Crónica de um crime anunciado
No dia 10 de Fevereiro, Manuel Baltazar, conhecido como “Palito”, começará a ser julgado pela morte da tia e mãe da sua ex-mulher, Angelina, e por ter disparado contra ela e contra a filha. Angelina vive no medo de que ele regresse. Só no ano passado morreram 40 mulheres vítimas de violência doméstica. (...)

Crónica de um crime anunciado
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: No dia 10 de Fevereiro, Manuel Baltazar, conhecido como “Palito”, começará a ser julgado pela morte da tia e mãe da sua ex-mulher, Angelina, e por ter disparado contra ela e contra a filha. Angelina vive no medo de que ele regresse. Só no ano passado morreram 40 mulheres vítimas de violência doméstica.
TEXTO: Após matar a tia e a mãe da sua ex-mulher, ferindo ainda esta e a filha de ambos, Manuel Baltazar, "Palito" como é conhecido, escapou pelo cerejal nas traseiras de sua casa e escapou à polícia durante 34 dias. São esses 34 dias, em que - segundo polícia e especialistas - não podia ter sobrevivido sem a ajuda dos seus conterrâneos, que tornam este simultaneamente um dos mais excepcionais e exemplares crimes de violência doméstica dos últimos anos. Semanas antes do início do julgamento de Palito, voltámos a Trevões e Valongo dos Azeites para perceber como foi isto possível. Em Dezembro, Angelina passou a receber um apoio financeiro do Estado; até então, impedida de trabalhar, subsistiu graças aos seus vizinhos, que lhe ofereciam a comida. Também não consegue dormir à noite, recordando constantemente o que sofreu. E está em crer que, apesar de “Palito” — como Manuel Baltazar, seu ex-marido, é conhecido — estar preso, ainda controla cada um dos seus passos. A 10 de Fevereiro, “Palito” começará a ser julgado pelo crime praticado a 17 de Abril de 2014; Angelina vive no medo de que de alguma forma, legal ou ilegal, ele consiga regressar para matá-la. Há uma razão para Angelina temer que ele consiga escapar à prisão — é que já assim aconteceu no passado. Estiveram casados 29 anos, de 2 de Janeiro de 1982 a 12 de Dezembro de 2011. Mas ainda antes do divórcio, em Fevereiro de 2009, Angelina abandonou a casa do casal em Trevões, de onde “Palito” é natural. E a 15 de Outubro apresentou queixa contra o marido, que viria a ser condenado por crimes de violência doméstica, ofensas à integridade física e ameaça agravada contra Angelina, a tia desta, Elisa Barros, e o filho, Rui. A sentença do processo — em que pelo menos dez pessoas testemunharam a favor de Angelina — saiu a 18 de Novembro de 2013. As agressões e ameaças praticadas por “Palito” e dadas como provadas pelo tribunal de São João da Pesqueira são descritas em 26 pontos, tornando-se claro que a periodicidade e o grau de violência de “Palito” aumentaram exponencialmente desde que a ex-mulher saiu de casa: a 8 de Outubro de 2009, “Palito” “apertou com força” o pescoço de Angelina; a 29 de Setembro de 2012, apontou uma caçadeira ao peito do filho Rui, quando este trabalhava com a mãe na apanha da azeitona, dizendo-lhe “chama a GNR, agora, chama”; a 21 de Outubro de 2012, “Palito” conduziu o seu Toyota Corolla na direcção de Maria Angelina, travando bruscamente em cima desta — depois disse-lhe: “Agora já não arreganhas os dentes”; a 5 de Dezembro de 2012, ameaçou-a, bem como aos seus tios Elisa e António Barros, que se encontravam a podar uma vinha: “Hei-de cozer-vos a todos, hei-de pegar fogo à vossa casa”; e a 20 de Setembro de 2013, “Palito” perseguiu, de foice na mão, Angelina no cemitério, agarrando-a pela parte de trás do pescoço até Angelina ficar no chão — quando a GNR a encontrou, escondida num café, a urina escorria-lhe pelas pernas abaixo. “Palito” foi condenado a um cúmulo jurídico de quatro anos, mas a pena foi suspensa e em vez de ser preso, “Palito” foi proibido de se aproximar a menos de 400 metros da ex-mulher e tinha de usar pulseira electrónica. Às 16 horas da tarde do dia 17 de Abril, “Palito”, após cortar a pulseira electrónica e munido de uma caçadeira, dirigiu-se a casa de Elisa, onde as quatro mulheres se encontravam a fazer bolos para a Páscoa, e disparou. Depois enfiou-se serra de São Paio dentro e, durante um mês e quatro dias, escapou ao dispositivo policial montado para o apanhar. Esses 34 dias não são um pormenor, antes constituem o traço distintivo de um crime que tendo contornos excepcionais, também é, em termos simbólicos, exemplar dos restantes crimes de violência doméstica ocorridos em Portugal — e a razão pela qual ao longo de vários meses fomos e voltámos a Trevões e a Valongo dos Azeites. Segundo a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), de 1 de Janeiro a 30 de Novembro de 2014, houve 40 mulheres assassinadas por companheiros, ex-companheiros ou familiares do sexo masculino; outras seis escaparam à mesma sorte. Já a Associação de Apoio à Vítima (APAV) fez saber no final do ano passado que recebeu 7265 queixas de violência doméstica ao longo de 2013; nesse período, a Direcção-Geral de Política de Justiça reporta que, dos inquéritos que o Ministério Público levou a cabo, apenas 3541 casos de agressão doméstica a mulheres foram julgados. Em 2014, apenas 96 homens foram presos por esse crime. Os números não sofreram grandes alterações ao longo dos últimos anos — o que significa que pouco mais de 1% das mulheres que recorrem à APAV vêem os seus agressores condenados. 7265 queixas de violência doméstica chegaram à APAV em 2013. Em 2014, 96 homens foram presos por esse crimePor duas vezes, lê-se na sentença de 2013, “Palito” encontrou a mulher nos refúgios que a APAV lhe providenciou quando saiu de casa. Estas casas são secretas — como foi possível a “Palito” descobrir as moradas?“Isso basta alguém vê-la e dizer [a ‘Palito’]”, responde um GNR da zona. Mas porque é que alguém iria contar a um homem que agredia a mulher onde esta se escondera?Há outras peças importantes para montar o puzzle. Ao atacar a filha, a ex-mulher e a tia e a mãe desta, “Palito” qualifica-se como um “familicida”. Por norma, e como explica Fernando Almeida, psiquiatra especializado em crimes de sangue, “o familicida entrega-se às autoridades, deixa-se apanhar ou suicida-se”. “Palito” não só não se entregou, como o número de dias que andou a monte o torna uma excepção face ao habitual neste tipo de crimes. O mesmo GNR disse à Revista 2 ser impossível um homem andar este tempo fugido sem ajuda dos vizinhos: “Alguma coisa ele tinha de comer. ” Porque é que alguém iria ajudar um duplo homicida?Fernando Almeida tem uma explicação: “Algumas das pessoas que o alimentaram durante um mês pensam: ‘Coitadinho, ele tanto trabalhou para alimentar a família e ela agora vai abandoná-lo? Ela jurou que era para a vida toda. E ele nem a tratava assim tão mal, só enxotava umas moscas de vez em quando. Porque é que aquelas mulheres [a tia e a mãe de Angelina, que ‘Palito’ acreditava serem as responsáveis pela separação] se foram intrometer?’”Os dias de apoio a “Palito” espelham a que ponto a mentalidade que subjaz à violência doméstica está entranhada: a ideia de que o homem tem direito a abusar fisicamente da mulher e — aspecto fundamental para que o abuso se perpetue — que sobre o assunto deve fazer-se silêncio. A conclusão é que, “aquelas pessoas, ao ajudarem-no durante um mês, constituem uma espécie de essência do machismo dominante”, diz o psiquiatra. O silêncio e cumplicidade das pessoas de Trevões é a história de futuras Marias Angelinas. Muitas podem vir a ter ainda menos sorte do que ela. Ao redor destas terras, a serra ergue-se monumental, montes sobrepondo-se como ondas encarpadas em dia de maré zangada, determinando a vidas dos seus habitantes ao mais ínfimo pormenor, como a luz que recebem: Trevões, por exemplo, é mais sombria que a entrada de Valongo dos Azeites — enquanto esta começa numa zona aberta de moradias expostas ao sol, Trevões parece enterrada num socalco da serra, um apêndice de pedra onde a luz não entra. As escassas povoações existem recolhidas em si mesmas, pequenos pontos compactos cor de xisto no imenso verde. Há apenas dois autocarros diários a ligar Valongo e Trevões a São João da Pesqueira: é fácil sentir solidão aqui. Angelina, nascida a 24 de Novembro de 1961, era filha única de Lina (morta no ataque de “Palito”) e Acácio Félix (que morreu em Maio de 1996). Segundo o Registo Civil do Tribunal de São João da Pesqueira, Acácio tinha pelo menos três irmãs: Maria Ermelinda, Maria Judite e Elisa, que foi também assassinada por “Palito” e deixou marido e filhos em França. A população falou-nos em mais duas irmãs: Delfina, que morreu e tem filhos em Lisboa; e Celestina, que morreu deixando os filhos António Félix, Ana Maria e Antero. O Registo Civil não encontrou dados sobre Celestina, mas encontrámos Antero (em Valongo) e Ana Maria e António (em Trevões). Esta disparidade não é caso único na família: no acórdão do tribunal, lê-se que Manuel Baltazar “é o mais velho de nove irmãos”; contudo, no Registo Civil, apenas se encontram sete (incluindo o próprio Manuel Baltazar). Hoje, Carlos, dono do café Século XXI em Valongo, diz que Maria Angelina se “descuidou” em relação à aparência, o que considera “normal, com tudo o que passou”. Mas à época do casamento, Maria Angelina, 18 anos, era “uma estampa”. Sendo casado com uma prima de Maria Angelina, Carlos tem opinião formada sobre a forma como “Palito” a via: “Antes dizia a toda a gente que ela era um espectáculo e que nunca teria hipótese com ela. Quando casou, foi como se tivesse ficado em dívida para com ela. Não acreditava que a tivesse conseguido. Achava-se abaixo dela. ” Apesar dos laços familiares, Carlos teve pouco contacto com “Palito” e Angelina. “Eu vendo calçado — neste tempo todo, ele nunca me comprou sequer uns chinelos. ”É verdade que vende calçado ao balcão. Não fora isso e o café Século XXI podia ser um café de qualquer parte do país: chão em mosaico, mostruário de vidro com tampo em folha de mármore, Chupa-Chups, pastilhas Gorila. Carlos, baixote, ligeiramente careca, tira um par de sapatos de vela debaixo do balcão, enquanto serve vinho do garrafão. Quando a polícia entregou “Palito” ao tribunal, a população brindou-o com aplausos, o que chocou o país — porque raio estaria um homicida a ser aplaudido? O dono de um café em São João da Pesqueira explica os aplausos pela antipatia que o povo tem para com a polícia: “A GNR está sempre à caça da multa. Prantam-se [forma popular de dizer que ficam especados] à espera de quem sai dos cafés e vai guiar. O que irrita o povo, que quer beber em paz. ” Ouvimos a mesma justificação noutros sítios — mas não encontrámos quem admitisse ter aplaudido. Tal como Carlos, Ana Maria tem escassa memória das três últimas décadas de vida de Angelina. A prima diz que “em miúdas [eram] como irmãs”. Depois, “durante mais de 20 anos, nunca mais houve contacto com ela”. Quando deixaram de se ver? “Quando ela se casou. ”Cada um trata do seu lar, ninguém põe a colher no prato do outro, mas bichana-se acerca de todos. ”Da casa de Ana Maria à de “Palito” demora-se cinco minutos a pé. Da de António Félix, seis. No entanto, a mulher de António declara nunca ter tido qualquer contacto com o casal. Nem no Natal?, perguntamos. “A gente aqui passa a ceia com a família de casa. ”Este é um mote constante: cada um vive na sua casa, com a sua família e só se mete no que lhe diz respeito. Pese embora umas semanas na zona nos demonstrem que os homens comentam as vidas dos outros nos cafés, e as mulheres, nos intervalos da lida da casa ou da faina, segredam entre si. Diz Albino [nome fictício], de Valongo: “Cada um trata do seu lar, ninguém põe a colher no prato do outro, mas bichana-se acerca de todos. ”Sabe-se pouco da vida de “Palito” até ao acidente que supostamente o mudou para sempre: a morte dos pais, afogados no Douro após um aluimento de terras derrubar a viatura em que seguiam, a 14 de Fevereiro de 1979. Descobrir o que aconteceu nesse dia depende de quem se ouve: num relato, “Palito” estava na viatura e sobrevivera, visto saber nadar; noutro, uma pedra gigante teria caído em cima do pai de “Palito”, esmagando-lhe o peito. Há narrativas que incluem várias pedras, ocupantes do automóvel que variam, diferentes mortos. Certo é que, após o aluimento, o carro se enfiou num braço do Douro. Segundo um primo de “Palito”, que se recorda bem do acidente, o casal Baltazar fora a uma consulta médica na Régua acompanhado pelo casal Laranjinha, respectiva filha, e um moço chamado João Madureira. No regresso, várias pedras aluíram, tendo uma esmagado o peito de Laranjinha, que ia ao volante — e não o pai de “Palito”. “Palito”, note-se, só o é em Valongo — em Trevões chamam-lhe “Sem-Tripas”. O único que se salvou foi Madureira — o que sabia nadar. Qualquer história em Trevões tem tantas versões como as pessoas que a contam. E é difícil acreditar em tudo o que se ouve: muitas vezes ouvimos “nem os conhecia” dito por vizinhos que viveram 60 anos a dois metros de distância. Há o caso de um homem que no decorrer da nossa reportagem certo dia nos afiançou que não sabia de nada porque fora para França antes do assassinato e voltou já “Palito” estava preso; dias depois, lá lhe escapou: “Até disse ao rapaz para se entregar. ” Inquirido sobre a discrepância, respondeu com “isso agora”, e fechou-se em casa. Os pais de “Palito”, Baltazar e Celiza, eram “gente muito boa”, “com posses” e “às vezes ajudavam quem não tinha que comer”, “dando couvinha ou feijão” — é este o retrato que muita gente em Trevões faz. Depois há Hélder [nome fictício], que também ali mora e se lembra de que “o pai [de ‘Palito’] era bom tanoeiro e tinha um carro de bois”. “Chamavam-lhe ‘Sem-Tripas’” devido à extrema magreza, que o filho herdou. Segundo Hélder, o casal Baltazar “ficava a dever a este e àquele”. “O meu pai era sapateiro e o pai dele [Baltazar] mandou pôr meias solas nuns sapatos. Quando estavam arranjados apareceu lá em casa, calçou as botas e disse: ‘Só posso pagar no fim-de-semana. Posso levá-los já?’ O meu pai fê-lo descalçar as botas. Você veja como era esta gente. ”A casa dos pais de “Palito”, a que os locais chamam “Casa Velha”, dá a entender — pelo tamanho — que o casal não viveria mal. Para lá chegar, é preciso tomar a ondulante N229, inflectir para leste, EM504 adentro, entrar numa estrada ainda mais estreita que as demais e por fim dar com três caixotes do lixo, que dividem a terra entre zona alta (mais moderna) e zona baixa (a mais rude): para a esquerda há um banco (com caixa multibanco, a única até São João da Pesqueira) e, ao fundo da rua, as casas dos primos de Maria Angelina. Por ali também existe um lar de idosos e a escola primária onde “Palito” e os irmãos estudaram — é a única da zona e os miúdos de Valongo ou Penedono iam aprender lá. Maria Angelina, dizem-nos, fez a quarta classe, numa altura em que só as meninas com posses estudavam. Na realidade, confirmaram-nos que Angelina completou o equivalente ao actual 9. º ano de escolaridade. Trevões é vila, Valongo é aldeia. O Paço Episcopal, um par de casas senhoriais, a Igreja Matriz e uma série de capelas indicam que a vila teve uma grandeza que hoje não possui. Disseram que [‘Palito’] esteve na Líbia, numa fábrica de manteigas, nos anos 70. Havia lá fábricas de manteiga na Líbia nessa altura!”À direita dos caixotes do lixo há um caminho estreito, em empedrado, de margens ladeadas por muros de xisto, onde é impossível passarem dois carros: é a zona baixa, o Douro profundo e esquecido pelo tempo — e é a rua de Manuel “Palito”, cuja casa é a segunda quando a estrada começa a subir. A primeira é do seu irmão António. Por trás de casa de “Palito” ergue-se a Casa Velha e depois estende-se o cerejal por onde terá fugido após o duplo homicídio. Acompanhando o muro de granito e xisto que demarca o cerejal, dá-se a volta a meia terra, retornando-se aos caixotes do lixo — no meio do cerejal há um pequeno lago, que tornou impossível seguir o rasto de “Palito” quando a polícia ali entrou com os cães. Este terreno, que ocupa meia Trevões, divide-se em vários, que pertencem a “Palito” e a uma senhora que não vive ali. Há um caseiro, mas a população ou recusa dizer o seu nome ou dá nomes díspares. É difícil dizer em que anos estiveram emigrados quando os próprios familiares transmitem informações erróneas: “Escreveram-se tantas mentiras”, lamentou-se um dia a mulher de António. “Disseram que [‘Palito’] esteve na Líbia, numa fábrica de manteigas, nos anos 70. Havia lá fábricas de manteiga na Líbia nessa altura!” De facto, “Palito” não esteve numa fábrica de manteigas na Líbia; esteve lá na construção civil, bem como na Suíça e em França, segundo dois homens que estiveram com “Palito” na Líbia. Graças à emigração, conta Albano [nome fictício], amigo caçador, “Palito” começou a construir casa e comprou um Toyota azul, do qual tinha muito orgulho. “Isto em 1976, uns anos antes de se casar com Maria Angelina. ”Hélder também afiança que Maria Angelina “agradou-se do carro”, ideia que parece ser unânime na faixa que vai da saída de Trevões até Valongo: “Na altura havia cá poucas viaturas”, lembra António Canela, amigo de “Palito”. Uma familiar de um homem que, segundo vários membros de Valongo e como veremos mais à frente, terá sido assassinado por António Canela, recorda que o carro agradou até à mãe de Angelina; de acordo com este testemunho, ela gabar-se-ia à população de ter encontrado “um bom pretendente para a filha”, a quem obrigara a terminar um namoro com um homem com menos posses (e cujo nome não foi mencionado). Esta familiar considera que Maria Lina sempre foi “má, ruim, afeiçoada ao dinheiro” e que “atiçava” “Palito”, que tratava dos terrenos da família da mulher, “contra o povo [de Valongo]”. De acordo com outros moradores, “Palito” teria o hábito de disparar na direcção de quem atravessasse os terrenos dos seus sogros — não para matar, mas para assustar. A dada altura, diz-nos: “As outras não, mas a Maria Lina mereceu morrer. ”Houve pelo menos um texto na imprensa em que se relatou que a compra do Toyota foi posterior ao casamento. Esta disparidade nos relatos está sempre presente em Trevões e Valongo. Não só a disparidade mas também o secretismo: Canela é apontado pela população de Valongo (vive junto à moradia de Elisa) como a pessoa que terá telefonado a “Palito”, de um telemóvel descartável, a avisar que as mulheres estavam no quintal de Elisa. As teorias de conspiração são discutidas pelos homens; as mulheres não se metem nestes assuntos. O GNR citado acima admitiu ser “possível” a existência da chamada para “Palito”, garantindo não ter sido identificado nem o autor da chamada nem o dono do telemóvel. A acusação a Canela foi-nos contada pela primeira vez num café em Valongo. Aproveitando que o grosso dos homens discutia que arma “Palito” usou, o sr. Sérgio abeirou-se e narrou a história ao ouvido, afastando-se de imediato, de modo a não passar a imagem de delator. A cena repetiu-se várias vezes, com outros homens e versões ligeiramente diferentes. Em todas, o narrador aproveitou um momento em que os amigos estavam distraídos, contou e depois voltou para o grupo. No primeiro dia em São João da Pesqueira, um GNR afirmou: durante anos, “nunca ouvimos a versão dela, só conhecíamos a dele”, a de que Maria Angelina tinha uma depressão. Talvez seja por tudo ser contado em surdina e nada ser muito certo que foi possível a “Palito” criar na população essa imagem de uma Maria Angelina deprimida — em vez de uma Maria Angelina abusada. O funcionário de uma funerária local, que há 13 anos fez um funeral de um tio de Angelina, nunca ouviu de “Palito” mais do que um “ando aqui aflito porque a minha mulher se quer divorciar”, frase que muitos recordam. Desde a separação que o único assunto de “Palito” era a mulher. “Era uma obsessão que ele lá tinha”, diz o sr Carlos. “Na caça”, recorda António [nome fictício], “cada vez que parávamos para comer, lá vinha ele com a história de se vingar das mulheres que ajudaram à separação”. António descreve “Palito” como “um tipo exemplar na caça — mas refilão”. Perito em javalis e perdizes, era o que “mais se enfiava mato adentro”, nunca hesitando em “rastejar pelos trilhos deixados pelos javalis”, sabendo “como não os alertar. Conhece estas serras como a palma da mão” e falava tanto em matar que a dada altura começaram a gozar com ele: “Dizes que matas mas não matas nada, pá. ”Eis um homem não muito bonito, não muito forte, com menos dinheiro que a mulher e que se vê divorciado. Os problemas já vinham de trás. Albano diz que mesmo “no tempo em que o Acácio ainda estava vivo já havia discussões verbais graves entre ele e “Palito”. Depois da morte do pai, a Lina e o “Palito” costumavam discutir à frente de toda a gente”. Conta isto em voz baixa, porque no restaurante está uma familiar de “Palito”. De acordo com Albano, a família de Angelina “nunca [acatou] bem a junção”, em parte porque “tinha mais valores patrimoniais que a do ‘Palito’”. A ideia de que o casal não vinha do mesmo meio é confirmada por outros: “Os pais dela tinham mais dinheiro que os do ‘Palito’. Ela é herdeira de uma vinha com bastante benefício”, lembra Hélder. No acórdão do tribunal, descreve-se “Palito” como sendo “filho de um casal de modesta condição socioeconómica”. O nível de vida de “Palito” melhorou depois de ter estado emigrado. Em Trevões, e quando confrontadas com a hipótese de Acácio e Manuel Baltazar não se darem, as pessoas respondem “isso era lá com eles”. Em Valongo, as zangas são um dado adquirido. É recorrente ouvir-se dizer que Maria Angelina “teve pena” de “Palito”, após este perder os pais, o que a levou a casar. Sendo alguns dos irmãos de “Palito” muito novos aquando do acidente, Angelina terá cuidado deles como se fossem seus filhos. Em Valongo e no Penedono, há quem diga que “Palito” tratou Angelina mal desde o primeiro dia. Em Trevões, ninguém admite tal coisa. Se ao início o casal se dedicava à apanha da azeitona nos terrenos dos pais dela, de “Palito” e de terceiros, entre outras actividades agrícolas, com a morte de Acácio Félix, o casal passou a ser dono de um conjunto de terrenos que permitiam uma boa vida. Na maior parte dos relatos, por esta altura “Palito” já não emigrava — fixou-se na terra quando acabou a casa e não voltou a sair do país após o nascimento do segundo filho, Rui. Contudo, uma fonte próxima de Maria Angelina assegurou-nos que, já com os filhos nascidos, “Palito” ainda emigrava. Isto dá o retrato de um homem trabalhador, empenhado em criar um lar para a mulher e os filhos. Umas semanas em Trevões revelam outro homem — um que a cada regresso passava mais tempo na caça que em casa e estourava dinheiro pagando almoçaradas aos amigos caçadores, enquanto Angelina jornava nos “prédios” (terrenos) do casal e de outras pessoas. É comum, aqui, a violência doméstica? (A pergunta é injusta: a violência doméstica é comum em todo o país. ) O GNR tira o chapéu, coça a cabeça rapada a pente 3 ou 4, e diz: “Isso das mulheres. . . sabe como é. Terra pequena, não há nada para fazer, chega-se a casa todos os dias. . . Elas não ficam mais bonitas com o tempo. Bebe-se uma pinga e quando se dá por ela já só se fala à chapada. É assim. ”É assim, mas ouvindo os moradores de Trevões não era assim com “Palito”, que não bebia. Basta um pulinho ao café Século XXI, ou ao Buraco, em Trevões, onde há uns anos a GNR apreendeu 17 armas ilegais numa só rusga, para encontrar dezenas de homens que concluem que “o crime foi um bocado culpa delas, que não tinham nada que se meter”. “Intrometer-se” era dizerem a Angelina que não tinha de se sujeitar à violência. Ainda há coisa de semanas, uma prima de Maria Angelina repetiu a mesma ideia. Não raro as pessoas têm um rebate de consciência e refazem a afirmação: “Mas o que ele fez foi errado” ou “perdeu a razão quando matou”. Ninguém afirma que “Palito” perdeu a razão quando começou a bater na mulher. Já viúva, mas com a filha ainda casada, Maria Lina deu ordem para se fazer uma vinha nos seus terrenos; na prática arrendava (por 10 ou 20 anos, há informações em ambos os sentidos) os terrenos a “Palito”, que estava incumbido de explorar a vinha e recebia os dinheiros. Esta terá sido a altura do casamento em que o casal viveu melhor. Mas, quando Maria Angelina saiu de casa, “Palito” proibiu-a de entrar nos “prédios” de Maria Lina, o que legalmente podia fazer: “Estava a tentar matá-la à fome”, conta Albano. Já separados, “Palito” “surpreendia-a na jorna e ameaçava-a e a quem estivesse com ela”. Esta agressividade foi aumentando até ao ponto de “Palito” bradar ter uma bala para quem se aproximasse da ex-mulher. É sabido que até à ordem do tribunal para manter os 400 metros de distância, “Palito” passava diariamente à porta de casa dela; em Valongo, diz-se que pagou a um reformado local para vigiar Maria Angelina. O reformado nega qualquer contacto com “Palito”. A separação de Maria Angelina coincide, segundo Manuel [nome fictício], vizinho e amigo de infância de Angelina, com “a altura em que a Elisa obteve a reforma e começou a passar mais tempo em Valongo que em França”. Na realidade, Angelina só saiu de casa quando os filhos — que não foram para a universidade mas acabaram o 12. º ano — já haviam saído. Para o psiquiatra Fernando Almeida, na cabeça de “Palito”, “Angelina pertencia-lhe; podia ter de lhe arrear de vez em quando, mas isso faz parte; ter saído de casa não era uma manifestação da vontade dela, antes fraqueza face às manipulações da tia e da mãe que por isso, pensaria ele, mereceriam ser punidas”. “Palito” estraçalhou o corpo de Elisa ao alvejá-la directamente no peito. A primeira pessoa a relatar publicamente actos de violência de “Palito” foi Filomena, mulher de Mário: “Foi no cemitério, no dia dos Fiéis [do ano passado]”, contou. “Atirou a Sónia [a filha] ao chão, tentou bater-lhe, meti-me no meio e ele derrubou-me e deu-me pontapés. ” De volta a Trevões, “Palito” apertou-lhe o pescoço. Houve uma altura em que o único dado acerca de violência doméstica que se conhecia no caso era que Maria Angelina tinha pedido ajuda à APAV, sendo colocada em casas-abrigo, primeiro em Vila Real e depois, quando “Palito” a descobriu, na Régua, onde voltou a ser descoberta pelo ex-marido. No acórdão do tribunal que puniu “Palito”, lia-se que ele dava chapadas na mulher e recorria a violência para a obrigar a dormir na cama do casal. O motivo do isolamento de Maria Angelina seria a violência doméstica?, perguntei a uma familiar muito próxima de Maria Angelina, em casa a passar a ferro e a dobrar a roupa. “Não”, diz com as mãos a tremer e lágrimas prestes a cair. “Nunca lhe bateu. ” Nunca lhe bateu?, insisti. Ela pára, baixa a cabeça e diz: “Ela não se queixava. ” E o facto de não se queixar indica que não lhe batia? Ela pára de novo, antes de se recompor e voltar a dobrar a roupa. E é ela quem diz: “Os homens, aqui, são do século XVII. Há muita coisa escondida. As telhas escondem muita coisa. ”Insisto: ele começou a bater-lhe quando? Ela começa a chorar — foi a única pessoa que vi chorar nas semanas que passei em São João da Pesqueira. Foi cedo?, pergunto. E aqui sim, ela chora mesmo. E baixa a cabeça e pede-me que saia antes que o marido volte. Última pergunta: porque é que as mulheres dali que apanham não se divorciam? Ela olha-me atónita. “E fazer o quê? Ir para onde? Ao menos aqui sabemos com o que contar. . . O senhor sabe o que se passou, não precisa de mim, deixe-me, eu só quero esquecer. ” Senta-se na cama e chora. “Um rapaz tinha uma namorada, estavam noivos e a rapariga rompeu o noivado. A mãe do rapaz não foi de modas: esperou que os pais da moça saíssem de casa, bateu à porta e quando a miúda abriu: tau, tau, tau, cinco chumbadas nos cornos. ” A história é verificada por vários habitantes das duas localidades. Porque é que ela não quis casar?, pergunto. “Porque não queria levar na tromba. ”Os homens, aqui, são do século XVII. Há muita coisa escondida. As telhas escondem muita coisa. ”A maior parte das mulheres por estas bandas é de idade. “Quando [os homens locais, mesmo os casados] querem acção vão ao alterne” nas terras circundantes, relata um caçador, que não quis ser identificado. Um dia fomos os dois pela serra verificar os casebres onde “Palito” podia ter-se escondido. No trajecto demos com algumas dessas casas, como o 125 Azul, que recebe “brasileiras e tailandesas — as tailandesas são muito bonitas” e “são todas ilegais”, informa. Resolvi perguntar a este caçador — cuja mulher estava emigrada como ama para dar mais algum à escassa reforma — porque perdia o seu tempo a ser meu guia. “Solidão. Ao menos assim, estou entretido. ”Valério diz que em Valongo não há farmácias, o que tem implicações nas mais simples situações quotidianas. “Se uma miúda quiser a pílula, tem de ir a São João da Pesqueira”, conta, antes de elucidar acerca da moral ainda vigente na zona. “Pela vontade dos pais, não é possível uma miúda de 16 anos ter sexo antes do casamento. Elas aproveitam as jornas ou fazerem um recado. Não há precaução, pelo que o sexo é uma roleta: pedem aos homens para se virem fora ou rezam para não engravidarem. Se engravidarem, é simples: levam na tromba e o pai vai convidar o emprenhador a casar. ” Faz uma pausa e entrega a punchline com um sorriso entre o amargo e o resignado: “O convite é feito com uma chumbeira. ”Estávamos sentados na mesa de um café em Valongo: entra-se, há um balcão em U e à direita uma enorme sala de cujo tecto pende uma bola de espelhos. Fazem bailes aqui?, pergunto. “Não. O Buraco, em Trevões, tem uma salinha onde puseram uma bola de espelhos. Esta surgiu por imitação. Foi ‘se tu tens, eu também tenho de ter’. Há uma grande rivalidade entre as terras”, responde Valério. Em Valongo, certa tarde, estavam algumas mulheres a conversar quando uma diz: “Ao menos isto deu para falarem [de Valongo]. ”Nos 34 dias em que esteve a monte, “Palito” foi avistado quatro vezes. A primeira foi no dia imediatamente a seguir ao crime, quando apareceu a José Costa, na quinta do pastor, no Penedono. Costa, amigo de “Palito”, recusou-se a falar, visto os jornalistas serem “todos uns vigaristas”. Um jornalista de televisão disse-lhe que “telefonava a avisar quando saía a peça e nunca mais telefonou”. Um fotojornalista fotografou-o num ângulo que ele não apreciou. Calçado com galochas, Costa move-se com facilidade por entre a lama. A sua quinta tem um grande salão repleto de bandeiras do Benfica — o trabalho, a bola, as cartas e o dominó que joga à noite num café no Penedono são os seus únicos assuntos. “O que é que eu havia de fazer?”, responde quando perguntamos porque ajudou “Palito”. “As amizades aqui são complexas”, explica um amigo que conheceu ambos na caça. “Os caçadores não querem problemas. Há uma época legal para caçar, armas designadas, mas eles caçam fora de época com armas ilegais e têm medo de ser investigados. Por isso ajudam-se. ”Além disso, faz ver, “ele tem razão: o que é que você faria se lhe aparecesse um homem que tinha matado duas pessoas no dia anterior? Aqui as amizades são de caça, de cartas, do cultivo. Mas tem-se sempre uma desconfiança”. António Canela é acusado (por muita gente de ambas as terras) de ter matado o filho de um vizinho que teria, alegadamente, molestado crianças. Certa noite, Canela e um comparsa perseguiram o filho do suposto pedófilo e este fugiu para casa — mas os perseguidores haviam estragado as fechaduras e por mais que o rapaz chamasse pelo pai, este, preso por dentro, não o pôde acudir. Foi morto à paulada à entrada de casa, em Valongo. Uma sobrinha do alegado pedófilo confirma que Canela e um cúmplice terão matado o seu primo. Na sua versão, contudo, alegado pedófilo e filho viviam num dos muitos barracos hoje vagos na serra (e que “Palito” usou para se abrigar, durante a fuga); o pai estaria dentro do barraco, que foi fechado por fora. Esta versão parece mais coerente do que outras, cujo grau de elaboração deverá ser fruto do tempo. Noutra história, e segundo rezam várias almas, os dois irmãos Puges raptaram um homem endinheirado, a quem extorquiram as posses e ataram a um cavalo; açoitaram o animal, que ao fugir desmembrou a vítima. Os dois casos terão ocorrrido há mais de 30 ou 40 anos e fornecem um retrato dos amigos chegados de “Palito”. A maior parte dos habitantes de Valongo acusa os Puges de ajudarem “Palito”, enquanto este andou a monte. Em Trevões, ninguém sabe nada. O terreno dos Puges, que inclui pastagens para os animais, é próximo do cerejal. Era nas manjedouras dos seus animais que um dos Puges deixava diaramente comida para “Palito” — isto segundo os valonguenses. Tal como a própria Maria Angelina, Filomena está assustada com a possibilidade de “Palito” vir a ser libertado. “Dizem que está a preparar-se para [se fazer passar por] doido” durante o julgamento. Dizem que António não trocava uma palavra com Manuel e que Mário ainda tentou manter relações com o irmão — até ao incidente com a mulher. As partilhas não terão deixado os irmãos em pé de igualdade. Mário, além de lidar com os seus pequenos terrenos, tem de trabalhar à jorna nos terrenos dos outros, no cultivo dos produtos locais mais procurados — a vinha, os olivais, os castanhais, a amêndoa e a maçã. A primeira vez que o vimos, em Maio, Mário vinha a subir um carreiro, acartando um saco às costas, quando nos viu à conversa com Filomena. Gritou para a mulher: “Tu, vai para casa que já falaste demais. ” Depois, ameaçou-nos. Por fim, ofereceu cerveja e vinho. É um homem baixo e encorpado, de face rósea, com um bigode alourado. Perdeu recentemente um dedo na lavoura e repete várias vezes que “ainda [está] à espera do seguro”, mostrando o dedo em falta: fala mais deste que do irmão. Está suado do trabalho, com galochas e roupa de trabalho suja, o cabelo empastado do esforço físico e recusa chamar-se Mário, ser irmão de “Palito”, exigindo ser tratado por João — só respondeu quando o tratámos assim. Durante alguns minutos pode ter mentido sobre tudo: “Não sei ler, mas sei estreler”, diz. (Um antigo colega contesta-o: “Estudei com ele e ele fez pelo menos a 4. ª classe. Todos os irmãos fizeram. O ‘Palito’ até deve ter feito mais. ”)O que é que você faria se lhe aparecesse um homem que tinha matado duas pessoas no dia anterior? Aqui as amizades são de caça, de cartas, do cultivo. Mas tem-se sempre uma desconfiança”. “Eu sou um homem que vive com 450 euros e é a minha mulher que os ganha [no lar de idosos de Trevões]. Sem ela, como é que eu vivia?”, diz Mário. Nas semanas em que ali estive, foi a única vez que ouvi um homem elogiar a mulher. “Eu trago dinheiro, ele traz comida, é assim que fazemos vida”, corrobora Filomena, ainda especada à porta de casa. Comem “batatas e azeitonas todos os dias”, que é o que Mário cultiva. “Tirando beber umas minis, que isso bebo, a minha vida é só trabalho”, diz. Mais calmo e já de cerveja na mão explica que “se a [sua] mulher morresse arranjava outra, mas o [seu] irmão não era assim”. Joaquim, que mora a meio caminho entre os dois irmãos, conta que “Palito” repetia muito uma frase: “Aqui entrou uma mulher; a sair alguma, só morta. ” O sr Joaquim só tem uma coisa a dizer sobre o caso: “Tenho ali uma cassete com um filme de Entre-Os-Rios, também deviam fazer um filme disto. ” Ri-se e oferece tinto e chouriço. Segundo Carlos, uma pipa de vinho produz 500 litros e “dá benefício de 2 mil euros”. “Benefício” é o termo técnico para o que um produtor recebe pelo vinho que vende como vinho do Porto; Mário tem uma microprodução de vinho na garagem, que inclui lagar e uma pipa semi-industrial. Faz “250 litros por ano”, isto é, meia pipa: mil euros ao ano. Tem um jipe Nissan que foi topo de gama há anos, remanescente dos dinheiros da emigração na construção civil; mas reclama com a qualidade do sinal dos quatro canais da TDT. É este o paradoxo em que vivem os habitantes de Trevões: uma côdea de dinheiro que restou da emigração, a casa construída a pulso e batatas com batatas para o jantar. Mário, que tem dois filhos emigrados e “um já com contrato!” — dado que repete muito —, aponta para um altar a Nossa Senhora de Fátima erguido numa das paredes de sua casa. “Sou um homem temente a Deus. ” “Fui eu que fiz [o altar]. ” Já quase sem força mas não sem orgulho: “À noite, está sempre ligada. ” E de facto à noite lá está a brilhar no escuro. A última coisa que ouvi deste homem, nessa primeira conversa em que me pareceu um ser ferido, foi: “Se eu pudesse contava tudo, amigo. Mas é família. ” Fiquei na dúvida se por família Mário estava a referir-se só a “Palito” ou a incluir Maria Angelina. Segundo fontes familiares, Angelina não era a única a sofrer violência doméstica. Já separada, Angelina quis ir uns tempos para França; “Palito” ameaçou o transportador e chamou-lhe corno. Os seus actos públicos de agressão aumentaram com a separação e chegou também a apontar uma arma ao filho e agredir a filha. O que espoleta a espiral de violência, diz-nos Fernando Almeida, “é a separação do objecto amado — e no caso admirado”: Angelina sair de casa. “Pelos testemunhos, ela estava uns furos acima do que ele pensaria obter. Torna-se o objecto central da sua razão de vida. A partir daí a existência dele só tem sentido com ela. Ou é com ela ou não é com ninguém. ”O homicídio terá então sido o culminar de um processo de desintegração que se iniciou quando a mulher saiu de casa e que levou o filho Rui, que na altura da separação ficou com o pai, a cortar relações com este. A primeira vez que bati à porta de casa de uma das amigas de Maria Angelina que testemunharam a seu favor no caso contra “Palito”, ela escusou-se a comentar, afirmando ter de “fazer o comer” para o marido. Pela janela, via-se o marido já a jantar — e também se o ouvia a mandá-la para dentro. A segunda amiga disse exactamente o mesmo, mas insisti: o seu marido já está a comer. A violência começou cedo? Ela anuiu com a cabeça. Era muita? Anuiu com a cabeça. Ela evitava contar? Anuiu com a cabeça. Porque é que não queria contar? “Tenho de fazer o jantar para o meu marido. ” E a porta fecha-se. Meses depois do atentado — numa altura em que Angelina, de canadianas, voltara a casa, sendo visitada com regularidade pelos filhos (Sónia andava com uma espécie de corpete a proteger as costas) — um morador em Valongo contou-me: “A Elisa dizia que dava a vida pela sobrinha e deu. Agora você anda aqui a fazer perguntas às mulheres sobre violência doméstica quando a maior parte delas sofre o mesmo. E qual é a lição que este caso lhes dá? Que, se se divorciarem, acabam assim. ”Há dias, voltámos a Trevões e Valongo. Fonte próxima de Angelina disse-nos que “Palito” começou a bater logo ao início do casamento; e que Maria Angelina tentou esconder o facto por vergonha e uma estranha culpa. Mas também porque não valia de nada falar: “As outras mulheres sofrem o mesmo. E em muitos casos os pais [das vítimas] ou não acreditam ou acham que têm de se aguentar. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A própria Maria Angelina diz-nos apenas: “Não sei ainda o que vai ser a minha vida; mas vou lutar. ”Pelos testemunhos, ela estava uns furos acima do que ele pensaria obter. Torna-se o objecto central da sua razão de vida. A existência dele só tem sentido com ela. Ou é com ela ou não é com ninguém. ”
REFERÊNCIAS:
“Não se pode defender apenas algumas igualdades”, pedem as feministas negras
Ainda “estamos na fase da infância” do feminismo negro em Portugal, mas há um novo contributo de peso. O Inmune, o Instituto da Mulher Negra, nasce da vontade de várias mulheres de tomar a palavra na produção de conhecimento, sem deixar de fora a acção comunitária. (...)

“Não se pode defender apenas algumas igualdades”, pedem as feministas negras
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 7 Homossexuais Pontuação: 11 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento -0.12
DATA: 2018-12-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ainda “estamos na fase da infância” do feminismo negro em Portugal, mas há um novo contributo de peso. O Inmune, o Instituto da Mulher Negra, nasce da vontade de várias mulheres de tomar a palavra na produção de conhecimento, sem deixar de fora a acção comunitária.
TEXTO: “Somos uma entidade feminista interseccional e somos uma entidade anti-racista. Isto é o que nos une e o que nos caracteriza”, descreve Joacine Katar Moreira, presidente — ou “presidenta”, como pede para ser tratada — do recém-criado Inmune, o Instituto da Mulher Negra em Portugal. “O facto de sermos o instituto da mulher negra não significa que todas as nossas preocupações tenham que ver especificamente com questões do racismo e do sexismo. Não se pode defender apenas algumas igualdades”, defende a investigadora do ISCTE, sublinhando a importância de olhar para outras formas de discriminação — que atingem as mulheres negras e não só —, como o preconceito contra pessoas LGBT, pessoas com deficiência e as desigualdades económicas estruturais. “Temos que ser educados para ouvir. ”Actualmente, o núcleo duro do Inmune é composto por 27 fundadoras, às quais se juntam outras associadas. Estão distribuídas por oito departamentos — da ciência ao queer, da cultura à infância —, tantos como as áreas em que cada uma sente que pode contribuir para melhor conhecer e apoiar outras mulheres negras em Portugal. São académicas, artistas, designers ou técnicas de serviço social; há portuguesas e de outras origens, muitas residentes em Lisboa mas também de outras regiões e até emigradas. A designação de “instituto” não é meramente estética. Além da intervenção comunitária, há na sua missão uma componente de reflexão, uma aposta na produção de conhecimento sobre as vivências das mulheres negras na sua diversidade. Educação, acesso à saúde, ao emprego, habitação, universidades, justiça — são várias as áreas em que têm encontrado discriminação e invisibilização, ou seja, o não reconhecimento e aceitação da sua presença. São muitas vezes olhadas com surpresa quando mostram outras faces além destas duas dimensões da sua identidade — mulheres e negras. “Retiram ao sujeito negro o lugar de multiplicidade”, lamenta a designer Neusa Trovoada, do departamento de comunicação da Inmune. “É como se só pudéssemos ser uma coisa, e quando somos diversas coisas, as pessoas espantam-se. ”Neusa Trovoada, 45 anos, é natural de Angola e vive em Portugal desde os sete anos, com uma passagem por Inglaterra. Numa voz doce que não denuncia a idade, fala sobre a solidão que pautou o seu percurso, em espaços como a universidade ou o mercado de trabalho qualificado, e sorri ao recordar os momentos de encontro que lhe mostravam que não era a única. Contudo, olha para raparigas mais novas na família e vê que pouco mudou nas suas vivências. É isto que a motiva a abraçar a militância — para provocar o abanão necessário para que as coisas mudem. Joacine Katar Moreira reconhece que ainda “estamos na fase da infância” do feminismo negro em Portugal, sublinhando a importância do florescimento de novos colectivos que possam trazer perspectivas diferentes. “As mulheres negras são diversas, quantas mais associações, melhor. ” Vários contributos chegam através do activismo e do conhecimento que é produzido em outros países, como o Brasil — uma das inspirações do Inmune é o Geledés, o Instituto da Mulher Negra brasileiro —, mas “é necessário que haja um enquadramento, uma readaptação”. E mais estudos sobre as características deste cruzamento entre racismo, sexismo e outras discriminações na vida das mulheres negras em Portugal. Outro contributo que o Inmune pretende dar é repensar a forma como olhamos para o mundo. Uma das ideias para o próximo ano é criar um manual de comunicação inclusiva, para reflectir sobre a linguagem “masculina e colonizada”, das palavras aos conceitos — porque não são apenas as palavras que importam, mas as ideias que nos levam a escolhê-las. Joacine Moreira recorda o momento em que decidiu reivindicar a palavra “presidenta”, a exemplo de Pilar Del Rio, que sugeria que este feminino não existia porque não era um cargo ocupado por mulheres. É preciso também olhar de outra forma, afirma a investigadora, para a História. Nos tempos da escola, estranhava a narrativa de que as pessoas negras tinham sido docilmente escravizadas. E, de facto, não o foram, mas “há uma omissão da resistência”. Um apagamento que vai desde as revoltas dos povos africanos até ao presente, ao não reconhecimento das resistências quotidianas de muitas mulheres. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É precisamente com o objectivo de repensar alguns conceitos que surgem as “Conversas às escuras”, reuniões regulares que não se querem “um encontro de egos, mas um encontro de almas”. A primeira conversa aconteceu no sábado e juntou a “presidenta” da Inmune e a investigadora Inocência Mata, da Universidade de Lisboa. Joacine Moreira explica que “normalmente o obscuro, o oculto, o sombrio, estão associados ao mistério, mas igualmente a algo negativo, algo que, mesmo existindo, não pode ser reconhecido”. “Qual é o problema em ser uma ovelha negra?”, brinca a investigadora. É preciso, portanto, retirar a carga negativa a estas expressões — uma reconceptualização que não é de agora, bebendo, por exemplo, do movimento francês que se apropriou do conceito de negritude. Por vezes, diz, também é preciso “transformar as palavras em expressões revolucionárias”. Não tem medo de que a ideia seja considerada radical? Joacine Katar Moreira ri-se calorosamente, acolhendo a palavra. “A evolução nunca se fez com os conformados e os conservadores. Se não houvesse pessoas radicais, não haveria liberdade. ”Notícia actualizada às 13h15
REFERÊNCIAS:
Mais mulheres no cinema americano, mas diversidade ainda está longe
Mesmo num ano em que Hollywood celebra nomeações de mais afro-americanos, dois estudos mostram que se houve progresso para as actrizes, os não-brancos continuam subrepresentados. (...)

Mais mulheres no cinema americano, mas diversidade ainda está longe
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 5 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.199
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170602172045/https://www.publico.pt/1763075
SUMÁRIO: Mesmo num ano em que Hollywood celebra nomeações de mais afro-americanos, dois estudos mostram que se houve progresso para as actrizes, os não-brancos continuam subrepresentados.
TEXTO: Em 2016, os Óscares foram dominados por uma discussão que durava desde os anos 1990 mas que só em 2015, e depois em força em 2016, se tornou simbólica – OscarsSoWhite, ou como Hollywood, afinal, não era assim tão progressista. Agora, surgem os números que confirmam a tendência nesses filmes de 2015, e que mostram que as minorias étnicas só representaram 13, 6% dos protagonistas dos filmes de 2015, segundo um estudo, mas também os sinais mais positivos para um sector em que quase um terço dos filmes foi protagonizado por mulheres, segundo outro relatório. Os filmes de 2016, do blockbuster Rogue One até Primeiro contacto ou as matemáticas de Elementos secretos, tiveram mais 7% de protagonistas mulheres do que os do ano anterior – contabilizando-se os cem filmes mais rentáveis dos EUA, como anualmente faz o Center for the Study of Women in Television and Film da San Diego State University. E tiveram mais 3% de papéis enquanto personagens de relevo, assinala o estudo divulgado esta semana. São números que representam um máximo histórico recente mas também uma viragem e sobretudo uma tendência de aumento que já não era vista nos últimos anos, e que surge depois de outros tantos anos de sensibilização para o estado da indústria no que toca à diversidade. Se o estudo anual It’s a Man’s (Celluloid)World: Portrayals of Female Characters in the Top 100 Films of 2016 aponta então para uma diversificação, também, do tipo de filmes que mais empregam mulheres e lhes dão protagonismo, há ainda poucas mulheres a trabalhar atrás das câmaras (menos 2% de realizadoras do que em 2015). E este ano, com um cenário diferente e mais diversidade nos prémios da Academia, soube-se contudo que as minorias étnicas só representaram 13, 6% dos protagonistas dos filmes de 2015, como revelou o estudo do Ralph J. Bunche Center for African American Studies da UCLA. Também revelado esta semana, o documento que se debruça sobre os 200 filmes com mais sucesso nas bilheteiras e também em mais de 1200 programas de TV de todas as plataformas da temporada de 2014/15 assinala que “os números ainda são desencorajadores” no que toca à diversidade, segundo o coordenador do estudo, Darnell Hunt. Só 10, 1% dos realizadores de filmes são não-brancos, indica o estudo, e as mulheres estão sub-representadas em todas as categorias profissionais em análise. E acrescenta, nas suas conclusões, que os filmes com um elenco com mais diversidade têm melhor performance nas bilheteiras e dão retorno do investimento, reforçando que as minorias foram responsáveis pela maior parte da compra de bilhetes de cinco dos dez filmes mais vistos nos EUA no mesmo período.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Lisboa pede justiça para Vanesa, prostituta transgénero morta em Paris
Vanesa morreu em meados de Agosto, alvejada, enquanto tentava defender um cliente. Em sua memória, foram marcadas várias manifestações em vários pontos do globo. (...)

Lisboa pede justiça para Vanesa, prostituta transgénero morta em Paris
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 11 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento -0.2
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vanesa morreu em meados de Agosto, alvejada, enquanto tentava defender um cliente. Em sua memória, foram marcadas várias manifestações em vários pontos do globo.
TEXTO: Nos últimos oito anos, foram reportados 2609 homicídios de pessoas transgénero em 71 países. Vanesa Campos faz parte desse número. A morte da prostituta, na noite de 16 para 17 de Agosto, em Paris, vai motivar um conjunto de acções de protesto a nível internacional — de Perth (Austrália) a Bogotá (Colômbia), passando por Amesterdão (Holanda). Em Portugal, está marcada uma manifestação no jardim de Santos, em Lisboa, próximo da embaixada de França, para a próxima sexta-feira. A organização pede a “descriminalização de todos os aspectos do trabalho sexual” e a sua “aceitação como profissão”. Vanesa Campos, 36 anos, vivia há apenas dois anos em França. A mulher transgénero, de origem peruana, sustentava-se através do trabalho sexual, que lhe permitia enviar algumas somas de dinheiro à família. Foi alvejada, enquanto defendia um cliente de uma tentativa de assalto, em meados de Agosto, num jardim em Paris — o Bosque de Bolonha, um conhecido local de trabalho de prostitutas. Foi a 10. ª trabalhadora do sexo a morrer neste local nos últimos anos, de acordo com o jornal local Le Parisien. Na sequência do crime, foram detidos cinco suspeitos, que serão presentes a tribunal com o arrancar dos procedimentos judiciais, ainda durante este mês. Sexta-feira das 18h às 21hJardim de Santos (traseiras da embaixada de França), LisboaA história de Vanesa tem motivado vários protestos e homenagens. O primeiro aconteceu em Paris, apenas uns dias após a sua morte. A marcha juntou trabalhadores do sexo e militantes LGBT e desfilou até ao local onde Vanesa morreu. Entre rosas brancas, apontou-se o dedo à classe política, pela adopção de uma lei sobre o trabalho sexual que criminaliza os clientes que procuram estes serviços. Em Portugal, esta homenagem será a primeira. Sacha Montfort, membro da associação transexual e não-binária TransMissão, falou ao PÚBLICO sobre a acção de protesto, que está a organizar. Explica que servirá como uma homenagem a Vanesa, um exemplo que mobiliza “associações anti-racistas, dos direitos das trabalhadoras do sexo e associações trans”. “É mais uma mulher trans morta. Acontece demasiadas vezes. É terrível. Trouxe-nos logo memórias da Gisberta”, lamenta Montfort. Gisberta era uma prostituta transgénero, de origem brasileira, agredida e morta por um grupo de rapazes em 2006, num prédio abandonado do Porto. De acordo com este activista, a legislação francesa sobre o trabalho sexual empurrou Vanesa para uma situação mais perigosa do que o necessário: “Este tipo de criminalização [dos clientes, à semelhança do modelo nórdico] é nocivo para as trabalhadoras do sexo. ” “Coloca os clientes em risco. Eles pedem mais privacidade, o que as leva a trabalhar na maior confidencialidade e na menor segurança. Foi assim que a Vanesa Campos morreu. ”Também Mara Clemente, investigadora do ISCTE, membro do Grupo Interdisciplinar de Investigadores sobre Trabalho Sexual (GIITS) e organizadora da manifestação em memória de Vanesa, acredita que foi a legislação francesa que ditou a morte da prostituta peruana. “Eu acho que essa lei contribui para (. . . ) a morte da Vanesa Campos. E não é só a minha opinião, é a de todos os activistas”, diz. A lei em Portugal é diferente. A prostituição não é ilegal, mas está proibida a promoção, facilitação ou lucro de terceiros — por isso, a penalização recai sobre os proxenetas —, o que, na opinião dos dois activistas entrevistados pelo PÚBLICO, acaba por funcionar de forma igualmente negativa para as prostitutas. “A definição de proxeneta é muito lata e estende-se a todas as pessoas que podem fazer parte do círculo de proximidade e amizade destas pessoas. Amigos, namorados, redes de apoio. Isola-as muito. Não podem procurar ajuda, porque as pessoas podem ser acusadas de proxenetismo”, sintetiza Sacha Montfort. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E há algo que não está garantido em nenhum dos dois cenários: direitos e protecção social. “Há que defender direitos básicos de cidadania, como o direito a viver em segurança (. . . ) para trabalhadoras do sexo, migrantes e pessoas trans”, sublinha a investigadora Mara Clemente. “Não se deve chegar a casos como o da Vanesa Campos ou o da Gisberta para deixar de lado a indiferença”, continua Mara Clemente, “especialmente em casos em que as pessoas estão expostas a vulnerabilidades múltiplas, porque se encontram numa intersecção em que se juntam o trabalho sexual, a experiência migratória e [o facto de] serem pessoas trans. ”É também por aí que passam os pedidos das associações que organizaram esta manifestação. Sacha Montfort resume-os: “O que nós queremos é uma despenalização total dos trabalhadores do sexo” e “dizer-lhes que podem trabalhar em segurança, com direitos laborais e segurança social”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime direitos morte lei tribunal mulher ajuda social prostituição sexo sexual morta assalto ilegal lgbt transexual prostituta
Eurodeputado diz que "mulheres são mais fracas" do que os homens e por isso devem ganhar menos
Não é a primeira vez que o deputado polaco Korwin-Mikke faz comentários polémicos no Parlamento Europeu. (...)

Eurodeputado diz que "mulheres são mais fracas" do que os homens e por isso devem ganhar menos
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 13 | Sentimento -0.16
DATA: 2017-03-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Não é a primeira vez que o deputado polaco Korwin-Mikke faz comentários polémicos no Parlamento Europeu.
TEXTO: O eurodeputado polaco Janusz Korwin-Mikke, de extrema-direita, disse nesta quarta-feira que a desigualdade salarial entre homens e mulheres se deve manter porque as mulheres são “mais fracas, mais pequenas e menos inteligentes” do que os homens. As declarações foram imediatamente refutadas pela socialista espanhola Iratxe García, do PSOE. Também o líder dos socialistas europeus, Gianni Pittella, pediu, nesta quinta-feira “uma sanção exemplar contra as vergonhosas declarações de Korwin-Mikke, que vão contra os princípios de igualdade de género” da Comunidade Europeia, considerando que este tipo de atitude “não pode ficar impune”. “Claro que as mulheres devem ganhar menos do que os homens. Porque são mais fracas, mais pequenas e são menos inteligentes”, afirmou Korwin-Mikke, eurodeputado independente desde 2014. As declarações decorreram durante um debate sobre a desigualdade de género na Europa, em que era discutida a desigualdade salarial entre homens e mulheres. A média europeia de desigualdade salarial é de 16%. Segundo dados da Eurostat, Portugal é um dos países europeus com maior desigualdade salarial, havendo uma discrepância de 17, 8% entre os dois géneros. Iratxe García pediu a palavra assim que o polaco acabou de falar, afirmando que, segundo as suas teorias, a deputada não teria direito a ocupar o seu cargo actual. “Sei que lhe dói e preocupa que hoje as mulheres possam estar a representar os cidadãos em igualdade de condições”, disse. “Venho aqui defender as mulheres europeias de homens como você”, concluiu a deputada espanhola do PSOE. “Sabem quantas mulheres estão entre os 100 melhores jogadores de xadrez? Digo-vos: nenhuma. ”, afirmava o eurodeputado no início da sua intervenção. Segundo o El País, Korwin-Mikke pratica xadrez com regularidade, daí a sua afirmação; ainda assim, omite a desproporção que existe entre os praticantes: só existe uma mulher por cada 14 homens. Em contrapartida, a húngara Judit Polgar, por exemplo, chegou a estar entre os dez melhores jogadores de xadrez. Depois do pedido de sanção por parte do eurodeputado italiano presidente do Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, Gianni Pittella, também o Presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, anunciou que estava em curso uma investigação relativamente às declarações do político, que pode derivar em sanções. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Anteriormente, o eurodeputado já tinha ficado conhecido por alguns dos seus comentários de conteúdo sexista e anti-semita. Já em 2015, o eurodeputado de extrema-direita foi suspenso do Parlamento Europeu durante dez dias e sancionado com uma multa de 3000 euros por um discurso encomiástico sobre o nazismo, tendo, inclusive, feito a saudação nazi. Em Setembro do mesmo ano, Korwin-Mikke referiu-se aos refugiados como sendo “lixo humano”. O El País refere ainda que o eurodeputado já declarou anteriormente que as mulheres não deviam ter direito a votar por terem menos conhecimento de política do que os homens; noutras ocasiões, questionou a legitimidade das denúncias de violação e referiu que Hitler dificilmente estaria a par dos planos de extermínio dos judeus. Korwin-Mikke, defensor da monarquia e da pena de morte, foi candidato à presidência da Polónia em 2015, atingindo 4, 8% dos votos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte homens mulher comunidade violação igualdade género mulheres
Jerónimo de Sousa pede confiança às mulheres e promete combater nova lei da IVG
Líder da CDU em campanha em Lisboa. (...)

Jerónimo de Sousa pede confiança às mulheres e promete combater nova lei da IVG
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 13 | Sentimento 0.136
DATA: 2015-09-15 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150915134951/http://www.publico.pt/1707812
SUMÁRIO: Líder da CDU em campanha em Lisboa.
TEXTO: O líder da Coligação Democrática Unitária (CDU) pediu nesta segunda-feira que as mulheres confiem o seu voto à força política que junta PCP e "Os Verdes", prometendo combater as recentes alterações à lei da interrupção voluntária da gravidez (IVG). Num "Convívio de Mulheres CDU", na Casa do Alentejo, em Lisboa, o secretário-geral comunista destacou o facto de as listas de candidatos a deputados da coligação terem 43% de pessoas do sexo feminino e defendeu o "princípio do salário igual para trabalho igual", "o direito a ser mãe e trabalhadora", "a liberdade às famílias para decidirem o momento e número de filhos", "a prevenção e erradicação da violência doméstica" e a ideia de um "plano de combate à exploração na prostituição". "Queremos, desde já, anunciar que, entre as primeiras iniciativas da próxima legislatura, apresentaremos uma proposta de revogação destas inaceitáveis alterações", afirmou Jerónimo de Sousa, referindo-se à aprovação pela maioria PSD/CDS-PP de "graves subversões à lei da IVG", que tinha sido "aprovada em 2007 na sequência de um referendo". Entre várias outras iniciativas descritas, o líder do PCP mencionou o "alargamento do tempo de licença obrigatória de maternidade e paternidade", a "decisão livre, em caso de partilha, sobre período de gozo da licença de 150 ou 180 dias, com pagamento a 100%", licenças específicas para bebés prematuros e outros casos de internamento infantil, bem como extensão de "prazos e montantes de subsídios de assistência a filhos deficientes" ou doentes crónicos, por exemplo. "Confiem. Confiem nesta força, suas propostas e projecto, pela prova da sua acção e coerência políticas. Confiem nesta grande força que nunca virou a cara à luta, que, sem vacilar, se demarcou e denunciou a ilegítima intervenção externa na vida do país, que esteve sempre do lado certo, dos interesses do país, na defesa da soberania e independência nacionais", apelou.
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD LIVRE PCP
Morreu a arquitecta Zaha Hadid, a primeira mulher a ganhar o Pritzker
A arquitecta britânica de origem iraquiana morreu inesperadamente em Miami aos 65 anos. (...)

Morreu a arquitecta Zaha Hadid, a primeira mulher a ganhar o Pritzker
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 13 | Sentimento 0.525
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A arquitecta britânica de origem iraquiana morreu inesperadamente em Miami aos 65 anos.
TEXTO: A arquitecta Zaha Hadid morreu esta quinta-feira de ataque cardíaco em Miami aos 65 anos. “É com imensa tristeza que a Zaha Hadid Architects confirma que Zaha Hadid morreu subitamente às primeiras horas da manhã em Miami. Tinha contraído uma bronquite no início desta semana e teve um ataque cardíaco enquanto estava a ser tratada no hospital”, divulgou em comunicado o seu atelier. Hadid, uma britânica de origem iraquiana, foi a primeira mulher a ganhar o Prémio Pritzker de Arquitectura em 2004, a distinção mais importante na área. Habituada a ser pioneira num mundo de homens, foi também a primeira mulher a ganhar a medalha de ouro do RIBA em 2015, o prémio do Royal Institute of British Architects, 170 anos depois de ter sido instituído. Conhecida pelos seus projectos que propõem espaços fluidos, Zaha Hadid desenhou, por exemplo, o Centro Aquático das Olimpíadas de Londres, o Centro Cultural Heydar Aliyev, em Baku, no Azerbaijão, o museu MAXXI, em Roma, a Ópera Guangzhou e a Innovation Tower de Hong Kong, ambos na China, a sede da BMW em Leipzig, na Alemanha, e o Centro Rosenthal de Arte Contemporânea, no Ohio, Estados Unidos. Hadid nasceu em Bagdad, no Iraque, em 1950, mas foi na Universidade Americana de Beirute que estudou Matemáticas, antes de optar pela Arquitectura. Em 1972 começou a sua formação na Architectural Association, em Londres, onde teve entre os seus professores o suíço Bernard Tschumi, o grego Elia Zenghelis e o holandês Rem Koolhaas, vindo a trabalhar com os dois últimos antes de, sete anos mais tarde, criar o seu próprio atelier na capital britânica – Zaha Hadid Architects –, hoje uma máquina impressionante com centenas de funcionários e representações em várias cidades do mundo. Lembra o atelier no comunicado em que dá conta da sua morte que Hadid deu nas vistas logo no começo dos anos 1980, com os seus primeiros trabalhos, propostas para edifícios como The Peak (1983), em Hong Kong, que nunca chegaram a sair do papel. A primeira encomenda importante da arquitecta, a que estabeleceu a sua reputação internacional, foi o Posto de Bombeiros (1993), em Weil am Rhein, na Alemanha, lembra ainda o atelier, numa prática que se viria a distinguir "pela inclusão de tecnologias inovadoras resultando numa arquitectura de formas inesperadas e dinâmicas". Quando ganhou o Pritzker, era uma arquitecta já surpreendentemente famosa, tendo em conta a quantidade de obra construída. O presidente do júri do Pritzker, Jacob Rothschild, disse então que a arquitectura de Hadid é "sempre inventiva" e "alterou a geometria dos edifícios", afastando-se das tipologias existentes. Na mesma altura, Frank Gehry, também membro do júri e prémio Pritzker em 1989, sublinhou a clareza do seu percurso arquitectónico, acrescentando que cada novo "projecto é estimulante e inovador". Numa entrevista ao El País, disse como estava agradecida a Gehry por Bilbau, por ter conseguido chegar onde não a deixaram ir, um dos seus temas preferidos: “O Guggenheim abriu a porta. Tinha de ser aberta por um homem. A mim não me teriam deixado. Por isso, estou-lhe agradecida. Graças a esse projecto já pude construir. ”Peter Cook, que escreveu o seu elogio na altura da medalha RIBA, falou do seu talento, mas também do seu mau feitio. “É verdade que o seu trabalho, embora cheio de forma, estilo e de um maneirismo desbragado, possui uma qualidade que alguns de nós podem descrever como um ‘olho’ impecável. ” Durante três décadas, continuou, “aventurou-se onde poucos se atrevem”. E concluía: “Tanta autoconfiança é facilmente aceitável em realizadores e treinadores de futebol, mas alguns arquitectos sentem-se desconfortáveis, talvez estejam secretamente ciumentos do seu talento inquestionável. ”De personalidade forte – os obstáculos que de início teve de vencer para se afirmar numa área em que as mulheres eram olhadas com desconfiança fizeram-na assim, dizia –, Hadid parecia sempre disposta a defender os seus pontos de vista, mesmo que essa defesa lhe valesse duras críticas, como aconteceu em Setembro do ano passado, quando abandonou uma entrevista em directo na rádio pública britânica, feita a propósito da medalha RIBA. As coisas em estúdio começaram a correr mal quando a jornalista da BBC Sarah Montague alegou que tinham morrido trabalhadores no estaleiro do Estádio de Al-Wakrah, que a arquitecta desenhou para o Campeonato do Mundo de futebol no Qatar, em 2022. “Isso é absolutamente falso – não há, de todo, mortes no nosso estádio. Eu processei alguém na imprensa por causa disso. Você devia verificar os seus factos”, disse Hadid. Mais à frente, a apresentadora do programa da Radio 4 quis saber o que se passava com outro dos seus estádios, o dos Jogos Olímpicos de Tóquio de 2020, avançando que o primeiro-ministro nipónico decidira cancelá-lo devido aos seus custos astronómicos, substituindo-o por outro do arquitecto japonês Kengo Kuma. Quando a arquitecta estava a explicar-lhe que o que se passara em Tóquio fora um “escândalo”, a jornalista interrompeu-a para dizer que o programa estava a chegar ao fim e que ainda tinha mais algumas perguntas para lhe fazer. Foi aí que Hadid se levantou e, antes de sair deixando a jornalista pendurada, ainda lhe disse: “Não me faça perguntas se não quer que eu lhe responda. (…) Vamos acabar já com esta conversa. ”Quando ganhou a medalha RIBA, o jornalista Richard Waite perguntou-lhe, nas páginas do jornal da Associação de Arquitectos britânica, como via o facto de ser mulher num mundo de homens: “Ainda há um estigma em relação às mulheres. Mas já mudou muito – há 30 anos as pessoas achavam que as mulheres não conseguiam fazer um edifício. Essa ideia desapareceu, embora haja ainda um enorme preconceito”, disse. “As pessoas fazem-me perguntas a toda a hora sobre mulheres e arquitectura – eu realmente não sei o que responder. ”Com sentido de humor, Hadid resumia assim um dos obstáculos que as mulheres enfrentavam na arquitectura e noutras profissões habitualmente dominadas por homens: “Há lugares a que, como mulher, não podemos ir. Não podemos sair com os rapazes para jogar golfe, tomar um copo ou fazer vela. Ou melhor, podemos ir, mas nunca somos verdadeiramente incluídas. ”Na mesma entrevista, Hadid admitia que o que pensava sobre a arquitectura não mudara muito desde o início – “Ainda sou agressiva na procura de novas soluções e de novas formas de representar um programa [arquitectónico]” –, mas que a experiência e os conhecimentos técnicos acumulados a impediam de repetir erros do passado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Num futuro claramente marcado por uma crise de alojamento nas cidades, disse-o em várias entrevistas, Hadid, associada a edifícios de custos elevados (estádios, museus nacionais, teatros de ópera), gostaria de dedicar parte do seu tempo a reflectir sobre a habitação social, sobre as mudanças que nela podia introduzir. Isto, sem abdicar da possibilidade de criar lugares capazes de inspirar as pessoas. Todos os edifícios, mesmo um arranha-céus comercial, devem ter uma “componente cívica”, defendia, um espaço onde as pessoas pudessem construir múltiplos sentidos de comunidade. Isto porque, em cidades cada vez mais complexas e diversas em termos étnicos e culturais, é preciso criar territórios com que as pessoas se possa identificar, onde se sintam bem. “Construir comunidades fechadas, como mini-Kremlins, é um grande passo atrás – uma forma muito arcaica de viver”, argumentava, identificando como principais desafios da sua geração de arquitectos a promoção da sustentabilidade e o combate às disparidades sociais. “As comunidades contemporâneas têm de ser inclusivas. ” E a arquitectura tem de ser “optimista”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte homens ataque mulher homem comunidade social mulheres japonês
Malala cria fundo para garantir educação de meninas no Paquistão
Projecto vai permitir, para já, pagar a educação de 40 crianças num local seguro e apoiar financeiramente as suas famílias. (...)

Malala cria fundo para garantir educação de meninas no Paquistão
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-04-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Projecto vai permitir, para já, pagar a educação de 40 crianças num local seguro e apoiar financeiramente as suas famílias.
TEXTO: Malala Yousafzai, a paquistanesa que escapou a uma tentativa de assassínio dos taliban, anunciou a primeira doação do fundo que criou para permitir que 40 meninas paquistanesas frequentem a escola. A jovem de 15 anos anunciou a criação do fundo a partir do Reino Unido, onde vive agora, para a conferência Mulheres no Mundo, em Nova Iorque. Os 45 mil dólares (35 mil euros) que conseguiu angariar até agora com o apoio da actriz Angelina Jolie e de duas instituições de caridade, destina-se a pagar a educação de quatro dezenas de meninas com idades entre os cinco e os 12 anos do Vale de Swat, a região onde vivia no Paquistão. “Anunciar a primeira doação do Fundo Malala é o momento mais feliz da minha vida”, disse. “Permitam-nos que passemos da educação de 40 para 40 milhões de meninas. ” A criação do Fundo Malala já tinha sido anunciada em Fevereiro, na sua primeira declaração pública depois de ter deixado o Hospital Queen Elizabeth, em Birmingham, onde estava internada desde o ataque dos taliban. Por motivos de segurança, nem o local nem o nome do projecto foram revelados. Mas Malala adiantou outros pormenores: aquelas meninas terão um local seguro para assistirem às aulas e parte do dinheiro destina-se a apoiar as famílias, um incentivo aos pais para as manterem na escola. Angelina Jolie, que fez a introdução à mensagem de Malala, elogiou a sua coragem e prometeu doar 200 mil dólares (155 mil euros) para o fundo. “Numa tentativa brutal de silenciarem a sua voz, ela ficou mais alta e ela mais decidida”, disse a actriz. Activista pelos direitos das mulheres à educação desde muito nova, Malala foi nomeada para o Nobel da Paz deste ano. Começou a ser conhecida aos 11 anos, com um blogue para a BBC Urdu sobre como era viver sob o regime dos taliban e a tentativa de assassínio de que foi vítima no final do ano passado transformou-a num símbolo da luta contra os taliban.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos escola educação ataque mulheres assassínio
Foi você que pediu um Ocean’s só com mulheres? Talvez não, mas ele existe e pode ser um sucesso
“Nunca seremos os principais suspeitos”, diz Sandra Bullock às suas ladras. O regresso ao universo celebrizado por Sinatra e Clooney, mas agora com Cate Blanchett e companhia feminina, está a sair-se bem nas bilheteiras e chega esta quinta-feira a Portugal. (...)

Foi você que pediu um Ocean’s só com mulheres? Talvez não, mas ele existe e pode ser um sucesso
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 13 | Sentimento 0.15
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20180621140516/http://publico.pt/1835254
SUMÁRIO: “Nunca seremos os principais suspeitos”, diz Sandra Bullock às suas ladras. O regresso ao universo celebrizado por Sinatra e Clooney, mas agora com Cate Blanchett e companhia feminina, está a sair-se bem nas bilheteiras e chega esta quinta-feira a Portugal.
TEXTO: Ocean’s 8 é um filme forjado na incapacidade de Hollywood escapar ao facilitismo de voltar aos sítios onde já foi feliz, com remakes e reboots e franchises, e sobre a incapacidade de a mesma indústria dar tanto protagonismo a homens como a mulheres. Um filme de assaltos e de acção, para alguns críticos erguido sobre uma frágil casa de papel, mas cujo subtexto político e o poder das estrelas que o carregam – Sandra Bullock, Cate Blanchett, Anne Hathaway, Rihanna, Helena Bonham-Carter – o tornaram vitorioso nas bilheteiras. Este é um retomar de uma série conhecida com grandes assaltos, montagens com glamour e o desejo da elegância de um ladrão de casaca. Primeiro foi Ocean’s 11 (1960), com Frank Sinatra, Dean Martin e Sammy Davis Jr. Depois, Steven Soderbergh entrou em cena para realizar o remake de 2001 e as sequelas de 2004 e de 2007, encabeçadas por George Clooney e Brad Pitt. É também um filme feito depois de anos de actrizes, entre as quais uma das suas protagonistas, Cate Blanchett, pedirem igualdade salarial ou mais oportunidades como realizadoras, produtoras ou argumentistas, e depois de Caça-Fantasmas (2016), refeito com mulheres e arrasado por detractores e pouco apreciado pela crítica. Ocean’s 8 foi anunciado há dois anos e, dado o rácio orçamento-receita, é já um sucesso. O seu percurso pode ser diferenciador entre a categoria “filme para mulheres” ou simples “filme de acção” ou “blockbuster”. E chega no momento certo, defende Paul Dergarabedian, analista do mercado cinematográfico, à Variety. “Se desenhássemos um mapa de como ressuscitar bem um franchise, era o de Ocean’s 8. Tinha tudo perfeitamente mapeado”; e Jeff Goldstein, o responsável pela distribuição do estúdio do filme, a Warner, confirma que este “tinha um apelo feminino específico. No zeitgeist [momento actual], ele foi ligeiramente intensificado”. No contexto actual em que “género” é uma palavra mais constante no discurso público e em que um hashtag se tornou sinónimo de uma viragem na forma como são encaradas as mulheres na sociedade, Ocean’s 8 nunca poderia existir só como um filme a que a crítica tem dado uma aprovação morna. Tem muito subtexto entre a comédia e a acção do argumento do realizador Gary Ross e de Olivia Milch, e uma fala em que se tenta dizer tudo sobre a política de género: “Um ‘ele’ dá nas vistas, uma ‘ela’ é ignorada. E, por uma vez, queremos ser ignoradas”, diz Sandra Bullock, aliás, Debbie Ocean (irmã de Danny Ocean, ou George Clooney de há dez anos), sobre a escolha do elenco de assaltantes. As questões de género entranharam-se também na recepção do filme. Não tendo sido assolado por uma campanha nas redes sociais como Caça-Fantasmas, Ocean’s 8 foi recebido pela crítica sem entusiasmo, geralmente com elogios para o elenco mas lamentos pela qualidade do produto como um todo. Na altura da estreia, um estudo da USC Annenberg Inclusion Initiative revelava que a maioria da crítica de cinema é feita por homens brancos, e as actrizes de Ocean's 8 associaram a estatística à apreciação geral do filme. “Se eu tivesse de basear a minha carreira no que os homens brancos querem ver, eu teria muito pouco sucesso”, queixou-se Mindy Kaling, com Cate Blanchett a dizer que os números revelam que “há um certo tipo de olhar que observa as mulheres”. Algumas mulheres críticas de cinema encontraram no filme o que consideram ser os mesmos problemas que os seus congéneres masculinos. Se (os críticos masculinos d)a Rolling Stone ou Atlantic elogiaram largamente o filme, as críticas mulheres da Time ou da Variety apontaram-lhe defeitos, juntando-se-lhes a respeitada Manohla Dargis, do New York Times, que assinalava que o filme seria melhor se “brincasse com uma leveza de toque (sem perder a seriedade) com o género [sexual] tanto quanto o faz com o género [fílmico]”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O que é esse feminino é uma das questões do filme – Ocean’s 8 tem elementos eternamente associados às mulheres e explorados no cinema popular dos últimos anos. Tem um guarda-roupa que se destaca e é um colar Cartier de 150 milhões que se vai roubar. É em vários cenários, como o armário recheado de roupa e sapatos da revista Vogue ou numa passadeira vermelha onde desfilam o clã Kardashian ou Serena Williams, que se prepara o crime. São os cenários dos filmes O Sexo e a Cidade ou de O Diabo Veste Prada, e também cenários reais como a gala do Museu Metropolitan, festa de moda temática onde o crime de Ocean’s 8 se passa. Bullock garante às suas larápias: “Nunca seremos os principais suspeitos. ” A invisibilidade que também é uma certeza do feminino ganha um contexto particular. Ocean’s 8 “é o primeiro de uma série de filmes que chegarão nos próximos meses que surgem sem qualquer desejo evidente na sua origem”, nota Sean Fennessey no site The Ringer. Mas se ninguém parecia pedir um Ocean’s feminino, alguém está lá para o ver – o filme chegou aos cinemas norte-americanos no dia 8 e tornou-se o filme mais visto dessa semana. Agora já tem 101 milhões de euros de receitas brutas de bilheteira em todo o mundo, contra um orçamento de 60 milhões. Sem ajustar os números à inflação, ultrapassou os lucros dos primeiros Ocean's na sua estreia. Entretanto, em torno do filme criou-se uma pequena bolha temática, nos tempos de uma série de sucesso Netflix, como é o roubo de Casa de Papel, narrada por uma mulher, ou de The Kitchen, o filme de gangsters com Elizabeth Moss e Melissa McCarthy, que se estreia em 2019. “A própria existência de um filme como Ocean’s 8 faz uma estranha dupla afirmação: os remakes ou reboots que põem mulheres em papéis oriundos de filmes centrados em homens provam (como se alguém duvidasse disso) que as mulheres podem ser tão boas quanto os homens em qualquer papel – mas também que os seus filmes podem ser tão maus quanto aqueles em que os homens são protagonistas”, opina o crítico Richard Brody na New Yorker, lembrando que na sua opinião “Ocean’s 8 não é mau – simplesmente não está à altura do talento do seu elenco. Mas a sua existência (tal como a do reboot de Caça-Fantasmas) e os papéis proeminentes dados a excelentes actrizes são bons para a arte do cinema como um todo”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime homens mulher sexo igualdade género estudo sexual mulheres
Morreu a primeira mulher a vencer o mais prestigiado prémio de matemática
Maryam Mirzakhani, a iraniana que recebeu a Medalha Fields em 2014, tinha 40 anos e ensinava em Stanford, na Califórnia. (...)

Morreu a primeira mulher a vencer o mais prestigiado prémio de matemática
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 13 | Sentimento 0.516
DATA: 2017-07-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Maryam Mirzakhani, a iraniana que recebeu a Medalha Fields em 2014, tinha 40 anos e ensinava em Stanford, na Califórnia.
TEXTO: A lista de prémios e distinções é impressionante. Ainda em 2016, Maryam Mirzakhani tornou-se na primeira iraniana eleita para a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos em reconhecimento pelo “eminente e contínuo sucesso em investigação original”. Dois anos antes, tinha feito história ao tornar-se na primeira mulher a receber o mais relevante prémio para um matemático. “Houve uma luz que se apagou hoje, parte-me o coração… Desapareceu demasiado cedo”, escreveu este sábado no Instagram o iraniano Firouz Naderi, ex-cientista da NASA. “Um génio? Sim. Mas também uma filha, mãe e esposa”, acrescentou depois no Twitter. Familiares da matemática confirmaram à agência de notícias iraniana Mehr que Mirzakhani morreu no hospital onde estava internada. Com cancro de mama há quatro anos, estava hospitalizada desde que este se espalhou para a medula óssea. A genius? Yes. But also a daughter, a mother and a wife. pic. twitter. com/PJanwHWgw1Duas vezes vencedora das Olimpíadas Internacionais de Matemática, em 1994 e 1995, licenciou-se depois na Universidade Sharif de Teerão e completou o doutoramento na Universidade de Harvard, nos EUA, em 2004. Aos 31 anos já era professora na Universidade de Stanford, na Califórnia. “É uma grande honra. Ficarei feliz se encorajar jovens mulheres cientistas e matemáticas”, disse quando venceu o Fields, o equivalente do Nobel para a Matemática atribuído pela União Internacional de Matemática (UIM). Houve quem tivesse sublinhado de forma mais sonante a distinção recebida por Mirzakhani. “Encontro uma única palavra adequada para comentar esta notícia; finalmente!”, exclamou Elisabetta Strickland, chefe da delegação italiana ao Congresso Internacional dos Matemáticos onde o prémio foi atribuído. “Há anos que me bato para trazer à luz a excelência feminina na matemática. ” A Medalha Fields foi criada em 1936 mas até 13 de Agosto de 2014 não havia o nome de nenhuma mulher na lista de vencedores. “É um momento extraordinário”, afirmou então Christiane Rousseau, vice-presidente da UIM. “A Marie Curie teve prémios Nobel na física e na química no início do século XX. Mas na matemática foi a primeira vez que uma mulher ganhou o prémio mais prestigiado. Esta é uma celebração das mulheres”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nascida dois anos antes da Revolução Islâmica que mudou profundamente o seu país, Mirzakhani contava que nos tempos de Harvard “tinha de explicar incessantemente que, enquanto mulher, tinha o direito de frequentar a universidade” no Irão. A verdade é que o sistema de ensino da teocracia combina o ensino de massas e o de elite. Mirzakhani estudou no liceu Farzanegan da capital, que depende da “Organização para o Desenvolvimento de Talentos Brilhantes”, criada para descobrir alunos muito bons e sobredotados. A seguir foi para a Universidade Sharif, onde a qualidade do ensino é muito elevada e só entram muito poucos dos candidatos que fazem o seu exigente concurso. A maioria dos universitários no Irão são jovens mulheres e o regime gosta de ver os seus “cérebros” fazerem o doutoramento nas universidades ocidentais. A ideia é que regressem, o que acontece raras vezes. Mirzakhani nunca voltou. Casou nos EUA com Jan Vondrák, teórico da Ciência da Computação checo, com quem teve uma filha, Anahita.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA NASA