pés. Quem nunca viu Assalto ao Arranha-Céus, seminal filme de acção dos anos 1980, nunca tentou esta técnica de relaxamento pós-viagem longa. Claro que é preciso tirar os sapatos e disso se arrepende quase imediatamente John McClane (Bruce Willis) quando chega de limusina ao Nakatomi Plaza, em Los Angeles, e antes de uma conversa que irá (ou não) salvar um casamento no fio da navalha. Será descalço que este polícia nova-iorquino irá enfrentar no dito arranha-céus em construção os terroristas que afinal eram ladrões, e vai acabar com os pés em sangue, porque nenhum dos ladrões tinha sapatos que lhe servissem. Mas, pelo caminho, arranjou uma metralhadora, Ho! Ho! Ho! (é procurar por camisolas de Natal com isto, elas existem). Como é que um dos melhores filmes de acção de todos os tempos também é um dos melhores filmes de Natal de todos os tempos, mesmo tendo estreado no meio do Verão? Tem música de Natal (Run DMC e Let it snow), festas de Natal no escritório com “neve” (cocaína), fita-cola com motivos de Natal com várias aplicações (incluindo colar armas nas costas) e toda uma história de fundo que fala de uma família à beira da separação porque John e Holly (McClane, não Genaro) se dedicam demasiado ao trabalho. Tudo acaba bem, com a família reunida, a caminho de casa na mesma limusina em que tinha chegado – e viagens de limusina serão sempre um standard em Los Angeles. Claro que dois anos depois, o Natal dos McClane muda-se para um aeroporto em Washington, no não tão bom mas também bom Assalto ao Aeroporto. “Outra cave, outro elevador. Como é que a mesma merda acontece ao mesmo gajo duas vezes?” E que dizemos nós? “Yippee ki-yay!” M. V. Do Céu Caiu uma EstrelaO Natal está dentro de nósFrank Capra sempre disse que Do Céu Caiu uma Estrela (“It’s a Wonderful Life”) era o seu melhor filme e que o próprio realizador transformou em visionamento obrigatório para a sua própria família no Natal, “um grito de esperança para os desencantados e os desiludidos, os perseguidos e os espezinhados, os pobres e os deserdados”, como escreveu na autobiografia. É um filme que cristaliza a imagem de uma determinada América, uma cidade pequena onde toda a gente se conhece, com o seu diner, as ruas com casas baixas e jardins bem tratados, e o seu herói all-american, o homem sem defeitos corporizado no George Bailey de Jimmy Stewart, honesto e altruísta homem de família. Acabará como o homem mais rico da cidade, a fictícia Bedford Falls (que muitas cidades dos EUA já reclamaram ter sido a inspiração para Capra), mas haverá uma altura em que alguém lhe diz (um banqueiro) que vale mais morto que vivo. O altruísmo irá levar George Bailey a contemplar o suicídio por considerar que a vida de toda a gente ficará melhor sem ele. E é aqui que aparece o anjo, para lhe mostrar que a vida, afinal, é bela (“wonderful”, como diz o título original), qual Scrooge no Conto de Natal de Dickens. Impossível ser cínico em relação a este filme que só inspira bons sentimentos e que deixa um conselho bastante prático que continua a ser válido: não confiar demasiado nos bancos. M. V. “O Amor Acontece” 2003Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O Natal acontece – por todo o ladoVamos já tirar duas coisas do caminho. O Amor Acontece (Love Actually) é aquele filme de Natal em que Lúcia Moniz é a portuguesa que não fala inglês e o alvo de todos os afectos de um Colin Firth que não fala português. E é aquele filme de Natal em que um futuro matador de zombies chamado Andrew Lincoln (ainda sem barba) vive uma paixão secreta e não correspondida pela mulher do seu melhor amigo – e de certeza que muita gente fez a sua declaração de amor a passar cartões à porta da coisa amada. Basicamente, é uma sequela natalícia em vinhetas de Quatro Casamentos e um Funeral, o filme em que Richard Curtis passou de argumentista a realizador e que é, por enquanto, a maior contribuição do século XXI para essa categoria chamada “filmes de Natal”. É o filme que nos garantiu que o amor triunfa sempre, mesmo para o rapaz que enche a mala de preservativos e vai para a América para cumprir o seu sonho de seduzir uma rapariga americana (mas, claro, encontra o amor). Ou para os que ganham a vida como duplos de corpo em filmes eróticos. Ou para um primeiro-ministro que gosta de dançar sozinho na sua residência oficial e que se enamora pela rapariga que lhe serve o chá. Ou para a criança que se apaixona por uma coleguinha que vai partir no dia seguinte. Também ficamos a saber que, no Natal, haverá sempre um taxista que sabe um atalho para chegar mais depressa ao aeroporto, que será de evitar o balcão de loja onde Mr. Bean é o responsável pelos embrulhos, que há álbuns de Natal feitos só para ganhar dinheiro e que será sempre melhor oferecer um colar com um coração em vez de um disco de Joan Baez. Demasiado amor para um só filme? Está no título, ninguém vai ao engano. M. V.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Joana Mortágua: “Eu não engoli nenhum sapo nesta legislatura”
A dirigente bloquista que não gosta de rock - mas sim de fado – afirma que o Bloco poderá ir para o Governo mas só se existir um programa que combata os constrangimentos europeus. A convenção começa esta sexta-feira em Lisboa. (...)

Joana Mortágua: “Eu não engoli nenhum sapo nesta legislatura”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: A dirigente bloquista que não gosta de rock - mas sim de fado – afirma que o Bloco poderá ir para o Governo mas só se existir um programa que combata os constrangimentos europeus. A convenção começa esta sexta-feira em Lisboa.
TEXTO: Joana Mortágua diz que o PS mudou, após último congresso, sugere que tentou esfriar as relações com o Bloco de Esquerda, já a pensar na maioria absoluta. Mas garante que isso não influencia a atitude do BE na negociação do Orçamento do Estado (OE). O Bloco começa nesta sexta-feira a sua convenção, num momento baixo das suas relações com o PS. Como é possível estar a aprovar um Orçamento com quem têm agora uma relação no estado — para usar a linguagem do Facebook — “é complicado”?Sempre foi complicado e isso é ponto assente. Como é que chegámos aqui? Chegámos aqui aprovando quatro orçamentos que fizeram exactamente aquilo que o acordo prometeu que faria. Para avaliarmos o resultado final, temos que ter em conta as expectativas. Nunca houve expectativas de que algum dos partidos mudasse a sua natureza. Ninguém esperava que ao fim de quatro anos o PS se transformasse no Bloco de Esquerda. O acordo continua a ser cumprido, conseguimos devolver cinco mil milhões em rendimentos às famílias, houve uma interrupção do Governo da direita. Foi esse o caminho que nos trouxe aqui. A pergunta aqui é: este Orçamento interrompe esse caminho ou dá-lhe continuidade? Dá-lhe continuidade. Independentemente da leitura que o Partido Socialista possa ter feito sobre o papel deste acordo. Não é inédita a leitura de que o PS tentou esfriar as suas relações com o Bloco de Esquerda e publicamente diminuir o papel do Bloco de Esquerda por achar que isso o beneficiava nesse objectivo da maioria absoluta. Esse caminho foi construído desde o último congresso do PS, em que a maioria parlamentar foi absolutamente ignorada. Foi um discurso de auto-suficiência, é a estratégia do Partido Socialista, eles farão o que entenderem. Agora a nossa negociação do OE é independente disso. Temos um compromisso e foi por continuarmos a negociar que haverá melhorias na electricidade, pensões, manuais escolares gratuitos. Com que cara nos apresentaríamos ao país, se respondêssemos com birras às mudanças de atitude do Partido Socialista?Este OE de 2019 quase pode chegar a um superavit. . . O PS, a certa altura, criou um discurso crítico em relação ao Tratado Orçamental. A eleição de Centeno para o Eurogrupo acabou com qualquer expectativa de que pudesse vir do Partido Socialista a vanguarda da transformação europeia e o fim daqueles absurdos monetários impostos pelo Tratado Orçamental. Com o caminho que o PS fez não nos surpreende que Mário Centeno queira apresentar em Bruxelas um défice próximo de zero. Não estamos de acordo com isso, é por isso que o Bloco tem um programa diferente, é por isso que o Bloco se apresenta a eleições com um programa de Governo. Mas nas palavras da coordenadora, o BE não quer ir para o Governo com o PS como força minoritária. . . O que Catarina Martins disse — não me cabe interpretar as suas palavras, mas é o que vamos propor à convenção na moção que ambas subscrevemos — é que um governo de esquerda tem de ter duas condições: relações de força; e programa. Isto quer dizer que não basta fazer um xadrez de partidos, onde o Bloco de Esquerda troque políticas por lugares no conselho de ministros. Não é assim. O que nós pensamos é que um governo em que o BE participe tem que ser um governo que cumpre propostas importantes para o país e precisamos de uma relação de forças para que esse programa tenha condições de ser aplicado. Isso é o essencial. Perguntar se o BE participaria num governo PS que tivesse como objectivo congelar pensões, cortar salários ou ter políticas que diminuam os rendimentos das pessoas? Não, não participaria. . . Então está a dizer que o Bloco aceitaria sentar-se num Conselho de Ministros com o PS, desde que o PS não tenha como objectivo cortar pensões, que penso que não terá. . . Estava a dar exemplos. O Bloco propôs um programa de Governo e vai com ele a eleições. O BE está pronto para governar — e isso é o fim de um tabu —, se essa governação se fizer com um programa de governo de esquerda, de transformação económica do país, de recuperação social a níveis que este acordo não permitiu fazer, um programa que tem como condição o enfrentamento com as obrigações orçamentais de Bruxelas, porque, caso contrário, não existe. Portanto, o Bloco só entraria num governo, se tivesse a força que o Syriza teve na Grécia? O PS nunca abdicará das obrigações de Bruxelas, aliás, como o Syriza também não fez. O que nos cabe é propor ao país uma estratégia de crescimento com justiça social. Temos uma proposta de programa de governo e é com ela que vamos a eleições. Depois das eleições veremos que força é que cada proposta tem. O que temos dito é que não nos limitamos pelas possibilidades da “geringonça”. O nosso programa vai muito além do que o PS não foi capaz de fazer. Catarina Martins disse que não aprovava o OE2019, se não estivesse resolvida a questão dos professores. A situação não está resolvida e o BE vai aprovar o OE. O que Catarina Martins já disse, como eu já disse, é que não aprovaríamos uma norma que reconhecesse uma coisa diferente daquilo que foi aprovado no OE anterior. Não é esse o caso. O Governo terá consciência que aprovou já em Orçamento uma norma que não quer cumprir e agora decidiu impor um decreto-lei. A nossa responsabilidade é, quando esse decreto-lei for publicado, trazê-lo à Assembleia da República e tentar chumbá-lo. Esse é o nosso compromisso. Agora, há aqui um problema. O Governo escolheu o dia 5 de Outubro, que é o dia do professor, para publicar o decreto-lei. E ele continua não se sabe muito bem onde, a marinar, e ainda não o enviou para o Presidente da República. Quase parece que o Presidente da República e o Governo têm aqui alguma espécie de entendimento para impedir que o decreto-lei seja publicado antes do final da discussão do OE, na expectativa de criar alguma cortina administrativa para resolver aquilo que é um problema político. Se o Governo teve pressa em aprovar o decreto-lei, que tenha pressa em trazê-lo à Assembleia da República, porque nós temos pressa em chumbá-lo. E os professores também têm pressa. Mas como explicar aos professores que não puseram como condição neste OE a recuperação do tempo de serviço?Já foi aprovado. Dizer que não há uma lei orçamental que reconheça o tempo de serviço dos professores é errado. Estava a dizer que parece haver um entendimento entre o Governo e o Presidente sobre o decreto do tempo de serviço dos professores. Eu não sei se há um entendimento, o que sei é que estes processos costumam ser muito céleres. É verdade que não se sabe muito bem se o Presidente o vai promulgar ou não. Os professores têm feito apelos ao Presidente e o Presidente disse que “temos dos melhores professores do mundo”. Os melhores professores do mundo têm a carreira congelada há mais de uma década. Não me parece a melhor maneira de tratar os melhores professores do mundo. E isto está a tornar-se um problema para o Governo. Boaventura Sousa Santos disse no PÚBLICO que a capacidade da esquerda de engolir sapos tinha sido surpreendente. Eu não engoli nenhum sapo nesta legislatura. Foi a minha primeira legislatura e hei-de-me lembrar para sempre do momento em que votámos na Assembleia da República a perda de mandato de Pedro Passos Coelho. Estava uma multidão cá fora e eu e o José Soeiro saímos para cumprimentar a multidão, depois vieram os deputados do PCP, e naquele momento sabíamos que aquilo que tínhamos feito era histórico. Havia a percepção de uma nova maioria de Passos Coelho iria destruir o país. Eu não engoli sapo nenhum! E acho que ninguém à esquerda engoliu. Nós fizemos aquilo que era exigido pelo país e pela maioria dos eleitores. E aquilo que exigia, para mim, a minha consciência. A seguir a esse momento, votei a adopção por casais homossexuais, o aumento do salário mínimo, o aumento das pensões, votei a recuperação dos salários da função pública, o fim dos contratos de associação, votei um conjunto de coisas que foram importantes para o país. Portanto, eu não engoli sapo nenhum! E não tenho dificuldade nenhuma em explicar ao eleitorado do BE porque é que fizemos este acordo. A direita diz muitas vezes: “Vocês só se entenderam contra nós. ” E acham que há uma superioridade moral em dizer isto. É verdade! Para a minha geração, o Governo Passos Coelho foi traumático. Eu vi os meus amigos todos a saírem do país. Esquecer isto é não entender o que aconteceu no país nos últimos anos. É verdade que em primeiro lugar aquela maioria se formou para impedir a continuação da destruição do país e nesse processo decidiu fazer um programa de mínimos de entendimento. Ao meu eleitorado eu explico que esse programa de mínimos foi cumprido e que o Bloco de Esquerda quer um programa de máximos. Nós não existimos para um eterno programa de mínimos. E precisamos de força para ter um programa de máximos. Mas não há um risco de as mudanças que a “geringonça” permitiu serem “creditadas”, em termos eleitorais, só ao PS?Eu acho que o eleitorado distingue com clareza as coisas que o PS prefere aprovar com a direita. Aí, sim, podemos falar em engolir sapos. O PSD e o CDS que vociferam furiosamente contra a maioria parlamentar e contra o Governo, mas sempre que foi preciso manter o sistema do statu quo financeiro, a reforma administrativa, leis laborais, tiveram lá sempre a sustentar as posições. Sempre que o PS quis governar como a direita, governou com a direita. Isso o eleitorado distingue. A recuperação dos rendimentos e a recuperação da esperança é uma coisa que é atribuída a todos e distribuída um bocadinho por igual. E depois há um conjunto de matérias em que as pessoas percebem que o PS só foi mais longe, porque o BE ou o PCP, em conjunto ou em momentos separados, impuseram esse tipo de medidas. É o caso das pensões, da energia, dos manuais escolares, da vinculação extraordinária de professores, que não estavam no programa eleitoral do PS e algumas nem sequer estavam no acordo. É a irmã gémea de Mariana Mortágua, que teve uma ascensão súbita mal entrou no Parlamento, muito pela Comissão de Inquérito ao BES. Alguma vez se sentiu, na política, "a irmã da Mariana"?Já me senti a filha do Camilo [Mortágua], a irmã da Mariana e a filha da Inês. A Mariana também já se sentiu a irmã da Joana em alguns momentos e o Camilo já se sentiu o "pai das Mortáguas". Isto é tudo muito dinâmico, faz parte da nossa identidade, somos sempre qualquer coisa a alguém. Pouca gente sabe que gosta muito de fado. . . De onde vem essa paixão?Não sei. É muito provável que venha do meu avô. Os meus pais nunca ouviram muito fado, tínhamos um CD da Amália que tocava no carro às vezes. Eu tinha o hábito de ouvir os CD do meu avô, em particular o Frei Hermano da Câmara. É uma coisa incrível, porque o frei Hermano da Câmara tornou-se muito conhecido com aquele poema do Pedro Homem de Mello que é O Rapaz da Camisola Verde. Há um bocado do poema que ele não canta, que é o que mais denuncia o poema como um poema sobre a história de dois homens. É um poema sobre o amor homossexual. . . Sim. Achei engraçado o frei Hermano da Câmara cantar aquilo. É um grande fadista, Mas foi assim, a partir do meu avô. Mas depois por coincidência conheci um grande amigo meu que é fadista e comecei a andar mais pelas casas de fado. E a partir daí fiz amigos, comecei também a fazer um bocadinho parte daquele mundo que é absolutamente fascinante. Nós conseguimos passar horas só a falar de fado, como há pessoas que conseguem passar horas a falar de futebol. E eu vejo futebol, mas prefiro falar de fado. Não gosto de metal, não gosto de rock. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Não gosta de rock?Não gosto muito. Não gosto de punk, não gosto de coisas muito barulhentas. Mas há duas coisas de que eu gosto no fado: a estética e a guitarra portuguesa. E depois tem uma coisa: o fado é uma música verdadeiramente popular, sobretudo o fado de Lisboa. E enquanto música popular reflecte em cada momento o sentimento popular. Li aqui há dias um livro, O fado e os seus censores. O fado já passou por todo o tipo de censura e também pelo contrário: as elites condenarem o fado por cantarem a fraca moral das classes populares, as prostitutas, os aventureiros, os marinheiros, os bandidos. . . Fascina-me esta capacidade do fado de cantar o ambiente social popular. Vai quase todas as semanas a casas de fado?Não consigo ir todas as semanas, mas, se conseguisse, ia.
REFERÊNCIAS: