A volta ao mundo à procura de revoluções
O fotógrafo português Eduardo Leal anda por aí a documentar grandes revoluções e a retratar pequenas vitórias — como a ascensão das cholitas. (...)

A volta ao mundo à procura de revoluções
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: O fotógrafo português Eduardo Leal anda por aí a documentar grandes revoluções e a retratar pequenas vitórias — como a ascensão das cholitas.
TEXTO: Uma pedra, um crucifixo e uma máquina fotográfica. Não explicou tintim por tintim — não sabe explicar melhor —, mas, juntando as linhas com as entrelinhas, é fácil perceber por que é que são estes os objectos que não dispensa nas suas missões fotográficas. Sim, missões. Eduardo Leal saiu de Portugal há quase 15 anos. Nasceu na Avenida dos Aliados, cresceu entre as Antas e a Baixa, estudou na Escola Superior de Jornalismo (especialização de Rádio) e aos 23 anos foi "viver para fora". Aterrou primeiro na Escócia, onde começou a estudar Fotografia, mudando-se depois para Londres para estudar Fotografia no London College of Communication. "O meu avô, que foi capitão da polícia de Macau nos anos 1950, era fotógrafo por carolice. Andava sempre com a câmara. Fotografava um pouco de tudo, desde o dia a dia da família até ao dia-a-dia nas ruas", recorda à Fugas Eduardo, num dos raros períodos em que a família lhe põe os olhos em cima. Do avô não herdaria apenas o arquivo fotográfico, mas sobretudo a dedicação à máquina fotográfica, um autêntico "passaporte para outros mundos", um modo de vida que surgiu de rompante quando viu a Serra Pelada de Sebastião Salgado. "Ainda não sabia quem ele era. Quando vi aquela série e os mineiros que pareciam viver nos tempos bíblicos pensei 'é assim que eu quero contar histórias'. " Estudava árabe "e o Islão" porque pensava mudar-se para o Médio Oriente. Tinha consciência que "não podia ser jornalista sem viajar". Era aquilo a que hoje chama de "viajante semiprofissional". Aos 21 anos fez a primeira viagem fora da Península Ibérica com amigos de carro até Marrocos. No mesmo ano foi viajar sozinho no Verão (Reino Unido e Escócia). Quando acabou o curso, voltou à Escócia para trabalhar num restaurante, o seu mealheiro, e foi para a América do Sul um ano "ganhar calo". Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia e Peru. "Ia explorar. Tirava fotografias de viagem. " E mudou-se — muda-se muitas vezes — para Londres, onde, numa palestra da Magnum, conheceu Mark Sanders, curador do arquivo fotográfico Cuba in Revolution para a Arpad A. Busson Foundation. Estagiou e ficou a trabalhar nesse projecto cinco anos. Nesse período, Eduardo foi muitas vezes a Cuba. À sua frente tinha milhares de fotografias antigas cheias de pessoas e de locais para identificar. "A colecção começa nos anos 1950, Fidel na Sierra Maestra, até 1968, momento decisivo em Cuba. Estava a ver essas fotografias e pensei "gostava de ter vivido esse tempo, gostava de ter fotografado isto'. E lembrei-me da Venezuela de Hugo Chávez e das duas histórias que se cruzam. "Lembrou-se e foi. Tirou um mês de férias — a Venezuela comemorava 200 anos de independência — e, quando lá chegou, Chávez anunciou um cancro na televisão. O ano seguinte foi ano de eleições e, para Eduardo, ano de mais uma mudança. "Nos primeiros anos não tinha casa. Recorria a bons amigos, a gente muito paciente. Cheguei uns dias antes das primeiras manifestações com mortes e violência. Estava no meio de um país a ferro e fogo. Caí de pára-quedas. Começou aí a minha carreira a trabalhar a cem por cento em fotojornalismo", recorda Eduardo, que conserva uma lista "sempre activa" de sítios onde quer fotografar. "Está sempre a aumentar. A negrito são os locais que eu penso que vão ser os próximos". O "cansaço" levou-o a pensar numa "base". "Em pouco tempo" tinha estado em "60 sítios". "Lá ia eu com a minha mochila. Não tinha casa. Também cansa. . . a roupa. . . o equipamento todo. . . peso sério. " Base: Medellín, Colômbia, "vizinha da Venezuela, mas sem ser a Venezuela" — tem ficha na Venezuela: foi detido, foi agredido pela polícia, ainda treme quando fala nisso (salvo por um crucifixo, que nesse dia recebeu e meteu no saco?). Eduardo mudou-se. Capítulo cholitas. Foi cobrir as eleições de Evo Morales, que exibia essa "bandeira". Eduardo já conhecia as cholitas lutadoras de wrestling, mas queria conhecer as mulheres indígenas que usam chapéu de coco e tranças tão compridas como as saias. "Aquilo não é um disfarce. O chapéu não nasceu na Bolívia, são chapéus de coco italianos que usavam os gentlemen ingleses. As saias originais são das senhoras da burguesia espanhola. São apropriações para tentar ganhar espaço na sociedade boliviana. A sociedade não as deixava expandir. As jóias, o ouro, as pedras preciosas, os brincos pesados. É uma forma de dizer 'nós também podemos'. São mulheres indígenas que vestem com orgulho a indumentária. "A Ascensão das Cholitas, na galeria da Manifesto, em Matosinhos, até ao dia 26 de Agosto, "não é um projecto político". É um retrato de pequenas vitórias, a dissecação de um termo depreciativo que é usado com orgulho. "Embora estas mulheres se tenham organizado e defendido os seus direitos desde da década de 1960, o movimento rearmou-se com a eleição de Evo Morales, em 2006, o primeiro presidente indígena da Bolívia. Esse momento histórico assinala também um crescimento no orgulho de identidade entre muitas cholitas, de armação dos seus direitos no espaço da sociedade boliviana. " Em La Paz, Eduardo conheceu e fotografou a Comadre Remedios, como Remedios Loza é conhecida, pioneira dos “direitos das cholitas” (em 1962 tornou-se na primeira mulher indígena a ter programas de rádio e televisão, e usou essas plataformas para dar voz aos indígenas e às pessoas desfavorecidas; em 1989 tornou-se na primeira mulher indígena a ter assento no Assembleia Legislativa da Bolívia; em 1997 foi a primeira mulher a concorrer à Presidência da Bolívia), Reveca Sangali (em 2015 eleita como vereadora para o município de El Alto), Cristina Paxi (deputada na Assembleia Legislativa), Bertha Acarapi (a segunda mulher indígena a trabalhar em televisão na Bolívia), Diana Malaga (a primeira transsexual cholita da Bolívia), Celia Laura (a primeira mulher indígena do país a tornar-se professora numa escola privada), Sara Mamani (a segunda cholita a conduzir um autocarro em La Paz), Estela Loyaza (uma de 15 cholitas que trabalham como polícias de trânsito em La Paz) e muitas outras, esperando inspirar outras mulheres que diariamente sofrem com discriminação e falta de oportunidades. "Há mais cholitas no mundo. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. "Férias é estar cá", diz Eduardo à Fugas. Cá tem Forcados, um "work in progress". Cá planeia a próxima mudança. Começou a namorar em Macau, onde dá aulas. "Vou para um mundo novo", diz. A negrito na sua lista estão as Filipinas de Rodrigo Duterte. "Acho que vou ter uma nova Venezuela. "Que material fotográfico usas? Estou a reduzir (risos). Fotografo com Canon e com Fuji. Sempre fotografei com Canon. Posso fotografar de olhos fechados com Canon. Na rua ando com Fuji, quando tenho tempo e quero ser discreto. Uso uma panóplia grande de lentes, mas oitenta e tal por cento das fotografias são tiradas com a 35 milímetros. O meu zoom são as minhas pernas. Dantes viajava com imensas lentes e depois percebi que não as usava. Tenho sempre uma 50 milímetros e a 35. Essas são as obrigatórias. Andas com uma pedra na mochila?! Foi num Natal, que passei completamente sozinho. Foi na Patagónia. Fui fazer montain bike e acabei numa praia. Achei piada àquela pedra. Não tem nada de especial. Nem sou nada de coleccionar pedras (risos). Mas aquela. . . meti-a no bolso. E depois foi andando nas mochilas e cheguei a um ponto que disse "porra, esta pedra já anda há não sei quanto tempo aqui". Ganhei-lhe carinho. Lembro-me de a apanhar e de pegar nela na praia. Acabou por ficar. Neste momento tens uma foto especial? A primeira que me vem à cabeça, porque estou a fazer uma impressão para a minha mãe, é uma fotografia de uma miúda na Bolívia dentro de um autocarro. Não é uma história. Está a chover. Tirei essa foto porque estava num carro ao lado dela.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos escola violência mulher mulheres discriminação
O que nos faz envelhecer? Stress, violência, pobreza e discriminação
O modo como envelhecemos, com mais ou menos cabelos brancos, rugas e doenças está relacionado com o comprimento das pontas protectoras dos nossos cromossomas: os telómeros. Surpreendentemente, a forma como lidamos com o stress e o ambiente social em que vivemos influenciam o tamanho dos nossos telómeros e, com eles, o número de anos de vida saudável que poderemos esperar. (...)

O que nos faz envelhecer? Stress, violência, pobreza e discriminação
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-07-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: O modo como envelhecemos, com mais ou menos cabelos brancos, rugas e doenças está relacionado com o comprimento das pontas protectoras dos nossos cromossomas: os telómeros. Surpreendentemente, a forma como lidamos com o stress e o ambiente social em que vivemos influenciam o tamanho dos nossos telómeros e, com eles, o número de anos de vida saudável que poderemos esperar.
TEXTO: O envelhecimento já não é o que era. Se antes pensávamos que seria incontrolável, podendo apenas tentar-se alguma batota estética com cirurgias e cremes anti-rugas, a ciência tem vindo a mostrar que o envelhecimento é, pelo menos em parte, um processo possível de ser controlado. No livro A Ciência da Juventude (Elsinore, 2017) a bióloga Elizabeth Blackburn e a psicóloga Elissa Epel contam a história de duas mulheres imaginárias que tomam café numa tarde fria em São Francisco. Kara e Lisa têm a mesma idade, mas Kara parece muito mais velha. E sente-se muito mais velha. E provavelmente terá menos anos de vida saudável, mesmo que ambas vivam o mesmo tempo. O envelhecimento cronológico (o número de anos que passaram desde que nascemos) é diferente do envelhecimento biológico (o estado de envelhecimento que efectivamente as nossas células têm). Todos conhecemos Kara e Lisa com outros nomes. E quando pedimos a alguém que acabámos de conhecer para adivinhar a nossa idade estamos a tentar confirmar as nossas suspeitas de sermos Kara ou Lisa. Há muitas pessoas que aos 50 anos gozam de uma excelente saúde. Mas há outras que nessa idade começam a sofrer com as doenças da velhice: problemas cardiovasculares e pulmonares, artrite, sistema imunitário enfraquecido, diabetes ou cancro. Têm tendência a surgir juntas e para muitos determinam o fim precoce da vida. Para outros a vida continua, limitada pela doença e pelo desconforto. O número de anos de vida saudável que temos é o nosso “intervalo de saúde”. Uma pessoa que viva até aos 100 poderá ter 50 ou 70 anos livre das doenças do envelhecimento (a diferença é grande). O restante é o “intervalo de doença”. O que a maioria de nós quer é ter muitos anos de vida saudável e não apenas prolongar a vida num estado de decrepitude. A investigação científica tem vindo a demonstrar que o envelhecimento é um processo regulado pelos nossos genes. As raríssimas pessoas que vivem mais de 115 anos são oriundas de famílias com longevidades acima da média para a respectiva época. Por isso há quem estude os supercentenários para tentar perceber quais são as diferenças da sua herança genética (é o caso da empresa norte-americana Androcyte). Outros, como o investigador português João Pedro de Magalhães, professor da Universidade de Liverpool, tentam perceber quais são os truques das espécies que vivem muito, como o rato-toupeira-nu (30 anos, extraordinário se pensarmos que um rato doméstico vive apenas dois). A esperança é que no futuro seja possível criar medicamentos que imitem os efeitos dos genes que permitem viver mais tempo. Ou mesmo – e isto é muito mais arrojado – usar técnicas de edição genética (uma espécie de corta e cola com ADN) para modificar os nossos genes e prolongar a juventude. Mas os processos de envelhecimento não são um destino traçado no momento em que cada um de nós foi concebido. Como Elizabeth Blackburn e Elissa Epel escrevem no seu livro: “Nascemos com um conjunto definido de genes, mas o modo como vivemos pode influenciar a forma como esses genes se expressam. ” A nova ideia do envelhecimento é esta: em vez de apenas tratar cada uma das doenças relacionadas com envelhecimento, tentar travar o envelhecimento biológico. Esta ideia abre novas áreas de investigação médica e de negócios na saúde. Como escreveu João Pedro de Magalhães num artigo de 2017: “As doenças relacionadas com a idade são as principais causas de morte e de custos de assistência médica. Reduzir a taxa de envelhecimento teria enormes benefícios médicos e financeiros. ” Há várias abordagens anti-envelhecimento. Aqui vamos focar-nos numa que já deu um Prémio Nobel. Todos já fomos uma única célula. Essa dividiu-se em duas, que deram origem a quatro e depois a oito, até cada um de nós ser constituído por biliões de células. Todos os dias há muitas que morrem e são substituídas por outras, que se formam sempre da mesma maneira: uma célula divide-se em duas. É simples de dizer, mas na realidade é um processo bastante complicado. Cada célula tem um núcleo e lá dentro está o nosso material genético: 46 cromossomas. Cada cromossoma é uma longa serpentina de ADN, muito enrolada e compactada. É no ADN que estão escritos os nossos genes, que são as instruções para construir proteínas (como a hemoglobina, por exemplo, que transporta o oxigénio através do sangue até às nossas células). A linguagem dos genes tem apenas quatro letras (A, T, G e C), correspondentes às quatro bases que se repetem no ADN (adenina, timina, guanina e citosina). Por exemplo TTC significa fenilalanina, um aminoácido de que se calhar já ouviu falar. À correspondência entre uma sequência de três bases de ADN e um aminoácido chama-se código genético. Esse código é o mesmo para todos os seres vivos. Os genes são sequências de ADN que são os planos de construção das proteínas. Uma proteína com 300 aminoácidos está codificada em 900 bases de ADN. O genoma humano, ou seja toda a sequência de ADN em todos os cromossomas, são cerca de três mil milhões de pares de bases, que codificam 20. 000 genes. Mas nem todo o ADN tem genes. Esta história é sobre uma parte do ADN de cada um dos nossos cromossomas que não tem qualquer gene, mas que pode determinar o ritmo a que nós envelhecemos: os telómeros. Os telómeros estão nas pontas dos cromossomas e funcionam como as cabeças dos atacadores: impedem os fios de se desfiarem. São sequências repetitivas de ADN, que têm como função proteger os genes durante a divisão das células. Cada vez que as nossas células se dividem, os telómeros perdem uns quantos pares de bases. Nos cromossomas de um bebé recém-nascido os telómeros têm 10. 000 pares de bases. Aos 35 anos já só têm 7500. E aos 65 restam 4800. Enquanto o comprimento dos telómeros é sacrificado, os preciosos genes nas zonas interiores dos cromossomas ficam a salvo. Com os telómeros curtos chegam os sinais da idade. Morrem algumas células da pele e dos pigmentos do cabelo, por isso aparecem-nos rugas e cabelos brancos. A morte de células do sistema imunitário torna-nos mais susceptíveis a doenças. Um menor comprimento de telómeros é um factor de risco para as doenças relacionadas com o envelhecimento. As pessoas com os telómeros mais curtos têm mais altas taxas de mortalidade decorrentes do cancro, doenças cardíacas e de todas as causas juntas. O comprimento mínimo dos telómeros atinge-se por volta dos 75 anos. Depois, há uma reviravolta final surpreendente: nas pessoas com mais de 75 anos o tamanho dos telómeros parece manter-se ou até aumentar. Mas esse alongamento provavelmente é apenas aparente: nesta idade as pessoas com telómeros mais curtos já morreram. São as pessoas com telómeros mais longos que chegam aos 80 ou aos 90 anos. Mas esta ainda não é a história toda. Em 1975, Elizabeth Blackburn trabalhava num laboratório da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Usava grandes boiões de vidro para cultivar uma minúscula criatura que vive em lagos de água doce: a Teatrahymena. Não se consegue ver a olho nu, mas o núcleo da sua única célula tem 20 mil pequenos cromossomas. Isso torna-a ideal para estudar as pontas dos cromossomas. Blackburn determinou a sequência repetitiva dos telómeros da Teatrahymena e descobriu que o seu tamanho é variável. Três anos mais tarde, já na Universidade da Califórnia, em Berkeley, fez uma descoberta surpreendente, com a ajuda de Carol Greider, uma aluna de doutoramento com quem haveria de partilhar o Prémio Nobel da Medicina em 2009. Verificaram que os telómeros podem crescer. Isso acontece graças a uma enzima, uma proteína especial que é uma máquina de alongar telómeros. Chama-se telomerase. Mas ao longo da vida a telomerase vai perdendo a sua luta. Por isso os telómeros tornam-se mais curtos e os cromossomas ficam desprotegidos. Portanto, tudo se parece reduzir a uma questão de “engenharia civil” do ADN, que poderemos eventualmente resolver usando a máquina adequada, a telomerase. Será que podemos prolongar a vida humana fazendo chegar ao núcleo das nossas células quantidades generosas desta enzima? Estará encontrado o elixir da imortalidade? Infelizmente não. Tentar prolongar a vida com métodos artificiais para aumentar a telomerase é muito arriscado. A telomerase em excesso pode provocar uma multiplicação descontrolada das células, ou seja, cancro. Pensando ao contrário, há investigadores que tentam encontrar estratégias de tratamento de cancro que consistem em desligar a telomerase nas células cancerosas, de modo a impedir que estas se multipliquem (no dia 25 de Abril de 2018 foi publicada na revista Nature a estrutura em três dimensões da telomerase humana, o que poderá ajudar no desenvolvimento de aplicações médicas). Aumentar a telomerase reduz o risco de certas doenças, mas também aumenta o risco de alguns cancros. Então não podemos fazer nada para alongar os nossos telómeros? Não é bem assim. É aqui que entra em cena a psicóloga Elissa Epel, especializada em stress psicológico grave e crónico. Ela estudava mães que cuidavam de crianças com doenças crónicas e tinha uma pergunta para Elizabeth Blackburn: o que acontece aos telómeros dessas mães? Muitas tinham um ar esgotado, será que os seus telómeros também se ressentiam do stress a que estavam constantemente sujeitas? Elissa Epel escolheu um grupo de mães que cuidavam de filhos com doenças crónicas e as duas investigadoras fizeram um primeiro estudo. Os resultados foram analisados ao fim de quatro anos e havia um padrão: quanto mais anos as mães passavam a cuidar dos filhos com doenças crónicas, mas curtos eram os seus telómeros, independentemente da sua idade. E quanto mais consideravam a sua situação como stressante, menos telomerase tinham. Quanto mais stress crónico sofremos, mais curtos são os nossos telómeros. Isto significa que temos uma maior probabilidade de ter as doenças do envelhecimento mais cedo e morrer precocemente. No entanto havia algo intrigante nos dados: algumas mães, apesar de cuidarem dos filhos durante muitos anos, conseguiam conservar o comprimento dos telómeros. Este resultado era surpreendente. Para o tentar compreender as duas cientistas fizeram mais um trabalho de investigação. “Por favor subtraia 17 de 4923, em voz alta. Depois, subtraia 17 à sua resposta e assim por diante, tantas vezes quantas puder nos próximos cinco minutos. É importante que execute esta tarefa rápida e correctamente. Iremos avaliá-la em vários aspectos do seu desempenho. O tempo começa agora. ” Parece fácil? Na realidade não é nada fácil, especialmente com dois avaliadores a assistir com uma expressão glacial. Este procedimento não tinha como objectivo avaliar capacidades matemáticas e discursivas, mas simplesmente stressar as mulheres. Epel e Blackburn queriam perceber se era o tipo de resposta ao stress que fazia a diferença, se isso poderia explicar que algumas mães mantivessem o tamanho dos seus telómeros, mesmo depois de passarem muitos anos a cuidar de filhos com doenças crónicas e graves. Para isso basearam-se no trabalho da psicóloga Wendy Mendes, da Universidade da Califórnia (por curiosidade, foi Miss Califórnia em 1989) que examinou os diferentes tipos de respostas corporais a factores de stress. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Consideremos dois casos. No primeiro, reagimos às causas de stress como se elas fossem uma ameaça. Os vasos sanguíneos contraem-se, os níveis de cortisol (que é a hormona do stress) aumentam e mantêm-se altos. Preparamos o corpo e a mente para o trauma de um ataque. Isto não é bom para a saúde dos telómeros, porque níveis de cortisol persistentemente elevados diminuem a quantidade de telomerase. Por outro lado, se virmos a causa de stress como um desafio, o sangue flui pelo nosso corpo, criamos as condições físicas e psicológicas para nos empenharmos totalmente, ter o melhor desempenho possível e ganhar. Claro que ainda assim pode haver um aumento súbito de cortisol que nos dá a atitude “vamos a isso”, mas que baixa rapidamente e não afecta os telómeros. Em geral as pessoas têm um misto das duas respostas. E é proporção entre as duas que importa para a saúde dos telómeros. No estudo liderado por Epel e Blackburn as mulheres que encararam a tarefa stressante mais como um desafio do que como uma ameaça tinham telómeros mais longos. E isso significa, segundo as duas autoras, que temos razões para ter esperança, pois há formas de treinarmos para reagir aos acontecimentos stressantes de modo a proteger os telómeros. No seu livro citam o psicólogo de desporto Jim Afremow, que trabalha com atletas olímpicos. Segundo ele, a pior coisa que os atletas podem fazer é tentarem livrar-se do stress: “Têm de pensar no stress como algo que os ajuda a prepararem-se para o seu desempenho. Têm de dizer: ‘Sim, eu preciso disto!’”Para além do nosso tipo de resposta ao stress, que podemos tentar treinar, há também vários factores sociais que influenciam o tamanho dos nossos telómeros. Crescer em bairros pobres e violentos ou ser alvo frequente de bullying está associado com um comprimento menor de telómeros em crianças. O mesmo acontece em adultos que foram vítimas de maus tratos na infância ou sujeitos a vários tipos de adversidades (como desemprego dos pais ou doenças graves). A discriminação racial também pode acelerar o envelhecimento, assim como a violência doméstica. Isto significa que não só temos a capacidade de influenciar o tamanho dos nossos telómeros, mas também os dos outros. O que já fez pelos seus telómeros… e da sua família e da sua comunidade hoje?
