Como brincar com bonecas agrava o risco de pobreza na velhice
Mais escolarizadas do que os homens, as mulheres portuguesas estão em maioria na engenharia, na medicina, na magistratura. Mas, seja qual for a profissão, ganham sempre menos. A desigualdade de género, que chega a atingir os 600 euros, inculca-se no jardim-de-infância e redunda depois numa maior exposição à pobreza. (...)

Como brincar com bonecas agrava o risco de pobreza na velhice
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mais escolarizadas do que os homens, as mulheres portuguesas estão em maioria na engenharia, na medicina, na magistratura. Mas, seja qual for a profissão, ganham sempre menos. A desigualdade de género, que chega a atingir os 600 euros, inculca-se no jardim-de-infância e redunda depois numa maior exposição à pobreza.
TEXTO: Como é que o facto de nos jardins-de-infância as meninas brincarem com cozinhas e os meninos com foguetões contribui para a persistência de desigualdades penalizadoras para as mulheres e ajuda a que estas cheguem à velhice com reformas mais baixas e mais expostas ao risco de pobreza? A resposta está no estudo Igualdade de Género ao longo da Vida, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que é apresentado esta segunda-feira e que conclui, por exemplo, que, logo à chegada ao mercado de trabalho, as mulheres entram a ganhar menos e são mais frequentemente contratadas em regimes precários, apesar de se apresentarem mais escolarizadas e com currículos mais completos. “As diferenças salariais são brutais e absolutamente chocantes. Nas profissões menos qualificadas, chegam a ultrapassar os 200 euros, o que é muitíssimo porque estamos perante salários miseravelmente baixos”, adiantou Anália Torres, socióloga e coordenadora do estudo que aponta ainda disparidades salariais a rondar os 600 euros entre os representantes do poder legislativo e de órgãos executivos. À discriminação feminina no trabalho pago – as mulheres jovens têm um salário médio/hora de 5, 8 euros, contra os 6, 1 euros auferidos por eles – soma-se a sobrecarga nas tarefas do “cuidar”, da casa e dos filhos, às quais as mulheres dedicam o dobro do tempo. A discriminação e a sobrecarga feminina nos cuidados com os filhos e com a casa não é novidade, num país que remunerou sempre mais a função produtiva do que a reprodutiva. O que este estudo faz é mostrar, quantificando, que as desigualdades se impõem logo no início da idade adulta, entre os 15 e os 29 anos de idade. Aliás, este estudo distingue-se dos restantes porque, ao longo de mais de 400 páginas, sete investigadores mediram as desigualdades no arco temporal 2000-2016, numa perspectiva comparada com outros países europeus, em três diferentes fases da vida: até aos 29 anos; entre os 30 e os 49 anos de idade, altura em que homens e mulheres (mas mais as mulheres) correm entre o trabalho pago e os cuidados da casa e dos filhos, por isso chamada “rush hour of life”; e, por último, na fase tardia da idade activa, entre os 50 e os 65 anos. Apesar das gigantescas conquistas do século XX – em que, por via de inovações como a pílula contraceptiva, mas também de factores como a emigração masculina e até mesmo das guerras que empurraram as mulheres para fora do reduto doméstico e permitiram “a massificação dessa possibilidade de homens e mulheres terem vidas mais parecidas”, conforme sublinha Anália Torres –, as desigualdades de género persistem: “Quando comparamos os salários, as diferenças são brutais. ” Na rush hour of life, as disparidades salariais agudizam-se: elas ganham em média 10, 3 euros/hora e os homens 11, 4 euros. E, a partir dos 60 anos de idade, ainda mais: elas ganham em média 8, 93 euros/hora contra os 12, 88/hora auferidos pelos homens. Logo, prossegue a investigadora, “é bom que reconheçamos que o problema existe e que não é só na Arábia Saudita”. A diferença é que as desigualdades se tornaram mais subtis, reproduzindo-se num pano de fundo onde subjaz uma “desvalorização simbólica e material daquilo que as mulheres fazem e produzem e das suas capacidades, especialmente na dimensão produtiva e no espaço público”. E, mais do que isso, tendem a agravar-se ao longo da vida. “Uma mulher começa [entra no mercado de trabalho] logo em desvantagem, chega à fase da ‘rush hour’, ganha menos e continua a ser duplamente penalizada com o dobro do trabalho não pago e depois, na fase tardia, abandona o mercado de trabalho, não porque ficou desempregada ou chegou ao fim da carreira contributiva, mas porque tem de tomar conta dos pais ou dos netos. Descontou menos, porque ganhou menos, e acaba por ter uma reforma muito baixa também porque teve uma carreira contributiva mais curta. Logo, a probabilidade de as mulheres caírem na pobreza – e mesmo que não caiam, de terem um ganho suficiente para terem uma vida com dignidade – é muito maior. ”E onde é que tudo isto começa? No jardim-de-infância. “No pré-escolar, no recreio e na sala de aula, meninos e meninas vão ajustando o seu comportamento a uma visão normativa de género que também acentua diferenças e assimetrias entre géneros”, lê-se no estudo. “As pessoas tendem a achar que isso de haver brinquedos para meninas e brinquedos para meninos é uma questão menor, mas não: qualquer criança vai querer criar um sentido de pertença e adequar-se àquilo que acham que esperam dela, a assumir o seu papel em função do estereótipo. E se a mensagem que lhe passam vai no sentido de que o natural é que as meninas brinquem com cozinhas e com bonecas ela interioriza e incorpora, consciente ou inconscientemente, a ideia de que é natural serem elas a ocupar-se das tarefas domésticas, mesmo que aspirem a ser engenheiras ou físicas”, explica Anália Torres. Não surpreenderá tanto assim a constatação de que, entre os 15 e os 29 anos, Portugal bata, juntamente com Espanha, o recorde da assimetria entre o tempo que eles e elas investem no trabalho do cuidar – da casa e dos filhos: elas dedicam em média 32 horas por semana à casa e à família e eles apenas 17 horas. E esta aculturação adquirida na infância revela-se igualmente no momento de contratação para um emprego. “Em circunstâncias de igualdade de currículo, homens e mulheres contratam preferencialmente homens. Apesar de elas chegarem ao mercado de trabalho mais escolarizadas e mais preparadas do que eles, no momento da contratação a mulher é vista como potencialmente menos disponível para o trabalho. Mesmo que não haja filhos, a mulher será potencialmente mãe. É como se levasse uma marca na testa, enquanto o homem, mesmo tendo família, é encarado como alguém mais disponível porque tem um background de apoio, quase sempre uma parceira, para lhe fazer o trabalho doméstico. ”Isto ocorre apesar de a mobilidade educacional ascendente ser em Portugal “fantástica”. Sobretudo para elas. “Somos dos países da Europa que têm mais mulheres cientistas e em áreas como a informática e a matemática. E a maioria dos médicos não são médicos, são médicas. A maioria dos juízes não são homens, são mulheres. Ainda assim, vive-se essa contradição brutal entre o que é o desempenho objectivo das mulheres no mercado de trabalho e uma certa inércia acerca da imagem do que é uma mulher”, precisa a coordenadora da Unidade de Sociologia do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, para voltar ao tema da disparidade salarial: “É admissível que uma engenheira, por exemplo, ganhe menos 600 euros do que um engenheiro? Não é. ”No escalão etário seguinte, as portuguesas com filhos destacam-se por uma taxa de empregabilidade acima da média europeia: 80%, contra os 70% da União Europeia a 27. E, ainda assim, elas continuam a dedicar 18 horas por semana a cuidar da casa, contra as oito deles. Quanto ao cuidar da família, sobretudo filhos, a disparidade atenua-se ligeiramente nesta fase: eles passam 10 e elas 16 horas por semana. Na prática, “elas passam a vida a correr entre o trabalho e a casa”. “E como a mulher ganha efectivamente menos do que o homem, acaba também por achar normal assumir mais responsabilidades em relação à casa e aos filhos. Se o casal se dá bem, menos mal. Agora, se daí a alguns anos se separam, ela, que ficou agarrada e não foi promovida profissionalmente, fica prejudicada, enquanto ele está muito mais à vontade em termos de recursos. ”Esta divisão de papéis não é imperativo biológico nem algo a que o país esteja condenado. Como inverter o cenário? “Valorizando a dimensão do cuidar”, opina Anália Torres. “Mesmo em países como Portugal, que se destaca no contexto europeu pela ampla cobertura dos equipamentos de apoio à segunda infância, o aumento da participação masculina no cuidar, da casa e família, tem ainda investimento social e político a ser feito com o objectivo de promover a igualdade de género”, sugere o estudo. Na Suécia, por exemplo, a educação sexual chegou às escolas em 1958. “Isto ajuda a perceber por que é que os suecos têm indicadores de igualdade melhores do que os nossos”, reforça a socióloga. Voltando ao caso português, quando o olhar dos investigadores se foca no grupo dos 50 aos 65 anos de idade, o que sobressai é que as mulheres abandonam mais precocemente o mercado de trabalho. “Quase um quinto das mulheres está nesta fase da vida principalmente dedicada às responsabilidades familiares”, precisa o estudo. Quando se poderia esperar que, emancipados os filhos, as mulheres poderiam reinvestir nos seus projectos profissionais, a realidade puxa-as para cuidar dos ascendentes idosos ou dos netos, o que desemboca numa taxa de emprego entre os 50 e os 64 anos de idade que não vai além dos 53, 2%, no caso das mulheres portuguesas (64, 4%, no caso dos homens). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É certo que “a pressão para sair no mercado de trabalho por exigências familiares “não é sentida por todas as mulheres da mesma forma”. As que passaram pela universidade, por exemplo, tendem a manter-se nos seus empregos durante mais tempo. Porquê? “São situações que podem corresponder a salários mais elevados e à externalização da prestação de cuidados. ” Em média, porém, numa geração bastante menos escolarizada do que a juventude, o que prepondera é uma disparidade salarial entre eles e elas que se traduz no facto de elas ganharem em média 9, 85 euros por hora contra os 12, 19 euros auferidos por eles. Tudo conjugado, chega-se ao fim da idade activa com um marcado aumento do risco de pobreza que “é mais penalizador para elas”, apesar das melhorias dos últimos anos: em 2005 o risco de pobreza das mulheres portuguesas nesta fase da vida era de 30, 5%, em 2015 esse valor baixou para os 26%. E, tal como no jardim-de-infância, são elas quem mais se dedica à cozinha e às tarefas do cuidar. Quando se trata da família, por exemplo, elas despendem nisso 22 horas por semana e eles apenas seis. São 16 horas de diferença. Um recorde europeu.
REFERÊNCIAS:
Se a Manada sai à rua, nós também sairemos
A justiça continua a não proteger, a não representar e a invisibilizar metade da população: as mulheres. (...)

Se a Manada sai à rua, nós também sairemos
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A justiça continua a não proteger, a não representar e a invisibilizar metade da população: as mulheres.
TEXTO: A Espanha feminista voltou às ruas. Milhares de pessoas voltaram a ocupar o espaço público em dezenas de cidades espanholas para, colectivamente, afirmar a sua revolta, depois de o Tribunal de Navarra ter deliberado a liberdade condicional, mediante pagamento de fiança, dos cinco agressores sexuais integrantes do grupo La Manada. Muitas pessoas argumentarão que esta deliberação se trata de um mero procedimento judicial, o que é questionável, uma vez que compactua com um sistema que estruturalmente legitima a violência contra as mulheres. Simbolicamente, a estes cinco agressores sexuais foi-lhes dada a possibilidade de “comprar” a sua liberdade pela módica quantia de seis mil euros. Que mensagem é que esta deliberação traz implícita? Será esta decisão um sintoma de um sistema judicial em falência no que toca ao processamento judicial de casos de violência de género ou será antes um exercício de reafirmação patriarcal?Espero profundamente que se trate da primeira opção e que este caso, onde até o sofrimento da vítima é atenuado, seja um ponto de viragem para um sistema judicial sensível às questões de género e verdadeiramente justo. A forma como este caso tem sido conduzido demonstra claramente que a cultura da violação não é um mito: é uma realidade que continua a penalizar as mulheres pela sua própria vitimação sexual. Por esse motivo, a liberdade condicional dos cinco integrantes do grupo La Manada é uma má notícia para todas as mulheres que historicamente vêem as formas de violência que lhes são específicas serem menorizadas em espaço público e a sua voz colectiva ignorada. É também problemático o sentimento de vitória de um machismo reaccionário e tóxico, que afirma estes cinco agressores como mártires de uma conjuntura feminista radical e que procura os vídeos da violação grupal em websites de pornografia hegemónica. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Não resisto também a questionar se a alegada “normalidade” dos cinco agressores (andaluzes, “bons filhos”, trabalhadores de classe média) não lhes tem servido de atenuante, reafirmando que os actos criminais são típicos de minorias e de pessoas rotuladas de “desviantes”. Se os agressores fossem cinco imigrantes ou cinco utilizadores de drogas será que a justiça deliberaria da mesma forma?Finalmente, não é só em Espanha que estes casos acontecem. Em Portugal, o processamento judicial de casos que envolvem violência sexual sofre dos mesmos males, como tão contundentemente nos demonstra Isabel Ventura no seu livro Medusa no Palácio da Justiça ou uma História da violação sexual. É urgente rever a legislação, capacitar os tribunais e considerar uma perspectiva de género na tomada de decisão judicial de casos de violência de género. Enquanto isso não acontece, a justiça continua a não proteger, a não representar e a invisibilizar metade da população: as mulheres.
REFERÊNCIAS:
Mais de 80% dos polícias defendem que prostituição deve ser legalizada
Estudo analisou as percepções de agentes policiais sobre quem se prostitui. A maioria declarou sentir pena, sobretudo quando a prática daquela actividade procura colmatar carências financeiras. (...)

Mais de 80% dos polícias defendem que prostituição deve ser legalizada
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.5
DATA: 2014-12-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estudo analisou as percepções de agentes policiais sobre quem se prostitui. A maioria declarou sentir pena, sobretudo quando a prática daquela actividade procura colmatar carências financeiras.
