Jesse Klaver é a força do optimismo contra o negativismo de Geert Wilders
Na Holanda, o líder da Esquerda Verde, com apenas 30 anos, está a subir nas sondagens com um discurso baseado na empatia. Deve entrar no próximo governo. (...)

Jesse Klaver é a força do optimismo contra o negativismo de Geert Wilders
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na Holanda, o líder da Esquerda Verde, com apenas 30 anos, está a subir nas sondagens com um discurso baseado na empatia. Deve entrar no próximo governo.
TEXTO: A atmosfera é de um entusiasmo quase juvenil. Há uma fila à porta de uma arena com capacidade para 5000 pessoas, e está esgotado. Vai haver música, mas não é por isso que estas pessoas aqui estão: vêm ver Jesse Klaver, o novo líder do partido Esquerda Verde (GroenLinks), que muitos descrevem como uma espécie de contraponto à figura que está a dominar a atenção nas eleições da próxima quarta-feira na Holanda, o populista Geert Wilders. “Nunca fui a um comício, mas isto não é um comício”, diz Henk Veldhuisen, estudante, que veio de uma localidade a 150 km para estar aqui esta noite. “Isto é o início de um movimento, é o início de uma mudança, e precisamos muito desta mudança”, defende. “Muitos países dizem que há um movimento populista na Holanda”, diz o pai de Henk, Clart, que também veio ao meet up. “O que eu gostava que vissem é que também há um movimento muito forte contra o populismo!"O mesmo diz Raymond Querido, do teatro Frascati, horas antes e ao que parece um mundo de distância, num elegante café perto do teatro, bem no centro de Amesterdão. “Antes votava entre o Partido Trabalhista e o partido Esquerda Verde. Mas agora não é altura de votar tacticamente. É altura de fazer uma escolha mais radical". Ele acredita em votar num partido que representa um olhar positivo para contrariar a agressividade do discurso populista e cujo líder é praticamente um anti-Wilders: o seu pai é marroquino (uma população que é um dos alvos preferidos do populista) e a sua mãe de ascendência indonésia (aqui têm a única semelhança, Wilders tem uma avó indonésia). “Em vez desta onda de negatividade, eu prefiro ser optimista”, diz Querido (o nome, explica mais tarde, é um nome judeu, português, de pessoas que fugiram da inquisição). “Depois do 'Brexit' e de tudo, estou agora realmente entusiasmado com esta eleição”, continua. “Estou convencido – espero – que o ponto mais alto dos populistas já esteja atrás de nós. Espero que o que estamos a ver agora seja a curva ascendente. ”O comício está esgotado, mas é possível seguir o evento no Facebook. Quando Klaver começa a falar, camisa branca, mangas arregaçadas, e um certo ar da idade que tem – apenas 30 anos - há mais de quatro mil pessoas a seguir a emissão. Klaver critica fazer-se política com o med, fala de liberdade, empatia, e é isso que a audiência quer ouvir. Os que o ouvem dizem lembrar-se de Justin Trudeau, o primeiro-ministro canadiano. Quando acaba de falar, recebe um aplauso de estrela de rock. Há gritinhos quando se aproxima da audiência e aperta a mão a uma rapariga. O partido, que surgiu da fusão em 1989 dos partidos comunista, pacifista, evangélico e radicais políticos de esquerda, tem neste momento quatro deputados no Parlamento – desde a sua criação nunca conseguiu mais de dez. As sondagens dizem que poderá obter à volta de 15. Quando os dois partidos que vão à frente – extrema-direita de Wilders e o Partido da Liberdade e Democracia (centro-direita) do primeiro-ministro Mark Rutte têm projectados entre 26 e 23. Com a próxima coligação muito provavelmente a não incluir Wilders (todos prometeram não cooperar com ele, e ele disse que não colaboraria com Rutte), Klaver deverá pelo menos participar no próximo governo. Isto apesar de ser atacado pelos outros líderes que o criticam por ingenuidade. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O seu perfil ficou cimentado com uma entrevista ao Guardian em que era apresentado como “the Jessiah”. Ainda que algo exagerado, a multidão que o foi ver esta quinta-feita à noite mostrava de facto uma energia de movimento ascendente. Mas entre quem vem ver Klaver não estão só convertidos. Anna van Tiel, 24 anos, veio para saber mais sobre o partido mas ainda não sabe se na quarta-feira vai votar na Esquerda Verde ou nos liberais do D66. “Não vou decidir só com base no programa”, diz. Uma coisa é certa: apesar de ser sobretudo contra Wilders, que simboliza tudo o que é contra, não vai votar em algo com que não concorda só para o impedir de ficar em primeiro, como previam há pouco algumas sondagens.
REFERÊNCIAS:
Étnia Judeu
O PS gosta mais de Marcelo do que a direita
Presidente da República tem 95% de avaliações positivas e uma avaliação média de 15,8 valores. CDS é o partido que lhe dá nota mais baixa. (...)

O PS gosta mais de Marcelo do que a direita
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.392
DATA: 2019-05-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Presidente da República tem 95% de avaliações positivas e uma avaliação média de 15,8 valores. CDS é o partido que lhe dá nota mais baixa.
TEXTO: Ao fim de três anos e (quase) três meses de mandato, Marcelo Rebelo de Sousa continua com uma popularidade estratosférica. Entre os 1882 inquéritos válidos nesta sondagem, 95% dão-lhe uma avaliação positiva, com uma nota média de 15, 8 valores, numa escala de zero a 20. Apenas 5% do total da amostra o avaliam com nota inferior a 10 e a avaliação média que obteve neste estudo em pouco difere da avaliação que tinha numa outra sondagem da Cesop com a mesma questão. Em Novembro de 2016, oito meses depois de entrar em funções, era avaliado com uma nota média de 16, 3 valores. Curiosa é ver a distribuição de avaliações entre o eleitorado dos diferentes partidos. É entre os simpatizantes do PS que Marcelo Revelo de Sousa obtém a nota mais alta (16, 7 valores em 97% de avaliações positivas), seguidos de perto pelos apoiantes do PSD, que o avaliam com 16, 3 (entre os 96% que lhe dão nota positiva). É entre os centristas que o Presidente conta com notas mais baixas (15 valores, 93% de avaliações positivas). Os apoiantes do BE e da CDU fazem uma avaliação idêntica: 15, 8 de nota. É entre as mulheres e a população com mais de 65 anos que Marcelo recolhe maior aprovação. Elas atribuem-lhe uma nota de 16, 3, enquanto os homens se ficam pelos 15, 3. Já nas variações de décimas que se verificam ao longo da escala etária, são os seniores (mais de 65 anos) que lhe dão nota mais alta: 16, 7. Estes índices de popularidade encaixam-se na tendência que tem vindo a ser registada nas diferentes sondagens divulgadas desde o início do ano. Em Janeiro, o barómetro da Aximage para o Jornal de Negócios e o Correio da Manhã dava-lhe uma nota média de 15, 9 numa escala de zero a vinte, mas era a nota mais baixa desde Maio de 2018 naquele estudo de opinião, altura em que contava com 18, 3. Em Novembro do ano passado, Marcelo atingia a nota de 17 valores verificada pela mesma empresa. Essa queda acentuada verificada pela Aximage não tinha, no entanto, paralelo no barómetro político que então a Eurosondagem fazia de dois em dois meses para a SIC-Expresso, em que a popularidade de Marcelo se manteve, ao longo de 2018, bastante estável, variando entre 71, 7% e 73% de avaliações positivas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A mais recente sondagem sobre a popularidade do Presidente foi divulgada no passado sábado pelo Expresso e SIC, feita pelo centro de estudos do ICS-ISCTE, e dava-lhe uma nota de 7, 8 numa escala de zero a 10 - se duplicarmos a escala, atingimos os 15, 6 (duas décimas a menos que a da Cesop-UCP). E no barómetro da Aximage revelado a 13 de Maio, recebia uma avaliação de 15, 3. Talvez se possa concluir que Marcelo Rebelo de Sousa beneficiou, nestas últimas sondagens, do silêncio a que se remeteu durante a semana em que pairou sobre o país o espectro de uma crise política. Durante dez dias, desde que António Costa ameaçou demitir-se por causa da votação do tempo de serviço dos professores (3 de Maio), até ao passado dia 13, o Presidente manteve uma agenda muito discreta e nem por uma vez falou aos jornalistas. Quando falou, explicou por que o fez para que todos percebessem. Pelos vistos, perceberam.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD BE
Maioria quer que PS governe, mesmo que não ganhe as legislativas
Não é uma vitória esmagadora, com 39% fica longe da maioria absoluta, mas o PS confirma, nesta sondagem para as legislativas, que a maioria transversal dos portugueses quer que continue a governar – mesmo que não ganhe as eleições. Só os eleitores da direita desejam uma coligação PS-PSD. (...)

Maioria quer que PS governe, mesmo que não ganhe as legislativas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2019-05-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Não é uma vitória esmagadora, com 39% fica longe da maioria absoluta, mas o PS confirma, nesta sondagem para as legislativas, que a maioria transversal dos portugueses quer que continue a governar – mesmo que não ganhe as eleições. Só os eleitores da direita desejam uma coligação PS-PSD.