REFERÊNCIAS:
#Let’sBeActive
A Organização Mundial da Saúde publicou há cerca de um mês um Plano de Ação Global para a Atividade Física 2018-2030 com o mote “Mais Pessoas Ativas para um Mundo Mais Saudável”. Como estamos em Portugal em matéria de promoção da atividade física? (...)

#Let’sBeActive
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Organização Mundial da Saúde publicou há cerca de um mês um Plano de Ação Global para a Atividade Física 2018-2030 com o mote “Mais Pessoas Ativas para um Mundo Mais Saudável”. Como estamos em Portugal em matéria de promoção da atividade física?
TEXTO: O lançamento mundial deste Plano de Acção decorreu em Oeiras num evento mediático, no passado dia 4 de Junho com a presença do Primeiro-Ministro e do Director-Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS). Há mais de 20 anos que um Director-Geral da OMS não visitava Portugal e este hiato foi quebrado precisamente no âmbito da promoção de um dos mais importantes determinantes de saúde dos nossos dias – a actividade física. A falta de actividade (ou inactividade) física é um dos principais factores de risco das doenças crónicas não transmissíveis, como as doenças cardiovasculares, a diabetes tipo 2, vários tipos de cancro e doenças mentais, como a depressão e a ansiedade. Para além disso, e como o Plano de Acção Global também sustenta, promover a actividade física de um país contribui para promover ambientes sustentáveis, a inclusão social, a igualdade de género e uma educação integral e de qualidade (por exemplo, através da valorização da Educação Física). Entender este Plano de Acção é entender que existem muitas formas de realizar actividade física – caminhar, andar de bicicleta, utilizar as escadas, correr, praticar um desporto, ir ao ginásio, dançar, envolver-se em brincadeiras e actividades de lazer fisicamente activas, para referir apenas algumas. É entender ainda que aumentar os níveis de actividade física requer uma abordagem integrada, intersectorial e sistémica, no sentido de criar oportunidades para se ser fisicamente activo em todos os contextos de vida dos cidadãos: em casa, na escola, no local de trabalho, nas deslocações e nos vários espaços comuns e organizações da comunidade. Este Plano de Acção, que tem já uma versão síntese em português disponível do website da OMS, tem por meta a redução da inactividade física de cada país em 15 % até 2030. Para tal, foram definidos quatro objectivos (ver Figura):O primeiro objectivo - criar sociedades activas - visa aumentar a consciência da sociedade para os benefícios da actividade física, através da formação e capacitação de profissionais e da realização de eventos de participação em massa e campanhas de comunicação. O segundo objectivo - criar ambientes activos – incita ao desenvolvimento de espaços e lugares promotores de catividade física, como percursos pedonais, ciclovias e espaços ao ar livre, e das políticas de transporte e planeamento urbano. O terceiro objectivo - criar pessoas activas - foca-se na criação de programas e outras oportunidades de prática de actividade física, em contextos como as escolas, os serviços de saúde e serviços sociais, especialmente para os grupos menos activos, como os idosos e os doentes crónicos. O quarto objectivo - criar sistemas activos - visa fortalecer e facilitar políticas de promoção da actividade física através de mais e melhor investigação, mais financiamento dedicado, mais advocacia, e maior robustez dos sistemas de informação, vigilância e monitorização. A que distância estamos, em Portugal, de atingir as metas e os objectivos deste plano?Analisando os dados dos dois últimos Eurobarómetros do Desporto e Actividade Física (publicados pela Comissão Europeia em 2014 e 2018), percebemos que a prevalência da inactividade física em Portugal tem vindo a aumentar. Actualmente, 2 em cada 3 portugueses não são suficientemente activos. Reverter esta tendência é um desafio nacional que requer uma estratégia multissectorial, com apoio governamental, e suporte à implementação de acções concretas, especialmente num contexto de proximidade com os cidadãos. Em 2017 Portugal deu passos largos neste sentido ao criar uma Comissão Intersectorial para a Promoção da Actividade Física, com o objectivo principal de elaborar, operacionalizar e monitorizar um Plano de Acção Nacional para a Actividade Física, que foi lançado em Abril último. Este “nosso” Plano de Acção foca-se em reforçar os sectores mais tradicionais de promoção da actividade física, como o Desporto, a Educação e a Saúde, mas também em dinamizar áreas emergentes e prioritárias em Portugal, como são os contextos do Trabalho, das Empresas, do Ambiente Construído, e da Mobilidade Activa e Transportes. Sempre com atenção à inclusão de pessoas com deficiência. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No evento de 4 de Junho foram destacados, tendo como referência um recente relatório da OMS, dois dos melhores investimentos que um país pode fazer na promoção da actividade física: implementar campanhas abrangentes de comunicação em mass media; e intervenção através dos sistemas de saúde, em particular nos centros de saúde (cuidados de saúde primários). Portugal foi considerado um exemplo internacional nesta matéria e, em Outubro de 2018, serão lançados projectos ambiciosos nestas duas áreas, em preparação há muitos meses. E para Setembro de 2019 está a ser planeado o primeiro Congresso Nacional da Actividade Física, que pretende promover a partilha de experiências e motivar a iniciativa de todos os agentes e sectores com intervenção potencial na actividade física. Irá certamente contribuir também para reforçar um vasto compromisso social acerca da importância de todas as formas de actividade física para a saúde e bem-estar da população, bem como para o desenvolvimento sustentável das cidades e dos territórios.
REFERÊNCIAS:
A longa marcha de Hillary Clinton
Hillary Clinton não repetirá os erros de 2008, mas tem muitos obstáculos à sua frente e uma grande incógnita: não sabe quem vão ser os seus rivais (...)

A longa marcha de Hillary Clinton
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.05
DATA: 2015-04-13 | Jornal Público
SUMÁRIO: Hillary Clinton não repetirá os erros de 2008, mas tem muitos obstáculos à sua frente e uma grande incógnita: não sabe quem vão ser os seus rivais
TEXTO: Como esperado, Hillary Clinton é oficialmente candidata à Casa Branca. Há pouco que não se saiba sobre esta mulher, que, a caminho dos 70, vive na ribalta política há 40 anos. O mundo conhece as suas forças e as suas fraquezas. Sabemos que foi conselheira do marido, de forma empenhada, diária e decisiva, durante décadas; que sobreviveu e ultrapassou a humilhação privada mais pública da história americana; o que pensa sobre centenas de questões nacionais e internacionais. Se ganhar, é por exemplo possível antecipar que defenderá posições mais duras do que Barack Obama na política externa. Ninguém se esquece de que, como senadora, Hillary Clinton votou a favor da intervenção americana no Iraque. A sua resiliência e faro permitem, também, prever que vai lutar nos próximos meses como se fosse o primeiro combate político da sua vida. Só um amador repetiria a pose de “vencedora inevitável” com que chegou às primárias de 2008. E Hillary é tudo menos amadora. Há seis anos, chegou com a força de poder tornar-se a “primeira mulher Presidente da história dos EUA”, mas teve como rivais um candidato a “primeiro Presidente negro” e outro a “primeiro Presidente hispânico”. Ganhou Obama. Essa imagem mantém-se simbolicamente poderosa, mas não chega para mobilizar todos os votos de que precisa. Hillary tem muito a seu favor: o marido é o ex-Presidente vivo mais popular de sempre e é também uma máquina de fazer dinheiro — estima-se que recolherá mil milhões de dólares para a campanha. Hillary tem também experiência relevante. Cinco anos à frente da política externa tornaram-na conhecedora do mundo, e nove anos no Senado deram-lhe uma bagagem de negociação partidária que muito impressionou os republicanos. Há quem acredite que o seu estilo mais cortante poderá ajudar a fechar acordos difíceis. Mas tem também muito contra si: ser “mais um Clinton”, não ser nova e ser vista como demasiado “amiga do capital” e demasiado conservadora por um segmento considerável da América. Além disso, não sabe quem vão ser os seus rivais. E nos próximos meses tudo pode acontecer. A coroação está longe de garantida.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
“Parecia possível acabar com a pobreza e com a desigualdade. Não é possível!”
Maria José Morgado recusa autodefinir-se, mas afirma que é uma burocrata sonhadora. Aos 67 anos, a procuradora distrital da comarca de Lisboa lamenta não ter jeito para ser bon-vivant, dá graças pela “revolução” por que tanto lutou não ter acontecido e não esconde a emoção ao falar do marido, o fiscalista Saldanha Sanches: “De certa forma é pacificador estar ao lado de quem morre.” (...)

“Parecia possível acabar com a pobreza e com a desigualdade. Não é possível!”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Maria José Morgado recusa autodefinir-se, mas afirma que é uma burocrata sonhadora. Aos 67 anos, a procuradora distrital da comarca de Lisboa lamenta não ter jeito para ser bon-vivant, dá graças pela “revolução” por que tanto lutou não ter acontecido e não esconde a emoção ao falar do marido, o fiscalista Saldanha Sanches: “De certa forma é pacificador estar ao lado de quem morre.”