TEXTO: A prostituição devia ser legalizada, segundo 82% dos polícias inquiridos num estudo apresentado esta quarta-feira, em Coimbra, durante as I Jornadas Científicas sobre Trabalho Sexual em Portugal. A necessidade de garantir maiores condições de segurança aos trabalhadores sexuais e os benefícios daí decorrentes ao nível da saúde pública são dois dos principais argumentos pró-legalização, segundo o estudo Percepções de Polícias sobre a Prostituição feito por Sofia Matias, no âmbito do mestrado integrado de Psicologia, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. A amostra é reduzida. Abrangeu 34 agentes, a trabalhar em média há cerca de 21 anos, no Porto e em Vila Nova de Gaia, dos quais a maioria com o secundário completo. A maioria (79%) mostrou conhecer a legislação portuguesa sobre a prostituição, a qual, não sendo crime, também não está legalizada. Apesar disso, 15% dos agentes inquiridos consideraram que tanto a prostituição como a sua exploração são crime. “O conhecimento insuficiente da lei verificado num pequeno número de polícias pode conduzir a erros na sua intervenção em situações que não são verdadeiramente crime”, alerta a autora do estudo, para concluir pela necessidade de garantir a formação contínua dos agentes no que concerne estas questões. Entre os que defenderam a legalização da prostituição, houve quem aludisse à aceitação da actividade como profissão, usando argumentos relacionados com direitos laborais e civis. A possibilidade de os trabalhadores do sexo fazerem descontos para a Segurança foi também defendida por vários inquiridos, a par dos benefícios que tal legalização poderia trazer para o Estado por via de contribuições e impostos. A necessidade de controlo das pessoas envolvidas na actividade foi outro dos motivos aduzidos a favor da legalização, com vários agentes a defenderem a existência de espaços próprios e devidamente identificados para se praticar a prostituição, com o devido controlo sanitário. “Se houver casas próprias para a actividade, as autoridades conseguem controlar melhor as pessoas que estão envolvidas”, justificou um agente. Considerando que o estatuto da prostituição “ainda é um pouco obscuro, uma vez que é despenalizada mas não é legal, nem aceite como profissão”, Sofia Matias conclui que “talvez esteja na altura de se ponderar fazer uma revisão” da lei para dar aos trabalhadores do sexo “a protecção e os direitos que lhes são negados”. A tese não é nova e ganhou nova força discursiva, quando, em Junho, o Instituto Nacional de Estatística anunciou que a prostituição ( mas também o tráfico e o contrabando) passarão a contar para o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB). Actualmente, a prostituição não é legal nem ilegal. Simplesmente, não existe na lei. Recorrer a uma prostituta também não é crime. O único criminoso é aquele que instiga a prostituição visando obter proveitos. Nem sempre foi assim. Em 1853 foram criados vários regulamentos sanitários de meretrizes que impunham a obrigatoriedade de matrícula e o porte de um livrete individual de registo de inspecções periódicas. Só em 1962 é que a prática foi proibida. O que “não veio melhorar as condições sanitárias nem morais da população”, segundo lembra Sofia Matias, antes deixou as prostitutas “mais desprotegidas e mais vitimizadas”. Em 1983 a prostituição foi despenalizada e o lenocínio, esse sim, tipificado como crime, “com o intuito de evitar o fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição”. Porém, apesar das mudanças na lei “as atitudes moralistas e o controlo social e policial continuam a existir, ainda que de forma subtil”. Por parte da própria polícia, aliás, entre cujos agentes prepondera uma visão negativa da actividade. Questionados quanto aos sentimentos que experimentaram no contacto com quem se prostituía, a maioria dos agentes declarou sentir pena. “A compreensão surge apenas uma vez”, analisa a autora. Da análise das respostas dadas, Sofia Matias conclui que as concepções da polícia sobre quem se prostitui variam consoante os motivos que levaram alguém à prostituição. “Se esses motivos forem considerados válidos pela polícia, a pessoa que se prostitui é compreendida e desculpabilizada”. Porém, se o polícia considerar que os motivos são fúteis ou injustificáveis, “há uma culpabilização ou condenação moral”. E também há diferenças género a assinalar na percepção dos polícias: os agentes tenderam a desculpabilizar mais as mulheres que se prostituem do que os homens. Porquê? A prostituição masculina é mais vezes associada a luxuria ou a tendências homossexuais, “enquanto a prostituição feminina é mais relacionada com questões de carência financeira”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime direitos homens lei educação social prostituição sexo género estudo sexual mulheres feminina ilegal prostituta
Porto recebe centro de apoio para vítimas de violência sexual
Será o segundo do país e tentará dar uma “resposta digna” a mulheres que sobreviveram a violações. No de Lisboa, só num ano, foram atendidas 51 pessoas que foram alvo de violência na capital e arredores. (...)

Porto recebe centro de apoio para vítimas de violência sexual
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Será o segundo do país e tentará dar uma “resposta digna” a mulheres que sobreviveram a violações. No de Lisboa, só num ano, foram atendidas 51 pessoas que foram alvo de violência na capital e arredores.
TEXTO: A partir da próxima semana, o Porto vai ter um centro de apoio especializado a mulheres vítimas de violência sexual, o segundo do país. O projecto EIR — Emancipação, Igualdade, Recuperação, coordenado pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), será apresentado na quinta-feira, durante o seminário “Violência Sexual nas Relações de Intimidade”, no Instituto Universitário da Maia (ISMAI). Este novo serviço especializado, o segundo do país dirigido a mulheres — o primeiro nasceu no início de 2017 em Lisboa, a cargo da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV) — tentará dar uma “resposta digna” a mulheres que sobreviveram a violações, com uma equipa técnica “especializada e multidisciplinar”, preparada para prestar atendimento psicológico, social e jurídico. O projecto EIR estará preparado para atender mulheres que “em algum momento das suas vidas foram vítimas de algum tipo de violência sexual”, explica a responsável pelo novo serviço, Ilda Afonso, com experiência de vários anos no atendimento a vítimas de violência doméstica (VD). “Já tínhamos aqui no centro de atendimento [a vítimas de VD, da UMAR] algumas situações de violência sexual, sabemos que uma grande parte das vítimas de violência sexual são vítimas por parte de familiares, conhecidos, amigos”, recorda. “Mas é importante que existam centros especializados em violência sexual, são fenómenos diferentes, a intervenção não é a mesma. ”A AMCV publicou em 2015, no âmbito do projecto “Novos desafios no combate à violência sexual”, guias de bolso sobre violência sexual, dirigidos a vítimas e a profissionais, que estão disponíveis também na Internet. Aí explica-se, por exemplo, que, em situação de emergência, as vítimas podem chamar a polícia ou a ambulância através do 112. Que nas urgências, serão prestados os cuidados de saúde necessários, incluindo tratamento para infecções sexualmente transmissíveis ou acesso à contracepção de emergência. E que ao revelar que foi vítima de violação, esta “tem direito a receber apenas o tratamento médico e rejeitar fazer o exame médico-legal, caso seja essa a sua vontade”. Contudo, se pretender apresentar queixa-crime, “é aconselhável apresentar prova”. Este exame é feito pelo Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), até 72 horas após a violação. Além das delegações do INML, há 30 gabinetes médico-legais instalados em hospitais por todo o país. No caso de maiores de idade, a violação é um crime semipúblico, o que significa que só será investigado se a vítima apresentar uma queixa — o que pode ser feito no prazo de seis meses junto de qualquer órgão de polícia criminal, no tribunal ou no INML. É importante notar que “a violência sexual pressupõe não ter existido consentimento”, e isso deve estar claro na queixa. “De uma forma geral, as sobreviventes descrevem o que o agressor lhes fez, mas raramente o que elas próprias fizeram, sentiram ou o que pensaram, ou seja, como resistiram, como sobreviveram à agressão. ”O processo de recuperação do trauma pode ser longo e algumas organizações dispõem de serviços de apoio: Associação de Mulheres Contra a Violência; Associação Portuguesa de Apoio à Vítima; Associação para o Planeamento da Família; União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR); Associação Quebrar o Silêncio (homens) e Centro Gis (LGBT). Centros de apoio especializado em violência sexual são referidos em compromissos internacionais assinados por