TEXTO: Os portugueses gostaram da “geringonça” e vêem o PS como o partido inevitável no próximo governo, mesmo que o PSD ganhe. É a grande conclusão da sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa (Cesop-UCP) feita para o PÚBLICO e RTP sobre a intenção de voto nas legislativas e coligações pós-eleitorais, na qual o PS alcança os 39% face aos 28% do PSD. E há uma surpresa: quase um quinto dos inquiridos (19%) defende que, mesmo que o PSD ganhe as eleições, o próximo governo não deve contar com o partido liderado por Rui Rio. Nesta segunda parte da sondagem que começámos a revelar na segunda-feira, confirma-se que há maior predisposição dos eleitores para votar nas legislativas do que nas europeias e que o voto não é tão disperso, mas mais concentrado nos partidos que já têm assento na Assembleia da República. E quem mais beneficia dessa concentração são os dois principais partidos, PS e PSD. Isso ajuda a explicar porque é que o PS tem uma estimativa de 39%, mais seis pontos percentuais do que nas europeias, e o PSD sobe cinco pontos, fixando-se nos 28%. Estes são os dados estimados já sem a abstenção, as não-respostas e os indecisos, pois a intenção directa de voto é bem mais baixa. Entre os 1093 inquiridos que disseram que de certeza que iriam votar, 27% disseram que o farão nos socialistas, o que aponta para um resultado no intervalo entre 36% e 42% das intenções de voto (39% é a média). Já o PSD recolheu apenas 18% das intenções directas de voto, estimando-se que alcance uma votação dentro do intervalo de 25% e 31% (com média de 28%). Se enquadrarmos estas estimativas nas restantes sondagens que têm sido relevadas desde o início do ano, percebemos que há uma tendência de subida dos socialistas. É preciso recuar a Janeiro para encontrar um resultado próximo deste (a Eurosondagem para o Expresso-SIC desse mês dava 40% ao PS e 24, 8% ao PSD). Depois disso, verificou-se uma descida dos socialistas e uma subida dos sociais-democratas, atingindo o ponto mais próximo na sondagem da Aximage para o Correio da Manhã e Jornal de Negócios em finais de Março, em plena polémica das nomeações familiares, quando o PS aparecia com 34, 6% e o PSD com 27, 3%. Nesta sondagem da Cesop que agora revelamos, a diferença entre os dois maiores partidos fixa-se nos 11%. Quanto aos restantes partidos com assento parlamentar, o seu eleitorado é praticamente igual, seja nas europeias, seja nas legislativas: o BE regista 9% das intenções de voto, a CDU 8%, o PAN os mesmos 3% e só a CDU perde um ponto percentual, ficando nos 7%. Já o Aliança, que nas europeias ainda alcança 3% das intenções de voto, nas legislativas não passa de 1%. Com base nestes resultados, a constituição de uma maioria no Parlamento pode ser feita apenas com o PS e qualquer outro partido (à excepção do PAN). E quais são as coligações preferidas pelos eleitores? Se quisermos dizê-lo num tweet, temos de dizer qualquer uma, desde que seja à esquerda. Se o PS ganhar as legislativas sem maioria absoluta, o cenário mais votado (com 27%) é que os socialistas governem com o apoio de um ou dois partidos à sua esquerda. Já se for o PSD a vencer, a maioria das preferências (21%) vai para um governo também com o apoio de partidos da esquerda. Mas pouco atrás, com 19%, fica a preferência por uma solução de governo sem o partido vencedor, o PSD, ou seja, 40% dos inquiridos preferem que, caso o PSD ganhe, governe à esquerda ou então que nem governe. Ganhe quem ganhar, um governo de um só partido (sem maioria absoluta) é o cenário menos desejado. Se o PS ficar à frente, apenas 16% entendem que deve governar sozinho, e outros tantos eleitores preferiam uma coligação com um ou dois partidos à direita. Uma “geringonça” (que pode ser apenas com outro partido da esquerda) é, portanto, o cenário preferido, principalmente entre os eleitores deste espectro político. Esta solução é a escolha preferida de 43% dos inquiridos de simpatia socialista, de 54% dos bloquistas e de 63% dos que apoiam a CDU. Só 11% dos eleitores do PS querem um acordo à direita em caso de vitória do partido de António Costa, uma percentagem que sobe para 30%, caso seja o PSD a vencer as legislativas. Se for o PSD a ganhar, apenas 14% do total dos inquiridos desejam um governo “a solo”, enquanto 17% defendem uma coligação à direita. Qualquer destes valores é, no entanto, inferior à preferência por uma coligação com um partido à esquerda (o PS, pela natureza das coisas) ou de um governo sem o próprio PSD, como vimos atrás. Olhando para a distribuição das intenções de voto por preferências partidárias, percebe-se que 84% dos inquiridos do eleitorado da direita preferem que o PSD, em caso de vitória, governe em coligação com o CDS. Até os simpatizantes sociais-democratas dão preferência a um regresso da PàF (36%) a um governo só do PSD (27%). Olhando para a distribuição destes resultados por faixa etária, diríamos que, quanto mais velhos, mais “geringonça” querem. Um governo liderado pelo PS com o apoio da esquerda é o cenário preferido em todas as faixas etárias entre os 35 e os 65 anos (com preponderância para os que têm entre 55 e 54 anos). São os jovens, entre os 18 e os 34 anos, os que são favoráveis a um entendimento entre o PS e o PSD em caso de vitória do primeiro. Mas se a vitória for para os sociais-democratas, a situação muda totalmente: aqui, os mais jovens (18-24 anos) já preferem um governo sem o PSD, e a partir dos 25 anos todos optam por uma coligação PSD-PS. Porém, para os seniores (mais de 65 anos), qualquer coligação, à esquerda ou à direita, seria melhor do que um governo só do PSD ou sem este partido. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Um número muito redondo é aquele que a CDU alcança nesta sondagem entre os eleitores mais jovens: zero, literalmente. E isto não significa que se possa concluir que os jovens entre os 18 e os 24 não gostem da esquerda, pelo contrário: são eles a maior fatia dos eleitores do BE por idades (11%), porque a partir daí é sempre a descer. Já com o eleitorado da CDU acontece o contrário: quanto mais velhos, mais comunistas há (ainda que se distribuam mais uniformemente). Entre os sub-24, o partido preferido é o PSD (19%), mas isto porque o voto à esquerda está mais distribuído entre o PS (15%), os tais 11% para o BE e 4% para o PAN. Já o CDS é escolhido por apenas 1%, o que parece significar que os mais jovens não gostam dos extremos. Em todas as restantes faixas etárias, o PS é o partido mais votado. Não há praticamente diferença na intenção de voto entre homens e mulheres. As percentagens obtidas pelos partidos por género são muito próximas, com variações máximas de 2%, o que está dentro da margem de erro. A única diferença visível é nos indecisos: aí elas ficam cinco pontos acima deles.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PAN PSD BE
A vida a solo de Theresa Wayman
Abrindo as portas para a sua intimidade, a guitarrista e vocalista das Warpaint assina enquanto TT um álbum corajoso à margem da banda. LoveLaws é um objecto solitário – e não apenas no sentido mais imediato. (...)

A vida a solo de Theresa Wayman
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Abrindo as portas para a sua intimidade, a guitarrista e vocalista das Warpaint assina enquanto TT um álbum corajoso à margem da banda. LoveLaws é um objecto solitário – e não apenas no sentido mais imediato.