TEXTO: Não romanceia a sua vida e seria fácil fazê-lo. Por pudor, sentido crítico e do ridículo, autovigilância permanente. Vive para o trabalho, para o exercício físico; há os sábados de manhã com os dois netos, de sete e dois anos, os passeios com a mãe, de 95, as férias em Agosto sempre no mesmo sítio. É uma sedentária que odeia ter de partir, viciada na disciplina, e sempre em busca de uma adrenalina que lhe veio dos dias de militância da extrema-esquerda. Maria José Morgado, 67 anos, magistrada, procuradora distrital da comarca de Lisboa, um dos nomes mais activos no combate à corrupção, é também uma ex-revolucionária grata pela revolução não ter acontecido, uma leitora de ficção que gosta muito de ler poesia. Diz que traz uma libertação do mesmo tipo que lhe trouxe a música que ouviu nos clubes de jazz em Nova Iorque onde o marido, o fiscalista José Luís Saldanha Sanches, o “Zé Luís”, a levou. Ele morreu em 2010 e ela continua a falar dele como parte da vida. Conta as viagens, a ida a museus, as conversas e a procura mútua de uma transcendência, do que está para lá do banal. “Lê-se um poema e podemos ficar assim com umas asinhas pequeninas e adormecer melhor. ” E depois há o gosto do nadar monótono, o nadar de piscina, para trás e para a frente. Para fazer 40 piscinas, por exemplo, Maria José Morgado equipa-se com um problema qualquer e vai pensado naquilo enquanto dá braçadas, sem interrupção de telemóveis. “Às vezes chega-se ao fim e descobre-se que o problema nem era assim tão grande e até há uma solução. Os neurónios faziam o seu caminho. Há nisso uma magia qualquer. ”Pouco depois da morte do seu marido, escreveu um texto de despedida e referia um quadro que viram juntos como símbolo de uma busca permanente pelo conhecimento e superação de materialidade. . . Sim, o Império das Luzes, do [René] Magritte. O que teve esse quadro de especial entre tantos que viram juntos?Essas interpretações são tão subjectivas. Para mim é uma obra-prima. O contraste entre luz e escuridão é muito atraente. O quadro é uma noite, mas é uma noite em que há uma luz a surgir por trás. Pode ser uma metáfora do contraste entre algum desespero e alguma esperança, entre as coisas espirituais da vida, as impalpáveis. É empolgante, é bonito. E as circunstâncias em que o vi contam e as recordações tornam tudo mais especial. Foi num fim de tarde em Veneza, no Guggenheim, uma mistura entre a luz do quadro e aquela luz muito prolongada de fim de dia. Havia uma grande languidez no ar. É um quadro bonito de se recordar. Conversaram sobre o quadro?Não. Não falávamos assim sobre quadros. Nenhum de nós era especialista. Ele sabia alguma coisa e gostava, eu gosto à minha maneira. Podíamos ocasionalmente falar deste ou daquele quadro na altura em que víamos. Não foi pela conversa. Foi pelo apego. Na memória escolhem-se momentos e aquele é um momento de que fui à procura mas é também uma construção. É um momento irrepetível. Não foi a última viagem que fizeram juntos. Não, a última foi a Florença, na passagem de ano de 2009 para 2010, já o Zé Luís estava doente e sabia a gravidade da doença. Eram sempre viagens a sítios de arte, uma coisa gratificante, porque passávamos os dias em coisas burocráticas e porventura estúpidas, e a arte e a literatura são sempre libertadoras. Gostávamos muito de viajar para conviver com a arte, era a viagem de libertação dos sentidos, de sonho, de um imaginário longo e real; o mundo que não se pode ter todos os dias, mas do qual se pode trazer um bocadinho na cabeça e aquilo que se pode guardar na cabeça é o mais desafiante. O impalpável, coisas que não se fotografam. Aliás, nunca tirávamos fotografias. A ideia era conseguir recordar, esforçarmo-nos por ter um pensamento sobre a coisa. Acreditávamos que a fotografia matava a ideia. Hoje, se calhar, já não pensaria assim. Se tivesse determinadas fotografias elas iriam avivar-me a memória e ser boas para a recordação. Mas havia sempre um grande desejo de pôr a cabeça a funcionar e assimilar através dos neurónios, do espírito. A ideia da viagem vinha de quem? Do Zé Luís. Eu detesto viagens. A viagem em si, a programação, a deslocação. Sou muito sedentária. O Zé Luís gostava, queria ver uma determinada exposição, por exemplo, e depois tudo girava à volta disso. Ficávamos bem instalados. Só começámos a viajar quando começámos a ter algum dinheiro para poder pagar um hotel confortável. Eram viagens pequenas, três, quatro, cinco dias no máximo. Não era para andar a correr. Era para relaxar, comer bem, dormir bem também. E para sonhar. Já falou aqui muito mais do lado espiritual. . . É o lado mais importante da vida. A que normalmente as pessoas não a associam muito. É natural, sou uma burocrata do Direito, mas que gosta de sonhar e de se libertar sempre que pode. Muitas vezes faço isso sentada à minha secretária e ao computador. Ninguém manda na nossa cabeça e posso imaginar, e imagino, milhões de coisas. Sabe-me bem. E a literatura ajuda, escrever também ajuda. O mundo torna-se menos opressivo para uma pessoa que vive em meios de combate ao crime, como eu vivo desde jovem, na comarca de Lisboa. Quando passeava com o Zé Luís por Lisboa eu contava sempre histórias, “olha aqui, fulano tal matou não sei quem”, “aqui houve um assalto”, e ele dizia-me: “Ó mulher, tu só vês Lisboa através do crime!”. E é verdade?Não sei se ainda é, mas era. Quando eu estava no Tribunal de Instrução Criminal [TIC], os processos chegavam-me com a criminalidade da cidade, e quando passeava lembrava-me, pavlovianamente, das histórias. Entrei para o Ministério Público em 1979 e passei os anos oitenta no TIC e conhecia mais ou menos tudo quanto era criminalidade em Lisboa, os assaltos, as violações, os roubos. Já havia algumas burlas e algum crime económico, mas havia muito crime violento e muitos grupos violentos e organizados. Roubos com violações, por exemplo. Essa fase da minha vida foi muito intensa. Consegue fazer um atlas do crime em Lisboa?Seria pretensioso. A polícia domina melhor isso. Eu fui conhecendo acidentalmente. Mas até era capaz. Porventura [risos]. Pode-se sempre ver a cidade nessa perspectiva. Há zonas de Lisboa ligadas a determinado tipo de criminalidade. Não sou socióloga, sou jurista, mas a geografia do crime em Lisboa foi mudando. Na realidade tudo se reciclou. O crime violento voltou a Lisboa, mas de outra maneira. Agora tem dimensões transnacionais. Com a globalização vieram os grupos de fora e há criminalidade grupal, assaltos a residências, assaltos a transportes de valores. Grupos que vêm de fora e se juntam a locais e coisas que continuam rigorosamente tradicionais, como por exemplo os carteiristas. E a pequena corrupção. Já lhe roubaram a carteira?Sete vezes. Como?Gosto muito de andar em transportes, sou muito distraída. A última vez foi há cinco anos. Não está atenta a sinais?Às vezes estou. A última vez, eram rapazes que andavam num carro a fazer roubo por esticão e eu percebi, “estes gajos andam no esticão”, e a seguir o alvo fui eu, eu que estava a reparar neles!Como reagiu?Fiquei quieta, se resistisse era arrastada e seria perigoso. A seguir fui à esquadra fazer queixa à polícia para evitar o uso fraudulento dos cartões. Para isso é preciso uma prova de como fora assaltada. É o que aconselho que as pessoas façam. Não era acreditar que os autores do roubo fossem identificados. Isso nunca foi possível. Nos milhares de fotografias que me mostraram, não consegui. Não é fácil. Os documentos nunca foram encontrados. Quando foi apresentar queixa os agentes da polícia reconheceram-na?Sim. E riram-se, como eu ri. Ri facilmente de si própria?Sim. Temos de ter sentido de humor. Não me levo a sério, isso seria um sintoma de mediocridade. Ver o mundo através do crime é um filtro normal para si?Sim. É como o ar que respiro. Vejo criminalidade em quase todo o lado, mas também percebe-se que não é exagero. Não há aqui uma espécie de fanatismo ou obsessão. É perceber a vida; há as coisas boas e as coisas más e também há o crime. Disse no início da conversa que acredita no sonho. Foi essa ideia de sonho que a levou a querer fazer “a revolução” e aliar-se à extrema-esquerda quando era muito jovem?Isso sim. Foi uma loucura. Era uma jovem radicalizada. Já falou disso muitas vezes. A esta distância consegue perceber melhor como tudo começou?Nunca se sabe muito bem. É um bocado como disse o Gabriel García Márquez, que a vida não é bem o que se vive, mas o que se recorda e como se recorda para se poder contar. Eu estava na faculdade [de Direito de Lisboa] e o movimento estudantil naquele tempo era muito activo. Pensei, ou estou do lado do fascismo ou do lado da Associação de Estudantes, que era onde estavam os antifascistas. Para si era evidente situar-se politicamente. Nem era politicamente, era socialmente. Estou do lado dos bons ou dos maus? Os fascistas eram os maus, a ditadura, a opressão, a guerra colonial. Os outros eram os que queriam libertar o povo e fazer a revolução. Eu queria a revolução. Para mim não havia dúvidas, era um mundo a preto e branco. Seria mais difícil tomar posição se fosse agora. E corria os riscos que fossem necessários para ir para o lado da revolução. Era a minha luta, ia travá-la. Ainda bem que não fizemos a revolução, porque éramos completamente doidos e só faríamos disparates. Essa consciência só viria anos depois. Sim, mas naquela altura. . . era o tal método marxista-leninista, a luta de classes, a luta de massas, para construir um mundo novo, embora coincidisse também contra a ditadura fascista, contra a guerra colonial e assim estivemos até ao 25 de Abril. Nasceu numa ex-colónia, filha de alguém que pertencera ao lado que combatia. Nasci em Angola e o meu pai era um representante da opressão colonial, era do quadro administrativo e circulávamos pelo interior de Angola de acordo com os postos que ele ocupava. Vivia no mato e era uma vida desenraizada. Mais ou menos de cinco em cinco anos tínhamos de mudar. Quando eu gostava muito de estar