Portugal no âmbito da protecção dos direitos das mulheres, como a Convenção CEDAW, da ONU, e a Convenção de Istambul, do Conselho da Europa. A recomendação deste último, aliás, é que haja um centro deste tipo para cada 200 mil mulheres. A proposta para a criação do centro de crise da AMCV para vítimas de violência sexual em Lisboa, que arrancou em Janeiro do ano passado, surgiu precisamente depois da última avaliação da Comissão CEDAW, “em que as Nações Unidas disseram a Portugal que era preciso implementar os centros de crise”, conta Margarida Medina Martins, fundadora da organização. Durante o primeiro ano de funcionamento, o projecto-piloto (apoiado pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria de Estado da Igualdade) apoiou “51 vítimas sobreviventes directas de violência sexual da Área Metropolitana de Lisboa”. A maioria das mulheres está nas faixas entre 18-30 anos e 51-60 anos, e cerca de 60% das sobreviventes tinham ou tinham tido uma relação de intimidade com os agressores — 94% dos quais eram homens. Mas a AMCV, que apoia vítimas de violação há mais de duas décadas, suporta os custos de atender também mulheres do resto do país. “Souberam que estávamos a dar apoio nesta área, e portanto no total estaríamos a falar de cem mulheres”, diz-nos Margarida Medina Martins. "O facto de ter aumentado a visibilidade sobre o tema, de se saber que há agora uma resposta nova em Portugal nesta área, faz com que as pessoas avancem para perguntar como é que é". Não é à toa que a violência sexual surge enquadrada como uma forma de violência de género contra as mulheres. No ano passado, de acordo com o último Relatório Nacional de Segurança Interna, a esmagadora maioria (90, 7%) das participações por violação foram feitas por mulheres. E 99, 2% dos arguidos eram homens, mais de metade dos quais tinham uma relação familiar ou de conhecimento com a vítima. São números expressivos que mostram que a violência sexual afecta as mulheres de forma desproporcional, o que não significa que seja menos importante apoiar as vítimas do sexo masculino: em Portugal, para além destes dois serviços dirigidos a mulheres, existe também desde o início de 2017 uma resposta especializada para homens vítimas de violência sexual. Fica em Lisboa, a cargo da associação Quebrar o Silêncio, que também tem visto crescer o número de pedidos de apoio. E o que recebem as vítimas nos centros da AMCV e da UMAR? Para começar, apoio jurídico. “Se eu não fiz queixa quando fui violada, ainda vou a tempo de fazer? Se eu fizer queixa, qual é a protecção que tenho? É um crime público ou é um crime semipúblico?”, são algumas das perguntas enumeradas por Alberta Silva, coordenadora do centro de atendimento da AMCV. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas, tal como a resposta que agora abre no Porto, o centro da AMCV está preparado para atender também vítimas de violações que aconteceram há muitos anos, ajudando-as a lidar como trauma. “O centro de crise vem também para estas pessoas, porque se pode entrar em crise em qualquer altura da vida, nem que seja 60 anos depois”, conta Margarida Martins. E mesmo nos casos de apoio a vítimas de crimes recentes, diz-nos Alberta Silva, “depois há todo um acompanhamento”. O tempo é um ponto crítico para as vítimas de violência sexual. Actualmente, a lei dá um prazo de seis meses para que seja apresentada queixa. “Para mim, os crimes de violência sexual não deviam prescrever”, diz Margarida Medina Martins. "A questão é que, para as sobreviventes, uma coisa é aquilo que acontece agora, outra coisa é o timing em que ela é capaz de estar em condições de falar, ou estar suficientemente protegida ou segura para dizer 'é agora que eu quero fazer queixa'. "
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Girls just wanna have power: duas novas ministras é bom, mas não chega
Em Portugal as mulheres até podem entrar no governo, desde que devidamente enquadradas por testosterona ministerial. (...)

Girls just wanna have power: duas novas ministras é bom, mas não chega
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.278
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em Portugal as mulheres até podem entrar no governo, desde que devidamente enquadradas por testosterona ministerial.
TEXTO: O XXI Governo Constitucional começou com apenas quatro ministras, de um total de 17. Há cerca um ano, esse número baixou para três, com a saída de Constança Urbano de Sousa e a entrada de Pedro Siza Vieira. A recente remodelação levou à saída de quatro ministros e à entrada de duas ministras e um ministro. A percentagem de mulheres aumentou, felizmente, mas ainda não foi desta que atingimos a média de 30% da União Europeia!Segundo o Instituto Europeu para a Igualdade de Género, Espanha e Suécia são os únicos países com mais ministras do que ministros. Há outros países, como França, Dinamarca, Alemanha, Eslovénia e Islândia, onde as mulheres representam mais de 40% do Conselho de Ministros. Na União Europeia, a campeã da desigualdade de género é a Hungria, com apenas 7% de mulheres em posições ministeriais. Quando incluímos posições executivas menos relevantes, o equivalente das secretarias de Estado, a representação feminina aumenta na maior parte dos países, chegando a cerca de 30% em Portugal. Portanto, as mulheres até podem entrar no governo, desde que devidamente enquadradas por testosterona ministerial. A mesma testosterona deve explicar esta afirmação da OCDE, de 2016: “As mulheres são raramente nomeadas para ministérios com maior poder de decisão (Finanças, Defesa, etc. ) que estão associados a noções de masculinidade. ”A falta de poder feminino não se limita aos cargos políticos. Em Março de 2016, a OCDE organizou em Paris a conferência Melhorar o Acesso das Mulheres à Liderança, cujo relatório se divide em duas partes, dedicadas às lideranças pública e corporate. As empresas do PSI 20 tinham apenas 11% de mulheres na administração, em 2015, enquanto as empresas cotadas da Noruega, França e Finlândia tinham 36%, 33% e 30% de mulheres nos respetivos boards. Destes três países, apenas a Finlândia não tem uma política de quotas, introduzidas na Noruega em 2003 e em França em 2011. Em Portugal, a lei que impõe uma quota de um quinto de mulheres na administração das empresas cotadas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2018, mas até agora não surtiu efeitos: a 30 de Julho, o Expresso noticiava que apenas 57 do total de 399 administradores eram mulheres. Há uma razão de princípio para nos preocuparmos com a falta de mulheres em cargos de poder: se estas representam 53% da população portuguesa em 2017, é improvável que seja apenas por falta de interesse ou vontade que não cheguem a 20% nos cargos de poder. Mas há outras razões, igualmente importantes. Na Índia, a política de quotas imposta em 1993 para os governos locais não os afetou a todos igualmente. Uma comparação entre os executivos locais com quotas de género e os restantes permite concluir que os primeiros implementaram mais projetos de infra-estruturas básicas, como o fornecimento de água potável. Podemos argumentar que esta realidade é específica de um país em vias de desenvolvimento, mas não podemos descartar que mais mulheres no poder levassem, por exemplo, a políticas que melhorassem o equilíbrio entre a vida familiar e o trabalho. A mesma política de quotas levou, poucos anos mais tarde, a que mais mulheres tivessem participação cívica e política e a uma mudança nas atitudes dos eleitores em geral relativamente à eficácia das mulheres enquanto decisoras políticas — ou seja: as quotas combatem os estereótipos negativos de género. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pela mesma razão, termos pela primeira vez uma homossexual assumida, Graça Fonseca, como ministra é certamente uma ótima notícia para a democracia. Mas há mais. Investigação recente sobre as quotas de género nos governos locais em Itália e na Suécia mostra que estas aumentaram o nível de educação dos eleitos locais. Não só as mulheres que entram na política têm níveis de educação elevados, como dão origem à saída dos homens com menor qualificação. Isto sugere que os políticos do sexo masculino recrutam homens medíocres para manter fechado o circuito do poder, em detrimento de mulheres mais qualificadas e que a via legislativa atenua este mecanismo perverso. Melhorar a representação das mulheres não é o único desafio. Por falta de dados oficiais, não sabemos sequer que percentagem de jovens de etnias minoritárias chegam ao ensino superior em Portugal. Conhecer a sua representação em lugares de poder é uma miragem longínqua. E, no entanto, como no caso das mulheres, uma luta tão necessária à qualidade da democracia. A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico
REFERÊNCIAS:
Entidades OCDE
The Handmaid’s Tale escolhe a revolução — mas terá caído na espiral do aborrecimento?