TEXTO: Na mais recente edição do IndieLisboa, a secção IndieMusic acolheu um curioso filme debruçado sobre a banda grunge feminina L7. Pretend We’re Dead, título inspirado na sua canção mais popular, esboçava um retrato da vida na estrada que era tudo menos esplendoroso. Mais do que a música do quarteto, o pretexto de seguir a par e passo a carreira das L7 propunha um olhar duro (a roçar o amargo) daquilo que significa o sucesso numa banda de dimensão média (na melhor das hipóteses). E aquilo que se descobria era o confronto com uma realidade quase deprimente: no pico da sua carreira, cada uma das quatro músicas conseguira auferir a pobre quantia de 500 dólares mensais. Numa fatigante sequência de digressões, que incluíam tanto os grandes festivais quanto os mais esconsos pardieiros, e gravação de novos álbuns, o desfecho revelava-se especialmente acre com Suzy Gardner a questionar-se, aos 40 anos, se teria valido a pena tamanho esforço e ter abdicado de qualquer investimento na sua vida pessoal. Autoria: LoveLaws CarolineÀ primeira vista, a história da L7 e das Warpaint será apenas coincidente no facto de ambas dizerem respeito a quartetos de rock compostos por mulheres. Aquilo que havia de energia bruta numas é substituído por uma construção muito mais subtil, exploratória e melódica noutras. Mas o primeiro álbum a solo de Theresa Wayman, vocalista e guitarrista das Warpaint (funções que partilha com Emily Kokal), incide de forma muito aberta sobre a sua intimidade e é impossível não ouvir um eco das palavras de Gardner. É um desabafo em dez canções, uma dorida reflexão das consequências da vida de estrada no reduto afectivo – enquanto mulher: mãe e amante. “A vida na estrada”, admite Theresa Wayman (que assina TT a solo) ao Ípsilon, “é o traço comum entre todos os temas do álbum. Foi essa a minha experiência durante os últimos sete anos: não ter uma vida estável. ” Significa isto que, na mesma altura em que começou a investir na aprendizagem de programas e métodos de gravação que lhe permitissem ir documentado e explorando as suas ideias de forma autónoma, a edição do primeiro álbum das Warpaint, The Fool, obteve um tal reconhecimento que os convites para actuações choveram dos quatro cantos do mundo (com destaque para festivais como Reading e Coachella), a palavra “casa” passou a ter um sentido mais difuso e a pacatez dos primeiros anos do grupo – formado em Los Angeles em 2007 – apagou-se de um dia para o outro. Love leaks e I’ve been fine, duas grandes canções de LoveLaws, não mascaram a frustração romântica que é uma das pagas pela medida de sucesso das Warpaint, enquanto banda do universo pop/rock com carimbo indie – ainda que, aqui e ali, como aconteceu recentemente ao tocarem na primeira parte de Harry Styles (ex-One Direction) no Japão, o mainstream possa estar à espreita. Em Love leaks, Wayman canta o fosso que se abre e torna impossível a sobrevivência de uma relação amorosa e repete, uma e outra vez no refrão, “I just got too, I just got too empty”. “Por vezes, quando andamos em digressão, conhecemos alguém depois de estarmos muito tempo sem um parceiro, sentimos uma ligação, mas se não vivemos no mesmo sítio podemos ter alguns encontros que, por muito que achemos que estamos a construir algo juntos, rapidamente chega o dia da partida e tudo desaba”, descreve. São palavras que aprofundam aquilo que canta, de forma pouco velada, em I’ve been fine: “Why can’t you be next to me?” Se essas possibilidades românticas na estrada se esfumam com os compromissos de cada novo concerto, no regresso a casa Theresa dá prioridade ao tempo com o filho. LoveLaws bate também nesse ponto: como é que se vive um amor incondicional obrigado a uma proximidade física intermitente?“Decidi escrever sobre tudo isto porque me sentia muito frustrada com a situação”, confessa. “As canções ajudaram-me muito a compreender e a lidar com esta partilha sempre ameaçada pela partida. ” Encurralada entre a vida pessoal e a profissional – “quero algo mais estável, mas há uma parte da minha personalidade que gosta muito da adrenalina da estrada e preciso perceber como equilibrar as duas coisas”, diz –, posiciona-se também, num álbum de uma exposição de enorme coragem, contra a projecção de perfeição para o exterior que invade existências alinhadas com as redes sociais. “Hoje em dia parece-me importante que sejamos mais reais, abertos e vulneráveis, porque me parece que as pessoas estão sempre a tentar passar a ideia de que está tudo bem. ” E não, não está. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Heads Up (2016), terceiro álbum das Warpaint, arrancava com Whiteout, tema que, na origem, estava destinado ao disco a solo de Theresa Wayman. E estava-o apenas porque o principal indicador de que dada composição será mais talhada para a vida artística solitária da música se prende com a forma como assume a criação de uma forma mais total. Se determinada ideia a encontra lançada e se desenvolve logo para além de voz e guitarra, fechando também a secção rítmica, Theresa não costuma passá-la pelo crivo das restantes Warpaint, uma vez que “não deixa espaço para mais ninguém”. White out foi uma excepção, mas revelou-lhe também o quanto o seu universo individual e o colectivo do grupo se confundem cada vez mais – algo que, garante, se tem acentuado ao longo dos anos. Essa confusão adensou-se, precisamente, com Heads Up, altura em que a sonoridade da banda passou a incorporar mais elementos electrónicos. LoveLaws, na verdade, coloca Theresa Wayman numa rota com destino ao passado, quando o trip-hop e a pop com tendências dançáveis a atingiam com particular intensidade. Cresceu, por isso, a imaginar artistas como Björk a seguirem para estúdio com todas as possibilidades em aberto, controlando cada segundo de música ao mesmo tempo que descobriam as canções conforme as iam registando. Foi também esse o seu impulso para criar a solo. “Há muito que queria fazer algo com o espírito de discos como Post ou Debut, da Björk, Dummy [dos Portishead] ou algo dos Outkast”, oferece como coordenadas. Sem que se metamorfoseie por completo em artista trip-hop, não há como negar essa sombra em LoveLaws. Ao longo dos dez temas, TT não apressa as suas canções, deixa-as desenrolar-se com todo o vagar do mundo e serve-se da ajuda dos produtores Money Mark e Dan Carey (dois temas cada um) para vincar essa personalidade distinta – ainda que pudéssemos esbarrar em I’ve been fine ou Too sweet num álbum das Warpaint. Mas onde realmente encontramos Theresa Wayman é na honestidade de um disco que nunca se esconde. E respeita a convicção de quanto mais pessoal fosse este álbum, mais a música a poderia representar sem reservas.
REFERÊNCIAS:
Partidos BE
Beijar ou não beijar os avós: o que está, afinal, em causa?
Obrigar uma criança a cumprimentar um familiar pode ser uma forma de violência? Daniel Cardoso acredita que sim e não está sozinho. Os especialistas defendem que não se deve obrigar a criança a ter um determinado nível de intimidade física. (...)

Beijar ou não beijar os avós: o que está, afinal, em causa?
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Obrigar uma criança a cumprimentar um familiar pode ser uma forma de violência? Daniel Cardoso acredita que sim e não está sozinho. Os especialistas defendem que não se deve obrigar a criança a ter um determinado nível de intimidade física.
TEXTO: Obrigar uma criança a dar um beijo aos avós pode ser uma forma de violência? Se disser que não quer, é mal-educado ou está a querer dizer aos pais que não se sente confortável naquela situação? Como devem os pais agir? Desde segunda-feira que as declarações do professor universitário Daniel Cardoso, durante o último Prós e Contras, na RTP, puseram o país a debater. O PÚBLICO foi tentar perceber até que ponto é ou não uma forma de violência e onde fica a fronteira com a boa educação. As crianças podem fazer tudo em nome da sua autodeterminação, mesmo não cumprimentar com um beijinho pessoas que lhes são próximas? Os especialistas defendem que não se deve obrigar as crianças a ter um determinado nível de intimidade física. As afirmações de Cardoso surgiram no âmbito da discussão sobre a passagem de um ano sobre a criação do movimento MeToo, nos EUA, que veio denunciar relações de abuso de poder de homens sobre mulheres. O professor da Universidade Lusófona foi convidado para o programa e defendeu que “estamos a educar para a violência sobre o corpo do outro e da outra desde crianças”, oferecendo como exemplo quando “a avozinha ou o avozinho vai lá a casa e a criança é obrigada a dar o beijinho”. Acrescentou ainda: “Obrigar alguém a ter um gesto físico de intimidade com outra pessoa como obrigação coerciva é uma pequena pedagogia que depois cresce. ”. Ao PÚBLICO, Daniel Cardoso começa por voltar a contextualizar o exemplo: o movimento MeToo. “Aquilo que estamos a discutir, no fundo, são relações de poder e noções mais ou menos disseminadas socialmente do que é consentimento”, explica. “Não estava a tentar focar-me nisto como a origem de todo o mal. Estava a dar um exemplo, entre vários, sobre como há uma naturalização deste passar por cima do ‘não’”, acrescenta, fazendo uma ponte com o tipo de retóricas que surgem frequentemente no contexto do MeToo — como, por exemplo, referir a roupa que alguém vestia para justificar a falta consentimento. Por outras palavras, “nestas pequenas práticas promove-se este ultrapassar do ‘não’”, clarifica. Para o pedopsiquiatra Rui Ferreira Carvalho, “estamos a discutir um conceito que é essencial e que deve ser ensinado desde cedo: o consentimento e o carinho consentido, dado de livre vontade — portanto não forçado”. “Percebo o incómodo que causou nas pessoas um exemplo que nos é tão próximo”, mas, ressalva, “esta questão do consentimento faz todo o sentido, independentemente da pessoa com quem estamos a lidar. ” Não é uma questão simples, admite. “Mexe com dinâmicas de poder” e incide sobre “a barreira ténue entre o que é a educação e o que é que é a protecção”. A questão