num sítio e tinha feito amigos, largávamos tudo e íamos embora. Isso marcou-me muito e daí, talvez, a minha alergia a viagens. Viajar parece que é sempre uma separação. É deixar, nunca mais ver. Eu sofria com isso. Deixar de ver os meus amigos com quem eu brincava. E tinha então consciência de que o seu pai — para seguir a sua linguagem — estava do lado dos maus?Tive consciência de que se exercia opressão sobre os negros. Nas roças de café havia, no fundo, trabalho escravo, pessoas que vinham do Sul de Angola e eram exploradas. Eu percebia que havia uma população pobre, que era oprimida e isso causava-me infelicidade. Eu não gostava. A sua ideia de injustiça, ou de fazer justiça, surge daí?Mais uma vez sinto que nunca sabemos bem como. O meu pai era uma pessoa justa dentro da missão dele. Quando chegava construía uma escola e uma igreja, por exemplo, mas representava a administração colonial e para ele isso não tinha problema, era a profissão dele e não cometia barbaridades. Só que aquele mundo era deprimente. Havia os miúdos ricos, com grandes casas, e os meninos que andavam descalços e não tinham bonecos. O seu mundo era o dos ricos. Era e isso fazia-me um bocado de impressão. Quando vim para Portugal, fui para Trás-os-Montes e lá era a mesma coisa. Antes do 25 de Abril as crianças andavam descalças, havia uma taxa de mortalidade infantil horrível. A ideia de pobreza permaneceu, continuava à minha frente. E mais uma vez estava do lado dos privilegiados. Sim, e eu sentia-me um bocado culpada por isso. E procurava, se calhar, diminuir a minha culpa dando coisas aos meninos que eu achava que não tinham nada, chamando-os para minha casa para brincar. A pobreza, estar por baixo na escala social, não ter nada, sempre me fez impressão; viver em casas com frio e chuva, essas coisas que eu senti muito. Quando cheguei à faculdade, vi ali um terreno fértil para aderir àquelas ideias maoistas e marxistas-leninistas; as ideias revolucionárias. Parecia possível acabar com a pobreza e com a desigualdade. Não é possível!Como é que o seu pai reagiu?Teve as suas dificuldades. Ele era muito conservador. A minha mãe reagiu muito bem, sempre teve um espírito um bocado revolucionário, muito à esquerda. Com o apoio dela, o meu pai lá foi aguentando. A pior altura foi quando fui presa. Uma miúda com 19 anos ser presa pela PIDE era uma coisa para a qual a família não estava preparada, ainda mais uma família conservadora. Nessa altura da prisão já tinha uma relação com José Luís Saldanha Sanches, uma espécie de herói estudantil. Já o tinha conhecido. Foi na Faculdade de Direito, nessas militâncias. Era a segunda vez que ele estava preso. Nessa altura estivemos presos ao mesmo tempo. A história já foi muitas vezes contada. Sofreram tortura, estavam dispostos a morrer, e depois do 25 de Abril ele foi o primeiro a abandonar o “sonho”. Começámos a achar aquilo tudo um bocado caricato [o MRPP], e atrás do caricato começámos a ter uma posição muito crítica em relação ao marxismo-leninismo, ao maoísmo. O facto de eu ter estado presa pela segunda vez, então pelo COPCON, depois do 25 de Abril, ajudou-nos a perceber que aquilo não era nenhuma maneira de mudar o mundo, e entrei em grandes pessimismos. Mas lá está, eu nunca conseguia cortar. Porquê?Porque a separação, para mim, é um trauma. Prefiro sofrer a ter uma separação. Ia falando com o Zé Luís, tínhamos a mesma interpretação das coisas, a mesma descrença, e um dia ele chega a casa e diz: “Não volto mais. ” Fiquei aterrada. Pensei que ele iria dormir e quando acordasse tudo ficaria na mesma. No dia seguinte mantinha-se irredutível e tive de decidir. Se saísse receava que as pessoas dissessem que eu ia sair só por servilismo feminino, por dependência em relação a ele, por não ser capaz de pensar sozinha. Mas o curioso é que eu tinha posições muito mais críticas em relação ao que se passava do que ele. Eu sabia que não podia voltar embora tivesse um grande desgosto. Não voltei. Os primeiros meses foram horríveis. Nessa altura começámos a correr. Todos os dias nos levantávamos e corríamos quilómetros. Estávamos viciados na adrenalina da revolução que nunca iríamos fazer, era até uma ideia ridícula, mas aquilo produzia adrenalina. Andar de um lado para o outro, distribuir comunicados, fazer comunicações, pinturas. . . E de repente o vazio. Vazio e ressaca. Essa ressaca tinha de ser combatida. Fisicamente e intelectualmente. Fisicamente, com exercício físico intenso. E intelectualmente lendo e estudando muito, regressando à faculdade. Foi o regresso a uma normalidade. Que não era até então a vossa normalidade. Não. E tínhamos cortado com o mundo normal, as pessoas todas contra nós. Aquele estilo de intervenção pública tão radical afastava-nos das pessoas normais. Depois foi ler o jornal ao sábado de manhã, ter horários, ganhar a vidinha. Foi uma grande ressaca. É quando nasce a Laura [a filha de ambos]. Ela é produto do 25 de Abril e do refluxo revolucionário. Aliás, a cada 25 de Abril digo sempre, “Olha, Laura. . . ”. E ela: “Já sei, se não fosse o 25 de Abril eu não existia porque o pai estava preso. ”O que ficou do tempo revolucionário na sua vida normal?Inevitavelmente sou produto disso. Eu era muito miúda. Lembro-me que no processo da PIDE a única atenuante que eu tinha era ser menor de 21 anos. Mas ficou um sentido de ética, de responsabilidade, de disciplina, cumprir com o que se espera de nós. Mas eu se calhar já era assim antes. Não sei. Não vale a pena estar a romancear muito a coisa. Aliás, parece que romanceia pouco a sua vida. Acho que fazê-lo é ridículo. É por discrição?Há quem ache que eu não sou discreta! A noção associada à discrição é errada. As pessoas acham que a discrição é não se intervir publicamente. Mas pode-se intervir publicamente e ser-se discreta, porque a discrição é uma atitude de humildade, de compreensão para com o outro e de assumir a sua responsabilidade humildemente. Isso é que é discrição. Discrição não é andar com burca, nem não gostar de declarações. Isso é uma deturpação esmagadora para a personalidade de quem é magistrado. O magistrado tem uma liberdade de expressão limitada e o meu limite é a minha deontologia profissional, é a minha neutralidade pública. Os comentários que faço publicamente sempre são de índole criminológica. Como sempre que se pronunciou sobre a corrupção em Portugal?Sim. Mas não posso tomar posição sobre o processo. Mas posso tomar posições públicas por valores de transparência, integridade e honestidade, e contra a corrupção. Isso, o magistrado pode e deve fazer. E com isso tornou-se uma figura pública. Quando fui presa antes do 25 de Abril, o meu nome andou nos jornais. As pessoas não se lembram. Mas de facto a televisão muda as coisas. E ao seu nome passou a associar-se um rosto. Com o surgimento das privadas, com os primeiros julgamentos acompanhados. Nos anos 90, as televisões entraram de rompante no Tribunal da Boa Hora. Apareceram algumas imagens a propósito do caso Melancia, a seguir foi a história da Polícia Judiciária, e uma fase de intervenção pública de denúncia de corrupção entre 2003 e 2006. Encaro estas coisas como uma tomada de posição pública; explicar que a corrupção fazia muito mal ao país. Agora as pessoas já percebem. Na altura achavam que era alguma "justicialite" minha. Infelizmente, a vida até me deu razão. As pessoas acabaram por ter noção do que era a corrupção, mas não foi por minha causa. Foi à custa do resgate, da pobreza, e de repente toda a gente descobriu como é que os nossos impostos foram gastos nos últimos 20 anos. Não quero dar lições a ninguém, sou uma simples magistrada, posso reformar-me a qualquer momento. Tenho 67 anos, penso que já preencho os requisitos e tenho o distanciamento próprio de quem a qualquer momento pode sair. Com encara esse momento?É mais uma separação que não quero encarar. Sabe que vai ser doloroso. Certamente. Eu aguento. Mas já sei que me vai custar porque não sei fazer mais nada, mas vou aprender. Há muita coisa para fazer. Distanciou-se completamente da política. Não sente nenhum tipo de apelo?Tenho até uma certa alergia à política. Nos meus tempos de militância partidária antes do 25 de Abril o Zé Luís ria-se de mim quando eu intervinha. Dizia que eu não tinha jeito nenhum e quando abria a boca punha toda a gente aos gritos contra mim. Não tinha jeito nem vocação e não quero e nunca quis. Não há aqui nenhuma confusão. A princípio houve pessoas que pensavam que a minha intervenção no combate à corrupção era feita com uma reserva mental política. Agora têm certeza de que não. Não é coisa que me interesse. Nem sequer seguir. Tenho de estar informada, de conhecer o mundo, mas só isso. Como se posiciona no espectro político?No país, perdeu um bocado o sentido ser de esquerda ou ser de direita. Acho que se calhar tem mais sentido ser honesto, defender interesses de transparência e de integridade que às vezes não têm a ver com ser de esquerda ou ser de direita. Há gente de esquerda que não tem princípios de integridade e transparência e há gente de direita que tem. Afirmou que teve receio de que a pudessem acusar de seguidismo feminino quando decidiu sair do MRPP depois do seu marido. Como vê os argumentos do chamado actual movimento feminista?Por experiência própria, sou contra radicalismos e o feminismo radicalista leva à prática de erros que podem ser graves. Até muitas vezes à destruição da família. A família é para si uma estrutura importante. É. Gosto muito da família, por pequenina que seja, como é a minha. Profissionalmente, por exemplo, no âmbito de um processo em que estejam em causa decisões que põem em causa a família ou podem reforçar os laços familiares, é preferível sempre escolher aqueles que possam reforçar os laços familiares, ainda que muitas vezes seja a decisão mais difícil. As pessoas precisam da família, e o feminismo às vezes esquece esse lado, que a família tem homens e mulheres. Se o feminismo é uma guerra de sexos é mau. O facto de ser uma mulher prejudicou-a na carreira?Não, sempre fui beneficiada por ser mulher. Em que sentido?Ter melhor tratamento. Senti muitas vezes. E a magistratura está transformada numa profissão feminina, praticamente. Entra num tribunal e só vê juízas, procuradoras. . . O que explica isso?Acho que são razões culturais, sociológicas. Dizem quem nas faculdades de Direito as mulheres são mais marronas do que os homens, têm melhores notas e conseguem entrar melhor na magistratura. Mas não estudo estes fenómenos sociais. Era marrona?Muito, muito. Ainda hoje, quando tenho de saber uma coisa, quero estar segura de que não falha nada. É uma teimosia. Quando estudava queria sempre ter as melhores notas e estudava imenso, também gosto de trabalhar muito. É uma maneira de ser radical no que faço. E ter metas, ir esticando metas. Tenho um grande desgosto de no exercício físico já não estar em condições de quebrar metas. Como é que posso, com 67 anos?! Gostava de correr mais do que os outros, nadar mais do que os outros. Tenho o bichinho da competição, no bom sentido, porque é com o meu esforço, não é com truques nem para tramar ninguém. É apenas o desejo de perfeição que nunca se atinge. Mas acho que estou velha. Envelhecer chateia-a?