À terceira temporada, a protagonista June troca a fuga pela luta em defesa das mulheres e em prol da queda do regime. A série distópica que transforma os Estados Unidos numa teocracia autoritária machista continua urgente e relevante, mesmo com a crítica a denunciar um enredo repetitivo e monótono. (...)

The Handmaid’s Tale escolhe a revolução — mas terá caído na espiral do aborrecimento?
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-06-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: À terceira temporada, a protagonista June troca a fuga pela luta em defesa das mulheres e em prol da queda do regime. A série distópica que transforma os Estados Unidos numa teocracia autoritária machista continua urgente e relevante, mesmo com a crítica a denunciar um enredo repetitivo e monótono.
TEXTO: Num sistema que oprime as mulheres, é delas que parte a luta — pelo menos é assim na nova temporada de The Handmaid’s Tale. Quase um ano depois do final agridoce do segundo capítulo, os três primeiros episódios da terceira temporada ficarão disponíveis no serviço de streaming NOS Play esta quinta-feira, 6 de Junho – um dia depois da estreia nos Estados Unidos na plataforma Hulu, que não opera em Portugal. Mesmo antevendo uma revolução, a história tem sido acusada de se enrolar sobre si mesma e de ter caído numa espiral de aborrecimento e de repetição. Nas duas temporadas anteriores, o enredo focou-se sobretudo no sistema em torno das servas, as handmaids, mas há agora um vislumbre do poder camuflado e organizado das Marthas (escravas que tratam das lides domésticas nas mansões dos grandes senhores) e dos movimentos de resistência. O ritmo monótono dos três primeiros episódios a que o PÚBLICO assistiu não deixa clara esta revolução profetizada no trailer, a não ser nas acções subentendidas das protagonistas June (Elisabeth Moss) e Serena (Yvonne Strahovski). Ao todo, são 13 episódios, tal como na segunda temporada (na primeira foram dez). É uma narrativa que se tornou “frustrantemente repetitiva”, descreve a Hollywood Reporter: “Nos primeiros seis episódios (. . . ) há um sentimento de que a série não tem nada de novo para dizer. ” Também o Washington Post defende que se tornou difícil para a série encontrar um ritmo que seja simultaneamente “consistente e interessante”, e que ela acaba por cair no poço do aborrecimento. “Os episódios muitas vezes entram no terreno do verdadeiramente enfadonho, dando voltas longas e redundantes em torno da sua premissa original. ” Essa premissa é ainda bem visível nas performances dos actores, nas cenas longas e recheadas de close-ups, na história que fica nas entrelinhas. Apesar das críticas que brotaram ainda durante a exibição da segunda temporada, o sucesso de The Handmaid's Tale é incontestável e a Hulu revelou que o número de espectadores duplicou de 2017 para 2018. De resto, há um mérito que não se pode tirar-lhe: foi a primeira série de um serviço de streaming a receber o importante Emmy de Melhor Série Dramática, em 2017. Nesta série inspirada no livro homónimo, originalmente publicado em 1985, da escritora canadiana Margaret Atwood, os Estados Unidos como os conhecemos hoje não existem mais: a democracia deu lugar a Gilead, uma teocracia totalitária machista que escraviza as mulheres férteis para que sirvam nas casas dos homens no poder, engravidando-as e arrancando-lhes os filhos recém-nascidos dos braços. Depois de uma queda a pique da taxa de nascimentos saudáveis, deixa de importar o que estas mulheres eram antes: enfermeiras, professoras, investigadoras, escritoras — e até ler é proibido. Neste mundo de “ficção especulativa”, os homossexuais são executados por traição, os cidadãos são espiados, os “criminosos” são enviados para colónias radioactivas de trabalho forçado, as mulheres não têm direitos nem liberdade de expressão e são vítimas de exploração, abuso e de violência. Até a autora do livro considerou que uma das cenas da série era “demasiado perturbadora”, sobretudo por ser um reflexo da própria História. O Canadá continua a salvo da opressão e é para lá que todas tentam fugir. Sem intervenção internacional, a revolução parte agora de dentro da República de Gilead. Os opositores confiam em aliados poderosos e no que resta de boa vontade alheia para escapar ao sistema de opressão. Mais do que escapar, importa deitá-lo abaixo. Estes resistentes, sobretudo mulheres, tornar-se-ão “pesadelos” — e tem-se dado ainda mais força à expressão “não deixes que os sacanas te deitem abaixo” (nolite te bastardes carborundorum, em latim macarrónico). “Um dia, quando estivermos prontas, vamos caçar-vos. Fiquem à espera”, antevê June, na frase que termina o terceiro episódio. A terceira temporada continua a ser narrada pela protagonista June — cujo nome de serva passou de Offred a Ofjoseph —, reflectindo-lhe os pensamentos que, à semelhança do que acontece no 1984 de George Orwell e noutras narrativas distópicas, são dos únicos lugares livres num regime de opressão. A meio da temporada, haverá uma visita ao coração do regime – a capital de Gilead, antiga Washington DC democrática –, onde o sistema é ainda mais fundamentalista e as regras ainda mais apertadas. Até o Monumento de Washington foi transformado numa cruz branca gigante. “É Gilead em esteróides”, brinca o produtor-executivo Warren Littlefield. Nesta terceira temporada (tal como na segunda), o enredo da série produzida por Bruce Miller vai já longe da obra original, que em Portugal teve dois títulos: Crónica de uma Serva e o mais recente A História de uma Serva. Para Setembro está marcado o lançamento da sequela literária que, segundo a autora, hoje com 79 anos, retrata os acontecimentos 15 anos depois da acção temporal do primeiro livro. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Três décadas após a publicação deste romance distópico, a sua história tornou-se um símbolo de resistência feminista, coincidindo também com a chegada ao poder do Presidente norte-americano, Donald Trump, e com o movimento de denúncia #MeToo, integrado na nova vaga de luta pela igualdade de género. Tem sido considerada “mais relevante do que nunca” – para que não se caia, no futuro, nos erros do passado. Tanto que muitas manifestações se têm apropriado das vestes vermelhas das servas da série como símbolo de opressão: viram-se, por exemplo, nos protestos contra a proibição do aborto no estado norte-americano do Alabama, mesmo em casos de violação e incesto. “Isto não é uma cena de The Handmaid's Tale. Isto está a acontecer no Alabama, no nosso país, no ano 2019”, comparou a senadora Kamala Harris. Numa entrevista ao jornal britânico The Guardian, também a actriz (e produtora-executiva) Elisabeth Moss deixa as alegorias (do aborto ou da liberalização das armas) de lado: “Isto está a acontecer na vida real. Acordem”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto direitos homens violência violação igualdade género mulheres abuso feminista
Nos municípios a igualdade vai ter (mesmo) que sair do papel
Nova geração de protocolos para a igualdade de género exige maior compromisso na execução de medidas. “A promoção da igualdade não pode ficar acantonada no domínio da acção social”, sublinha a secretária de Estado para a Igualdade. (...)

