A cozinha verdadeiramente genial da Noélia é todos os dias aperfeiçoada por ela
A sua cozinha é única. É a cozinha de uma só pessoa, de uma só cabeça, de um só par de mãos. Podemos dar graças a Deus por ter nascido e ficado em Portugal. Mas eu prefiro dar graças à Noélia. (...)

A cozinha verdadeiramente genial da Noélia é todos os dias aperfeiçoada por ela
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.9
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: A sua cozinha é única. É a cozinha de uma só pessoa, de uma só cabeça, de um só par de mãos. Podemos dar graças a Deus por ter nascido e ficado em Portugal. Mas eu prefiro dar graças à Noélia.
TEXTO: Num tempo de menos injustiça para as mulheres, continua a ser gritante a quantidade de chefs que são homens: são quase todos. É inteiramente artificial, esse domínio. Pergunte-se a esses chefs se são os homens ou as mulheres que cozinham melhor e todos eles, se forem honestos, responderão que são as mulheres. Ou que não interessa se são homens ou mulheres. De qualquer maneira, quantos desses chefs, sejam portugueses ou de outra nacionalidade, se dizem inspirados pela cozinha do avô ou do pai?Os chefs-homens também têm a mania de indicar os nomes dos restaurantes de outros chefs-homens onde trabalharam para obter o valor acrescido que daí advém. É ridículo. E é por isso que o exemplo da Noélia é tão refrescante. Eis uma mulher que não aprendeu com ninguém e aprendeu com toda a gente. Ela não tem vícios nem tiques de escola nenhuma. Inventou-se a si mesma. Quando vamos a Cabanas comer na Noélia vamos deliciarmo-nos com a cozinha de uma pessoa que é cem por cento ela própria. Essa pessoa é uma cozinheira genial porque tem génio: exprime-se através do que cozinha e, abraçando a crueza dos mariscos e dos peixes, cada vez cozinha menos e combina mais. Há mais de um ano que não provava a cozinha da Noélia. Como ela é uma criadora constante, a única maneira de acompanhá-la é ir lá todos os dias almoçar e jantar, folgando só à quarta-feira. Eu sei porque já passei assim dois meses inteiros em dois anos seguidos. A Noélia acorda todos os dias com uma ideia diferente. Quando recebe os ingredientes tem uma segunda ou terceira epifania. Ela desenvolve as ideias de uma forma metódica e lenta, aproveitando sempre o que aprendeu anteriormente. Só os espíritos medíocres se alegram em começar do zero. A Noélia parte do tudo que já sabe. Entre os muitos pratos novos, talvez o mais sensacional seja o tártaro de carabineiro. O sabor da carne crua do carabineiro é modulado através da frescura da salada complexa que o rodeia. Estão lá as revelações dos tártaros de atum e de ostra do passado, mas a forma presente é a mais perfeita. A Noélia está sempre a melhorar-se. Cada criação é um avanço, fazendo com que os pratos do passado pareçam incompletos. É um sacrifício terrível mas sem ele não há genuína inovação. Essas inovações estendem-se a todos os elementos dum prato. Vejam-se, por exemplo, as torradas, feitas a partir de um primoroso pão cozido em Corte António Martins. Este ano as torradas são fofinhas e barradas com manteiga, na tradição galega de acompanhar mariscos. Por exemplo, com umas amêijoas à Bulhão Pato absolutamente perfeitas (por causa das amêijoas, por causa do molho) as torradas brilham de tão necessárias. Outro triunfo deste ano foram as sardinhas albardadas com xerém de tomate. O xerém é espectacularmente guloso, talvez porque nos falte milho (e canja) na alimentação. Parece que estamos a regressar a uma infância perdida. Os filetes de sardinha do Algarve são sumptuosamente fritos em almofadinhas gordas de fazer perder a cabeça. Porque é que este prato não faz parte obrigatória do dia-a-dia do nosso Verão?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O ceviche de dourada faz salivar a boca de tão deliciosamente adstringente. É um ceviche particular da Noélia, aperfeiçoado infinitamente, calibrado pela lima que ela sabe desdobrar como ninguém. Tem framboesas, abacate e coentros mas isso nada nos diz. É a combinação que levanta aquilo tudo e torna o ceviche muito mais que a soma de todas as partes. Ao aperfeiçoar-se, a Noélia está a aproximar-se do receituário tradicional do Algarve, cada vez mais raro e abandonado. Como não tem complexos nem inibições, a Noélia usa influências japonesas, andaluzes e escandinavas para fixar aquilo que lhe trazem a memória e a imaginação dela. É uma cozinha fresca e cheia de umami, atrevida e inteligente, sensual e leve. É, sobretudo, única. É a cozinha de uma só pessoa, de uma só cabeça, de um só par de mãos. É a cozinha da Noélia. Podemos dar graças a Deus por ter nascido e ficado em Portugal. Mas eu prefiro dar graças à Noélia.
REFERÊNCIAS:
Jogar futebol faz bem à saúde?
Neste texto damos a resposta, não aplicada aos praticantes de elite que vemos na TV, mas a todos aqueles que escolhem o futebol recreativo – no parque, na escola, no pavilhão entre amigos – como a sua atividade física preferida. Futsal incluído! (...)

Jogar futebol faz bem à saúde?
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.7
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Neste texto damos a resposta, não aplicada aos praticantes de elite que vemos na TV, mas a todos aqueles que escolhem o futebol recreativo – no parque, na escola, no pavilhão entre amigos – como a sua atividade física preferida. Futsal incluído!
TEXTO: A robustez de evidência científica face ao papel da atividade física na prevenção e tratamento de doenças como a hipertensão, diabetes tipo 2 e osteoporose exige que, atualmente, a investigação em exercício e saúde se centre, cada vez mais, nos efeitos concretos de programas de exercício físico que possam ser mantidos a longo prazo e por muitas pessoas. Durante a última década, diversos estudos foram publicados acerca dos efeitos da prática recreativa de futebol em vários indicadores de saúde. A ideia original terá surgido na Dinamarca: sendo o futebol recreativo uma atividade tão popular e, deste modo, capaz de manter os jogadores motivados para a prática, faria sentido conhecer cientificamente os seus efeitos na saúde. Este foi o tema principal de discussão da primeira conferência internacional "Football is Medicine", realizada na Cidade do Futebol, sede da Federação Portuguesa de Futebol, em janeiro de 2018. A iniciativa trouxe a Portugal os principais investigadores mundiais na área do futebol recreativo enquanto veículo promotor de saúde e lançou as bases para uma plataforma de divulgação e implementação de programas comunitários de atividade física que possam ser disseminados a nível mundial. Uma sessão de treino de futebol recreativo é, no que respeita às suas exigências físicas e fisiológicas, muito semelhante a uma sessão de treino de futebol federado num clube. No entanto, o futebol recreativo é extremamente fácil de ser implementado, pois não depende de uma organização formal e estruturada. Na verdade, são necessários apenas alguns elementos simples: uma bola e um espaço para se jogar. As regras, as dimensões do campo, as balizas e o número de jogadores podem ser adaptados. Mostram os estudos que, independentemente do número de participantes na sessão de treino (podem ser jogos reduzidos de 3 vs. 3, 5 vs. 5 ou 7 vs. 7), do espaço de jogo disponível (sejam espaços desportivos comunitários, pavilhões gimnodesportivos ou ringues de futsal no exterior), ou da superfície onde se pratica (relva natural ou artificial, cimento, asfalto, terra ou areia), o futebol recreativo tende a ser uma atividade de natureza intermitente, de intensidade moderada a vigorosa, exercendo uma forte ação sobre os sistemas cardiorrespiratório, metabólico e músculo-esquelético. Os benefícios são transversais aos diferentes escalões etários, a homens e mulheres, e visíveis tanto em indivíduos saudáveis como com patologias crónicas. O futebol recreativo já foi testado em algumas populações clínicas, nomeadamente em indivíduos com diabetes tipo II, com hipertensão, mulheres com osteopénia, homens em tratamento para o cancro da próstata e crianças e adolescentes com obesidade, verificando-se em todos benefícios assinaláveis. Estão também em curso projetos que visam estudar os efeitos do futebol recreativo em mulheres com cancro da mama e em homens com doença de Parkinson. Como não há competição formal, o risco lesional encontra-se muito reduzido e os benefícios desta prática parecem ser muito superiores aos riscos. Uma meta-análise recentemente publicada, que reuniu informação de 31 estudos, concluiu que, em homens e mulheres previamente sedentários entre os 18 e 65 anos, 2 treinos semanais de 1 hora durante 3 a 6 meses levam a uma melhoria na aptidão cardiorrespiratória, no perfil lipídico, no desempenho em testes funcionais e a uma diminuição da massa gorda e da frequência cardíaca de repouso. Em pessoas com hipertensão ligeira a moderada, é expectável uma redução da pressão arterial sistólica e diastólica, em 11 e 7 mmHg respetivamente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em comparação com outro tipo de exercícios, o futebol tem um impacto na capacidade aeróbia semelhante ao treino intervalado de alta intensidade, mas – e muito importante – com uma perceção de esforço menor. Este facto torna este tipo de exercício mais agradável em comparação com outras atividades percecionadas como mais exigentes (ver infografia). Uma das questões fundamentais para o sucesso a longo prazo de qualquer programa de atividade física passa por aspetos psicológicos e de envolvimento social dos participantes. Neste âmbito, a prática recreativa de futebol, enquanto desporto coletivo, está associada a elevados níveis de diversão e gosto pelo jogo, mas também de desenvolvimento de capital social e relacionamento entre os participantes. Isto favorece que a prática se mantenha ao longo do tempo, o que é o desejável (e também o mais difícil) na mudança comportamental em saúde. A popularidade do futebol em todo o mundo é indiscutível. Em Portugal, país campeão da Europa de futebol e futsal, há um potencial enorme, ainda por explorar, para promover o futebol recreativo. A prática regular e mantida ao longo do tempo pode trazer claros benefícios à saúde da nossa população, ao aproximar mais pessoas do cumprimento das recomendações atuais de atividade física da Organização Mundial de Saúde.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens campo social doença mulheres
A censura da omissão e a agrura do boato
Em liberdade, não há lápis azul, mas há esta poderosa forma de censurar, num aparente jogo democrático de escolhas. (...)