Às vezes penso até quando é que vou conseguir aguentar aquelas cargas [pesos no ginásio]. Preocupa-me mais a decadência do corpo do que a da cabeça, porque acho que a decadência da mente vem atrás da do corpo. Se conseguimos aguentar o corpo também aguentamos a cabeça. É uma mania. E leio, vou ao cinema. . . se tiver tempo. O problema é que tenho muito pouco tempo. Uma das coisas que tenciono fazer depois de me reformar é ler muitos livros que foram ficando para trás. Passo o dia a ler, mas as coisas da profissão. O que gosta de ler?Gosto de literatura. A literatura é libertadora. Os clássicos. Na literatura está tudo. Também está a justiça. Há um livro a que volto muito, Ressurreição, do Tolstoi. É um livro sobre a corrupção nos tribunais, há ali um nobre que se rebela contra isso para salvar uma mulher de uma sentença injusta. É um livro actualíssimo. Gosto muito de ler os mesmos livros várias vezes, sou um bocado como as crianças, porque de cada vez que leio o livro é diferente. A investigação criminal dá adrenalina?Dá. Não dormir, não comer. Tudo o que seja um empenho empolgante, para lá das nossas forças, dá adrenalina. E essa adrenalina torna-nos melhores. O que sente quando resolve um caso?Resolver um caso é chegar a uma conclusão satisfatória acerca daquilo que aparenta ser a verdade. A verdade na justiça é uma verdade limitada às provas. Não é uma verdade formal. É uma verdade material. Há todo um trabalho que é preciso fazer e a justiça deve ser muito avara nos seus métodos porque tem de tratar toda a gente da mesma maneira. E trata?Às vezes, para tratar da mesma maneira é preciso fazer um tratamento diferenciado. Um caso de corrupção de um titular de cargo político é diferente de um caso de um carteirista. Para chegar a resultados temos de utilizar métodos diferentes. Há casos com exigências muito sensíveis. Penso que está ultrapassada a ideia de que a justiça só funciona para uns. Nos últimos cinco anos tem havido resultados. Não vamos instaurar processos por razões políticas, ou para mostrar que somos firmes e não temos medo, mas por haver suspeitas. As pessoas percebem pelo menos que a justiça não tem medo dos poderosos. Se houver fundamento para instaurar um processo, tanto se instaura a A, a B ou a C. Se há ou não capacidade de levar esse processo até ao fim. . . depende. Das provas, de muitas coisas. Já pensou intimamente “fez-se justiça”?Acho que somos um bocado como os médicos, queremos ter a certeza de que o resultado de um processo é um resultado justo. Não queremos condenar inocentes. Estamos a funcionar num registo que corresponde à realidade, mas a realidade também é caprichosa e temos de ter sempre cuidado em ser sempre auto-vigilantes. A grande questão é a independência, a autonomia, não ser influenciável. Haver uma certeza no juízo fundado em meios de prova, por muito difíceis que sejam, e não em meras opiniões. Já a tentaram influenciar?Se tentaram não dei conta. O que me preocupa é fazer bem o meu trabalho e ser auto-vigilante. É a minha consciência. Partindo disso, não tenho medo que me tentem influenciar, até porque sou muito teimosa e coitado de quem tentasse. Chamam-lhe muitas vezes justiceira e sei que não gosta. O que é ser justo e ser justiceiro?O justiceiro é um fanático que não vai nunca conseguir ser justo porque não distingue a verdade da mentira. Uma pessoa justa tem de distinguir a verdade da mentira, a culpa da inocência, a maldade da bondade ou até a fragilidade e a fraqueza da maldade intencional. Consegue comover-se com o trabalho?Devemos comover-nos. A comoção é o que nos liga à vida. Se estamos a falar de um crime de homicídio, a comoção é em função da tragédia e não de quem privou um ser humano da vida. Aí temos de ser firmes, mas a firmeza também é uma forma de comoção. Tem rotinas muito fixas. Tenho necessidade disso. Fico perdida se perco as rotinas. O Zé Luís precisava das rotinas para ter disciplina porque tinha tendências para a indisciplina. A Maria José não tem?Eu não. O meu vício é a disciplina. A disciplina, para ele, era uma forma de manter ritmos de trabalho e não ser diletante. Ele era muito diletante. Ele tinha um lado de bon vivant que a Maria José nunca teve. Não tenho e é uma pena. Gostava, mas não tenho jeito nenhum. Nessas circunstâncias nunca sei o que devo fazer comigo. Deixou de sair. Deixei. Saio para trabalhar, para ir ao ginásio, para ir de férias. . . Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Sempre no mesmo sítio. Sempre. Fiz recentemente uma pequena viagem com a minha filha, o meu genro e os dois netos. Foi a primeira que fiz sem o Zé Luís e foi muito gratificante [há uma pausa, não contém as lágrimas]. É duro. Ainda é muito duro. . . É uma parte de mim que foi e faz muita falta. Esteve com ele até ao fim. Sim. De alguma forma é pacificador estar ao lado de quem morre. Pacifica-nos muito para o resto da vida, estar ali. Não há revolta nenhuma, é uma reconciliação com a vida e a morte, a morte faz parte da vida. E a morte é mesmo o fim. É que é mesmo o fim. É das poucas certezas que tem?É uma certeza enorme. Ao percorrer os corredores daquele hospital [Santa Maria] saí com essa certeza, uma certeza física, que nunca mais nos deixa. A morte é das coisas mais racionais na vida e ganha uma racionalidade muito grande quando a presenciamos. Tem um caminho e a certa altura a gente percebe que só aquilo pode acontecer. É o desfecho inevitável, tem uma lógica terrível. É brutal mas essa lógica está lá.
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Italiano Alessandro Gatto volta a vencer PortoCartoon
Concurso do Museu Nacional da Imprensa teve, pela primeira vez, uma mulher distinguida. (...)

Italiano Alessandro Gatto volta a vencer PortoCartoon
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.15
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Concurso do Museu Nacional da Imprensa teve, pela primeira vez, uma mulher distinguida.
TEXTO: O italiano Alessandro Gatto venceu o grande prémio do 17. º PortoCartoon, organizado pelo Museu Nacional da Imprensa (MNI), no Porto, num evento que se estreia na atribuição de um prémio a uma mulher. Na conferência de imprensa para o anúncio dos premiados deste ano, em que a competição esteve subordinada ao tema A Luz, o director do museu, Luís Humberto Marcos, lembrou esta segunda-feira que Alessandro Gatto já havia vencido o galardão há três anos – agora transformado em escultura na Praça de Lisboa, na Baixa da cidade – e salientou ser "muito honroso" para a instituição ver o trabalho Window (janela, em inglês) distinguido. O segundo prémio do concurso foi atribuído a Safe Light (luz segura, em inglês), da polaca Izabela Kowalska-Wieczorek, a primeira mulher a ser premiada no PortoCartoon, enquanto o terceiro prémio foi para o russo Andrei Popov por Lantern (lampião, em inglês). Nas categorias especiais dedicadas ao futebolista Cristiano Ronaldo e ao escrito Ernest Hemingway, foram premiados, respectivamente, o polaco Krzysztof Grondziel e o brasileiro Dalcio Machado. "Em apreciação estiveram cerca de 1. 700 obras, de quase 500 artistas, oriundas de todos os continentes. Portugal é o país com mais participação: com 154 trabalhos, de 62 cartoonistas. Seguem-se o Irão (152), Roménia (121), Turquia (101), Sérvia (82), Brasil e Rússia (ambos com 57), Ucrânia (53) e Polónia (45)", referiu o MNI em comunicado. O júri da edição deste ano foi composto pelo professor universitário e designer Andrew Howard, pelo presidente da Federação de Organizações de Cartoonistas, Bernard Bouton, por Luís Humberto Marcos, pelo representante da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Luís Mendonça, pelo encenador Roberto Merino e pelo fundador do Museu de Humor de Fene, Xaquín Marín, com o cartoonista do Charlie Hebdo Georges Wolinski, assassinado no começo deste ano em Paris, como presidente honorário. Na conferência de imprensa, Andrew Howard estabeleceu a relação entre o humor e a filosofia, que partilham a mesma missão: "Descrever o mundo para que possamos compreendê-lo melhor". Os trabalhos premiados vão ser expostos no MNI no próximo mês de Junho.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher
Svetlana Alexievich é o Prémio Nobel da Literatura 2015
O mais importante prémio literário foi atribuído à jornalista e escritora bielorrussa "pela sua escrita polifónica, memorial ao sofrimento e à coragem na nossa época". (...)

Svetlana Alexievich é o Prémio Nobel da Literatura 2015
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-10-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: O mais importante prémio literário foi atribuído à jornalista e escritora bielorrussa "pela sua escrita polifónica, memorial ao sofrimento e à coragem na nossa época".