fundamental, aponta o especialista, é “ensinar desde cedo que o nosso corpo é nosso”, tendo em conta que as interacções em infância têm as suas repercussões. “Estes padrões de exprimir carinho e afecto são facilmente reproduzíveis na vida adulta. A forma como lidamos com as emoções e como exprimimos carinho tem influência na forma como vivenciamos relações no futuro. E situações abusivas são facilmente replicáveis”, aponta. Não quer dizer que exista uma relação de causalidade directa, como o próprio Daniel Cardoso refere. "Existe co-relação, por exemplo, entre jovens que têm pais com comportamentos invasivos da sua privacidade e jovens que têm mais dificuldade em recorrer a esses próprios pais quando se sentem ameaçados ou ameaçadas por alguma coisa. "Constança Ferreira, terapeuta de bebés no Centro do Bebé, em Lisboa, e mãe de três filhos, alerta para a polarização no debate à volta da intervenção de Daniel Cardoso. Em parte, “estamos a discutir outras coisas, os medos profundos das pessoas”, comenta. “Todas as questões que têm a ver com a autoridade sobre a criança e o medo que a vontade da criança prevaleça são polémicas entre os adultos”, acrescenta. De um lado está a ideia de que qualquer questão que se coloque equivalha à total ausência de regras e que se a criança não obedecer a tudo vai ficar “selvagem” e do outro está o “endeusamento excessivo” das crianças. “As pessoas têm estes dois pólos e têm medos de um lado e de outro. ” A terapeuta reforça que “em momento algum [Daniel Cardoso] falou de crianças mal-educadas ou de se ignorar o avô que chega”, mas sim do beijo como “algo de íntimo. Se calhar houve muitos pais que ouviram aquilo e imaginaram os filhos distraídos com um brinquedo. E [os seus pais a responder] ‘não queres cumprimentar o avô, então pronto, fica aí’. Para mim isso também seria chocante. ”Para José Morgado, professor do departamento de psicologia e educação do ISPA- Instituto Universitário, discute-se também a “gramática das relações de afecto”. “A nossa cultura contempla um determinado tipo de comportamento como sendo habitual para expressar relações de afectos. É importante educar as crianças e sensibilizá-las para os gestos de afecto das pessoas de que nós gostamos”, comenta. Mas esse tipo de expressão não deve resultar de uma imposição de força, antes de uma vontade própria. Exemplifica com uma pergunta e resposta: será que os netos devem ser obrigados pelos pais a darem um beijinho ao avô? “Não quero que eles façam isso!”, garante. “Eu quero que os miúdos percebam que há uma relação de afecto que se expressa também nos gestos que lhe dirigimos. E é natural que o meu neto se sente no meu colo para lhe contar histórias. ” Ao mesmo tempo adverte que em relação a quem não conhecem devemos “educar as crianças que o seu corpo e a sua intimidade é uma reserva que não devem tornar acessível a qualquer pessoa que se lhes dirija”. Segundo o neuropediatra Nuno Lobo Antunes, a situação mais comum é que as crianças demonstrem com beijos e abraços o afecto pelos membros mais próximos da família. O contrário, defende, deve ser sinal de alerta. “Se a resposta for constante e for intensa na sua manifestação não forçaria o beijinho, mas investigaria até ao fundo as causas que levam a essa relutância”, comenta. “Claramente o foco não seria dar ou não dar [um beijinho]”, mas antes, perceber, por exemplo, “se se passa o mesmo com outras pessoas, se existem sensibilidades ou se, do ponto de vista social, a criança se isola ou tem outros comportamentos atípicos”. “A meu ver, é mais frequente o carinho ser natural e ser espontâneo”, afirma também Rui Ferreira Carvalho. “Nestas recusas é que devemos ter uma perspectiva mais flexível de reflectir um bocadinho no que pode estar por detrás. ” O psiquiatra apela ao bom senso e à empatia dos pais: “Quando estamos perante situações que nos deixam dúvidas, pararmos para reflectir que respostas alternativas temos, o que pode estar a justificar isso, e não partirmos imediatamente para pensamento automático que de que a criança está a ser mal-educada, sem termos os dados todos presentes. ”Daniel Cardoso realça que a questão da normalização “não tem a ver com a representatividade ou a frequência de um determinado comportamento”, mas sim com “perspectivas e percepções sociais" em relação ao mesmo. “A normalização de um comportamento tem impactos sócio culturais próprios, que são relativamente ou pelo menos parcialmente independentes do quão comum ou incomum esse comportamento efectivamente é”, atira. Para Lobo Antunes, “não faz sentido que [o acto de dizer às crianças para darem um beijinho aos avós] seja visto como uma violência, à excepção de casos muito peculiares”, como por exemplo quando se trata de crianças com autismo ou algum tipo de “hipersensibilidade”. “Os laços familiares que se criam são extraordinariamente importantes para o estabelecimento da segurança e de um sentimento de pertença a um grupo. É importante para o seu crescimento psicológico saudável”, refere ainda. Segundo o especialista, “educar é passar valores”. “Inclui a consideração, o sinal de respeito, mas também uma diferenciação de intimidade. Quando os pais dizem dar um beijinho à avo ou a um amigo íntimo, [isso] faz uma separação clara entre aqueles que pertencem ao seu grupo familiar e podem ser confiados e aqueles em que não podem ser confiados. Aqueles a quem devemos uma obrigação de respeito”, justifica o especialista. O médico reconhece que “a maior parte dos abusos se passam dentro da família” e “as pessoas devem estar atentas a sinais de alerta”, mas, continua, “não faz sentido vivermos numa sociedade em que o medo do abuso seja tão intenso e tão generalizado. A enorme maioria das crianças está protegida dentro do seu ambiente familiar”. “Todos devemos ter gradientes de proximidade nos comportamentos de acordo com o grau de proximidade afectiva e das circunstâncias em que estamos”, afirma José Morgado. O especialista defende que o beijinho na cara é algo com um certo nível de intimidade e que não deve ser expectável que as crianças o utilizem com pessoas que não conhecem. Não significa que não devam aprender a ser cordiais com as pessoas, simplesmente devem poder fazê-lo de outra forma. Daniel Cardoso refere que existem “formas positivas de ensinar às crianças que elas devem tratar as outras pessoas com respeito”, mas considera que não existe “demonstração universalmente válida de respeito”. “A empatia neste caso é o desempatador”, sugere Constança Ferreira. “Se eu chegar a uma sala com 50 pessoas, gosto de cumprimentar individualmente cada uma? Ou posso encontrar uma ferramenta socialmente aceite que não implique um cumprimento íntimo?”, exemplifica. “Nós adultos fazemos isso instintivamente. ” Assim, a terapeuta sugere que desde cedo o foco seja transmitir estas ferramentas às crianças. “Há uma gama muito grande de comportamentos sociais, a vários níveis, que não tem de passar pela intimidade física. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Tendo em conta que vivemos numa sociedade em que a norma é as pessoas cumprimentarem-se com beijinhos, estas interacções podem ser desconfortáveis e difíceis de gerir para os pais. Neste sentido, Constança Ferreira aconselha que se evitem “situações de limite” — aquelas que normalmente resultam num desconforto do ponto de vista social. Refere, por exemplo, episódios em que os pais insistem perante outra pessoa que os filhos dêem um beijo, enquanto estes recusam. “Torna-se um conflito, com duas partes a tentar prevalecer. E há a ideia de que a vontade da criança não pode prevalecer, portanto vai acabar mal. Não é muito inteligente, nem socialmente ficamos muito bem. O que pode ser interessante, se compreender os motivos da minha criança, é dizer ‘ele não conhece e quando não conhece preferem só dizer bom dia’. E dizer isto com naturalidade. ”Ainda assim, Rui Ferreira Carvalho, considera que estamos a falar de situações pontuais, dado que a maioria das crianças irá assimilar os comportamentos que vê à sua volta. “É importante encontrarmos um equilíbrio: simultaneamente educar para o respeito (auto-respeito e respeito pelos outros) e ao mesmo tempo promover a defesa do nosso próprio corpo. ”
REFERÊNCIAS:
Pais usam telemóveis e tablets como babysitters
Estudo com quase 2000 inquiridos revela que as crianças que mais usam aplicações são as que têm entre zero e dois anos e que os pais são os primeiros a passar estes dispositivos para as mãos dos filhos. (...)

Pais usam telemóveis e tablets como babysitters
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estudo com quase 2000 inquiridos revela que as crianças que mais usam aplicações são as que têm entre zero e dois anos e que os pais são os primeiros a passar estes dispositivos para as mãos dos filhos.
TEXTO: Nove em cada dez casas portuguesas têm smartphones, tablets, computadores portáteis ou ligação à Internet. Os dispositivos electrónicos são usados por crianças cada vez mais novas. Os pais são os primeiros a passá-los para as mãos dos filhos e as crianças que mais usam aplicações (apps) são as que têm entre zero e os dois anos, revela o estudo Happy Kids: Aplicações Seguras e Benéficas para Crianças, do Católica Research Centre for Psychological, Family and Social Wellbeing (CRC-W), da Faculdade de Ciências Humanas, da Universidade Católica Portuguesa, que é apresentado em Lisboa nesta terça-feira. Num inquérito, feito a partir da Pumpkin, uma plataforma usada sobretudo por pais de crianças pequenas, foi perguntado qual a utilização feita das novas tecnologias pelos filhos dos 0 aos 8 anos. Responderam 2677, mas só 1968 respostas foram validadas. A maioria dos inquiridos é de Lisboa (1232), é licenciado e é mãe (53%). Tal como nos anos de 1980, o Papa João Paulo II alertava para a televisão como a "ama electrónica" das crianças, agora, este estudo vem confirmar que os ecrãs continuam a ter essa função, quer em casa quer na rua, por exemplo, nos restaurantes, onde as crianças são postas frente a um tablet ou a um smartphone, dizem 587 pais dos mil que respondem que os filhos usam aplicações. Em casa, acontece quando os pais precisam de trabalhar ou fazer tarefas domésticas, respondem 490. Os dispositivos também podem ajudar a resolver uma birra para 99 dos pais. A idade em que os pais mais deixam os filhos usar as apps é precisamente entre os 0 e os 2, porque são utilizadas para os manter entretidos. Mas os pais também têm uma preocupação com o "ser educativo", mostra o estudo – dos mil que respondem em que situações deixam os filhos usar os dispositivos, 427 dizem que é para fazer actividades educativas. Aliás, os pais sublinham muitas vezes essa preocupação que é também o que os distancia dos filhos já que estes preferem aplicações de jogos e de entretenimento. Os pais acreditam que o uso dos dispositivos electrónicos permite que os filhos adquiram conhecimentos e competências, nomeadamente para a escola, por exemplo a matemática, leitura e desenvolvimento da língua, na criatividade e concentração. É de jogos como os de construção ou de puzzles que os pais gostam. Mas tudo isto exige muito pouco em termos físicos e os inquiridos reconhecem que o uso das tecnologias pode ser prejudicial para a actividade física (854), o sono (702), a sociabilidade (616) e o comportamento (349). O que os pais mais valorizam é a segurança – as aplicações não devem invadir ou expor a privacidade dos filhos. Os inquiridos não gostam que as aplicações sejam viciantes, que não sejam apropriadas para a idade ou que sejam violentas. Por norma, as apps são instaladas pelos próprios pais – e a maior parte (60%) não instala aplicações que sejam pagas. Aliás, só metade dos pais (1000) responde que utilizam apps. Este dado surpreende as autoras Patrícia Dias e Rita Brito, que já fizeram outros estudos nesta área. Para justificar esta resposta, as investigadoras aventam duas hipóteses: ou as crianças chegam às apps a partir dos browsers; ou os pais não estão familiarizados com a palavra e, por isso, respondem que não usam. No entanto, face às respostas dadas, as crianças mais pequenas são as que mais usam, enquanto as mais velhas exploram outros dispositivos. Em vez de se sentarem ao lado dos filhos a fazer coisas em conjunto, os pais optam pelo controlo – da utilização (1330), dos conteúdos (1224), em supervisionar e intervir se necessário (1217). Mas, também há quem responda que as acompanha nas actividades digitais (869) e em ensinar (757). Os pais com mais competências são mais "instrucionais" e os com menos são mais "restritivos", designa o estudo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O que fazem as crianças com mais frequência? Vêem vídeos do YouTube de desenhos animados ou de música e jogam, respondem os pais. Seguem-se as apps educativas – os inquiridos evitam responder que o uso é feito “com muita frequência” porque “o discurso dominante nos media desaconselha o uso excessivo das tecnologias digitais”, analisa o estudo. Dizem ainda que os filhos não publicam conteúdos nas redes sociais, logo não estão expostos a perigos como o cyberbullying ou o abuso sexual. Contudo, alerta Rita Francisco, coordenadora do CRC-W, "as crianças sabem usar mais do que aquilo que os pais pensam e podem estar expostas a riscos sem que estes o saibam". Por exemplo, as crianças podem fazer actividades como editar fotografias ou vídeos, instalar ou desinstalar apps, fazer pesquisas no Google sem que os pais se dêem conta, diz o estudo. Prova disso é que entre as aplicações preferidas dos mais novos, segundo os pais, estão apps como o Messenger, WhatsApp, Instagram, SnapChat e Facebook – “considera-se surpreendente nestas idades as referências a redes sociais e ferramentas”, nota o relatório. Patrícia Dias e Rita Brito concluem que é importante que os pais saibam que aquilo de que as crianças gostam é diferente do que os pais preferem – “é necessário encontrar elementos comuns que agradem a ambos para fomentar a co-utilização, a forma mais benéfica de mediação parental para toda a família”, sugerem nas recomendações. "A literatura diz que a forma mais indicada para o uso das tecnologias é promover a interacção entre pais e filhos", sublinha Rita Francisco. Esta é uma estratégia pouco usada, lamenta. As tecnologias estão entranhadas nos hábitos dos pais que as usam diariamente (907) ou várias vezes ao dia (968) para entretenimento (1673), por obrigatoriedade laboral (1615) – “é notório o atenuamento da fronteira entre as esferas do trabalho e do lazer”, aponta o estudo –, para se manter informado (1455) e para contactar com a família e amigos (1224). Por isso, é natural que cheguem cedo à vida dos filhos. Por exemplo, na Suécia, em 2011, metade das crianças de 3 anos acedia à web e em 2013 a idade diminuiu para os 2 anos; na Bélgica são 70% as crianças que desde os 3 e 4 anos acedem à Internet; em Portugal (num inquérito de 2017 em 656 lares com crianças de 3-8 anos) verificou-se que 63% das crianças tinha tablet para uso pessoal e 18% smartphone, refere o estudo Happy Kids sobre as perspectivas das famílias – a segunda parte deste estudo, feito a partir de 81 entrevistas presenciais com famílias que participaram no inquérito online. Entre estas 81 famílias, as mães são "altas utilizadoras" e os pais "utilizadores médios", ou seja são famílias “proficientes” na utilização das tecnologias. A maioria das crianças tem tablet pessoal e muitos, sobretudo entre os 6 e os 8 anos, têm smartphone que usam em casa para comunicar com os amigos. As actividades preferidas são os jogos e os vídeos do YouTube. Os pais impõem regras como o controlo do tempo de utilização. Mas os miúdos preferem usar os dispositivos quando estão sozinhos. Aos pais é recomendado que se envolvam para "guiar as crianças numa utilização segura". A terceira fase deste estudo será voltada para a indústria de conteúdos para que tome conhecimento do que pensam os pais. A esta, as investigadoras também fazem algumas recomendações como "adequar os conteúdos às idades das crianças, colocando a segurança e o bem-estar destas acima de tudo". É necessária mais investigação, defende Rita Francisco, daí que se pretenda repetir estes estudos com "alguma frequência".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola concentração social estudo sexual abuso
Carlos Kaiser, o malandro que nunca quis jogar futebol
O documentário “Kaiser: O Grande Jogador que Nunca Jogou Futebol” passa neste sábado no festival Porto/Post/Doc. O PÚBLICO falou com o homem que nunca foi craque e que até esteve perto de ser um não-jogador no futebol português. (...)

Carlos Kaiser, o malandro que nunca quis jogar futebol
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: O documentário “Kaiser: O Grande Jogador que Nunca Jogou Futebol” passa neste sábado no festival Porto/Post/Doc. O PÚBLICO falou com o homem que nunca foi craque e que até esteve perto de ser um não-jogador no futebol português.
TEXTO: Esta não é a história de um craque. Esta é a história de um não-jogador de futebol. Pela sua própria admissão, Carlos Henrique Raposo nunca foi um jogador de futebol e nunca quis jogar futebol, mas teve uma carreira de mais de 20 anos em alguns dos maiores clubes brasileiros e no estrangeiro. Ninguém (ou pouca gente) o conhece por Carlos Henrique Raposo, mas pelo apelido famoso tomado de um genial futebolista alemão chamado Franz Beckenbauer (ou de uma marca de cerveja, dependendo de quem conta a história). Sem nunca ter marcado um golo de levantar um estádio, Carlos Kaiser ficou para a história do futebol como um grande enganador, um malandro que viveu vida de futebolista sem nunca ter jogado. “Não joguei, não marquei, não dei um chute”, é uma das primeiras frases proferidas pelo próprio em “Kaiser: O Grande Jogador que Nunca Jogou Futebol”, um documentário de produção britânica realizado por Louis Myles e que tem estreia portuguesa neste sábado no festival de cinema documental Porto/Post/Doc (sessão de abertura às 21h45, no Cinema da Trindade, repetindo a 1 de Dezembro, às 17h, no Passos Manuel). Em conversa por telefone com o PÚBLICO, tal como no filme, Carlos Kaiser, agora com 55 anos e instrutor de fisioculturismo no Rio de Janeiro (só treina mulheres e com prémios ganhos), conta a sua verdade sobre o futebolista que nunca foi. Logo nos primeiros minutos garante: “Entrei neste filme para ser sincero. ”“Eu me arrependo de não ter levado a sério a minha carreira de futebolista. Se prejudiquei alguém, prejudiquei a mim mesmo”, atira Kaiser quase no fim da conversa, depois de ter repetido várias vezes que nunca quis ser jogador de futebol e que só entrou nessa vida porque a mãe (adoptiva) o obrigou. “Marcos – é Marcos, não é? – olha, eu nunca quis ser jogador de futebol, não gosto de jogar futebol, nunca quis ser famoso, nunca quis isso para mim. Queria estudar e ser professor de Educação Física”, conta Kaiser. E gosta ao menos de ver futebol? “Vejo pelos meus amigos. ”Se tivesse mesmo jogado, Carlos Kaiser teria tido uma carreira incrível, com passagens pelos quatro grandes do futebol carioca (Botafogo, Flamengo, Vasco da Gama e Fluminense) e outras do Rio (América, Bangu), por outros clubes da América Latina (Puebla, do México, Independiente, da Argentina), da Europa (Gazèlec Ajaccio, da França), dos EUA (El Paso). Foi “só” uma vida incrível cheia de histórias para contar. O que já não é pouco. Porque as histórias, dentro do futebol e fora de campo, são muitas. Carlos Kaiser começou como muitos começam, como um garoto a jogar futebol na rua. Alguém do Botafogo deu por ele quando tinha dez anos, numa "pelada", e levou-o para o clube que tinha sido de Mané Garrincha. “Com dez anos eu já sustentava a minha família toda. Era considerado um fenómeno”, recorda. “Depois, com 16 anos, assinei o meu primeiro contrato profissional com o Puebla, do México”, conta Kaiser. Desta aventura mexicana, Kaiser diria na altura que “tinha arrebentado” ao ponto de o terem convidado para jogar na selecção mexicana. Não há um único registo visual de Kaiser a jogar futebol, nem no México, nem em lado nenhum, e são raras as fotografias em que aparece equipado com alguma das camisolas dos clubes por onde passou, ele que era tido como um avançado, artilheiro, homem dos golos – aparece em muitas fotos com a camisola encarnada e azul do Gazèlec Ajaccio, clube da Córsega, mas sozinho e com uma bola. “Quantos jogos eu fiz? Inteiros, de 90 minutos? Uns 20. E golos? Uns 15”, calcula Kaiser, uma estimativa talvez generosa para os mais de 20 anos que passou sem jogar. Parecem demasiados jogos que Kaiser deixou passar sem fingir que estava lesionado. Ou que tinha problemas de dentes. Ou qualquer outra desculpa. “Se tivesse de matar, simbolicamente, a minha avó”, conta no filme, “eu matava”. “Simulava contusões, provocava expulsões e pedia a colegas que me lesionassem nos treinos. Fazia de tudo para não jogar”, resume Kaiser. Um dos episódios mais famosos aconteceu no Bangu, em 1988. Este clube carioca era então presidido por Castor de Andrade, o mais poderoso bicheiro (magnata do jogo do bicho, uma espécie de totoloto ilegal) do Brasil. Castor gostava de Kaiser e queria que ele jogasse e, depois de uma noitada, Kaiser foi obrigado a ir para o banco num jogo com o Coritiba. O treinador recebeu a ordem presidencial e mandou Kaiser aquecer. Já era demasiado tarde para dizer que estava com dores de dentes ou dores musculares e, desesperado, fez o que a sua mente ágil lhe mandou. Saltou para a bancada, começou a andar à pancada com adeptos adversários e foi expulso do jogo antes de entrar em campo. “Era o único jeito, naquela hora, simular aquela briga para não jogar”, conta. Depois, veio a bronca de Castor de Andrade no balneário, mas Kaiser voltou a pensar depressa. Na cara do presidente que andava de pistola à cintura, disse que só estava a defender a sua honra e que olhava para ele como um pai. “Renovou-me o contrato e ainda me dobrou o salário. ”Era gente perigosa que Kaiser enfrentava e enganava. “No Bangu e em todos os lugares. Na Córsega, jogava para a Máfia e um que jogou comigo, o Fábio Barros, ficou com medo. Ele levou-me para lá, mas no filme, com medo dos corsos, ele negou que me tenha levado. Ainda assim eu o admiro muito, pai de família e um cara sério, ao contrário de mim. ”Era assim que os clubes iam contratando Kaiser, o malandro. Fazia-se amigo dos presidentes e fazia-se amigo dos jogadores, e fazia tudo o que fosse preciso, desde que nada disso envolvesse jogar futebol. Kaiser também fazia amizade entre os jornalistas, trocando o acesso aos seus colegas craques por promoção nas páginas dos jornais. Eram contratos de curta duração que podiam, ou não, ser renovados. Garantir um contrato maior ou melhor com golos e bom rendimento era secundário. O que interessava era receber as luvas da assinatura do contrato e começar a pensar no próximo. Kaiser conta que esteve perto de ser um não-jogador em Portugal. É uma nota de rodapé sem muita cor nesta história. Não havia dinheiro, não houve Kaiser. “Saí do Vasco em 1989 e fui para o Louletano. Fiquei aí uns três meses e não gostei. O Louletano estava com problemas financeiros graves e fui directo para França”, contou sobre a sua breve passagem pelo clube algarvio. Mas acrescenta que, fora do Brasil, gostaria de viver em Portugal e diz que o seu único aluno homem é um senhor português, do Porto, com 80 anos e chamado João Silva. A partir de certa altura, diz Kaiser, já era perfeitamente assumido que os clubes não o contratavam para jogar. Queriam-no para outras coisas. “Dava-me bem com toda a gente. Dava-me bem com os jornalistas, os jogadores não deixavam que me mandassem embora. Nunca fui mandado embora de nenhum clube. Era uma tristeza quando eu ia embora. Eu era uma espécie de líder positivo. Evitava que os jogadores se envolvessem com drogas, com bebidas. Eu era babá de futebolistas. Havia clubes que só me contratavam para isso. E muitos até cediam parte do seu salário para mim, para me convencerem a ficar. ”Há a tentação de se questionar tudo aquilo que Kaiser diz, e o filme também vai por aí, fazendo algum contraditório em relação a algumas das suas histórias, mas há algo que é absolutamente inquestionável. Kaiser deixou muitos amigos no futebol e não há ninguém que diga mal dele. Há muitos depoimentos de muita gente conhecida, desde Carlos Alberto Torres, grande capitão da selecção do Brasil campeã mundial, em 1970, Bebeto, avançado campeão mundial em 1994, Zico, Júnior, e de gente que passou pelo futebol português, como Roger (ex-Benfica) ou Ricardo Rocha (ex-Sporting). Todos falam de Kaiser, não como um craque que mereça admiração, mas como um amigo que merece carinho. Sobretudo Renato Gaúcho, um dos grandes craques do futebol brasileiro dos anos 1980 e 1990 e actualmente treinador do Grémio de Porto Alegre, com quem Kaiser era muitas vezes confundido. Tinham fisionomias semelhantes e o mesmo corte de cabelo, em Portugal conhecido como o “cabelo à Futre”. “Gosto mais do Renato do que da minha mãe”, resume Kaiser. São várias as histórias em que Kaiser era confundido com Renato e disso se aproveitava para entrar nas boites da moda e na sedução. Não era bem assim, diz o malandro: “Eu não me fazia passar por ele, mas a semelhança era muito grande. E muitas vezes ele usava-me para dizer à mulher dele que não era ele que estava nos lugares, era eu. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Também era para isto que Kaiser queria estar dentro do futebol, sempre fora de campo, ter acesso à vida de futebolista e a tudo o que isso implicava naquele Rio de Janeiro dos anos 1980: festas e mulheres (na sua lista, de centenas, garante, estão desportistas famosas e actrizes, uma delas “estrela” de filmes porno). E por aqui também se percebe a popularidade de Kaiser entre os colegas. Era o “cafetão”, aquele que organizava as paródias. “Conheço muitas mulheres, quando você vier cá eu te apresento 500… Isso é verdade. Num clube que estive no Rio [Botafogo], eu chegava dois dias antes do jogo ao hotel da equipa, metia umas 15 mulheres dois andares abaixo do andar dos jogadores. À noite, os jogadores desciam as escadas e fazíamos festas, e ninguém ficava a saber. Não era preciso fugir da concentração. ”Há um lado sombrio na história de Kaiser que está no filme e que também se apresenta nesta conversa. “Fui muito explorado. O meu empresário ficava com 80% e por isso eu fiz o que fiz”. Refere-se também em poucas palavras à morte do seu filho e das três mulheres com quem foi casado. E fala de um início de vida complicado – “a minha mãe adoptiva roubou-me” – e de um momento actual difícil – “estou a viver um momento triste, terminei um noivado há dois meses”. Mas afinal, Carlos Kaiser, o futebolista que não queria jogar futebol, sabia jogar futebol? No filme, Bebeto não tem dúvidas: “O Kaiser não jogava nada. ” A esta pergunta, Kaiser responde com outra pergunta: “Você acha que alguém passou por esses grandes clubes todos sem saber jogar?” Seria possível alguém fazer o mesmo hoje em dia, em que o mundo está ligado pela Internet e pelas redes sociais? Responde Kaiser: “Não poderia acontecer, mas lá que há muito jogador que tenta, isso há…”
REFERÊNCIAS:
Matias Damásio: “Hoje o céu de Angola está mais limpo”
O cantor angolano apresenta em Lisboa o seu mais recente disco, Augusta. Um nome, o da sua avó, que remete para uma infância difícil mas, diz ele, feliz. Este sábado na Altice Arena, às 21h30. (...)

Matias Damásio: “Hoje o céu de Angola está mais limpo”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: O cantor angolano apresenta em Lisboa o seu mais recente disco, Augusta. Um nome, o da sua avó, que remete para uma infância difícil mas, diz ele, feliz. Este sábado na Altice Arena, às 21h30.
TEXTO: Matias Damásio sobe este sábado ao palco da Altice Arena, em Lisboa. Voz aveludada de cantor romântico, aparência de crooner, subiu a pulso as escadas do êxito. O disco que agora apresenta tem duas faces: a consagração do seu sucesso e as memórias de uma infância que foi tudo menos fácil. Augusta tem o nome da avó materna, que ele homenageia. Nascido em Benguela, Angola, em 9 de Maio de 1982, o cantor recorda ao PÚBLICO esses tempos. “Nasci no Bairro da Lixeira, irmão de mais nove. O meu pai, como todo o homem pobre, fez muitos filhos. Quando ele foi para a tropa, para o Cuando-Cubango, éramos dois. Só podia levar a minha mãe e um dos filhos, então levou o meu irmão Jaime, ainda bebé de colo. ” Isso foi em 1984 e ele ficou com a avó. “Tinha três anos. Fiquei com ela, fui alimentado por ela. Cultivava os alimentos e cozinhava no final do dia. Vivíamos num bairro muito pobre mas foi lá que aprendi os meus primeiros valores. O diferencial desses bairros é que as pessoas são muito unidas por terem muito pouco. E quando faltava comida numa casa, havia na do vizinho. ”Como não tinha televisão nem rádio em casa, a avó deixava-o sair até a uns alambiques onde vendiam bebidas fermentadas “porque lá havia uns gramofones com música”. E ele gostava. “Ficava duas a três horas, como se fosse um viciado em álcool, mas o meu objectivo era o contacto com a música. ”Nessa altura teria uns cinco anos. “Foi uma infância feliz, apesar de todas as dificuldades. A avó Augusta está presente quando respiro e transpiro: ‘Matias, o amor é a coisa mais importante da vida. Com as dificuldades que temos, se não é Deus, se não é amar o próximo…’. Vivi com uma doutrina quase bíblica, de abraçar, de amar. Foi muito importante na minha vida. A forma como ela recebia as pessoas na sua humilde casa, um quarto e sala, a forma como cozinhava para todos mesmo tendo pouco. Às vezes tínhamos só uma refeição por dia, com muito sacrifício, antes havia uma oração. Tudo isso teve uma importância vital na minha forma de olhar para o mundo, na minha ideologia, naquilo em que acredito, no que canto. ”Viveu assim cinco anos, até à mãe voltar para Benguela grávida de uma menina. O pai ficou. “Voltou umas duas, três vezes, mas depois desapareceu por um tempo, sempre nas tropas [era das FAPLA, o exército do MPLA]. Depois foi para Luanda, andámos desencontrados. ” Augusta morreu, tinha ele 15, 16 anos. Incentivou-o na música, mas já não assistiu à sua ascensão. Por isso Matias Damásio lhe dedica o disco, dando-lhe o seu nome. “Sinto que a minha base como ser humano é a Augusta, daí a minha gratidão. Podia dar isso aos meus pais, que estão vivos e são extraordinários, mas na verdade foi a minha avó. ”O regresso da mãe trouxe-lhe outra responsabilidade. “Eu tinha cerca de 11 anos, éramos quatro lá em casa e eu senti que devia ajudar a minha mãe, porque o meu pai não estava. Então, fiz o que muitas crianças fizeram: fui para Luanda. Havia uns barcos pesqueiros no Lobito que faziam o trajecto Lobito-Cuanza Sul. Eles aceitavam pessoas com 11 a 13 anos para serem cobradores nesses barcos, porque eram mão-de-obra barata e podiam até não pagar. Era um período de guerra, tiros, bombas, tanques. Fui, como cobrador, fui parar ao Roque Santeiro, não fui nenhum herói porque fiz o que os outros fizeram. Havia muita criança a ir para a cidade grande, por isso houve o fenómeno dos miúdos de rua. ”O que faziam eles, em Luanda? Engraxar sapatos, escamar peixe, revender. “Tínhamos uns quartos onde pagávamos a renda aos mais velhos, éramos mais uma vez explorados, mas já tínhamos o nosso sono bendito e no dia seguinte era dia de trabalho. Fiquei, um ano e tal nestas vidas de luta, e voltei quando consegui algum dinheiro. ” Mais um leitor de cassetes, que comprou para ouvir as suas músicas. Isso até irem todos viver para Luanda, com o pai. “Construímos uma casa de chapa no quintal do tio Cândido. E foi ali que comecei a pensar mais na música, a escrever algumas coisas. ”A primeira canção que escreveu foi sobre a sua mãe. “Na nossa casa entrava água quando chovia, levantámo-nos todos, era uma lástima! E via a minha mãe, que trabalhava como lavadeira na casa do general Bazuca (já falecido), ir a pé, voltar a pé, com os pés inflamados. Escrevi: ‘Manhã cedo, mamã querida se levanta, lava a roupa do vizinho. ’ Foi o meu ponto de partida para escrever letras. ” Tinha então 15 anos. Aprendeu depois a tocar viola nas ruas, entrou em concursos, tornou-se notado. “Uma das coisas mais bonitas foi aprender a tocar viola com o Guito e o Timóteo no Morro Bento, o bairro onde nós morámos. E com a viola comecei a sonhar mais alto. ” E a cantar em bares. No primeiro concurso onde entrou, saiu vencedor. “Ganhei um Volkswagen Polo e vendi-o no dia seguinte. Precisava de ajudar os meus pais a construírem a casa. ” E vieram outros. “Fui ganhando concurso após concurso, foram uma forma de me ir impondo no mercado. ”Em 2005 lançou um primeiro disco, Vitória. “Uma homenagem a todas as vitórias que eu tinha tido. ” Ao segundo chamou Amor e Festa na Lixeira (2008): “Pensaram que eu estava a fazer política, mas na verdade era o que acontecia no meu bairro, a Lixeira. As pessoas tinham dificuldades mas era uma verdadeira festa. Só que havia pouca esperança. Se algum de nós dizia que queria ser piloto, levava logo no côco. Tinham medo. Como eles tinham fracassado, não acreditavam que fosse possível, matavam os nossos sonhos. Mas não era por mal. Então o disco foi uma homenagem a todos os meus amigos, alguns falecidos. ”O terceiro disco, Por Angola (2012), foi para homenagear o seu país. “Foi na altura da paz. Lembro-me que quando anunciaram a paz na televisão não senti festa, as pessoas não estavam contentes, não acreditaram. A paz não se anuncia, sente-se. ” Mas quando Angola foi qualificada para o Mundial de futebol já houve festa. “Para nós, o Mundial era para países normais, países ricos, diferentes, e nós não nos considerávamos um país normal. Mas quando fomos qualificados, houve mais festa do que no dia da paz. Porque nos mostrou que afinal a nossa bandeira podia estar entre as bandeiras do mundo inteiro. ” E o disco quis reflectir isso. “Tem até uma canção chamada Angola país novo, que hoje em Angola é como se fosse um hino, dedicada a esses momentos que vivemos. ”Desde a primeira canção que Matias Damásio escreve regularmente. “Adoro escrever. E se um dia eu deixasse de cantar, era na escrita que me posicionava. Levávamos muita porrada porque éramos obrigados a ler muito: Pepetela, Luandino Vieira, Jacinto de Lemos. O meu pai dizia: ‘Homem pobre tem de ser culto. ’ Era uma coisa frenética. ” Hoje com 36 anos, Matias Damásio tem a noção de que viveu tudo muito cedo: o aventurar-se na “cidade grande”, o trabalho, até o amor (“Apaixonei-me pela minha mulher, Carolina, aos 21 anos”). E tudo isso ligado à escrita. “Fui para escola e fui bom aluno por causa da porrada do meu pai. Comecei a gostar de ler mais tarde, mas nunca achei que isso fosse importante sequer. Até aos 19 anos, quase odiava o meu pai por isso. Éramos muito pobres, e eu queria ter ténis, ter coisas que não tinha na altura, e olhava o meu pai como um homem fracassado. Mas quando cheguei aos 19, 20 anos e comecei a ver a importância daquilo tudo, quando tive os meus filhos, é que percebi que por mais dinheiro que eu ganhe nunca vou conseguir ser como o meu pai. Ele deu o máximo dele, nós é que não compreendíamos. Numa canção que lhe dediquei [Papá], escrevi: ‘Papá quando eu era pequeno queria que fosses rico/ Julgando eu que riqueza era só dinheiro/ Não sabia eu que tinhas dentro do teu peito/ O diamante mais precioso do universo. ’ Hoje é a minha referência, um herói para mim. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Antes de Augusta (2018), Matias Damásio lançou ainda outro disco, Por Amor (2016). “Até 2012 era impossível falar de amor. O contexto do país era muito diferente, as músicas eram muito de intervenção social. Depois, estar num ambiente de paz, conhecer a Carolina, os nossos filhos [tem três rapazes, com 15, 11 e oito anos], tudo isso foi muito importante. ”Em 2017, Matias Damásio deu mais de quatro dezenas de concertos em Portugal, esgotando a lotação dos coliseus de Lisboa (Abril) e Porto (Maio). Trazia, então, o seu disco Por Amor. Agora o novo disco, Augusta, vai ser apresentado este sábado ao vivo na Altice Arena, em Lisboa às 21h30, com três cantoras convidadas: Áurea, Mariza, Pérola e Vanesa Marín. Duas delas participaram no disco: Áurea e Pérola. Além da brasileira Claudia Leitte. “Hoje, olha-se para as estrelas, já não com vontade de fugir à guerra mas sim de estar apaixonado. Nós víamos muito fumo, muitas bombas. Hoje o céu de Angola está mais limpo. ”
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A Shakespeareada de Matías Piñeiro
Apesar de ser argentino, Matías Piñeiro está mais do lado de Eric Rohmer do que de Lucrecia Martel e tem vindo a filmar sob a inspiração de Shakespeare. Vai estar no Porto/Post/Doc para uma pequena retrospectiva. (...)

A Shakespeareada de Matías Piñeiro
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Apesar de ser argentino, Matías Piñeiro está mais do lado de Eric Rohmer do que de Lucrecia Martel e tem vindo a filmar sob a inspiração de Shakespeare. Vai estar no Porto/Post/Doc para uma pequena retrospectiva.
TEXTO: “Ainda sou um cineasta pequenino, ” ri-se. Mas não é bem verdade. Matías Piñeiro é uma das figuras mais interessantes do cinema argentino pós-Lucrecia Martel, e um “afilhado” da nova cinefilia independente global, graças à sua presença recorrente no festival de Locarno, onde três das suas cinco longas estiveram a concurso. Em Portugal, os seus filmes têm sido mostrados regularmente fora do circuito comercial — Viola esteve na competição do LEFFEST, La Princesa de Francia e Hermia & Helena no Festival de Cinema Argentino e este último também no IndieLisboa. Mas o foco que é este ano dedicado a Matías Piñeiro pelo Porto/Post/Doc, entre 26 e 29, vai ser a primeira verdadeira oportunidade de contextualizar o trabalho do argentino, que se tem nos últimos anos dedicado a explorar o teatro de Shakespeare, através de uma série idiossincrática de filmes a que chama, meio a brincar, “A Shakespeareada”. Trata-se de uma série muito Rohmeriana de variações sobre o amor, pegando em elementos específicos das comédias do Bardo que transpõe para a “geração milenial” dos nossos dias, construindo estafetas românticas entre rapazes e raparigas que vivem em constante movimento. Nada parece estar mais longe do bardo de Stratford-upon-Avon do que as ruas da Buenos Aires contemporânea, mas Piñeiro (n. 1982) defende que a distância não é assim tão grande. “Muitas das coisas que Shakespeare expressava ressoavam comigo, ” explica por telefone de Nova Iorque, onde reside há alguns anos. “Surpreendeu-me que um texto tão antigo, num inglês tudo menos contemporâneo, num mundo que não pode ser mais estranho para nós, lançasse ideias que atravessavam o tempo e chegavam até nós sobre a amizade, o amor, a maneira como as pessoas se relacionam. A dinâmica e a dialéctica do amor que perdoa em Como Lhe Aprouver, por exemplo, tocou-me particularmente. ”Shakespeare nunca é adaptado à letra: é muito mais uma inspiração, um pretexto para Piñeiro construir narrativas soltas, em constante fluxo, onde não se aplicam as regras tradicionais do princípio-meio-e-fim, que parecem ser criadas no próprio instante em que estão a ser filmadas. “O cinema pode ser o registo de um encontro de um actor com um texto, ” lança o cineasta. “Tem essa capacidade de documentar um encontro, mesmo que o encontro seja ficcional. O que me interessa é ver o trabalho desse actor frente a estes textos e frente ao mundo que a obra me oferece. Não quero mover-me num mundo de ilusões, a fingir que estamos num mundo shakespeareano. Não: estamos no nosso mundo, nesta cidade, neste país, neste momento. E isso vai de alguma maneira deixar uma marca. Os filmes apenas representam o momento como uma série de pessoas percorreram este texto num determinado momento num determinado lugar. ”Esse lugar é quase sempre Buenos Aires; essas pessoas são uma companhia muito unida de artistas e técnicos que se repetem de filme para filme, com o director de fotografia Fernando Lockett, a directora artística Ana Cambre, a engenheira de som Mercedes Tennina, o compositor Julián Tello ou as actrizes Agustina Muñoz e María Villar, mas por onde vão entrando igualmente “companheiros de viagem” como os cineastas Mati Diop e Dustin Guy Defa. “É muito bonito perceber que as pessoas querem continuar a filmar connosco, ” confessa Piñeiro. “Vou começar a rodar em Janeiro em Buenos Aires o meu novo filme, e as pessoas estão excitadas, entusiasmadas, têm vontade de trabalhar umas com as outras. Isso é lindíssimo. ”É também um testemunho da relação muito especial que Piñeiro sabe criar com a sua equipa, e do modo como ela se tem mantido intacta ao longo deste ciclo de filmes, iniciado em 2011 com a média Rosalinda, inspirada por Como Lhe Aprouver. Viola (2012) baseia-se em Noite de Reis, Penas de Amor Perdido originou La Princesa de Francia (2014) e Sonho de uma Noite de Verão gerou Hermia & Helena (2016) — que é, de todos, aquele onde “há menos Shakespeare, ou antes, onde não há Shakespeare enquanto teatro”. Os dois próximos filmes vêm também da obra do Bardo: Ariel, projecto ainda em desenvolvimento a partir de A Tempestade, pensado a quatro mãos com o galego Lois Patiño a convite do festival dinamarquês CPH:DOX; e Isabella, que começará a rodar em Janeiro, baseado em Medida por Medida. A ideia de um ciclo de filmes esteve sempre presente. “Senti que não esgotava o material de base que Shakespeare nos dá num único filme”. Mas Piñeiro deixou-se, ele próprio, surpreender pelo modo como tudo foi acontecendo. “Continuar a fazer filmes com esta equipa era algo que não estava pensado a fundo e não me dei conta da força que isso trazia, ” explica o realizador. “Quando colocas Rosalinda ao lado de Hermia & Helena, nota-se imediatamente a diferença de idades, o amadurecimento, meu mas sobretudo dos actores. Essa evolução, esse crescimento, aconteceu porque a vida foi acontecendo. e porque felizmente pudemos continuar a filmar juntos, desta maneira. Mas não estava à espera disso, ” diz, antes de admitir que as ligações entre os filmes se foram alterando ao longo do tempo. Em entrevistas, Piñeiro disse que cada novo projecto desta “Shakespeareada” funcionava sempre por oposição ao anterior, mas as ligações subterrâneas, intensas, entre os filmes parecem dizer o contrário. “É uma contradição”, reconhece. “Por um lado, faço cada filme graças ao anterior — economicamente, um filme ajuda a financiar o seguinte. Mas se num trabalho muito os grandes planos, no seguinte vou querer trabalhar outra coisa sobre a qual ainda não me debrucei, sobretudo tendo em conta que vou repetir outros elementos como Shakespeare, Buenos Aires, actores. Mas depois, sim, também existem interligações pensadas, ligações directas entre cada filme” — ecos que se repetem de projecto para projecto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Piñeiro reflecte no ciclo do Porto/Post/Doc como um exemplo disso. “Estas retrospectivas obrigaram-me a voltar atrás, a ver um filme a seguir ao outro. E compreendi que fui fazendo estes filmes de dois em dois anos, trabalhando-os autonomamente, mas por exemplo alguém que se sente no Porto a ver os meus filmes pode ver num só dia três filmes que para mim representaram sete anos de vida. Produz algo de interessante, uma condensação de experiências em que não tinha pensado. . . ” E isso é importante porque como realizador, interessa-lhe “ter um espectador activo, porque isso torna o filme melhor. Expande-o. O cinema potencia algo no espectador e o espectador potencia algo de novo. Não entro em diálogo para que o espectador diga o mesmo que eu; entramos em diálogo para que nesse vínculo saiamos os dois enriquecidos. ”O foco Porto/Post/Doc sobre Matías Piñeiro, com a presença do realizador, compõe-se de quatro sessões, sempre às 21 no pequeno auditório do Rivoli: a longa Viola antecedida da curta de 2002 Una Mujer Silenciosa (dia 26); a longa La Princesa de Francia apresentada com a curta documental In the Museum (dia 27); a longa Hermia & Helena (dia 28); uma carte blanche escolhida pelo realizador com a exibição de Il Monte delle Formiche de Riccardo Paladino (dia 29). O programa completa-se com uma master class de Piñeiro (dia 29 às 16h no espaço Selina, rua das Oliveiras, 61).
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Palavras-chave ajuda princesa
Lav Diaz filma contra a ignorância
Season of the Devil, uma experiência radical e exigente de musical a capella a preto e branco de quatro horas, é um filme urgente, rodado em protesto contra o regime de Rodrigo Duterte. Sessão única, hoje, no LEFFEST. (...)

Lav Diaz filma contra a ignorância
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Season of the Devil, uma experiência radical e exigente de musical a capella a preto e branco de quatro horas, é um filme urgente, rodado em protesto contra o regime de Rodrigo Duterte. Sessão única, hoje, no LEFFEST.
TEXTO: Lav Diaz (n. 1958) é um daqueles cineastas de que se fala muito mas cujos filmes quase ninguém viu. E, contudo, The Woman who Left (2016) valeu-lhe o Leão de Ouro em Veneza. Antes, recebera o Prémio Alfred Bauer em Berlim por A Lullaby to the Sorrowful Mystery (2016) e o Leopardo de Ouro em Locarno por From What Is Before (2014) – falta só Cannes, que o lançou para a primeira linha do circuito de festivais em 2013 com Norte, the End of History premiá-lo para a “dobradinha” dos grandes certames ser completa. Mas aquilo que torna Diaz num cineasta tão singular na actual paisagem cinematográfica mundial é também o que o impede de sair do circuito de festivais: é mais ou menos unânime que os seus filmes são praticamente impossíveis de distribuir no circuito comercial. The Woman who Left tinha três horas e meia, Lullaby to a Sorrowful Mystery oito, From What Is Before cinco. E Season of the Devil, o filme que apresentou este ano no concurso de Berlim e que passa agora em sessão única no LEFFEST, quatro. Um musical a capella filipino a preto e branco de quatro horas não é coisa que atraia os distribuidores. Ainda assim é mais fácil para Lav Diaz mostrar o seu cinema no resto do mundo do que no seu próprio país natal. “É muito difícil exibir os meus filmes nas Filipinas, ” explica num encontro com a imprensa em Berlim. “Exige muito trabalho. Na maior parte das vezes só os conseguimos exibir nas universidades ou nos cine-clubes, porque o circuito comercial está dominado por Hollywood, Hong Kong e pelo cinema industrial filipino. Um filme como este apenas consegue duas ou três sessões em alguns cinemas. ”Season of the Devil é uma história dos tempos da lei marcial sob Ferdinando Marcos, inspirada por personagens e casos reais, alguns dos quais inspirados pelas próprias memórias de Diaz que cresceu no sul de Mindanao, numa zona rural das Filipinas. O contexto contemporâneo, com a ascensão ao poder de Rodrigo Duterte, torna o filme num oratório negro, um requiem por um país incapaz de aprender (com) a sua história. “É um ciclo vicioso que se repete constantemente, e é mais fácil mantermo-nos na ignorância, ” afirma Diaz. “O que acontece hoje é o mesmo que aconteceu durante os mais de 200 anos de colonização espanhola, os cem anos de intervenção americana, os quatro anos sob controlo japonês, os 17 anos de lei marcial que foram o nosso período mais negro, agora temos Duterte… Não examinamos o passado, não confrontamos o passado. É o nosso maior problema. O esquecimento. Pior: não nos queremos recordar, propositadamente. ”É isso que torna importante o cinema de Diaz – deliberadamente pobre, feito com poucos meios em cenários naturais, muitas vezes em planos longos rodados ao primeiro take, algo que o realizador define entre risos como “um modo preguiçoso de fazer cinema”. “Para mim, o cinema pode ser um repositório de memórias, ” defende, “o passado pode tornar-se em presente quando posto no écrã. Tem o poder de recriar, reinventar, investigar o passado. Os meus filmes são uma pequena contribuição contra a ignorância. É uma responsabilidade que sinto como cineasta, é importante usar o meu meio para confrontar e examinar o passado para compreender o que se passa hoje. ” Talvez por isso, Season of the Devil atraiu a presença de Bituin Escalante, uma cantora muito popular nas Filipinas cujo papel no filme é um verdadeiro coro grego, ou de Piolo Pascual, super-estrela da televisão — “e foi muito corajoso da parte deles aceitarem fazê-lo. ”E é também um filme extremamente ancorado na cinefilia: rodado inteiramente com luz natural em décors rurais, numa estética que Diaz define como “extremamente expressionista, muito inspirada por Murnau e pelos mitos gregos”. Não é um musical tradicional — “não conseguimos fugir a Hollywood, por mais que queiramos, está sempre ali a pairar, e eu vi os musicais clássicos todos. Mas neste filme desfiz-me de todas as ornamentações, dos instrumentos e dos exercícios de dança da Broadway. ” As canções são todas do próprio Diaz, escritas durante uma residência em Harvard durante a qual estava a trabalhar num outro guião. “Estava a escrever um filme de gangsters e tinha comprado uma guitarra barata, mas ao mesmo tempo estava a acompanhar todas as notícias que vinham das Filipinas, e dei por mim a compôr canções muito elegíacas, como se estivesse de luto pelo meu país. E disse ao meu produtor: isto é mais urgente do que o filme de gangsters. Quero fazer um musical. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O resultado é Season of the Devil que, literalmente, é um filme que não se parece com nada (a não ser com os outros filme de Lav Diaz). E que dura quatro horas porque foi essa a duração que o filme pediu: “Nunca faço ideia do tempo que um filme vai ter durante as filmagens. É algo que acontece na montagem, quando vejo o que tenho à minha frente. Sei que os meus filmes são experiências muito físicas, mas fazer cinema é muito difícil, muito duro, e por isso peço ao meu público que se invista nos meus filmes da mesma maneira. Quero que a experiência do cineasta e a experiência do espectador, de uma maneira mais profunda, se harmonizem. ”Toda a programação em: www. leffest. com
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