Nos municípios a igualdade vai ter (mesmo) que sair do papel
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nova geração de protocolos para a igualdade de género exige maior compromisso na execução de medidas. “A promoção da igualdade não pode ficar acantonada no domínio da acção social”, sublinha a secretária de Estado para a Igualdade.
TEXTO: O Governo anunciou nesta quarta-feira uma nova geração de protocolos com as autarquias no âmbito da igualdade de género, que exigem um maior compromisso na execução de medidas. A revisão do modelo de protocolo entre a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) e os municípios foi anunciada pela secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, no Encontro Nacional do Dia Municipal para a Igualdade, em Lisboa. Até hoje, foram assinados 188 protocolos de cooperação entre a CIG e autarquias, onde se incluem 179 protocolos para a igualdade e não discriminação e nove acordos intermunicipais, vocacionados para a violência doméstica. “Estes planos têm que se traduzir em acção, têm que sair do papel”, frisou a governante. “Muitas vezes os protocolos demonstram uma vontade de intervenção, mas nem sempre isso se concretizava plenamente, até porque alguns municípios tinham dificuldade em perceber o que fazer e como fazer. ”Respeitando a autonomia dos municípios, sublinha Rosa Monteiro, este é um “trabalho que tem que ser feito em rede”. Dando como exemplo a intervenção que é feita a nível do apoio a vítimas de violência doméstica, que exige rigor do ponto de vista técnico, reforça que as respostas dos municípios “têm que estar integradas e articuladas”. Há ainda um “desconhecimento sobre o que os outros fazem”, nota a secretária de Estado, anunciando que a CIG vai lançar uma plataforma para monitorização dos planos municipais onde estes poderão partilhar boas práticas e procurar recursos — “ferramentas para um diálogo mais intenso, mais articulado” —, fornecendo também dados sobre a aplicação dos respectivos planos. Os novos protocolos têm um período de vigência de quatro anos e seguem uma abordagem abrangente, em linha com a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação, desde áreas como a educação e o emprego às questões da violência doméstica e das discriminações múltiplas em razão do género, etnia, idade ou orientação sexual. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Sem avançar valores concretos, a governante afirmou que até ao início de 2019, no âmbito do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego, serão lançados apoios específicos para o desenvolvimento dos planos municipais associados a estes protocolos, assim como para o reforço da formação de “públicos estratégicos”, em domínios como a educação ou o apoio social. No âmbito dos EEA Grants, haverá financiamento para projectos dos municípios para a capacitação de mulheres para a “participação política, cívica e económica”. O objectivo é tornar esta abordagem transversal, e por isso sectores “não clássicos na área de intervenção da igualdade”, como a habitação, segurança, transportes, saúde e desporto, também serão chamados para esta intervenção articulada. “A promoção da igualdade e da não discriminação não pode ficar acantonada no domínio da acção social”, sublinhou a secretária de Estado na sessão, que terminou com o anúncio dos prémios Viver em Igualdade, que este ano distinguiu os municípios de Cascais, Guimarães, Lagoa, Oliveira de Azeméis e Seixal por boas práticas na integração da dimensão da igualdade na intervenção autárquica.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência educação social igualdade género sexual mulheres doméstica discriminação
A história da violência sexual nos tribunais portugueses vence prémio Maria Lamas
Isabel Ventura analisou os crimes de violência sexual contra mulheres nos tribunais portugueses. Agora, a socióloga espera que a distinção contribua para que seja possível "reflectir e melhorar os mecanismos de apoio às vítimas". (...)

A história da violência sexual nos tribunais portugueses vence prémio Maria Lamas
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.4
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Isabel Ventura analisou os crimes de violência sexual contra mulheres nos tribunais portugueses. Agora, a socióloga espera que a distinção contribua para que seja possível "reflectir e melhorar os mecanismos de apoio às vítimas".