A censura da omissão e a agrura do boato
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em liberdade, não há lápis azul, mas há esta poderosa forma de censurar, num aparente jogo democrático de escolhas.
TEXTO: Com o 25 de Abril, percorremos já 43 anos sem o “lápis azul” da censura. Recordo-me de, com 14 anos, ir mensalmente a casa de um senhor bem vestido e, ao que me lembro, coronel, numa rua perto daquela em que vivia em Ílhavo, para que lesse e visasse quatro inofensivas e ingénuas folhinhas de um “jornal” então chamado Giboia, de que eu era o “director”. Uma publicação de pequenos textos de um grupo de amigos e de notícias sobre o nosso desporto, na altura o andebol. Todavia, com o tempo, surgiu, sorrateira, uma forma censória não consagrada em lei. Refiro-me à omissão, mais ou menos deliberada, mais ou menos selectiva. Em liberdade, não há lápis azul, mas há esta poderosa forma de censurar, num aparente jogo democrático de escolhas, não escrutinável quanto à decisão (e decisor) da omissão. O silêncio que transporta é, não raro, uma forma sibilina de esconder, suprimir, reduzir o que se passa. Na sociedade de informação, o que não é noticiado ou divulgado não existe. E, pelo contrário, o que não existe, mas é amplamente espalhado, passa à categoria de facto, sem necessidade de evidência. Nessa matéria, há até mestres e agências especializadas. . . A omissão deliberada ou consentida tem-se revelado cirurgicamente como uma forma perversa de “fazer notícias” ou “alinhar noticiários”. E nem se pode falar de falta de espaço ou de tempo, num tempo de jornais online sem limite e de jornais televisivos de hora e meia. CITAÇÃO I: “O menor desvio inicial da verdade multiplica-se até ao infinito à medida que avança” (Aristóteles)CITAÇÃO II: " Uma garrafa de vinho meio vazia está meio cheia. Uma meia mentira nunca será uma meia verdade” (Jean Cocteau)EUFEMISMO: Inverdade (em vez de mentira), ainda que não se diga “inmentira” (em vez de verdade)HIPÉRBOLE: Mentiu com todos os dentes que tem na boca (para um desdentado)CATACRESE: A mentira tem pernas curtas ou longas, conforme o meio usadoIRONIA: “Se disseres a verdade, vais ver que, mais tarde ou mais cedo, és descoberto” (Oscar Wilde)Estamos num tempo em que é ténue a fronteira entre a verdade e a mentira, entre a invenção e a omissão. Em que a verdade factual é suplantada pelas múltiplas formas da mentira: a meia-verdade, a notícia falsa, o rumor, a dilação, o exagero, a quimera, a publicidade encapotada, a ilusão, a insinuação, a manipulação, a agora chamada pós-verdade e outras formas capciosas de abastardar a factualidade, na “magia” de se dividir a verdade para multiplicar a mentira. Há mais informação, a notícia corre célere, a imagem documenta até em excesso, e, todavia, também o boato e o rumor florescem, a cada instante, em toda a parte, tornando-se uma espécie de nova especiaria comportamental de organizações ou de pessoas mal com a vida e carentes de algo que lhes quebre o círculo rotineiro pelo qual se deixam aprisionar. Ilustro estas considerações com dois assuntos surgidos nas últimas semanas. O primeiro é um monumento à omissão. Realizou-se no Porto uma conferência internacional com intervenientes que contestam o predomínio da influência humana nas alterações climáticas, tendo a geógrafa portuguesa responsável pela organização defendido que, apesar de não negar a existência das alterações climáticas, a acumulação de CO2 na atmosfera não é o seu motivo fulcral, até porque – disse – “é uma pequeníssima parte dos gases na atmosfera e a maior parte nem é produzido pelos humanos”. Sobre o que se passou no evento, quase nada soubemos. A excepção foi este jornal. Ao invés, foi sistematicamente noticiado o repúdio de cientistas protestando contra a realização desta conferência. Nos mesmos dias, realizou-se a Marcha Mundial do Clima, amplamente noticiada em Portugal embora com escassa presença por cá. BELADONA (Amaryllis belladonna, L. )A beladona é uma planta herbácea rústica e bolbosa. Quando surge nos campos, faz parte do anúncio do Outono. Dela transporto sempre a memória da minha infância, anunciando então o início da escola. Em certas zonas (sobretudo nos Açores) é chamada “meninas para a escola”. Noutras por “despedidas do Verão”. Na minha terra sempre as conheci por açucenas. Originária da região do Cabo na África do Sul, a sua bela floração surge antes das folhas no cimo de longas hastes de uma cor expressivamente purpúrea. A inflorescência dispõe-se em conjuntos que vão de seis a doze flores, trombetadas e com belos tons de branco e rosa mais ténue ou mais vivo, de uma fragrância muito intensa. Um outro nome muito curioso por que é também popularmente conhecida é o de "sogras-e-noras", que se deve à posição das flores, de costas voltadas umas para as outras. Algumas partes da planta, designadamente os bolbos (que atingem 10 cm, quase parecendo cebolas), são muito tóxicas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pessoalmente, tendo a concordar com a predominância dos efeitos da acção do homem nas alterações climáticas, mas sempre tenho a curiosidade e o interesse em ouvir opiniões divergentes. “Há quem pense que já sabe tudo e por isso não precisa de aprender nada”, disse a geógrafa citada. O progresso não é compatível com o unanimismo forçado e com a omissão do que não se enquadra no pensamento instalado. A omissão é, não raro, a arma da incompetência. O outro caso é mais um da avalancha de boataria e de infâmia alimentada pelas redes sociais. No próprio dia em que foi conhecida a nova PGR Dra. Lucília Gago, surgiu, profusamente, uma fotografia de um encontro quando José Sócrates saiu da prisão e em que – suponho – se viam amigos e familiares, entre os quais uma pessoa do sexo feminino. Eis que alguém se lembrou de pôr a circular aquele momento com a legenda “adivinhem quem é a única mulher na foto? A nova procuradora!”. O incrível é que a ignomínia se espalhou virulentamente, reencaminhada, como agora é recorrente, por meio-mundo, de um modo completamente acéfalo, amoral, preguiçoso e irresponsável. Mais um boato que medra no anonimato e na perversão da (a)responsabilidade, com o ímpeto que resulta de ser informe, insidioso, larvar. O problema é que o seu desmentido perde no confronto, porque, ao contrário do rumor, tem de ser rigoroso na forma e exigente na substância. O boato é o mensageiro sem rosto da falsidade, da insinuação torpe, da meia-verdade. Na sua origem latina, boatus, significa um grito forte. Não nos decibéis, mas na sua capacidade de auto-reproduzir-se. Veja-se o que por aí vai nas redes sociais, onde se junta o progresso social do seu benefício com o retrocesso ético do seu malefício. A Internet deu voz aos imbecis, já dizia Umberto Eco. Ah, quase me esquecia. . . Quer a omissão, quer o rumor têm, quase sempre, a companhia de um qualquer “alegadamente”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei escola humanos mulher prisão homem social sexo espécie
O prazer da (re)descoberta
A interpretação de uma obra musical torna-a presença concreta e uma grande interpretação faz-nos sempre redescobrir essa obra, mesmo quando é arquiconhecida. Mas felizmente que há também casos que nos permitem novos conhecimentos ou outras possibilidades de entendimento e prazer. (...)

O prazer da (re)descoberta
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: A interpretação de uma obra musical torna-a presença concreta e uma grande interpretação faz-nos sempre redescobrir essa obra, mesmo quando é arquiconhecida. Mas felizmente que há também casos que nos permitem novos conhecimentos ou outras possibilidades de entendimento e prazer.
TEXTO: No Modo Crítico do 12/01, Rewind, discos, tendências, situações, escrevi que 2017 foi um ano bastante gratificantes de discos originais, sejam eles frutos de trabalhos musicológicos ou de propostas de intérpretes. No primeiro caso há a referir Metamorfosi Trecento pelos La Fonte Musica dirigidos por Michele Pasotti (Alpha), Stravaganza D’Amore! — O Nascimento da Ópera na Corte dos Medici pelo Ensemble Pygmalion e Raphaël Pichon (Harmonia Mundi) ou o Requiem de Mozart na nova edição crítica de Pierre-Henri Dutron, dirigido por René Jacobs (HM também). No segundo o regresso de Rinaldo Alessandrini e do Concerto Italiano ao seu tão bem conhecido Monteverdi com Night, Stories of Lovers and Warriors (Naïve), Bach Privat, concebido por Andreas Steier (ainda Alpha) e o Crazy Girl Crazy, primeiro disco de Barbara Hannigan na sua dupla qualidade de cantora e maestrina, com obras de Berio, Berg e Gershwin (ainda Alpha). Por terem particular relevância e justamente por serem propostas originais tem cabimento, impõe-se mesmo explicitar as razões desse destaque. Em Metamorfosi Trecento, os grandes mestres franceses da ars nova, Vitry e Machaut, são chamados à colação, mas são os italianos, de Landini a alguns ignotos, que dominam no trabalho dos La Fonte Musica, que no Trecento (incluindo esse derradeiro desenvolvimento da ars nova, mais eminentemente ornamental, que é designado por ars subtilior), coligem, com uma imaginação musical incessante, a temática das metamorfoses, pondo em relevo a saliência já no século XIV de fontes culturais da antiguidade clássica, quando usualmente elas se supõem sim emergentes depois, no Renascimento quatrocentista. Stravaganza d’Amore! é um objecto maravilhoso, em 2 cds e um documentado e instrutivo livro, uma hipótese de reconstrução dos intermedii das grandes ocasiões festivas na corte dos Medici em Florença, já um teatro musical, com músicas de Caccini, Cavalieri, Marco da Gagliano, Marenzio, Peri ou Striggio, proto-história desse novo género que viria a ser a ópera, de resto concebida no cenáculo ou Camerata do conde Bardi, o qual de resto designamos por Camerata Florentina. É tarefa de musicólogos, mas no confronto mesmo das fontes, analisar o trabalho de Pierre-Henri Dutron sobre o Requiem de Mozart concluído, a instâncias da viúva, Contanze, por Süssmayr, agora numa versão a que Dutron chama de Süssmayr Remade, e que vem na sequência de outras edições críticas recentes, remontando à de Franz Beyer. De uma coisa não há dúvida: com esses excepcionais agrupamentos que são o RIAS Kammerchor e a Freiburger Barockorchester, e pateando uma vez mais, como nas suas gravações do Così ou da Clemenza di Tito, ou das últimas sinfonias, a sua profunda afinidade com o estilo do Mozart final, Jacobs logra uma interpretação do Requiem que é um verdadeiro “terramoto”, como não ocorria desde a 1ª gravação da obra por Nikolaus Harnoncourt, em 1982, de resto, salvo erro, a primeira a usar a edição Beyer. Em Night, Stories of Lovers and Warriors, a única coisa que não se compreende é o raio do título ser em inglês. À frente do seu bem designado Concerto Italiano Alessandrini regressa uma vez mais a Monteverdi e a obras e trechos que todos eles já os tinha gravado, para reimaginar a noite como um dos espaços privilegiados da teatralidade e do novo stile rappresentativo, do triunfo da ópera. Podemos interrogar-nos se, por exemplo, e para citar a mais conhecida obra incluída, o Combattimento di Tancredi e Clorinda, o que tem ela de “noturno”. Mas, no concreto da escuta, no encadeamento do programa, dir-se-ia estarmos a ouvir uma obra construída enquanto tal, nas matizes de luz e obscuridade que são quadro das “paixões da alma” e das maquinações, da gama de affetti. Fruto da coincidência de publicação, é fascinante ouvir Stravaganza d’Amore!, tão festivo e solar, e depois esta historicamente logo subsequente dramaturgia monteverdiana do chiaroscuro. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Como Alessandrini, Staier imaginou um programa, mas no seu caso a partir de uma interrogação: que trechos de Bach se tocariam no seu espaço doméstico? As fontes são poucas, as memórias dos filhos e alguns testemunhos de visitantes, mas ainda assim inequívocas: também havia lugar à música em tal espaço. De resto há um exemplo inequívoco, o Clavierbüchlein, o pequeno livro de teclado que Johann Sebastian escreveu para a aprendizagem da sua jovem esposa, Anna Magdalena (não confundir com a Pequena Crónica de Anna Magdalena Bach, aliás apócrifa). Poderíamos ficar frustrados de, por exemplo, de uma cantata tão famosa como Ich habe genug, ouvir apenas o recitativo que lhe dá o título e uma ária, tanto mais que ela é transposta e interpretada só com soprano e cravo, mas não, a opção miniatural do programa, e só com dois cantores e três instrumentistas, revela-se coerente com o propósito. É uma proposta que, ressalvando o Clavierbüchlein, não tem fundamentos documentais para a escolha de trechos, mas é fascinante. De Barbara Hannigan já sabemos que é um “caso”, uma notabilíssima e inteligentíssima cantora — a maior intérprete actual do papel titular da Lulu de Alban Berg —, que não contente com isso é também maestrina e que, inaudita ousadia, até pratica ambas as capacidades em simultâneo. Crazy Girl Crazy é o seu primeiro nessa dupla capacidade, e com a cumplicidade da Orquestra Ludwig. Hannigan organizou um pessoalíssimo jogo de espelhos entre três peças, entre a Sequenza III de Luciano Berio (Give a few words for a woman to sing) , a Suite que Berg extraiu da Lulu e, recordação da sua juventude, o Girl Crazy de Gershwin, num arranjo dela própria e de Bill Elliott. Mesmo com tantas credenciais fica-se atónito com a sublime interpretação da Suite Lulu ou com a contagiante euforia do arranjo de Gershwin, com toda a orquestra a cantar o celebérrimo I got rhythm! Pormenor nada despiciendo: o cd vem acompanhado de um dvd, um making of curto de duração, 15’, mas de grande inteligência, que a propósito de Barbara, a Hannigan, é uma declaração de amor à música. Realizador? Mathieu Amalric (!) cujo mais recente filme (está em exibição) é Barbara, hino à cantora francesa desse nome e dúbia história de amor — o realizador que é personagem no filme (o próprio Amalric) apaixona-se por Barbara ou pela sua intérprete no filme? Mas que jogo de espelhos mesmo!A interpretação de uma qualquer obra musical torna-a presença concreta, e uma grande interpretação faz-nos sempre redescobrir essa obra, mesmo quando é arquiconhecida. Mas felizmente que há também casos que, saindo do quadro canónico do reportório, nos permitem novos conhecimentos ou outras possibilidades de entendimento e prazer, e esse é o caso destes discos, à escuta dos quais, por certo, uma e outra vez haveremos de voltar.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave género cantora
Rewind, discos, tendências, situações
Passada a espuma dos dias da escolha das listas, importa pois também, além dos destaques, uma reflexão mais ponderada e devidamente filtrada também pela reaudição dos discos e os eventuais nexos que nalguns casos se tecem. Façamos pois ainda rewind de 2017. (...)

Rewind, discos, tendências, situações
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Passada a espuma dos dias da escolha das listas, importa pois também, além dos destaques, uma reflexão mais ponderada e devidamente filtrada também pela reaudição dos discos e os eventuais nexos que nalguns casos se tecem. Façamos pois ainda rewind de 2017.
TEXTO: O final do ano nos media é tempo de escolhas e balanços: as personalidades, os acontecimentos, os “melhores”. Como sabemos no campo dos objectos artísticos e culturais predomina largamente a lógica do top ten nas diversas áreas, que aliás tem um inegável feedback no gosto dos leitores. Mas isso é também de algum modo uma uniformização de critério. Dou um exemplo das áreas que mais acompanho: se nas publicações de cinema vigora de facto a tradição dos “10 mais” isso já não sucede nas de música erudita, em que ou são destacados os discos considerados mais marcantes, independentemente do número, ou se opta por sectores, por exemplo música sinfónica, coral, vocal, de câmara, piano, etc. E mesmo esse tipo de escolhas mais diversificadas é insuficiente no tocante a um efectivo balanço, pois cabe também refletir e detectar tendências e situações. Passada a espuma dos dias da escolha das listas, importa pois também, além dos destaques, uma reflexão mais ponderada e devidamente filtrada também pela reaudição dos discos e os eventuais nexos que nalguns casos se tecem. Façamos pois ainda rewind de 2017. É impossível não começar por referir que se muito se destacaram dois discos com colossais interpretações de obras que são dos maiores monumentos do reportório canónico, as duas últimas Sonatas para Piano D. 959 e D. 960 de Schubert por Krystian Zimerman (DG) e as Sonatas e Partitas para Violino Solo de Bach por Christian Tetzlaff (Ondine). Quando do exigentíssimo pianista polaco se temia que já não fizesse novas gravações, eis que ele ressurge nestas Sonatas ao nível dos maiores, de um Arthur Schnabel ou um Rudolf Serkin, enquanto o violinista alemão fez aos 50 anos a sua terceira (!) gravação desta catedral bachiana, com uma paleta expressiva, de cores e de rubato e uma destreza no manejo do arco que na Partita nº2 chega a ser alucinante. Interpretações ao nível destas sucedem muito de quando em quando — e foram logo duas num ano!Outra obra bem conhecida que nos chegou “reinventada” foi a música de cena para o Sonho de uma Noite de Verão de Mendelssohn com John Eliot Gardiner dirigindo o seu Monteverdi Choir mas com a Orquestra Sinfónica de Londres, isto ainda antes de concluir a sua integral das sinfonias, com uma Sinfonia nº2 “Lobgesang” de altíssimo coturno (LSO Live, a etiqueta da própria orquestra). Mas no caso do Sonho trata-se de uma edição particularissima, feita em digressão em 2016, quando se assinalou o 4º centenário da morte de Shakespeare, incluindo excerptos da peça, de falas de Oberon, Titania, Puck, etc. , muito engenhosamente pontuadas por extractos musicais, conferindo à obra uma teatralidade inédita e criando um maravilhoso ambiente onírico. A propósito de Gardiner, Mendelssohn, LSO Live, quatro notas de relevo há a acrescentar. A 1ª diz respeito à própria etiqueta, pioneira entre as várias que eminentes orquestras agora têm: é que as suas edições incluem sempre um disco em Blue-ray e outro em Super Audio, SACD, mas ao preço corrente de um cd, o que não é nada menosprezável. A 2ª que foi também a LSO Live que publicou o mais exaltante disco de música contemporânea do ano, com Asyla. Trevot e Polaris de Thomas Adès, dirigida pelo próprio que, exímio conhecedor das potencialidades orquestrais, o é também enquanto excelente maestro, e não só das suas obras. O 3º para referir que Gardiner, com os seus Monteverdi Choir e English Baroque Soloists, e na sua editora, a Soli Deo Gloria, publicou uma magnífica nova gravação do Magnificat de Bach. A 4ª, enfim, para assinalar que além da conclusão do ciclo de Gardiner, houve também, não exactamente ao mesmo nível, mas bastante sólida, uma outra integral das Sinfonias de Mendelssohn com a Chamber Orchestra of Europe dirigida por Yannick Nézet-Séguin, o próximo director musical do Met (3 cds DG), além de que Pablo Heras-Casado prosseguiu também a sua integral. Fruto de coincidências, 2017 foi assim, de algum modo, um inesperado “ano Mendelssohn”. Esta lógica de “ano X” ou “ano Y” mas em jeito comemorativo é um facto insistente, e não só, longe disso, na edição discográfica. Poderia esperar-se que fossem assinalados os 450 anos do nascimento de Monteverdi, mas outra efeméride se impôs: os 250 anos da morte do prolífero Telemann. Só caixas de edições comemorativas houve quatro e uma dezena de discos avulsos não foram por certo coisa fortuita. Haverá que falar com maior desenvolvimento desta avalanche mas refira-se já que os Concerti per molti stromenti pela Akademie für Alte Musik (Harmonia Mundi), Concertos para flauta de bisel e charamela por Giovanni Antonini e o seu Giardino Armonico (Alpha) e as 12 Fantasias para Flauta Solo por François Lazarevich (Alpha também) foram dos mais belos discos do ano. E foi com Telemann que ocorreu um dos factos mais importantes do ano: pela 1ª vez uma realização musical “clássica” foi feita não para ser difundida em disco mas colocada na internet: são os 12 Quartetos Parisienses por Les Ambassadeurs, noutros tantos vídeos. Sabemos, noutras áreas musicais, como temas ou álbuns inteiros são disponibilizados primeiro, e cada vez mais, no iTunes ou no Spotify, gratuitamente ou em paywall, com possibilidades de download ou não. E o download também já é muito praticado por alguns melómanos clássicos, diga-se que não sem viva irritação de alguns artistas (Krystian Zimerman, por exemplo, foi um dos que se queixou de ter transmitido à editora o desejo de gravar uma obra e de lhe dizerem: “ah, mas isso já está no youtube”, ou seja de alguém já o ter gravado e colocado em linha). E é possível encontrar na internet algumas pérolas, como esses magistrais espectáculos que foram o Don Carlo de Verdi encenado por Luca Ronconi e dirigido por Claudio Abbado, no Scala em 1977, ou a estreia da versão com os três actos completados da Lulu de Berg, pela dupla Chéreau/Boulez, na Ópera de Paris em 78, espectáculos que foram objecto de gravação e difusão televisiva internacional mas que misteriosamente nunca foram editados em dvd. Só que, atenção, além propriamente das diferenças de suporte físico, as engenharias sonoras para um disco ou para a net têm significativas diferenças, e nesse tão importante aspecto poucas gravações foram de facto concebidas especificamente para a rede, como é o caso desta – e nesse sentido estes Quators parisiens de Telemann por Les Ambassadeurs foram certamente um dos factos mais marcantes do ano transcorrido. Mas voltemos aos discos, na sua materialidade. Até agora falámos de obras do reportório canónico, mais ou menos conhecidas (as Fantasias de Telemann não são por certo tão recorrentes quanto as Sonatas e Partitas de Bach), ainda que no caso do Sonho de uma Noite de Verão por Gardiner de modo inédito. Sucedeu, todavia, que 2017 foi um ano bastante gratificante de discos originais, sejam eles frutos de trabalhos musicológicos ou de propostas de intérpretes. No primeiro caso há a referir Metamorfosi Trecento pelos Fonte Musica dirigidos por Michele Pasotti (Alpha), Stravaganza D’Amore! — O Nascimento da Ópera na Corte dos Medici pelo Ensemble Pygmalion e Raphaël Pichon (HM) ou o Requiem de Mozart na nova edição crítica de Pierre-Henri Dutron, dirigido por René Jacobs (HM também); no segundo o regresso de Rinaldo Alessandrini e do Concerto Italiano ao seu tão bem conhecido Monteverdi com Night, Stories of Lovers and Warriors (Naïve), Bach Privat, concebido por Andreas Steier (ainda Alpha) e o fabuloso Crazy Girl Crazy, primeiro disco de Barbara Hanningan na sua dupla qualidade de cantora e maestrina, com obras de Berio, Berg e Gershwin (mais outro da Alpha). E se esta viagem discográfica começou no Trecento e com Hannigan chegou ao século XX, prossigamos já agora até à música mais contemporânea. Já se disse: o mais exaltante disco foi o de Adès por Adès. Mas houve também o pungente Concerto para Violino, in memoriam Gareguin Aroutiounian de António Pinho Vargas (mpmp) e sobretudo grandes mestres americanos, The Late Works of Elliot Carter (Ondine), a maioria das obras tendo sido escritas quando o compositor, nascido no mesmo dia de Manoel de Oliveira, já tinha também mais de 100 anos, e dois cds admiráveis de pianistas virtuosísticos, um de Steven Osborne, com obras de Feldman e Crumb, incluindo do primeiro a última peça para o instrumento, Palais de Maris, outro de Marc-André Hamelin, só com a penúltima e mais longa peça de Feldman, For Benita Marcus (Hyperion ambos). Como vem sendo hábito nos últimos anos o que não faltaram foram Edições, ou seja reedições retiradas dos fundos de catálogo, mas em 2017, mas além das dedicadas a Telemann não houve nenhuma monográfica de um compositor - ao contrário do que separadamente ou em conjunto, as etiquetas da Universal, DG e Decca, tinham feito nos dois anos anteriores - mas apenas de intérpretes segundo a fórmula já consagrada de “X (o intérprete) complete records on Y (a etiqueta)”. Não que algumas não sejam importantes, fazendo reconsiderar intérpretes subestimados ou conhecidos mas não tanto no seu percurso discográfico, mas chegou-se ao delírio de, de um arqui-conhecido Karajan ter saído a caixa de The Complete Recordings on Deutsche Grammophon and Decca com 355 cds (!!!). Mas para quê, céus? Se é para devotos do maestro esses já têm muitos desses discos, os outros passam ao lado. A escolher uma caixa essa é Mstislav Rostropovich — Cellist of the Century — The Complete Warner Recordings (40 cds, 3 dvds), publicada no 10º aniversário da sua morte, e isto porque o título é enganador: com efeito, para além dos discos para as marcas hoje detidas pela Warner, EMI, Erato e Teldec, o mais precioso é o que provém dos Russian Archives, que têm abundantes raridades, o Concerto de Lopes-Graça por exemplo; há várias obras com mais que uma gravação, mas a edição tem as tais raridades e é cuidada, com um livrete de 200 páginas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas nenhum rewind do ano pode ignorar a situação do mercado. Que cada vez as compras sejam feitas por via da Amazon já se sabe. A oferta online é incomparavelmente maior, mas não deixa de haver alguma melancolia com o desaparecimento das lojas, com o ocaso do gesto de ir andando entre as estantes e ficar atraído por este ou aquele disco desconhecido. Para ajudar ao naufrágio, a mais importante editora independente, a Harmonia Mundi (com as distribuidoras directa ou indirectamente a elas associadas), a que melhor abastecia o mercado com as novidades e fazia maior esforço de promoção, entrou em estado cataléptico, e uma major, a Sony, está misteriosamente em quase colapso; por exemplo, como há dois anos com Jonas Kaufman, foi em 2017 “buscar” à Decca outro tenor vedeta, Juan Diego Florez — pois bem, ou antes, pois mal, o disco de estreia na Sony, um recital Mozart, não será distribuído em Portugal! Faz isto algum sentido, desde logo em termos comerciais?!Só faltava mesmo o contributo do Ministério da Cultura, através da IGAC, Inspeção Geral das Actividades Culturais. Como se já não bastasse o tempo de demora no selo necessário à colocação no mercado de dvds em geral, impôs uma sobretaxa, cuja imediata consequência é que a quase generalidade das distribuidoras e importadoras de dvds musicais deixou de colocar novidades no mercado português. Valham-nos a Amazon e as muitas horas de audição, uma e outra vez, do que já temos, incluindo os diversos magníficos discos publicados em 2017.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte cultura campo cantora desaparecimento
“Retrocesso civilizacional”
Sou dos que ficaram enormemente dececionados com a posição do PCP relativamente ao direito à uma "morte digna". (...)

“Retrocesso civilizacional”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sou dos que ficaram enormemente dececionados com a posição do PCP relativamente ao direito à uma "morte digna".
TEXTO: Sou dos que ficaram enormemente dececionados com a posição do PCP relativamente ao direito à uma "morte digna". Sou acompanhado nesta minha deceção por muita gente de esquerda e muitos comunistas, mas a opinião que aqui expresso só me representa a mim. Começo, ante de mais, por questões de linguagem: o PCP usa sempre "morte digna" entre aspas e prefere chamar-lhe eutanásia, sem aspas, recorrendo assim à mesma estratégia discursiva de quem fala deliberadamente de aborto e recusa a expressão interrupção voluntária da gravidez. Pior um pouco é que o PCP chegue a usar a expressão “legislação que institucionalize a provocação da morte antecipada” (João Oliveira, 24. 5. 2018), sabendo bem que legalizar/despenalizar uma possibilidade não é institucionalizá-la…O PCP diz “compreender e respeitar as opiniões de quem tem diferentes conceções da vida humana, incluindo conceções religiosas”, mas sublinha que a sua posição “em nada se confunde com tais conceções” (www. pcp. pt, 24. 5. 2018). Ora o que me perturba é que, em contradição flagrante com décadas de luta pelo direito individual à interrupção voluntária da gravidez (IVG), tenha recorrido a argumentos que se assemelham perigosamente a muitos daqueles que a direita política e a Igreja católica usa(ra)m na discussão sobre o aborto, e que o PCP, pioneiro nessa luta, nunca aceitou. Primeiro, a tese de que “a legalização da eutanásia” é um ataque aos “mais pobres”, “expostos à pressão direta e indireta para precipitar a morte”, assemelha-se à ideia de que legalizar o aborto é legalizar a pressão exercida sobre as mulheres mais pobres, insinuando-se em ambos os casos que, em situações em que se trata da soberania individual (e não da dos profissionais de saúde, da família ou do Estado) no governo do corpo e da vida de cada um, a pessoa que toma a decisão de interromper uma gravidez ou uma vida em determinadas circunstâncias não sabe o que está a fazer, e menos o sabe se for “pobre”. Neste mesmo sentido, sustentar que “a legalização da provocação da morte antecipada (…) contribuiria para a consolidação das opções políticas e sociais que conduzem a essa desvalorização da vida humana e introduziria um relevante problema social resultante da pressão do encaminhamento para a morte antecipada de todos aqueles a quem a sociedade recusa a resposta e o apoio à sua situação de especial fragilidade ou necessidade" (João Oliveira), aproxima-se perigosamente de dois dos argumentos clássicos do chamado movimento Pró-vida: legalizar a IVG acabaria por institucionalizar o abandono pelo Estado das mulheres que querem ser mães mas que, por motivos económicos, se veriam “forçadas” a abortar; e que é um “retrocesso civilizacional” e contribui para “desvalorizar a vida humana”, duas expressões também usadas pelo PCP no debate sobre a eutanásia. É lamentável que, a propósito do direito a pedir para morrer dignamente, que o PCP se lembre de dizer que “uma sociedade assente exclusivamente em direitos individuais é uma sociedade deslaçada” (www. pcp. pt, 24. 5. 2018). O Vaticano não cessa de o repetir a propósito de aborto e eutanásia, de direitos reprodutivos e de casamento para todos… O PCP sabe melhor do que a grande maioria das forças políticas que não há coesão social e consciência coletiva sem reconhecimento e exercício de direitos individuais. Por último, fico perplexo perante a ambiguidade/falta de rigor do argumento histórico: “a eutanásia tem um passado histórico que ninguém aqui pretende repetir, mas que não pode ser ignorado. A eutanásia foi usada como instrumento de eugenia e de supressão de pessoas a quem não se reconhecia dignidade para viver. ” Ou seja, o PCP acha que a eugenia e o programa de extermínio daquelas que os nazis chamavam “vidas inúteis” faz parte do “passado histórico” da reivindicação do direito individual a morrer dignamente, com total respeito pela consciência dos profissionais de saúde e com todas as garantias legais e éticas inscritas nos projetos que estiveram em discussão no Parlamento? Se “ninguém aqui pretende repetir” aquela experiência, porque a invoca o PCP nesta discussão? Sabe o PCP quem o faz sempre que se discute eutanásia?“O PCP inscreve no horizonte da sua intervenção o direito a uma vida digna em que faça sentido vivê-la e não interrompê-la. ” E muito bem. Esse deve ser até o objetivo último de toda a atividade política. E quando tal não for possível, que se reconheça o direito a cada um a interromper a vida em condições tão dignas quanto digna deve ela ser vivida. Em plena consciência e sem violentar a vontade de ninguém.
REFERÊNCIAS:
Partidos PCP
2027, Capital Europeia da Cultura
Em Coimbra, o processo de candidatura, que estava atrasado, começou da pior maneira. (...)

2027, Capital Europeia da Cultura
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em Coimbra, o processo de candidatura, que estava atrasado, começou da pior maneira.
TEXTO: Em 1994 Lisboa foi Capital Europeia da Cultura, em 2001 foi o Porto e em 2012 Guimarães. A iniciativa da União Europeia visa “acentuar a riqueza e diversidade de culturas na Europa, celebrar as marcas culturais partilhadas pelos europeus, aumentar nos cidadãos o sentido de pertença a um espaço cultural comum e fomentar o contributo da cultura para o desenvolvimento citadino”. Começou em 1985 com Atenas, sob o impulso da ministra grega Melina Mercouri, e prosseguiu nos anos seguintes com Florença e Amesterdão. A experiência tem mostrado que, para além dos objectivos atrás apontados, as capitais da cultura têm sido óptimas oportunidades para “regenerar cidades, aumentar o seu perfil internacional, aumentar a auto-imagem dos habitantes, reanimar a cultura urbana e desenvolver o turismo”. Estes fins foram atingidos nas três capitais portuguesas, apesar das costumadas limitações orçamentais e dos também habituais percalços das organizações lusas. Do Porto 2001 ficou, para além da regeneração do espaço público, a Casa da Música, e de Guimarães 2012 ficou, para além de similar reabilitação urbana, a Plataforma das Artes e da Criatividade. É, por isso, natural que esteja instalada a corrida para a organização da próxima Capital da Cultura em Portugal. Será só em 2027, mas o processo de selecção é longo e complexo, iniciando-se seis anos antes. As regras europeias são exigentes e pormenorizadas e a escolha entre as várias candidaturas será feita até 2023 por um comité internacional de especialistas (o governo nacional será mero observador). Os critérios são “a contribuição para a estratégia a longo prazo, a dimensão europeia do projecto, o conteúdo cultural e artístico, a capacidade de realização, o impacto e a gestão”. Várias cidades de Norte a Sul do país aceitaram o desafio e arregaçaram as mangas: Viana do Castelo, Braga, Aveiro, Coimbra, Viseu, Guarda, Leiria, Caldas da Rainha (congregando vários sítios do Oeste), Oeiras, Cascais, Évora e Faro. Nalguns casos há responsáveis e equipas em pleno funcionamento: Aveiro nomeou Carlos Martins, que dirigiu a Fundação Cidade de Guimarães, Leiria escolheu João Bonifácio Serra, que liderou Guimarães 2012, e a Guarda optou por José Amaral Lopes, ex-secretário de Estado da Cultura. Algumas urbes procuraram reforçar o seu perfil internacional: foi o que fez Aveiro ao participar na Roménia numa conferência de cidades candidatas e ao anunciar que a próxima reunião será cá, Évora ao apresentar o seu projecto no Salão Internacional do Património Cultural em Paris, e a Guarda a propor uma ligação privilegiada a Salamanca. O envolvimento das organizações e agentes culturais locais tem enriquecido sobremaneira as candidaturas anunciadas: ele é bem visível em Aveiro (a câmara prepara mesmo um Plano Estratégico de Cultura, valorizando os recursos regionais), Leiria e Guarda. Eu gostava muito que a melhor candidatura fosse a de Coimbra. Se olharmos para a história, para o património, para a intensa actividade cultural nalguns sectores e pela presença científica e cultural da Universidade, verificaremos que existem condições ímpares para esse êxito. Infelizmente, por manifesta incapacidade da câmara municipal, o processo, que estava atrasado, começou da pior maneira. A câmara acaba de anunciar, num passe de mágica, que o responsável pela candidatura será Luís de Matos, um ilusionista com o seu mérito mas a quem não é conhecida qualquer ideia sobre a cultura (curiosamente, integrou a comissão de honra da campanha eleitoral do presidente da câmara e tem feito vários contratos com ele). Há do lado da câmara coimbrã, que nem sequer consegue fazer uma feira do livro decente, um penoso vazio cultural. Não são marcas fortes da intenção ora anunciada nem a necessária dimensão global, que deveria ser potenciada pela classificação em 2013 da Universidade de Coimbra como Património Mundial da UNESCO, nem o imprescindível trabalho conjunto dos agentes culturais da cidade, alguns deles com pergaminhos reconhecidos no país e lá fora, mas feridos pelo recente despautério na pasta da Cultura. Coimbra bem poderia ser uma lição. Mas, a continuar como começou, o seu projecto de Capital da Cultura não passará de uma ilusão.
REFERÊNCIAS:
Entidades UNESCO
Um enólogo “tem que dar a cara”
O Vinhos de Portugal em São Paulo encerrou domingo a sua segunda edição com um “significativo aumento de público”, segundo a organização, e produtores satisfeitos com os resultados. O Brasil começa a abrir-se a vinhos de gamas mais altas e isso deve-se, essencialmente, ao trabalho junto dos consumidores finais que, reconhecem os que vieram pela primeira vez este ano, exige cada vez mais a presença do produtor. (...)

Um enólogo “tem que dar a cara”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Vinhos de Portugal em São Paulo encerrou domingo a sua segunda edição com um “significativo aumento de público”, segundo a organização, e produtores satisfeitos com os resultados. O Brasil começa a abrir-se a vinhos de gamas mais altas e isso deve-se, essencialmente, ao trabalho junto dos consumidores finais que, reconhecem os que vieram pela primeira vez este ano, exige cada vez mais a presença do produtor.
TEXTO: É o primeiro ano que o enólogo Domingos Soares Franco veio pessoalmente ao Vinhos de Portugal em São Paulo, embora a sua empresa, a José Maria da Fonseca, esteja habitualmente presente. “Tenho que dar a cara. Há muita gente que me quer ver”, justifica, no meio da sala do mercado de vinhos instalada no andar de topo de um dos mais luxuosos centros comerciais da cidade, o JK Iguatemi. O Vinhos de Portugal em São Paulo, cuja segunda edição se realizou entre 8 e 10 de Junho, um fim-de-semana depois do evento-irmão no Rio de Janeiro (que vai já na quinta edição), é organizado pelos jornais PÚBLICO, de Portugal, e, do lado brasileiro, O Globo, Valor Económico e Revista Época, numa parceria com a ViniPortugal. São cada vez mais os produtores de vinho a perceber a importância de estarem pessoalmente presentes no evento. “Antigamente, era uma coisa que não se fazia”, continua Domingos Soares Franco. “Mas hoje, quando viajo pelo mundo, chego a alguns sítios onde até me perguntam se me podem tocar porque nunca viram um enólogo. ” E no Brasil, que perguntas lhe fazem habitualmente? “Perguntam-me muitas vezes porque é que decidi ser enólogo. Eu respondo que ninguém me forçou, foi algo que nasceu dentro de mim. ”Nada de técnico, portanto. Já não são tanto os detalhes sobre o vinho, o tempo que passou em barrica ou o tipo de solo que mais interessam às pessoas. Para que, num espaço com muitas centenas de rótulos à prova e mais de 80 produtores diferentes (este ano, o evento atingiu um número recorde de participações), um vinho fique na memória de quem o provou, é preciso associar-lhe um rosto e uma história. E ninguém conta melhor as histórias do seu vinho do que quem o fez. É ainda Domingos Soares Franco quem diz: “Toda essa questão dos aromas é muito pessoal. Lembro-me de quando estive a estudar na América, um colega ter descrito um vinho dizendo que nasceu do solo, por trás de uma montanha, por cima de uma nuvem. Na altura toda a gente desatou à gargalhada. Hoje em dia já não me rio. Ele disse exactamente o que sentia. ”Para a José Maria da Fonseca, o Brasil “é um mercado muito importante, onde fomos grandes nos tempos do meu avô”. Depois, houve altos e baixos, mas Domingos Soares Franco garante que actualmente as coisas estão a correr muito bem, até porque tem dois importadores extremamente dedicados. Um deles, aliás, o mais focado em vinhos de gamas mais altas, está ao seu lado durante uma das sessões do mercado. Trata-se de Adolar Léo Hermann, da Decanter, que explica a sua forma de trabalhar: “Você tem que ter foco em algum mercado. Não consegue trabalhar quando atira em todas as direcções. O nosso foco está em restaurantes e lojas especializadas. Não trabalhamos com supermercados. ”O mais importante, segundo Adolar Hermann, é ter “uma estrutura de venda qualificada”, até porque, quando falamos de São Paulo estamos a falar do maior mercado do Brasil para o vinho (representa cerca de 40% do consumo nacional) e onde existe muita concorrência. “Todo o mundo se foca em São Paulo. Daí que o trabalho com os sommeliers seja muitíssimo importante. “Não adianta vender mais caro ou mais barato só para facilitar a venda. ” Portugal enfrenta a concorrência de países como a Argentina que aqui “tem tradição e preço baixo” ou Itália, que beneficia do facto de 60% dos restaurantes da cidade serem italianos. “Por isso é que as coisas têm que ser bem trabalhadas. Porque é que um vinho português não há-de ficar bem com uma carne argentina?”. Rita Tenreiro, produtora alentejana do vinho Argilla, veio pelo segundo ano (apenas a São Paulo) e mostra-se muito satisfeita com os resultados alcançados. “No ano passado viemos um pouco à descoberta, este era um mercado que queríamos trabalhar, sabíamos que havia um espaço na restauração média e alta, mas não tínhamos importador. ” Nesse primeiro ano conseguiram um importador com o qual se identificam por fazer um trabalho com vinhos feitos “de forma mais natural, com menos intervenção” como são os de Rita. Este ano, já com o importador a trabalhar bem, a produtora acaba de receber uma óptima notícia: os seus vinhos vão passar a fazer parte da carta do restaurante DOM, de São Paulo, do chef Alex Atala, cuja sommelier, Gabriela Monteleone, os visitou numa das sessões deste ano do mercado. Lígia Santos, da adega Caminhos Cruzados no Dão, é outra das produtoras que vem apenas a São Paulo, por ainda não ter um importador no Rio de Janeiro, e que afirma que nas cidades onde os seus vinhos estão presentes (São Paulo e Brasília), o mercado tem vindo a crescer. “Do ano passado para este, as coisas mudaram. O meu importador só comprava a gama de entrada e hoje estamos presentes já com a gama mais alta e com vinhos que podem ser mais complicados de explicar como os monovarietais de Encruzado ou Alforcheiro. Não é à toa que nos últimos anos a percepção da qualidade dos vinhos portugueses no Brasil tem mudado. ” E o Vinhos de Portugal no Brasil tem tido um papel fundamental. “O Encruzado, por exemplo, teve muita publicidade em provas [com os críticos portugueses e brasileiros e ainda o Master of Wine brasileiro Dirceu Vianna Júnior] aqui no evento, e isso ajuda muito. ”O mesmo diz Alexandre Relvas, da herdade alentejana Casa Agrícola Alexandre Relvas, que também veio este ano pessoalmente pela primeira vez. “Apercebi-me da importância do evento e do trabalho que aqui está a ser feito e da relevância para o consumidor final de nós estarmos aqui. São consumidores interessados, que querem saber a história por detrás de um vinho. ” As vendas da Casa Alexandre Relvas no Brasil têm estado com “um crescimento exponencial” e, sobretudo, diz o produtor, estão a abrir-se portas para os topos de gama. “O nosso importador começou a olhar para os vinhos premium. O mercado mudou muito nos últimos anos, com os pequenos supermercados a importar directamente, e as importadoras tiveram que profissionalizar o atendimento nos restaurantes e garrafeiras. ”João Soares, da Herdade da Malhadinha Nova, no Alentejo, e outro dos estreantes no evento, ficou impressionado, entre outras coisas, com a qualidade das pessoas que aparecem para as sessões profissionais, que acontecem sempre no primeiro dia do evento, quer no Rio quer em São Paulo. “São profissionais que claramente apostam no vinho português e que o têm como referência nos seus restaurantes. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Alana do Nascimento, de Fortaleza, é um exemplo de uma brasileira que descobriu o vinho há poucos anos e que se encantou com este mundo, tendo terminado agora o curso de sommelier. Depois de ter estado no evento no ano passado, este ano voltou e não perde uma sessão no espaço Tomar um Copo. Até porque, explica-nos, faz parte de uma das muitas confrarias vínicas de mulheres, que se têm vindo a multiplicar pelo Brasil – e que são, aliás, o tema da tese em que Alana está a trabalhar para a sua investigação académica. A sua confraria, em Fortaleza, reúne-se uma vez por mês para fazer provas de vinhos e analisar detalhadamente cada um. “São psicólogas, advogadas, professoras, todas já com um passo dado no mundo do vinho”, conta. Lamenta apenas que de Portugal se continue a encontrar nas prateleiras das lojas na sua terra sobretudo vinhos do Alentejo e que as outras regiões ainda não estejam tão bem representadas, mas acredita que a mudança é apenas uma questão de tempo. Simone Duarte, da empresa Out of Paper, que organiza o evento, tem a mesma convicção. “Este ano, o evento de São Paulo teve muito mais gente do que no ano passado, o que mostra o potencial que tem. E os produtores já começaram a identificar uma mudança no mercado brasileiro”, diz. “Se no Rio, essa mudança tem vindo a acontecer nos últimos cinco anos, em São Paulo, do ano passado para este, deu-se um salto gigantesco. Os consumidores estão cada vez mais abertos à experimentação e acredito que o Brasil está a transformar-se num mercado para vinhos mais caros. ” Isso foi, conclui Simone Duarte, algo que desde o início o Vinhos de Portugal no Brasil ambicionou: “Desmistificar a impressão de que o vinho português é barato. ”
REFERÊNCIAS:
Retalhos da vida de lisboetas de malas aviadas para fora do centro
A sala de estar de Olinda é o cabeleireiro onde trabalhou quarenta anos. Silvina veio sem conhecer ninguém, mas já se habituou à Mouraria. Carla tem receio de ir à janela para não ver estrangeiras com as mamas de fora. Histórias da vida da Rua dos Lagares, que quer ser um símbolo contra os despejos. (...)

Retalhos da vida de lisboetas de malas aviadas para fora do centro
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.1
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: A sala de estar de Olinda é o cabeleireiro onde trabalhou quarenta anos. Silvina veio sem conhecer ninguém, mas já se habituou à Mouraria. Carla tem receio de ir à janela para não ver estrangeiras com as mamas de fora. Histórias da vida da Rua dos Lagares, que quer ser um símbolo contra os despejos.
TEXTO: Os números são mais ou menos flutuantes e as estimativas mais ou menos concretas. A pressão turística, aliada a certas disposições da lei das rendas, está a fazer com que antigos habitantes dos bairros históricos de Lisboa se vão embora. Não há números exactos. Mas há relatos, semelhantes entre si e quase diários, de quem se sente pressionado a mudar de casa. Estes são os moradores do número 25 da Rua dos Lagares, na Mouraria, que foram informados pelo novo senhorio de que não podem continuar a viver ali quando acabarem os actuais contratos de arrendamento. Este prédio é apenas um exemplo do que está a acontecer em muitos outros. Os seus habitantes querem fazer dele um símbolo da resistência às mudanças profundas do bairro. Por isso foram já a duas reuniões públicas da Câmara Municipal de Lisboa pedir ajuda. Na última, ouviram o vereador do Urbanismo dizer que a autarquia nada podia fazer. Depois foram a uma reunião da assembleia municipal, onde a presidente Helena Roseta se comprometeu a analisar o caso. Têm o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda. E, no fim da semana passada, a vereadora da Habitação, Paula Marques, dispôs-se a reunir com eles esta segunda. Na mais emblemática noite lisboeta, a noite de Santo António, montaram arraial à porta. Houve sardinhas, houve bifanas, houve cerveja e música. Mas também contestação contra aquilo que dizem ser a descaracterização crescente do bairro. Ei-los em discurso directo, algumas horas antes da sardinhada. “Eu vim para esta casa com 9 anos, em 1961. Já aqui existia um cabeleireiro desde 1950 e a minha mãe veio para cá trabalhar. Ela atendia as clientes no salão e, ao mesmo tempo, podia cuidar de mim e dos meus irmãos. A minha mãe disse-me que se eu quisesse ser cabeleireira tinha de aprender na rua. Andei por aí e só depois é que vim para cá trabalhar. O primeiro salão em que estive era na Rua de São Tomé, já acabou. O segundo era na Rua dos Cavaleiros, já acabou. Depois estive num na Rua da Saudade, que também já acabou. Aos 20 anos vim para aqui trabalhar e aqui fiquei. Era eu, a minha mãe e as minhas irmãs. A minha mãe morreu quando eu tinha 30 anos e, depois, as minhas irmãs casaram e foram-se embora. Eu fiquei. Casei há 25 anos e o meu marido mudou-se para cá. Tive uma filha e criei os meus quatro enteados. Agora estou a criar quatro netos. Tivemos anos de muito, muito trabalho no salão. Mas entretanto a clientela foi baixando, umas morreram, outras mudaram de casa e isto foi morrendo. Acabámos por dar baixa do cabeleireiro há cinco anos, não tinha como mantê-lo. Ainda faço uns penteados a pessoas conhecidas, mas o contrato de arrendamento passou a ser só de habitação. Pago 120 euros por mês. O contrato acaba em Agosto. ”“Moro nesta casa há 55 anos. Mudei-me para cá quando me casei, a casa era da minha sogra. Mas na Mouraria já estou desde os 12 anos. Fiz a minha vida toda no comércio e comecei a dedicar-me à actividade autárquica em 1972. Fui presidente da Junta de Freguesia do Socorro até 2008. Quando a minha sogra morreu, fizemos um novo contrato e passámos a pagar 150 euros de renda. Posso pagar mais, mas o prédio precisa de obras. Podiam fazer as obras e deixar-nos ficar. Esperamos que haja bom senso. ”“Só cá vim parar depois de velha. Nasci na Mouraria, mas fui criada na Praça da Alegria e por lá vivi até 2008. Eu nem conhecia o Martim Moniz. Só quando o meu filho se casou é que eu vim para aqui. A casa lá era demasiado grande. Cheguei em Abril de 2008. Não conhecia ninguém, mas num instantinho me comecei a dar com as pessoas do bairro. Ia falando com uns, metia conversa com outros. Tudo se dá bem, nunca há problemas nenhuns. A minha casa é um T2 e pagamos 217 euros de renda. Entre mim e o meu marido temos 340 euros disponíveis por mês. Eu tomo conta de uma idosa de 87 anos para equilibrar as contas, caso contrário já estava na rua. Temos contrato até Março do próximo ano, depois não sabemos o que fazer. O meu filho mora nos Anjos. Se eu saio de Lisboa, vou para onde? Como é que vejo o meu filho e os meus netos?Venham-me cá tirar com uma grua. ”“Nasci em Angola e vim para a Mouraria com três anos, ali para o Largo das Olarias. A minha infância foi toda passada aqui: cresci, brinquei, joguei à bola nestas ruas. Tive uma infância linda. A minha mãe ia trabalhar, eu ficava aí, ninguém nos fazia mal. Foi a fase mais bonita da minha vida. Quando me casei vim viver para a Rua dos Lagares, mas para outro prédio. Sempre houve um ambiente muito familiar, apoiávamo-nos todos uns aos outros. Gritávamos de uma janela para a outra: “Tens aí óleo?”Eu e a Rosário já nos conhecemos há muitos anos. Tratamo-nos por “manas”, perdemos amigos comuns por causa da droga, somos muito unidas. Quando o meu marido morreu, há seis anos, ela disse-me que havia uma casa livre neste prédio. Eu vim morar para a casa onde ela estava e ela passou para a do lado. A renda era mais barata e a casa era maior do que no outro prédio. O meu pai morreu há cerca de mês e meio. A minha mãe, que estava no Largo das Olarias, teve de vir morar comigo porque tem 97% de incapacidade visual. Tenho de trabalhar, cuidar dela e ainda do meu filho, que tem 16 anos. Aliás, tenho de dormir com a minha mãe porque a casa só tem dois quartos. Pago 250 euros de renda, não posso ir além dos 275. Nos últimos anos já não gritamos de umas janelas para as outras. Temos é de nos afastar das janelas se não quisermos ver certas coisas. É tipos de cuecas e mulheres com as mamas à mostra. Malta que atira o lixo pela janela porque tem preguiça de ir lá abaixo pôr ao caixote. O meu contrato termina em Novembro. Vou para onde, com a minha mãe neste estado? Há um ano que não consigo dormir direito. Não há aqui ninguém que não tenha uma depressão com isto. ”“Aqui nasci, aqui andei, aqui cresci, aqui quero morrer. Quando morrer, toda a Mouraria vai ao funeral. Nasci na Travessa dos Lagares, número 40, 3º. Morei lá até casar, em 1984. Mudei-me com o meu marido aqui para a rua. Há sete anos adoptei uma menina, qua agora tem dez anos, e tive de encontrar uma casa com mais um quarto. Ainda vivi algum tempo numa casa de porteira, depois vim para aqui. Entretanto entrámos em insolvência e… pronto, estamos aqui. Pago 350 euros de renda, a casa tem dois quartos. Toda a gente me conhece na Mouraria. Toda a gente. Só pensar que tenho de me ir embora me dá arrepios. O meu contrato acaba em Novembro. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Vai fazer dois anos que estou desempregada. A firma acabou, vim para a rua e estou desde essa altura no fundo de desemprego. Quando acabar o subsídio já vou ter idade para pedir a reforma. Aqui no prédio estou desde 1986. Antes estava na margem Sul. Morei mais de vinte anos no quarto andar, mas em 2012 mudei-me para o segundo. A casa é maior e tem outras condições. Tem dois quartos e pago 300 euros. O contrato acaba em Outubro. ”
REFERÊNCIAS:
Não queres que o Reino Unido deixe a União Europeia? Envia um postal
Please Stay, UK é um site em que se pode criar postais digitais personalizados para dar uma "palavra de solidariedade" ao "amigos ingleses". Objectivo é que o movimento chegue a vários países. Ideia partiu de Paulo Azevedo (Sonae) e da mulher, em conjunto com Bright Pixel e a Fuel. (...)

Não queres que o Reino Unido deixe a União Europeia? Envia um postal
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Please Stay, UK é um site em que se pode criar postais digitais personalizados para dar uma "palavra de solidariedade" ao "amigos ingleses". Objectivo é que o movimento chegue a vários países. Ideia partiu de Paulo Azevedo (Sonae) e da mulher, em conjunto com Bright Pixel e a Fuel.
TEXTO: Please Stay, UK. O objectivo do site é claro e manifesta-se de diferentes maneiras. Há promessas como “vamos atribuir estrelas Michelin a pratos de fish and chips” ou "prometemos levar o cricket a sério". Há dúvidas existenciais como “o que é que vou fazer com os meus adaptadores de tomadas?” E há também aquelas frases idênticas às que suplicamos à nossa cara-metade quando ela nos dá com os pés: “Não me deixes agora” ou “vamos sentir saudades tuas”. Ao todo, são 25 frases em língua inglesa. Depois de seleccionar uma delas, basta sorrir para a fotografia, escolher o país de origem e tcharan: é criado um postal digital com a nossa cara enfiada num chapéu igual ao dos guardas da rainha, tendo como fundo uma paisagem do país seleccionado. O objectivo é expressar o sentimento dos cidadãos europeus face ao processo de saída do Reino Unido na União Europeia — e, se possível, travá-lo. A ideia partiu de Paulo Azevedo (presidente do grupo Sonae, dono do PÚBLICO) e da mulher, Nicole Azevedo, que, com apoio de vários amigos, se associaram à Bright Pixel (empresa de investimento em tecnologia) e à Fuel (agência de publicidade) para criar o projecto que surgiu "de forma muito espontânea" no final de Novembro. Nasceu de uma conversa entre amigos que pensaram que, como eles, haveria mais europeus a quererem mostrar aos ingleses que a sua permanência na União Europeia era "importante", como explica Nicole Azevedo ao P3. Decidiram, então, antes da votação do Brexit (que afinal não se realizou esta terça-feira, 11 de Dezembro), começar uma onda de "solidariedade europeia" com que a alemã, a viver em Portugal há 20 anos, se "identifica". "Eu sinto-me mais mais europeia que outra coisa", comenta. “A iniciativa foi bastante espontânea porque começámos a ver que há um sentimento comum em nós e na maioria dos cidadãos europeus”, concorda Celso Martinho, CEO da Bright Pixel. Lançado a 7 de Dezembro, o site foi criado numa semana. “Com todos os acontecimentos, o timing tinha de ser agora”, revela Celso, considerando que os postais são uma forma “engraçada” de “dar uma palavra de solidariedade" aos "amigos ingleses”. Até agora, já foram criados mais de 535 postais. A maioria é de origem portuguesa, mas existem participações de vários países da Europa, como a Áustria, a Finlândia, a Alemanha, a Croácia e a Bélgica. “Não conseguimos prever o impacto que a iniciativa vai ter, mas queremos iniciar um movimento”. Além dos postais, o site também tem uma loja onde é possível comprar t-shirts personalizadas. Uma forma de “criar dinâmica e de continuar a envolver as pessoas” — mas até quando? Não se sabe, a campanha não tem data para encerrar. “A situação no Reino Unido é imprevisível”, considera o CEO, gracejando que “a campanha vai durar até continuar a ter sentido”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Esta quarta-feira, todos os olhos estão postos na votação que a primeira-ministra britânica vai enfrentar ao final do dia. Theresa May enfrenta uma moção de desconfiança à sua liderança no Partido Conservador, movida por 48 deputados após May ter adiado a votação decisiva no Parlamento sobre o acordo do Brexit que negociou com Bruxelas. A primeira-ministra britânica precisa que pelo menos 158 deputados tory a apoiem para não cair. Se perder, terá de demitir-se e não poderá avançar às eleições internas que se seguirem. Se ganhar mantém-se e ganha imunidade política durante os próximos 12 meses. O Brexit está marcado para 29 de Março de 2019 e um novo líder dificilmente poderá cumprir este prazo. Com Renata Monteiro
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher rainha