TEXTO: Autora de obras fundamentais para se perceber quer a sociedade soviética, quer o mundo que emergiu do colapso da URSS, Svetlana Alexievich é o 112. º escritor (e apenas a 14. ª mulher) a receber a mais importante distinção literária a nível mundial, que só uma vez foi atribuída a um autor português, José Saramago, premiado em 1998. Sara Danius, secretária permanente da Academia (a ensaísta sueca sucedeu a Peter Englund em Junho e tornou-se a primeira mulher a exercer o cargo), destacou a “obra polifónica” de Alexievich, que descreveu como “um memorial ao sofrimento e à coragem na nossa época". A escritora bielorrussa inventou “um novo género literário”, disse ainda Danius, considerando que a premiada faz a fusão entre literatura e jornalismo e “criou uma história das emoções, uma história da alma”. À televisão pública sueca SVT Sara Danius revelou que acabara de falar com a jornalista e escritora bielorrussa e que ela apenas dissera uma palavra: “Fantástico!” Svetlana Alexievich era apontada como favorita ao prémio pelas principais casas de apostas, que por uma vez acertaram na mouche. Outros autores bem colocados nas apostas eram o japonês Haruki Murakami ou os norte-americanos Philip Roth e Joyce Carol Oates, todos eles candidatos recorrentes, como o português António Lobo Antunes. Nascida em 1948 em Ivano-Frankivsk (então Stanislav), na Ucrânia, Alexievich é fiha de pai bielorrusso e mãe ucraniana, ambos professores, e ela própria se dividiu durante algum tempo entre a docência e o jornalismo. É autora de uma obra que procura mostrar o mundo e historiar o passado recente, dando literalmente voz àqueles que viveram os acontecimentos que aborda. Seja como ficcionista no seu livro de estreia de 1985 sobre as mulheres na II Guerra, War's Unwomanly Face na tradução inglesa, ou como jornalista em Voices from Chernobyl: The Oral History of a Nuclear Disaster, de 1997, o ponto de partida é sempre ouvir os (as) sobreviventes e permitir que a sua voz chegue intacta à versão final do livro. Já este ano foi editado pela Porto Editora o seu título mais recente, O Fim do Homem Soviético – Um Tempo de Desencanto, originalmente publicado em 2012, e que lhe valeu no ano seguinte o Prémio Médicis de Ensaio, tendo ainda sido considerado o melhor livro do ano pela revista literária francesa Lire. É a sua única obra disponível em português até ao momento, mas a editora portuguesa Elsinore já anunciou que irá publicar Vozes de Chernobyl (título ainda provisório) em 2016, assinalando os 30 anos do desastre nuclear, que ocorreu em Abril de 1986 naquela que é hoje uma cidade-fantasma ucraniana, perto da fronteira com a Bielorrússia. O livro foi já adaptado ao cinema pelo realizador Pol Crutchen, num filme com estreia prevista para 2016. A autora abre a introdução a O Fim do Homem Soviético, intitulada Notas de uma cúmplice, com esta promessa: "Despedimo-nos dos tempos soviéticos. Dessa nossa vida. Tentarei escutar honestamente todos os participantes do drama socialista…” Defendendo que “o comunismo tinha um plano louco – transformar o ‘homem antigo’”, Alexievich acrescenta que esse terá sido talvez o único objectivo que foi mesmo cumprido: “Em pouco mais de setenta anos, no laboratório do marxismo-leninismo criou-se um tipo humano especial – o Homo sovieticus. ” E termina o seu texto com uma constatação e uma pergunta: “Encontrei nas ruas jovens com a foice e o martelo e o retrato de Lenine nas camisolas. Saberão eles o que é o comunismo?”Dando voz a centenas de cidadãos deste mundo pós-soviético, muitos deles desiludidos com o desmoronamento da URSS e ansiando por um novo Estaline, Svetlana Alexievich mostra-nos como essa histórica abertura promovida por Gorbatchov, que levou à queda do Muro de Berlim, é hoje vista por muitos russos como o gesto que desencadeou a catástrofe. A autora está traduzida em 22 línguas, algumas das suas obras foram adaptadas a peças de teatro e há mais de 20 documentários com argumentos baseados nos seus livros. Alexievich recebeu, entre outras distinções, o Erich Maria Remarque Peace Prize, em 2001, e o National Book Critics Circle Award, em 2006. Svetlana Alexievich estudou na Universidade de Minsk entre 1967 e 1972, foi professora e trabalhou vários anos como professora e jornalista até publicar a sua primeira obra, War's Unwomanly Face (1985), a que se seguiram (citam-se os títulos das edições inglesas) livros como The Last Witnesses: the Book of Unchildlike Stories, baseado nas memórias de pessoas que testemunharam a II Guerra quando tinham entre 7 e 12 anos, ou Zinky Boys, cujo título alude aos cerca de 50 mil soldados russos mortos na guerra do Afeganistão que regressaram a casa em caixões de zinco. Na lógica dos seus outros livros, Zinky Boys não é um ensaio sobre a política soviética que conduziu à invasão do Afeganistão, mas um livro que dá voz aos que sofreram com a guerra: militares de diversas patentes, mães de soldados mortos, enfermeiras, até prostitutas. Andrei Zorin, professor de Russo na Universidade de Oxford, afirmou ao jornal Financial Times que “a atribuição do Nobel a Svetlana Alexievich é uma forte tomada de posição moral e literária, que defende os valores da vida humana em tempos de militarismo triunfante, e a dignidade pessoal dos que enfrentam ditaduras arrogantes”. Publicado nas vésperas da perestroika de Gorbatchov, The War’s Unwomanly Face (traduzível por "A Guerra NãoTem Rosto de Mulher") vendeu mais de dois milhões de exemplares, mas Alexievich acabou em tribunal e, embora não tenha sido condenada, a persistente perseguição das autoridades bielorrussas levou-a a escolher o exílio. Viveu em Paris, Estocolmo e Berlim, e só regressou a Minsk, capital da Bielorrússia, em 2011. Mas os editores do seu país continuam a não a publicar. “Fazem de conta que eu não existo”, disse esta quinta-feira a escritora, numa conferência de imprensa convocada após a atribuição do Nobel. O prémio não chega em boa altura para o Presidente, Alexander Lukashenko, que será provavelmente reeleito nas eleições deste domingo, já que Svetlana Alexievich é uma declarada opositora do seu regime. A autora explicou que não iria votar, mas que, se o fizesse, escolheria a candidata da oposição Titiana Karatkevich. “Não sou uma pessoa de barricadas, mas estes tempos forçam-nos a isso, porque o que se está a passar é vergonhoso”, disse a jornalista, numa referência à situação política do país, onde muitos temem a crescente influência russa. O Nobel da Literatura, que tinha sido atribuído no ano passado ao escritor francês Patrick Modiano, tem um valor pecuniário de oito milhões de coroas suecas (cerca de 877 mil euros). Em 2012, a Academia reduziu o prémio de dez milhões de coroas suecas (cerca de um milhão de euros) para o seu valor actual. Este é o quarto prémio atribuído pela Academia Sueca este ano depois do Nobel da Medicina (William Campbell e Satoshi Omura), da Física (Takaaki Kajita e Arthur McDonald, ) e da Química (Tomas Lindahl, Paul Modrich e Aziz Sancar). Nesta sexta-feira será atribuído o Prémio Nobel da Paz pelo Comité Nobel Norueguês.
REFERÊNCIAS:
Realizadores de Brave – Indomável e Enchanted em Portugal no festival THU
Quarta edição do Festival Trojan Horse was a Unicorn junta pintores, ilustradores e artistas digitais em Setembro em Tróia. (...)

Realizadores de Brave – Indomável e Enchanted em Portugal no festival THU
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.4
DATA: 2016-05-31 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20160531194747/http://publico.pt/1732933
SUMÁRIO: Quarta edição do Festival Trojan Horse was a Unicorn junta pintores, ilustradores e artistas digitais em Setembro em Tróia.
TEXTO: A quarta edição do Festival Trojan Horse was a Unicorn (THU) tem a particularidade de ter esgotado mesmo antes de serem conhecidos os nomes dos conferencistas e autores deste ano – mas já há nomes a acumular-se e dois novos realizadores juntam-se ao rol: Brenda Chapman, vencedora de um Óscar por Brave – Indomável (2012), e Kevin Lima, realizador premiado de Uma História de Encantar (2007) ou Tarzan (1999). Entre 19 e 24 de Setembro estes serão dois dos 54 peritos, artistas consagrados, gente do cinema, dos jogos, da animação ou da concept art que se juntam em Tróia na presença de cerca de 600 participantes de várias nacionalidades. Só restam ingressos para assistir aos conteúdos ao vivo ou especiais do festival através da THU TV, informa a organização, que confirma ao PÚBLICO a presença de Chapman e Kevin Lima. O casal de realizadores e animadores, que trabalharam juntos em filmes já clássicos da Disney como A Pequena Sereia ou A Bela e o Monstro, vai estar presente ao longo dos cinco dias do festival. Participando nos vários formatos de formação ou tutorial do THU ou em regime de conferência sobre as suas carreiras – ela ajudou a fundar os estúdio de Animação da DreamWorks, foi a primeira mulher a realizar um filme de animação para um grande estúdio com O Príncipe do Egipto (com Steve Hickner) e ganhou um Annie pela história de O Rei Leão, além do BAFTA e do Globo de Ouro para Brave, já na Pixar; ele tem um prémio da Guilda de Realizadores por Eloise at Christmastime (2003), além de filmes de acção real como Enchanted – Uma História de Encantar, com Amy Adams e Susan Sarandon, ou 102 Dálmatas. THU: Eles desenham os filmes e jogos que devoramos mas nós não sabemosDepois da indefinição em torno do futuro do evento em Portugal, solucionada com intervenção do Ministério da Economia e o apoio da autarquia de Setúbal, o programa deste ano firmou-se na sua casa de origem, Tróia, e tem vindo a ser divulgado nas redes sociais. Com o objectivo de ser um evento que ajuda os participantes a pôr em prática projectos, vai reunir gigantes da indústria como a Industrial Light and Magic ou a Disney numa feira de recrutamento, e trazer nomes como o do desenhador de criaturas e director de arte Mark 'Crash' McCreery (Eduardo Mãos de Tesoura, o rosto do Penguin de Batman Returns ou Mundo Jurássico) ou o pintor e fotógrafo Phil Hale – autor do retrato oficial de Tony Blair mas também ilustrador de Stephen King, entre muitos outros projectos. Há ainda o artista de storyboard Ryan Woodward (O Gigante de Ferro, Homem-Aranha 2 e 3, Homem de Ferro 2, Os Vingadores) ou David Lesperance, artista digital em jogos como Mortal Kombat DC ou Tony Hawk Ride. A ilustradora Claire Wendling trabalhou com Disney, a Warner ou a DC Comics e fez várias capas para comics da Marvel – nomeadamente a dos números da série especial Avengers Fairy Tales escritos por C. B. Cebulski e desenhados pelos portugueses Ricardo Tércio e Nuno Plati. Os bilhetes para os cinco dias do evento custam 600 euros (mais IVA) e estão esgotados desde Janeiro. A maior parte dos participantes vem de países como Alemanha, EUA, Polónia e Inglaterra; os portugueses estarão em minoria.
REFERÊNCIAS:
Iranianas atacadas com ácido num país onde os direitos humanos não param de piorar
Desde que Rohani foi eleito, houve pelo menos 852 execuções no Irão, denuncia a ONU, que diz que o Presidente se mostra incapaz de cumprir as suas promessas de reformas. Lei de “apoio aos que fazem a promoção da virtude e combatem o vício” prestes a ser aprovada. (...)

Iranianas atacadas com ácido num país onde os direitos humanos não param de piorar
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.2
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Desde que Rohani foi eleito, houve pelo menos 852 execuções no Irão, denuncia a ONU, que diz que o Presidente se mostra incapaz de cumprir as suas promessas de reformas. Lei de “apoio aos que fazem a promoção da virtude e combatem o vício” prestes a ser aprovada.
TEXTO: Ácido lançado contra o rosto e o corpo de mulheres, uma mulher executada por matar o homem que acusava de a ter tentado violar, um aumento alarmante no número de condenações à morte e execuções. A lista podia continuar. O redactor da ONU para o Irão, chocado com a execução de Reyhaneh Jabbari, de 26 anos, avisa que os direitos humanos, em especial os das mulheres, estão a piorar no Irão. Há relatos divergentes sobre os ataques com ácido que deixaram um número indeterminado de mulheres gravemente queimadas e cegas – e é frequente haver mais do que uma versão na República Islâmica. O ponto comum é que todos ocorreram na cidade de Isfahan, a capital cultural do país e destino turístico, apesar de terem surgido nas redes sociais rumores que lançaram o pânico em Teerão, Tabriz ou Yazd. A socióloga iraniana Mahnaz Shirali escreve no jornal Le Monde que, “desde 15 de Outubro, mais de 15 mulheres foram atacadas com ácido por motards em pleno centro da cidade de Isfahan, quando seguiam ao volante dos seus carros”. Segundo o diário Los Angeles Times, “pelo menos oito ou nove ataques aconteceram nas últimas semanas”. Já o Governo e a Justiça limitam a quatro o número e garantem que o último ocorreu a 15 de Outubro. “Trata-se de um acto desumano, ilegal, violento e contrário ao islão. Os responsáveis irão sofrer a mais dura punição”, afirmou o procurador-geral, Gholam-Hossein Mohseni-Eje’i. Houve protestos a denunciar os ataques em várias cidades, incluindo Teerão. “Onde está o olho da minha irmã”, gritaram alguns manifestantes na baixa da capital. Como acontece sempre desde os protestos que se seguiram às eleições de 2009, os maiores de sempre depois da Revolução Islâmica (1979), os manifestantes não ultrapassavam as dezenas e não resistiram à polícia que os confrontou. Mesmo assim, houve detidos em Teerão. Alguns liberais e reformistas acreditam que as autoridades ajudaram a promover estes ataques por causa de uma lei que em breve será aprovada no Parlamento e que prevê protecção para os cidadãos que decidirem agir para fazer cumprir as normais sociais em vigor, podendo apenas, em princípio, “aconselhar verbalmente” as incumpridoras. As autoridades judiciais desmentem que as vítimas não respeitassem o código de vestuário que obriga as mulheres a cobrir o cabelo e Mohseni-Eje’i avisou “os grupos contra-revolucionários” e certos “sites e media que fazem provocações”, ligando estes ataques à lei intitulada “apoio aos que fazem a promoção da virtude e combatem o vício”. Promessas por cumprir“Não podemos ouvir todas as palavras pouco exactas que visam perturbar a opinião pública acusando injustamente pessoas ou grupos", afirmou também o Presidente, Hassan Rohani, eleito em Junho do ano passado com o apoio de muitos jovens que querem ver reformas no país. “As pessoas não podem ter nenhuma dúvida. O Governo fará tudo para deter e entregar à justiça os responsáveis por estes crimes”, disse Rohani. É difícil ler as descrições sem que venham à memória os ataques dos bassidji (voluntários islamistas) contra os manifestantes que saíram à rua depois de umas eleições que consideraram fraudulentas, quando Mohamed Ahmadinejad foi reeleito contra os reformistas Mir-Hossein Moussavi e Mehdi Karoubi, em prisão domiciliária desde 2011. É que muitos vídeos destes protestos mostravam bassidji a perseguirem pessoas ao volante de motas. O responsável da ONU para o Irão, Ahmed Shaheed, acaba de denunciar que os direitos humanos no país não pararam de se deteriorar desde a chegada do poder de Rohani. Com pelo menos 852 execuções nos últimos 15 meses, incluindo “uma pessoa executada por ter feito uma doação a uma organização estrangeira”, Shaheed afirma-se especialmente chocado com a execução de Reyhaneh Jabbari, que apunhalou o homem que a tentava violar, um antigo empregado do Ministério da Informação. Rohani, diz Shaheed (que tem o cargo desde 2011 e nunca foi autorizado a entrar no país), “é incapaz de resolver este problema e de respeitar as suas promessas”. O problema pode ser mesmo esse – num país onde a figura mais importante é o guia supremo, ayatollah Ali Khamenei, e as instituições mais fortes são constituídas por religiosos, Rohani (ele próprio um religioso) não tem qualquer poder sobre o aparelho judiciário. Violência “intolerável”Shaheed conseguiu entrevistar 400 iranianas, um terço destas a viver no Irão (incluindo algumas detidas), e denuncia que há meninas de nove anos a casarem-se, que as solteiras enfrentam muitas dificuldades em encontrar trabalho e que uma mulher que tente divorciar-se por ser vítima de violência doméstica tem de provar que esta violência é “intolerável”.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Na Amadora, a BD salta para o ecrã e a tradição do papel ainda é o que era
25 anos de Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora têm como convidados Batman e Mafalda, mas é o presente e o futuro da arte que está no centro do evento que começa esta sexta-feira. (...)

Na Amadora, a BD salta para o ecrã e a tradição do papel ainda é o que era
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: 25 anos de Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora têm como convidados Batman e Mafalda, mas é o presente e o futuro da arte que está no centro do evento que começa esta sexta-feira.
TEXTO: Uma revoada de morcegos levanta-se enquanto um Surfista Prateado desliza paredes meias com um Passos Coelho bronzeadíssimo sobre uma toalha de praia que é, afinal Portugal. Não é qualquer vinheta que reúne Batman, cartoon satírico e o melhor da banda-desenhada portuguesa e internacional, com festas de anos e tudo. O Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora (AmadoraBD) é, neste seu 25. º ano, uma espécie de álbum que se atira a uma galáxia nada distante: aquela onde podemos ver o presente-futuro da BD, tecnologicamente influenciada, criativamente libertada. O Fórum Luís de Camões, na Amadora, recebe até 9 de Novembro autores e leitores para uma festa de 25 anos que coincide com os 50 anos de Mafalda, de seu cognome A Contestatária, e dos 75 anos de Batman, homem que só é super no seu símbolo, o morcego que espelha o lado lunar do monstro que temos em nós. Mas entre as presenças de autores muito cobiçados pelos caça-autógrafos (o ilustrador e argumentista norte-americano Joe Staton e sua ligação ao universo do morcego é um deles) e de novidades como a espécie de biblioteca central onde se pode ler um ano editorial português de BD, há uma exposição central que tenta abraçar todo um mundo. Galáxia XXI: O futuro da banda desenhada é agora, comissariada pelos jornalistas Sara Figueiredo Costa e Luís Salvado, é a concretização de uma conversa de anos que se coaduna com a data redonda do festival para gerar reflexão. “O que é a BD hoje, em 2014, na sociedade de informação e quando os suportes de acesso a ela deixaram de ser apenas o papel”, resume Nelson Dona, director do AmadoraBD. Isto num momento em que a ilustradora Joana Afonso, cuj’O Baile (Kingpin Books) recebeu o Prémio Nacional de BD 2013 de Melhor Álbum e Melhor Argumento de Autor Português, é foco de uma exposição em três núcleos – desenhadora, livro e argumentista (Nuno Duarte) - e é a primeira mulher a desenhar o cartaz do festival. Também ela tem 25 anos. “Num momento em que o país também está a viver um período de viragem que nos exige reflexão sobre o que somos e para onde vamos, parece-me lógico aplicar esse raciocínio ao estado da arte da BD”, explica Luís Salvado. Tanto ele quanto Nelson Dona e Sara Figueiredo Costa falam das possibilidades que se abriram na última década graças à sempiterna evolução tecnológica, em particular em termos de auto-edição com qualidade, das facilidades de difusão e acesso via Internet, da ausência de intermediários, do desenho exclusivamente no computador e dos produtos “híbridos”, como categoriza Salvado, “a BD que só pode existir no digital”, completa Sara Figueiredo Costa. “Já há autores a trabalhar só para o ecrã. O traço é dele, mas a forma como as vinhetas vão surgindo, como os elementos gráficos vão surgindo só é possível no ecrã”, nos tablets e computadores, e não é animação. É outra coisa. E tal como esta “democratização imensa” que gerou “potencialidades que nunca houve na história da BD - temos autores portugueses a trabalhar para a Marvel sem saírem de cá. Isso era impossível há dez anos -”, como lembra Luís Salvado, permitiu que os nichos se multipliquem, também criou ecossistemas onde podem florescer. “Permitiu a sobrevivência de uma série de projectos editoriais com qualidade para estarem à venda em livrarias que há 15 anos não teriam como manter-se” como a portuguesa El Pep, exemplifica a comissária, circulando entre os espaços da Galáxia XXI. Ali convivem oito núcleos sobre os grandes mercados dos EUA (em que há portugueses como Daniel Maia e Filipe Andrade a trabalhar) e do Japão, os novos suportes em ecrã, as novas distribuições como a da colombiana Powerpaola ou do brasileiro Alex Vieira, os trabalho colectivos via web como o que faz a portuguesa Chili com Carne ou a italiana Canicola, ou o efeito cinema, do Tintin de Spielberg e Os Vingadores à Palma de Ouro de Cannes A Vida de Adéle ou Gainsbourg, baseados em novelas gráficas. E o incontornável colosso franco-belga, “um mercado que continua a ter uma espécie de efeito de validação para o prestígio de um autor”, diz Sara Figueiredo Costa, que espelha que, ao lado das Marvel e DC americanas há ainda e sempre um Obélix a resistir. “Astérix entre os Pictos foi o livro que mais vendeu em França em 2013, à frente dos três livros de As Sombras de Grey”, lembra Salvado. E se o desenho salta para o ecrã ou nasce nele, também há o regresso ou continuação da tradição, através da impressão artesanal, da serigrafia, da linogravura. “Uma tendência que atravessa o mundo”, diz Sara Figueiredo Costa, e que nos conteúdos oscila entre a idade adulta e o individual. A influência desta pulverização do mundo em suportes e acesso não é tão permeável a fenómenos como a pirataria, considera Luís Salvado, porque a BD só na última década se digitalizou de forma significativa, mas nas temáticas o comissário fala da contínua influência americana, desde a década de 1980, “num pendor cada vez mais adulto” das histórias e dos leitores. “Há uma distribuição etária muito maior entre os leitores de BD”, postula Luís Salvado, “até porque o preconceito em relação aos leitores de BD já se esbateu”. Os nerds a caminho do domínio mundial, já instalados no mainstream. Nelson Dona acrescenta a sua pitada. Defende que o que se passa na BD é similar ao que nos últimos dez, 15 anos acontece “na história da arte em geral, mas sobretudo nas artes narrativas como a literatura, o cinema” – “a predisposição do leitor para se relacionar com obras intimistas, muitas de carácter autobiográfico, que relatam histórias de pessoas normais e não seres extraordinários”. “Esta normalidade”, ressalva, “não é uma invenção dos últimos anos, mas marca o universo da BD contemporânea e que provavelmente tem a ver com essa relação mais directa do autor com o leitor e”, opina, a globalização “leva a que se procurem as coisas mais individualizadas e com as quais se sentem identificadas. ”A reflexão deixa espaço para uma parede de autógrafos coleccionados ao longo destes 25 anos, de celebrações dos premiados do ano passado como o cartoonista Henrique Monteiro (o autor do primeiro-ministro tostado sobre uma toalha-Portugal à beira mar plantada) ou a ilustradora Catarina Sobral e de uma mostra em 3D - Matthias Picard e o seu Jim Curioso (Polvo) com sala escura de consumo obrigatório com os respectivos óculos. O evento, que este ano tem um orçamento de 510 mil euros, segundo a Lusa, contempla ainda uma feira do livro, um tributo ao Surfista Prateado (Prémio Nacional de BD 2013: Clássicos da Banda Desenhada) com a rara intervenção de Moebius nos comics americanos numa história partilhada com Stan Lee, da Marvel, e, claro, Mafalda. Numa sala laranja, Gui está de lápis em riste sob o olhar da irmã mais velha, garatujas já espalhadas pelo rodapé das paredes. Aos 50 anos, Mafalda tem direito a uma “exposição de carácter mais lúdico”, também porque se trata de um autor – o argentino Quino – “cujos originais quase não existem e porque é uma personagem com uma dimensão universalista e que se circunscreve a um período da história, os anos 1970”, diz Nelson Dona. Mas, frisa o responsável, “o festival tem tido propostas de leitura filosófico-políticas e a Mafalda é isso: no momento sócio-económico em que vivemos, as perguntas da Mafalda são questões que nos colocamos novamente”.
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