TEXTO: O Prémio Maria Lamas de 2018 para estudos sobre a mulher, género e igualdade foi atribuído a Isabel Nunes Ventura, pelo seu trabalho Medusa no Palácio da Justiça: imagens sobre mulheres, sexualidade e violência a partir dos discursos e práticas judiciais, anunciou a Câmara Municipal de Torres Novas, responsável pelo concurso. Este texto corresponde à tese de doutoramento em Sociologia da autora, tal como está previsto nos critérios do prémio, e foi apresentada em 2016 no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. Para esta pesquisa, Isabel Nunes Ventura analisou, desde o século XIX até à data, a história da violência sexual nos tribunais portugueses e chegou à conclusão que existem ainda muito mitos e condicionantes na forma como as vítimas de crimes sexuais são tratadas no sistema jurídico-legal, principalmente quando são mulheres. O júri, constituído por Inês Brasão (vencedora da primeira edição do prémio), Virgínia Baptista (vencedora do prémio em 2016) e Miguel Vale de Almeida, investigador sobre questões de género e sexualidade que integra o painel de júris desde o primeiro ano, foi unânime. Para Isabel Ventura, este prémio "significa uma enorme honra e privilégio", sobretudo porque já homenageou outras investigadoras cujo trabalho admira, revela a socióloga ao PÚBLICO. Este prémio significa também reconhecimento, isto porque "as áreas relacionadas com os estudos sobre as mulheres, de género e feministas são vistas muitas vezes como áreas menores e, obviamente, todas as iniciativas que visem o reconhecimento e dar credibilidade aos trabalhos e aos processos relacionados com essa área são boas", explicou. O trabalho tinha sido já publicado em livro pela Tinta da China em Abril, depois de ganhar o Prémio APAV para a Investigação em Dezembro de 2016. A autora, que considera "sem dúvida" que ainda há muito a mudar na sociedade em relação à violência das mulheres, espera que esta distinção ajude no processo de mudança e que, conjugada com outros factores, possa trazer este tópico para a agenda mediática. "Espero que este trabalho seja um contributo para nós enquanto sociedade e para diferentes sectores sociais que interferem ou impactam mais com os crimes relacionados com a violência sexual", através de uma abordagem sociojurídica. "Um contributo para um maior conhecimento, para que possamos reflectir e melhorar os mecanismos quer de apoio às vítimas de crimes quer aos processos relacionados com percepções de justiça", conclui. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O prémio Maria Lamas, atribuído a cada dois anos e com um valor monetário de três mil euros, é promovido pelo município de Torres Novas. Tal como o nome indica, é uma homenagem a Maria Lamas (1893-1983), jornalista, escritora e lutadora pelos direitos das mulheres portuguesas, natural de Torres Novas, "uma figura extremamente importante na área de estudos sobre as mulheres e dos estudos feministas que desempenhou um papel tão importante em tantas áreas", diz ao PÚBLICO Isabel Ventura ao mesmo tempo que congratula a autarquia pela iniciativa que, na sua opinião, se devia repetir noutros locais do país. A concurso nesta edição de 2018 estiveram 25 trabalhos validados nos dois anos anteriores. A cerimónia de entrega vai realizar-se no próximo dia 8 de Julho na Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, em Torres Novas. O prémio, lançado pela autarquia em 2011, para distinguir estudos sobre a mulher e a igualdade correspondia inicialmente a um prémio de dez mil euros com comparticipação comunitária mas o valor foi alterado depois de a câmara ter sido alvo de críticas por não pagar o valor às duas premiadas da primeira edição. Texto editado por Bárbara Wong
REFERÊNCIAS:
Primeira mulher multada na Dinamarca por usar véu integral em público
Lei aprovada em Maio, apesar dos protestos da oposição e de organizações de direitos humanos, entrou em vigor nos primeiros dias de Agosto. Muçulmana terá de pagar 130 euros. (...)

Primeira mulher multada na Dinamarca por usar véu integral em público
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.199
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Lei aprovada em Maio, apesar dos protestos da oposição e de organizações de direitos humanos, entrou em vigor nos primeiros dias de Agosto. Muçulmana terá de pagar 130 euros.
TEXTO: Uma mulher de 28 anos tornou-se a primeira a ser multada na Dinamarca por usar um niqab, um tipo de véu que tapa quase por completo a cara, deixando apenas os olhos a descoberto. Estava a fazer compras num centro comercial de Horsholm, a norte de Copenhaga, quando uma mulher lhe tentou arrancar o véu da cara, seguindo-se uma luta entre as duas. Foi na sequência da luta que a polícia foi chamada ao local. “Enquanto lutavam ficou sem o niqab, mas quando chegámos já o tinha posto outra vez”, disse David Borchersen, responsável policial, à agência de notícias dinamarquesa Ritzau. Depois de a terem fotografado e de terem em seu poder cópias das imagens do incidente recolhidas pelas câmaras de videovigilância do centro comercial, as autoridades comunicaram à mulher que usava o véu que receberia pelo correio uma multa equivalente a 130 euros e deram-lhe a escolher – ou retirava o véu e deixava a cara visível ou abandonava o espaço público. Ela preferiu a segunda opção. Foi sob proposta do Governo de centro-direita que o Parlamento dinamarquês proibiu no final de Maio o uso de véu integral islâmico em espaços públicos, uma decisão que foi criticada pela oposição e por organizações de defesa dos direitos humanos que viram na medida uma limitação das liberdades individuais, quer religiosas, quer culturais. Ficou, então, estabelecido que as mulheres que usassem burqa (uma peça de vestuário que cobre todo o corpo, dos pés à cabeça, podendo ter uma parte rendilhada na zona dos olhos) ou niqab em público incorreriam numa multa entre os 130 e os 1300 euros (em caso de reincidência). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A nova lei acaba de entrar em vigor e é muito semelhante às que já existem na Áustria, na Bélgica ou em França. As consequências são muito diversas. Na Áustria, onde a legislação entrou em vigor em Outubro de 2017, a polícia já concluiu que não está a resultar: a maioria das queixas resultou em avisos a pessoas que usavam máscaras contra a poluição, máscaras de ski, e fatos (e máscaras) de animais, disse a polícia, queixando-se de uma "acumulação de situações absurdas" por causa desta lei. Em França, o primeiro país a legislar sobre o tema, em 2011, verificou-se que seria inconstitucional proibir directamente o véu islâmico, pelo que a lei se refere a estar no espaço público com o rosto coberto, o que também já gerou situações deste tipo. Já desde 2004 que é proibido usar hijab (véu que cobre apenas o cabelo e pescoço) nas escolas públicas. Na Dinamarca já era proibido o uso de símbolos religiosos ou políticos dentro dos tribunais, razão que impedia qualquer juiz, fosse homem ou mulher, de cobrir a cabeça com lenços, véus, turbantes ou kipah (ou solidéu, usado pelos judeus).
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos lei humanos mulher homem mulheres corpo
PSP e Ministério Público não protegeram mulher e ex-namorado matou-a
Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica diz que o sistema falhou. Mulher nunca teve estatuto de vítima e MP até queria suspender o processo. (...)

PSP e Ministério Público não protegeram mulher e ex-namorado matou-a
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento -0.2
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica diz que o sistema falhou. Mulher nunca teve estatuto de vítima e MP até queria suspender o processo.
TEXTO: Falhou tudo. Falhou a Polícia de Segurança Pública, falhou o Ministério Público, falhou o Serviço Nacional de Saúde. Apesar da escalada de violência, não foi tomada qualquer medida para proteger a vítima e conter o agressor. E o homem acabou por regar-se com gasolina e imolar-se pelo fogo, agarrando-se à ex-namorada. O caso foi examinado pela Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica, um grupo interministerial criado em Janeiro de 2017 para analisar o que falha nos processos judiciais de homicídios consumados ou tentados em contexto de violência doméstica – o objectivo é compreender o que aconteceu, perceber o que precisa de mudar, extrair lições para que histórias destas não se repitam. Neste que é o terceiro relatório, o grupo coordenado pelo procurador Rui do Carmo repete críticas que já fizera no primeiro e no segundo. Aquela operária fabril, de 42 anos, e aquele marinheiro/pescador/salva-vidas, de 51, iniciaram uma relação em Abril de 2016. Namoraram até Dezembro desse ano. Nos primeiros meses, ele pareceu conformado com o fim da relação. Em Abril de 2017, começou a contactá-la de forma insistente, por telefone, pedindo-lhe para recomeçar. Depois, começou a persegui-la. No dia 1 de Junho, o homem forçou a entrada na casa da ex-namorada, “agarrou-lhe o braço e arrastou-a com violência para a sala”. No dia seguinte, esperou-a à porta de casa, forçou a entrada no carro dela e esbofeteou-a. Nesse mesmo dia, esperou-a à porta da escola da filha. Volvidos quatro dias, voltou a esperá-la à porta de casa. Volvidos outros dois, esperou-a à saída do trabalho. Volvidos outros cinco dias, lá estava outra vez. Assustada, a mulher bloqueou o número do ex-namorado. E foi à esquadra contar o que estava a acontecer. A PSP entendeu estar perante um crime de ofensa à integridade física. Ao receber a denúncia, o Ministério Público reclassificou-a como crime de violência doméstica, o que tem um carácter de urgência, e devolveu o caso à PSP, pedindo-lhe que investigasse e que avaliasse o risco. A PSP demorou duas semanas a fazer essa avaliação. Tudo porque, segundo explicou à equipa de análise, o pedido não foi feito de forma autónoma, mas sim dentro da ordem para investigar. Entretanto, a violência escalava. No dia 23 de Junho, o homem voltou a aparecer em casa da ex-namorada. No dia 2 de Julho, seguiu-a até à praia. No dia 12, ele viu-a na rua a falar com uma sobrinha dele e agrediu-as. Quando se sujeitou ao exame médico-legal, a vítima contou que sofreu “agressões com pontapés nas canelas”, um “agarrão no pescoço com as duas mãos”, “queda para o solo esbatendo com a cabeça no solo” e que ele lhe enfiou um dedo num olho. A mulher chamou a PSP. E foi levada para um hospital público. Não há, nessa unidade à qual recorreu duas vezes, qualquer registo que indicie que lhe perguntaram qual a origem das lesões. Mas, saindo dali, lá estava ele, outra vez. Pendurou-se no carro dela. E ela conduziu para a esquadra, apavorada. Foi ouvida, no dia 15 de Julho. Nesse dia, fez-se, por fim, a avaliação de risco. E concluiu que era elevado. A PSP propôs então que se estabelecessem “contactos periódicos com a vítima” e que dali a 30 dias se reavaliasse o risco, apesar de nestes casos se recomendar que tal se faça no prazo de três a sete dias. Nenhuma medida foi tomada para proteger a vítima. Nem sequer lhe foi atribuída o estatuto de vítima. Nas respostas que deu à equipa de avaliação, a PSP explica que, apesar de ter sido reclassificado como violência doméstica pelo Ministério Público, o processo continuou a basear-se no expediente inicial, de ofensa à integridade física. Por essa mesma razão, a PSP não fez um plano de segurança da vítima. Optou apenas por “estabelecer contactos periódicos com a vítima”. Só que nem isso chegou a fazer. Só contactou com ela naquela vez em que chamou a polícia e nas várias vezes em que ela foi, por sua iniciativa, à esquadra. Só no dia 31 Julho o homem foi constituído arguido. E foi-lhe aplicada a mais suave medida de coacção: termo de identidade e residência. Já no dia 4 de Agosto o inquérito foi remetido para o Ministério Público, que se limitou a pedir que a vítima enviasse as mensagens que recebera e que se sujeitasse a uma perícia médico-legal. Já a 23 de Agosto, estava ela numa paragem de autocarro com a filha, o homem aproximou-se. Nas costas delas, ameaçou: “Andas com muita coragem para andar com isto. Vê se te sai o tiro pela culatra. ” Nesse mesmo dia, cruzaram-se, estava ela de carro, ele de bicicleta, e ele bateu-lhe no tejadilho. No dia 13 de Setembro, o Ministério Público proferiu um despacho no qual mandou pedir o registo criminal do arguido e informações sobre suspensão provisória do processo. Era para aí que pendia. E decidiu ouvir ambos no mesmo dia, 21 de Setembro, um às 10h, outro às 10h30, como se não houvesse risco. Na véspera desse encontro anunciado, o agressor esperou a vítima à saída do trabalho. Ela caminhou até ao carro e entrou. Com um martelo que trazia numa mão, o homem partiu o vidro do lado do condutor. Com a faca que trazia na outra mão, começou a ferir a vítima. Na mochila, trazia um garrafão com gasolina. Começou a atirar combustível lá para dentro. Ela conseguiu fugir pelo outro lado. Ele apanhou-a e, depois de a agredir, fazendo-a cair, regou-se com a gasolina, imolou-se e agarrou-se a ela. Ele morreu logo no dia 21 de Setembro. Ela ficou com queimaduras em 80% da superfície corporal. Morreu no dia 27 de Janeiro de 2018, na sequência das agressões. Durante este tempo todo, nem a PSP, nem o Ministério Público alertaram a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) da área de residência. Era, todavia, recorrente a referência do agressor à filha da vítima. E a menina assistiu a alguns episódios. No entender da Equipa de Análise Retrospectiva, era evidente que o homem era “controlador” e estava “obcecado” pela ex-namorada. Revelava “ciúmes doentios”, procurava “provocar medo”, força-la a retomar a relação. “A ideação homicida/suicida estava presente nas mensagens”, nota. Agrediu-a várias vezes, inclusive apertou-lhe o pescoço na rua. Intimidava-a por telefone e perseguia-a “de forma reiterada e agressiva”. E ela “procurou ajuda – junto de familiares do agressor, das forças de segurança e do sistema de justiça – sem qualquer resultado”. A violência doméstica está estudada. Há momentos que “funcionam como disparadores de risco”. O primeiro ocorreu logo na separação, o segundo na apresentação da denúncia, o terceiro na notificação para prestar declarações no Ministério Público, aponta. Quer a PSP, quer o MP “deviam ter tido a iniciativa de tomar medidas para proteger” a vítima e para conter o agressor. Por lei, a polícia “deve assegurar a imediata protecção da vítima, tomar as medidas que se revelem adequadas e proceder à avaliação do risco para a vítima”. Mais: “a realização das diligências de aquisição de prova necessárias ao conhecimento da situação tendo em vista a sua avaliação indiciária deve ocorrer no prazo máximo de 72 horas”. Mais: “deverá ser definido o plano de protecção da vítima” Mais: “o MP deve ponderar a necessidade de requerer ao juiz de instrução a aplicação de medida de coacção, que ocorrerá no prazo máximo de 48 horas após a constituição de arguido”. Neste caso, “nenhum dos preceitos legais acima identificados” foi cumprido. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Perante risco elevado, a equipa de análise acha que muito poderia ter sido feito: “deter o arguido fora de flagrante delito; sinalizar a vítima para programa de teleassistência; reforçar o patrulhamento junto ao local da ocorrência/residência/trabalho da vítima; sinalizar a filha da vítima à CPCJ da área da sua residência; se necessário, referenciar para casa de abrigo”. Só que “não existiu gestão do risco”. Não houve capacidade de ligar os pontos. E a equipa de análise considera claro que o Ministério Público se preparava para propor a suspensão provisória do processo, algo que, por lei, depende do “requerimento livre e esclarecido da vítima”, coisa que ela não fizera. Recomenda à Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género que desenvolva, com urgência, mais formação inicial e continuada sobre violência doméstica para as forças de segurança e os magistrados do ministério público. E à Procuradoria-Geral da República que, na sua estratégia contra a violência doméstica, tenha especial atenção ao acompanhamento dos inquéritos que correm nas polícias e nas férias judicias. E ao Ministério Público e às polícias que vejam sempre se há crianças envolvidas. Se as houver, devem alertar as comissões de protecção.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE