Programa de Potencial Humano já aprovou projectos no valor de 5,8 mil milhões de euros
O Programa Operacional de Potencial Humano (POPH) já aprovou 17.500 projectos, que abrangem mais de dois milhões de pessoas, em diversas áreas, para um investimento de 5,8 mil milhões de euros, afirmou hoje o seu gestor. (...)

Programa de Potencial Humano já aprovou projectos no valor de 5,8 mil milhões de euros
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.099
DATA: 2010-06-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Programa Operacional de Potencial Humano (POPH) já aprovou 17.500 projectos, que abrangem mais de dois milhões de pessoas, em diversas áreas, para um investimento de 5,8 mil milhões de euros, afirmou hoje o seu gestor.
TEXTO: Em declarações à agência Lusa, Rui Fiolhais avançou que o programa, para vigorar entre 2007 e 2013, já tem mais de 2, 1 mil milhões de euros de despesa executada, ou seja, uma taxa de 23, 6 por cento. As aprovações “ultrapassam a casa dos 5800 milhões de euros, o que significa 64 por cento da dotação global do programa, que tem um volume de 8800 milhões de euros”, especificou. “O balanço é bastante positivo. O POPH tem por missão qualificar Portugal e está a cumprir plenamente” o objectivo, considerou. Os indicadores acerca do desenvolvimento do programa, apoiado pelo Fundo Social Europeu (FSE), são apresentados hoje em Lisboa a responsáveis europeus e nacionais. Aprovação de candidaturas nos 49 por centoO POPH recebeu até agora cerca de 35. 600 candidaturas e aprovou aproximadamente 17. 500, “o que significa que temos uma taxa de aprovação de 49 por cento, um bom sintoma relativamente àquela que é uma das prioridades do programa e do QREN [Quadro de Referência Estratégico Nacional], que é a selectividade”, apontou Rui Fiolhais. Aliás, o gestor faz questão de frisar que também a taxa de execução “está em linha com as expectativas, e coloca Portugal, em termos de FSE, na primeira linha do pelotão”, revelando uma capacidade de execução que se distingue “em circunstâncias difíceis”. O POPH integra 40 tipologias de intervenção distribuídas por dez eixos temáticos, que cobrem áreas tão diversas como qualificação inicial dos jovens, recuperação da qualificação dos activos e dos empregados, melhoria das qualificações das empresas e integração de jovens na vida activa, mas também intervenção na área da inclusão social, formação para pessoas com deficiência, integração social de imigrantes ou iniciativas numa perspectiva de igualdade de género. O programa socorre-se de 23 organismos intermédios, públicos e privados, como as escolas ou o Instituto do Emprego e Formação Profissional, através dos quais chega aos destinatários finais. Metade na região NorteAs candidaturas vieram de “todos os quadrantes da vida social, das empresas, das entidades de formação, das universidades e das organizações não governamentais” e “quase diria que não há qualquer sector da vida social que não conheça directa ou indirectamente os efeitos do POPH”, salientou Rui Fiolhais. Assim, entre as pessoas que beneficiaram do POPH estão 1, 7 milhões de adultos e 357 mil jovens, em acções de dupla certificação, 729 mil trabalhadores em formação para inovação e gestão e 181 mil estudantes do ensino superior, com bolsas, ou 53 mil formandos na área da inclusão social. Em termos de investimento, o POPH está concentrado em 50 por cento na região Norte, enquanto o Centro tem 25 por cento e o Alentejo dez por cento, o que “está em linha com o programado”, garantiu Rui Fiolhais. O POPH tem uma dotação global de 8, 8 mil milhões de euros, dos quais 6, 1 mil milhões de comparticipação de FSE, e representa 37 por cento dos apoios estruturais do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN).
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave social igualdade género
Despesa da Presidência do Conselho de Ministros aumenta 13 por cento devido aos Censos
A despesa total consolidada da Presidência do Conselho de Ministros aumenta 36,8 milhões de euros em 2011, mais 13,1 por cento em relação à estimativa de execução prevista para 2010, devido à realização dos Censos 2011 (...)

Despesa da Presidência do Conselho de Ministros aumenta 13 por cento devido aos Censos
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Ciganos Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.12
DATA: 2010-10-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: A despesa total consolidada da Presidência do Conselho de Ministros aumenta 36,8 milhões de euros em 2011, mais 13,1 por cento em relação à estimativa de execução prevista para 2010, devido à realização dos Censos 2011
TEXTO: Segundo o Orçamento do Estado para 2011 entregue no Parlamento, a despesa total consolidada da Presidência do Conselho de Ministros cresce dos 281, 3 milhões de euros estimados para 2010 para 318 milhões de euros em 2011. O aumento é justificado com a “inscrição da dotação específica afecta à realização do Censos 2011, no montante de 43, 2 milhões de euros”. As verbas destinadas ao funcionamento em sentido estrito "sofrem uma redução de 8, 8 por cento, resultado que traduz as medidas de contenção da despesa”, lê-se no documento. No âmbito das políticas sob alçada da Presidência do Conselho de Ministros, no processo de simplificação administrativa Simplex continuará “a expansão da rede de Lojas do Cidadão de segunda geração a mais concelhos” e estão “previstas mais de 600 medidas” do Simplex autárquico. Ao nível da integração dos imigrantes está previsto o arranque do projecto de obras do novo Centro Nacional de Apoio ao Imigrante, em Lisboa bem como “a execução das medidas previstas no II Plano de Integração de Imigrantes. Está contemplada a “formação e da colocação de mediadores interculturais em serviços públicos”, bem como “junto das comunidades ciganas, através de parcerias com a sociedade civil e as autarquias, reforçando a colocação de mediadores ao nível municipal”, sendo também “consolidada a quarta geração do Programa Escolhas, que envolve cerca de 97000 crianças e jovens. Em 2011, o Governo iniciará a execução do IV Plano Nacional para a Igualdade -Cidadania e Género, do IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica, o II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos, o II Programa de Acção para a Eliminação da Mutilação Genital Feminina, e o IV Plano Nacional para a Igualdade Cidadania e Género. Para “aprofundar os mecanismos de protecção e de apoio às vítimas de violência doméstica” será “aperfeiçoada a implementação da tele-assistência a vítimas, através da rede nacional de casas de abrigo e das estruturas de atendimento”, entre outras medidas. Nas áreas da orientação sexual e identidade de género, são contempladas “acções de sensibilização para profissionais de saúde, educação e forças de segurança, bem como campanhas de sensibilização para o público em geral”. Nas políticas dedicadas à Juventude, “continuará a ser requalificada e rentabilizada a Rede Nacional de Pousadas da Juventude” e será dada continuidade do acesso ao “crédito à habitação para os jovens através do programa Porta 65 para o arrendamento jovem” bem como os “programas de colocação de jovens quadros com o objectivo de promover o emprego dos recém-licenciados”, entre outras medidas. A actividade da Comissão para as Comemorações para o Centenário da República, “prolongar-se-á por 2011, até à data do centenário da primeira Constituição republicana”, coma realização de “acções mais pontuais”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave humanos violência educação igualdade género sexual doméstica feminina imigrante
Mais uma vez: o ascenso do "trumpismo" nacional
É um problema para a direita, que detesta o seu lado revolucionário e anticonservador, mas que o aceita muito mais do que o pode admitir. (...)

Mais uma vez: o ascenso do "trumpismo" nacional
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: É um problema para a direita, que detesta o seu lado revolucionário e anticonservador, mas que o aceita muito mais do que o pode admitir.
TEXTO: Falar de Donald Trump é a coisa mais importante sobre a qual se pode falar nestes dias. Tudo o resto parece menor e é efectivamente menor, e sinto-me quase escapista se falar de política doméstica face ao que está a acontecer ao mundo. Problemas na “geringonça”? Certamente que há, mas valem pouco. As desventuras de Passos Coelho no PSD? Sem dúvida que as há, mas também há muita imaginação criadora sobre o seu isolamento no PSD, pelo menos no aparelho do PSD. Os “afectos” do senhor Presidente? Esses enchem o mundo e são muito inócuos. As peripécias da banca? Sem dúvida que são importantes, irão ao nosso bolso, mas temos tempo para voltar a elas. A confusão do "Brexit"? Bom, aqui começamos a tocar em coisas mais importantes. A perplexidade europeia face ao ascenso de gente como a senhora Le Pen? Bom, aqui começamos a ter de falar muito a sério. O crescente caos no mundo, entre uma Rússia ascendente, um Irão enervado, uma China a preparar uma variante qualquer da “tortura chinesa” para os americanos? Sim, aqui já não é só preocupações, começamos a sentir o perigo. Perigo mundial, como há muito tempo não se via. E aqui já estamos claramente no domínio de Trump e dos efeitos da sua revolução. É por isso que falar de Trump é a coisa mais importante sobre a qual se pode falar nestes dias. E como falamos para Portugal, quando muito com efeitos caseiros, é de Trump em Portugal que tem interesse falar. Isto, porque Trump é a mais grave consequência de muitos anos de desleixo político em nome de uma certa “economia” política, da crise da social-democracia, que se impôs depois de 2008, e que pode ter efeitos muito perigosos, mas pode também ter efeitos benéficos. Trump polariza, a seu favor e contra, e esse efeito polarizador maximizará os seus apoiantes, mas também fará sair de uma longa letargia os seus adversários. Trump teve a vantagem de não permitir qualquer benefício da dúvida e de ser tão claro no sentido da sua intervenção, que provocou uma imediata reacção negativa, que, um pouco por todo o lado, tem vindo em crescendo. Esse fenómeno é global e não permite muitas hesitações. Theresa May viu isso, quando as suas ambiguidades na visita que fez a Trump a obrigaram a ter de usar no Parlamento britânico uma linguagem condenatória que tinha evitado usar nos EUA. A conversa irritada que teve o primeiro-ministro australiano com Trump e o cancelamento da visita do Presidente do México mostram que a paciência com Trump não existe em quase lado nenhum. Se é assim em cima, é muito mais em baixo. Será que são “radicais”, como acusa a direita portuguesa aos que não dão qualquer benefício de dúvida a Trump? Na linguagem simplista que, quer queiramos quer não, faz algum sentido na política redutora dos nossos dias, Trump é de esquerda ou de direita? A resposta é muito clara: Trump é de direita, de uma direita agressiva e pouco democrática, proteccionista e pouco liberal, que da política quer a opinião das massas, mas não quer os procedimentos da democracia e o primado da lei, ou seja, usa a demagogia, a irmã perversa da democracia, para um caminho perigosamente autoritário. Vejamos o seu programa: proteccionismo e nacionalismo económico, desregulação, fim de toda a legislação gerada depois da crise de 2008 para travar os excessos financeiros da banca, baixa dos impostos sobre os negócios, fim de qualquer regulamentação que limite a actividade das empresas e de Wall Street, fim de mecanismos de almofada contra a pobreza como era o Obamacare, etc. , etc. Ou seja, um programa que, com excepção do proteccionismo e nacionalismo económico, é da direita, incluindo a direita liberal. Há uma divergência com uma direita que se tornou internacionalista e partidária do livre comércio, da procura de salários baixos com a deslocalização das empresas, e a quem não agrada o “rasgar” dos tratados de comércio, mas para eles Trump reserva o seu comportamento de bullying, que até agora parece ter dado alguns resultados. Depois há as questões de costumes, os direitos das mulheres, dos homossexuais, o aborto e o planeamento familiar, o papel crescente das Igrejas evangélicas na vida política, um grupo de questões que são típicas da agenda da direita. E, por fim, um dos aspectos mais importantes, está o estilo autoritário de permanente ameaça, vingança ou retaliação, no limiar da legalidade e dos procedimentos aceitáveis em democracia. Estranhamente, não vejo muitos protestos contra factos que roçam a ilegalidade, como seja o convite para se “irem embora” aos mil funcionários do Departamento de Estado que assinaram um documento de divergência da política de Trump usando um mecanismo previsto pela própria lei interna, isto é, usando um direito garantido até hoje pelo departamento de que são funcionários. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. De facto, se retirarmos o seu proteccionismo e o consequente isolacionismo americano, que explica a sua aproximação a Putin, que aplaude com todas as mãos; as suas reservas quanto à NATO, que Putin também aplaude com os pés e com as mãos, a política de Trump segue um padrão típico da direita em matérias de política interna. O que sobra do intervencionismo americano é errático e incoerente: o combate total ao ISIS, não se sabe como, mas certamente com os russos, após a legitimação do governo de Assad, a aproximação aos ultras israelitas, a belicosidade com o Irão e a China, que também não afectam o quadro geral dos interesses russos, e afastamento dos seus aliados tradicionais na Europa e na Ásia. Se exceptuarmos a aproximação à Rússia, o resto é muito pouco coerente, mas traduz o desinteresse que Trump tem pela política internacional. Neste contexto, Trump é um problema para a direita, que detesta o seu lado revolucionário e anticonservador, mas que o aceita muito mais do que o pode admitir. Aliás, é interessante verificar que, quase sem excepção, os artigos escritos à direita em Portugal sobre Trump têm como motivação muito mais a crítica aos críticos de Trump do que a crítica a Trump. Embora não possa garantir ter lido todos, ainda estou para ver um artigo, comentário, declaração vindo da direita portuguesa que seja apenas… contra Trump. E não faltam motivos. O que há é ataques aos que atacam Trump, e depois desgosto com a personagem, mas a economia da indignação vai para os “radicais” que o atacam, muitas vezes colocados no mesmo plano. Outra variante é dizer que Trump está a fazer o mesmo que fez Obama ou Clinton, só que gabando-se, em vez de esconder a mão, como eles fizeram. Na aparência pode ser verdadeiro, como é o caso do muro com o México que já existia, mas toda a gente sabe que, no domínio simbólico da política, o muro de Trump, “pago” pelos mexicanos como sinal da sua culpa colectiva, é uma coisa completamente diferente do de Obama. Do mesmo modo, há uma diferença abissal entre “banir” a entrada de imigrantes ilegais, e ter todo o cuidado com a imigração de zonas de conflito, e “banir” as entradas de países muçulmanos porque são muçulmanos. E mesmo assim “banir” só os países muçulmanos onde Trump não tem negócios, e não aqueles como a Arábia Saudita que efectivamente exportaram mais terroristas para os EUA e para todo o Médio Oriente. Trump chegou à presidência americana num período de geral radicalização da direita e de destruição do centro. Trump e a direita portuguesa partilham os inimigos. Ora, na lógica dos mecanismos redutores da política dos dias de hoje, essa direita vai-se encostar cada vez mais a ele, tanto mais quanto Trump pareça ir perder, porque os seus adversários são os seus, e os inimigos dos meus inimigos meus amigos são. A comunidade de adversários é, em tempos de crise, um poderoso factor de aproximação. Será muito pouco bonito de ser ver, mas vai-se ver, ou melhor, já se está a ver.
REFERÊNCIAS:
Porque é que não comemos cães?
“Comum a todas as ideologias violentas é o fenómeno do saber sem saber”. Quem o diz é a activista vegan norte-americana Melanie Joy, para quem comer carne é uma dessas ideologias violentas – ela chama-lhe "carnismo". (...)

Porque é que não comemos cães?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 Animais Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Comum a todas as ideologias violentas é o fenómeno do saber sem saber”. Quem o diz é a activista vegan norte-americana Melanie Joy, para quem comer carne é uma dessas ideologias violentas – ela chama-lhe "carnismo".
TEXTO: Comer carne não é apenas uma opção — é uma ideologia. Melanie Joy, professora de Psicologia e Sociologia na Universidade de Massachusetts e autora do livro Porque Gostamos de Cães, Comemos Porcos e Vestimos Vacas (Bertrand Editora), defende que, para encararmos de frente a questão, temos de a poder nomear: ela chama-lhe “carnismo”, palavra que, diz, “já está na Wikipédia e em diferentes dicionários”. O argumento é simples: se não lhe dermos um nome, não a veremos como ideologia, é apenas o “normal”. E para Melanie, que é também fundadora da associação Beyond Carnism e co-fundadora da ProVeg International, não há nada de normal na relação que hoje mantemos com os animais. “Quando um comportamento — neste caso, comer animais — se torna uma escolha e não já uma necessidade, assume uma dimensão ética que não tinha antes. ”É pela psicologia que tenta provar aquilo que vê como uma profunda contradição, a dualidade com que nos relacionamos com o mundo animal, criando uma enorme empatia com algumas espécies e massacrando milhares de milhões de outras para as comer. “A maior parte das pessoas pensa que é cruel massacrar um golden retriever perfeitamente saudável só porque gostamos do sabor das pernas dele”, explica numa conversa com o P2 durante a sua recente visita a Portugal para fazer uma palestra no festival VeggieWorld. É precisamente com o exemplo do cão (noutro país, não ocidental, poderia ser uma espécie diferente) que começa o seu livro. Descreve um jantar de amigos, ambiente acolhedor, uma “travessa fumegante de um apetitoso guisado”. Todos estão deliciados com a carne e alguém pede a receita, ao que o anfitrião responde: “Começamos com 2, 5 quilos de carne de golden retriever. ” A frase é o suficiente para congelar o gesto de levar o garfo à boca. “Se formos como a maior parte dos norte-americanos, ao sabermos que estávamos a comer um cão, as nossas sensações vão passar automaticamente de prazer a um certo grau de repulsa”, escreve a autora. Porque é que não temos o mesmo tipo de empatia com outros animais?O cenário de produção de carne a nível industrial que Melanie Joy descreve no livro — no qual refuta também argumentos como o de que os animais não sofrem, não sentem dor ou medo — é impressionante. Destinados exclusivamente a serem transformados em alimento, os animais criados para este fim têm vidas muito curtas, durante as quais sofrem continuamente. Um artigo do The Washington Post de 2011, assinado por Joby Warrick e citado no livro, incluiu a entrevista a um trabalhador de um matadouro que explicava que, embora o gado devesse chegar já morto à sala de corte, frequentemente isso não acontecia. “Eles pestanejam. Fazem barulhos, mexem a cabeça, arregalam os olhos e olham em volta”, descrevia o funcionário, que continuava a cortá-los. “Eles morrem pedaço a pedaço. ”Esqueçamos as vacas por um momento e vejamos o que se passa em algumas produções onde se amontoam milhões de galinhas: “Como as galinhas têm sido geneticamente modificadas para porem dez vezes mais ovos do que as suas antepassadas, os seus frágeis ossos partem-se com frequência, visto o cálcio do esqueleto ser desproporcionalmente desviado para a formação das cascas dos ovos. Uma outra consequência desta selecção artificial para a produção de quantidades antinaturais de ovos é o prolapso uterino. Quando um ovo fica agarrado à parede uterina, pode trazer o útero com ele ao sair. A não ser que seja recolocado no corpo da galinha, o útero será alvo das bicadas das outras galinhas, levando-a a sangrar até à morte ou a perecer devido às infecções; em ambos os casos, a galinha costuma morrer ao fim de dois dias. ”Um exemplo de algo que pode horrorizar um leitor ocidental é a descrição dos restaurantes sul-coreanos onde se come carne de cão, retirada de uma reportagem de 2002 do jornal britânico The Telegraph: “A morte dos cães é tão desumana como a sua criação. Quase todos são espancados até à morte, pois acredita-se que tal estimula a produção de adrenalina, vista pelos homens coreanos como estimulante para a sua virilidade. Uma vez mortos ou quase mortos, os cães são atirados para água a ferver, esfolados e pendurados pela mandíbula num gancho de carne. Muitos cozinheiros usam então um maçarico para lustrar a carcaça. ”E, para quem não estiver já profundamente perturbado, Melanie acrescenta ainda descrições sobre a vida dos trabalhadores da indústria da carne (muitos deles imigrantes ilegais), que classifica como “o emprego fabril mais perigoso nos EUA, sendo também o mais violento”. Para além do desgaste emocional provocado pelo facto de se trabalhar num ambiente em que animais estão permanentemente a ser massacrados, existem muitos riscos físicos, das quedas aos cortes e amputações. “Em 2005, pela primeira vez, a Human Rights Watch publicou um relatório em que criticava um sector específico dos EUA — o sector da carne — por nele vigorarem condições de trabalho tão chocantes que violavam os direitos humanos básicos. ”Por fim, a questão da higiene (e mais uma vez as referências no livro são sobretudo relativas aos EUA, embora a autora diga que, com algumas diferenças na legislação e nas regras, a situação na Europa é também grave). Se a carne pudesse ter avisos na embalagem semelhantes aos do tabaco, segundo Melanie seriam algo como isto: “O animal convertido neste produto pode ter sido alimentado com gatos e cães mortos para o efeito; com penas, cascos, pêlos, pele, sangue e intestinos processados; com animais mortos por atropelamento, com estrume, com granulados de plástico extraídos dos estômagos de vacas mortas; com carcaças de animais da sua própria espécie. ”“Sabemos que a produção de carne é um negócio sujo”, escreve. “Mas preferimos não saber quão sujo é. (. . . ) Comum a todas as ideologias violentas é o fenómeno do saber sem saber. ” Esta realidade é, de vez em quando, denunciada numa reportagem ou num filme, mas a maior parte das pessoas, ainda que suspeitando que ela existe, prefere ignorá-la, afirma Melanie. Ela própria começou por ser “a rapariga da pizza apaixonada por carne”. Pedia sempre pizza com todo o tipo de carnes e ainda extra queijo. Só mais tarde começou a aperceber-se de uma contradição. “Eu era ao mesmo tempo uma consumidora de carne e uma pessoa que se preocupava com os animais”, explica ao P2. “Não fazia a ligação entre as duas coisas e quando finalmente a fiz fiquei tão chocada que quis contar a toda a gente o que tinha aprendido sobre a produção industrial de carne. ” Foi então que se lhe deparou “uma terrível resistência em relação ao que [lhe] parecia ser uma informação verdadeiramente importante”. As pessoas pareciam não querer ver, nem ouvir. Esta descoberta levou-a a estudar mais profundamente a psicologia da violência e da não-violência. “Queria saber porque é que pessoas boas voltam as costas a problemas sérios, permitindo que eles continuem a existir e a proliferar. ”Se pensarmos nesta questão em termos mais alargados, podemos questionarmo-nos sobre até que ponto esta vontade de não ver nos pode levar a assumir certos posicionamentos políticos — e Melanie não tem problemas em usar neste livro a palavra “holocausto” para se referir ao que está a acontecer a milhões de animais todos os dias. “Entrevistei talhantes, cortadores de carne, comedores de carne, pessoas que criavam e matavam os seus próprios animais para alimentação. Todas tinham os mesmos comportamentos contraditórios, preocupavam-se com eles, mas massacravam-nos e comiam-nos. ” Percebeu, então, que “algo maior devia estar a acontecer”: “A única explicação para este paradoxo generalizado tinha de ser um sistema de crença espalhado, ou seja, uma ideologia. ”Mas, questionamos, comer carne não foi algo que fizemos desde sempre? Se é uma ideologia, como é que começou e quem a propagou? “As ideologias não têm de nos ser vendidas. Podem simplesmente desenvolver-se ao longo do tempo, baseadas na forma como nos relacionamos com o poder. Se pensarmos no sistema patriarcal ou no sexismo como uma ideologia, não houve alguém a vender a ideia de superioridade masculina”, argumenta. “É um conjunto de ideias que começou há muito tempo e foi crescendo, porque um grupo de pessoas, neste caso os homens, tinha poder e agarrou-se a esse poder. ”O que aconteceu depois, segundo Melanie, foi que todo o sistema passou a assentar num mecanismo quase invisível, uma “indústria de milhares de milhões de dólares” que tem todo o interesse em manter o mundo a consumir enormes quantidades de carne. E o grande trunfo deste sistema é a sua invisibilidade. A máquina trituradora de animais é mantida longe dos olhares de quem os vai comer. No entanto, mesmo quando a morte acontece à nossa frente, não nos mostramos tão chocados como seria expectável — basta pensarmos na matança do porco, tradicional em países como Portugal, ou na forma como os animais mortos, inteiros, são apresentados nos talhos. “Para algumas pessoas, a questão é não ver fisicamente, com os olhos”, argumenta. “Para outras, é não ver com o coração. A visibilidade é física, mas também emocional. E as pessoas têm uma capacidade extraordinária para se tornarem insensíveis. No passado, viam a matança de humanos, o tempo todo, à frente delas. Eram insensíveis a isso. Usamos mecanismos de defesa psicológicos. ”As pessoas que lidam directamente com o negócio da carne, que trabalham nos matadouros, por exemplo, são das que mais usam esses mecanismos de defesa. “Os carniceiros que entrevistei têm como trabalho transformar os animais mortos em pedaços de carne, mas quando recebiam os animais, eles nunca tinham cabeças. Eles estavam completamente habituados àquele trabalho, não os incomodava nada, excepto quando, ocasionalmente, um animal chegava ainda com a cabeça. Isso era muito perturbador, porque viam os olhos dele e estabeleciam uma relação emocional que tornava mais difícil manter a distância. ”Quando perguntamos a alguém porque é que, sabendo as condições em que os animais vivem e morrem e conhecendo o impacto que a produção industrial de carne tem no ambiente, continua a comê-la, muitas das respostas assentam em duas ideias principais: porque é “natural” e porque é “cultural”. E estes argumentos parecem ser mais fortes do que os primeiros. Porquê?“É aquilo que aprendemos. É uma ideia, um mito que herdámos, geração após geração. Lemos sobre isso, vemos na televisão, a nossa família diz-nos isso, a religião diz-nos isso, ouvimos a mensagem, uma e outra vez, repetidamente. Por isso, nem questionamos até que ponto é racional. ”Todavia, há na natureza animais que são herbívoros e outros que são carnívoros, contrapomos. O aparelho digestivo humano tem capacidade para digerir carne e derivados, portanto será “natural” fazê-lo. “Sim, os nossos aparelhos digestivos permitem isso, mas também sabemos que dietas com excesso desses ingredientes podem fazer-nos adoecer. ” Dá outros exemplos de adaptação do organismo humano: “Os nossos corpos não foram feitos para viver em climas nórdicos, onde temos de acender aquecedores, ou em climas muito quentes, onde temos de ligar o ar condicionado. Há muitas coisas que fazemos hoje que não fazíamos na natureza, e isso não as torna boas nem más. Não somos os mesmos seres que éramos, quando tínhamos de caçar a nossa comida. ”Melanie defende, por outro lado, que o argumento da tradição — por exemplo, comer peru no Natal ou no Dia de Acção de Graças — é facilmente contornável. “A tradição tem que ver sobretudo com a família estar junta, celebrando, ouvindo as histórias uns dos outros. O que comem não é assim tão importante. ”Quanto à identidade nacional e gastronómica, que em muitos países está profundamente ligada à carne, acredita que “a cultura é dinâmica, não é estática”. “Tal como um casamento, a cultura não fica igual o tempo todo, cresce, desenvolve-se. É, no fundo, uma relação entre milhões de pessoas. Se pensarmos nisso à escala mais pequena, como a do casamento, percebemos que a relação muda, as coisas que eram normais no passado deixam de ser normais. Há tantas coisas que deixámos de fazer — nos EUA enforcavam pessoas, na Roma antiga celebravam os assassinatos públicos. Evoluímos. ”Outro argumento que contesta é o utilizado por quem critica a indústria alimentar para apresentar uma versão romantizada da morte de animais selvagens (a caça) ou que vivem em condições aceitáveis (aqueles que a indústria, e não só, apelida de “felizes”). Para Melanie, isso é uma falácia. “De certa forma, é ainda pior matar um animal feliz, que quer continuar a viver e que estabeleceu laços com outros. Não é racional. Mais uma vez, se nesse raciocínio substituirmos a vaca, o porco ou a galinha por outro animal, vemos que não é racional. Não é respeitável matar um ser vivo só porque queremos comer as pernas dele, mesmo não precisando disso para sobreviver. ”A activista vê, contudo, sinais de mudança. E alguns deles vindos até da indústria. O marido de Melanie, que, tal como ela, está ligado à ProVegg International, deu uma conferência para produtores de carne na Europa e detectou alguns desses sinais. “Disseram-lhe que o objectivo deles não é necessariamente vender proteína animal, querem vender produtos de proteína, seja vegan ou animal. Muitas dessas empresas começaram já a vender produtos vegan. ” Na Alemanha, onde vive, “o mais antigo produtor de salsichas do país começou a fazer salsichas vegetarianas”, depois de ter concluído que “as salsichas são o cigarro do futuro”. Há já muitas pessoas a reduzir o consumo de carne, ou a abandoná-lo definitivamente, mesmo que o façam com motivações diferentes, algumas pela preocupação com o bem-estar dos animais, outras pelo ambiente e outras ainda pela saúde. “Mas”, sublinha, “no fundo são tudo questões éticas. ” “A forma como tratamos os nossos corpos também é uma questão ética. Não temos de fazer uma escolha entre o nosso corpo e os animais ou entre o nosso corpo e o ambiente. ”Sabe que “o mundo não vai tornar-se vegan de um dia para o outro”, até porque estamos a falar de “uma profundíssima transformação social na forma como nos relacionamos com os animais e com a nossa comida”. Mas o movimento está aí, mesmo que “ainda não tenhamos todas as respostas”. Uma das respostas que não temos é para esta pergunta: se não precisarmos de criar certas espécies de animais para a nossa alimentação, será que elas vão continuar a existir? Melanie confessa que não sabe. Questionamo-la também sobre os desequilíbrios que existem no planeta relativamente a esta questão. Se no mundo ocidental é possível haver um número crescente de pessoas a afastar-se da carne, em países como a Índia e a China, com todo o impacto que têm pela força dos números, o consumo de carne está a aumentar à medida que as condições de vida o permitem. Tal como aconteceu na Europa no passado (e ainda acontece em grande medida hoje), a carne é vista como um sinal de riqueza e de estatuto. Sim, reconhece, mas “mesmo a China está a tentar reduzir o seu consumo de carne”. O problema, segundo Melanie, é que a grande indústria alimentar “está a exportar os seus problemas para as nações em desenvolvimento, ou seja, o carnismo está a exportar os seus problemas”. O que lhe dá esperança é que tanto na China como na Índia já existem “grupos activistas que estão a tentar despertar as consciências para que os seus países não sofram os mesmos problemas de diabetes, doenças cardíacas e de ambiente que os nossos enfrentam há tanto tempo”. Estão também a surgir alternativas para substituir o consumo de carne, tal como existe hoje. Uma delas é a carne feita em laboratório, a partir de células retiradas aos animais. Por enquanto, este processo ainda está no início e o primeiro hambúrguer feito a partir de células de bovinos custava uma fortuna. Mas, com o desenvolvimento da técnica, os seus promotores acreditam que um pedaço desta carne, que não implica a morte de um animal, poderá atingir um preço bastante razoável. Melanie, que se apresenta como uma “grande foodie”, considera-a “interessante como alternativa”, mas por enquanto está mais entusiasmada com os produtos semelhantes à carne mas feitos à base de vegetais. “A comida é a minha paixão e descobri que a dieta vegan me permitiu apreciar o que como a um nível completamente diferente. ”A mudança pode não ser tão rápida como ela desejaria; para isso talvez seja preciso uma nova geração. “É geralmente assim que a mudança progressiva acontece. Com cada geração as coisas tornam-se mais fáceis e mais normais. Vemos isso com o feminismo, o anti-racismo, os temas LGBT. ” No entanto, mesmo pessoas mais velhas mudam de hábitos e de ideias — ela acredita que quando envelhecemos nos tornamos mais aquilo que já éramos e que se sempre fomos abertos à mudança, seremos ainda mais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Até lá, porém, continuaremos a ver muitas reacções. “Uma forma de defender o carnismo é criar uma série de mitos sobre os vegans, estereótipos negativos, para desacreditar a mensagem, apresentando-os como militantes que querem limitar a liberdade de escolha de cada um. ”Apesar disso, as coisas estão a melhorar entre os vegan e não-vegan e uma certa tensão que existia no passado tende a esbater-se — até porque há cada vez mais quem se aproxime desse tipo de alimentação sem ter de abandonar completamente a outra. “Muitas vezes pensamos que ou somos vegan e parte da solução ou não somos vegan e fazemos parte do problema. É importante ver o carnismo e o vegetarianismo num espectro e o lugar que ocupamos nesse espectro é menos importante do que a direcção em que estamos a caminhar. Eu encorajo as pessoas a serem tão vegan quanto possível, de uma forma que encaixe com elas. ”Tudo isto leva-a a ter uma convicção: a alimentação no futuro será diferente do que é hoje. “Para mim isso é muito claro, quando olho a trajectória do veganismo. O carnismo está a seguir outros ismos, como o sexismo. Acredito que um dia o veganismo vai substituir o carnismo como ideologia dominante. E nessa altura nem será uma ideologia, será simplesmente a forma como as pessoas comem. ”
REFERÊNCIAS:
Porque não temos extrema-direita? Uma palavra
A ausência da extrema-direita no nosso país é um facto político precioso. Deveríamos todos esforçar-nos para o manter assim. A sorte ganha-se. (...)

Porque não temos extrema-direita? Uma palavra
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.080
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A ausência da extrema-direita no nosso país é um facto político precioso. Deveríamos todos esforçar-nos para o manter assim. A sorte ganha-se.
TEXTO: Ontem nestas páginas Teresa de Sousa dava conta de uma pergunta recorrente: “todos os europeus que encontro me pedem a explicação” para o facto de em Portugal “não termos um partido de extrema-direita”. É uma experiência partilhada. Com a recente eleição de uma dúzia de deputados de extrema-direita no parlamento regional da Andaluzia, caiu a “exceção ibérica” à emergência da extrema-direita no continente europeu e ficou só uma “exceção lusitana”. Além de Portugal, só a Irlanda regista também uma completa ausência da extrema-direita no seu panorama político. Por isso a frequência com que estrangeiros perguntam a portugueses como se explica tal fenómeno só vai aumentar. Infelizmente, não é fácil dar-lhe uma resposta. Tal como Teresa de Sousa, também eu costumo começar a minha tentativa de explicação pelo que ela chama de “a vacina do fascismo”, ou seja, o facto de 48 anos de ditadura nacionalista e ultra-conservadora ainda estarem na nossa memória recente. O problema é que essa era também a explicação que se costumava dar para a ausência da extrema-direita na Espanha, que tem uma memória igualmente recente da ditadura, e aparentemente essa memória não protegeu os espanhóis. A partir daqui, divirjo dos restantes argumentos aduzidos por Teresa de Sousa, não por discordar forçosamente deles, mas mais por favorecer outros argumentos. Onde ela vê como possível explicação a “moderação dos socialistas portugueses” e o “instinto de sobrevivência dos partidos à sua esquerda”, eu costumo antes relevar a dimensão e homogeneidade cultural do país, onde é relativamente fácil criar e manter linhas de comunicação abertas entre campos políticos diferentes (mas não foi sempre assim) e o facto de Portugal ter uma bem sucedida experiência de integração de centenas de milhar de retornados de África, que por sua vez antecedeu um também relativamente harmonioso acolhimento de imigrantes a partir dos anos 80/90. Uma das coisas que me surpreendeu quando comecei a ir à Hungria reportar sobre a regressão do estado de direito sobre o governo Orbán foi a facilidade com que se fazia presente a memória da Iª Guerra Mundial e sobretudo do Tratado de Trianon, que em 1919 retirou à metade húngara do Império Austro-Húngaro muitos territórios hoje romenos, croatas e eslovacos. “Fomos traídos”, diziam de políticos a jornalistas, “roubaram-nos dois terços do país”, acrescentam, esquecendo que antes disso já a monarquia imperial habsburga tinha oferecido à sua coroa húngara territórios que não eram dela. A gestão cuidadosa do esquecimento e da exacerbação da memória na Hungria criou o caldo de vitimização e ressentimento que ajudou a propulsionar Orbán e levá-lo ao poder. Boa parte dos carros na Hungria andam com autocolantes nos quais aparece o mapa da Grande Hungria, incluindo capitais de três estados vizinhos. Em Portugal não temos nada disso, apesar do nosso “fim de império” ser bem mais recente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Outra justificação possível faz parte daquilo a que gosto de chamar “mitos que funcionam”. O principal “mito que funciona” em Portugal é o do “país de brandos costumes”. Se olharmos para a nossa história, desde a forma como o Gama chegou à Ásia, aos séculos de Inquisição, à repressão pombalista, ao estado de guerra civil oficial ou larvar no século XIX, à confusão frequentemente violenta da Iª República e à medonha noite salazarista terminando numa guerra colonial em três países africanos, veremos que o mito do “país de brandos costumes” é mesmo isso: um mito. Mas se suficiente gente acreditar nele, passa a ser um mito que funciona. E apesar de em muitas casas a violência doméstica ser um flagelo, e de na rua se ouvir dizer coisas terríveis sobre os políticos, continua a ser verdade que os portugueses sentem em geral uma verdadeira repulsa pela violência e especificamente pela violência política. Foi talvez isso que nos evitou uma guerra civil após a revolução e que nos encaminhou para uma constituição que — ao contrário do que se passa em Espanha — é unanimemente respeitada. O pior é que quando chego ao fim destas explicações não consigo evitar uma conclusão que parece pouco “técnica” do ponto de vista historiográfico. A grande razão que nos tem protegido, até agora, da extrema-direita resume-se numa palavra: sorte. Não vale a pena embandeirar em arco com a ideia de que temos um caráter especial ou diferente dos outros. Temos tido, também e sobretudo, bastante sorte. Os putativos líderes de extrema-direita que têm aparecido são em geral patéticos e muitas vezes criminosos de meia-tigela, ou ambas as coisas. Outros políticos que namoraram com a retórica xenófoba acabaram por casar com a respeitabilidade que dá o poder. E o misto de denúncia com ignorância seletiva por parte de comentadores e jornalistas tem até agora funcionado. Não quer dizer que a nossa sorte continue, porque o que está a acontecer na Europa e no resto do mundo tem excitado as imaginações de certos oportunistas na confluência entre a baixa política e a imprensa tablóide. Mas a lição mais importante é que a sorte trabalha-se. Se os políticos deixarem de tentar dar soluções reais para problemas reais, é bem possível que os demagogos das soluções irreais para problemas muitas vezes também irreais acabem por conseguir lograr aquilo em que até agora têm falhado em Portugal. A ausência da extrema-direita no nosso país é um facto político precioso. Deveríamos todos esforçar-nos para o manter assim. A sorte ganha-se.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra violência doméstica
Salvini pede para não ser julgado por impedir desembarque de migrantes
Senado italiano vai avaliar se o ministro do Interior deve ser julgado por sequestro, por ter bloqueado o desembarque de migrantes do navio militar Diciotti. Salvini diz que defendeu "um interesse público preeminente". (...)

Salvini pede para não ser julgado por impedir desembarque de migrantes
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-05-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Senado italiano vai avaliar se o ministro do Interior deve ser julgado por sequestro, por ter bloqueado o desembarque de migrantes do navio militar Diciotti. Salvini diz que defendeu "um interesse público preeminente".
TEXTO: O ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, pediu ao Senado que não permita que ele seja julgado sob a acusação de sequestro por ter bloqueado o desembarque de 177 migrantes de um navio militar. O ministro, defensor de uma política de imigração muito restritiva, publicou uma carta no jornal Corriere della Sera, na qual justificou a decisão de bloquear o desembarque de migrantes dizendo que “correspondeu a um interesse público importante. ”O Conselho de Eleições e Imunidade do Senado reúne-se quarta-feira para decidir se autoriza o Tribunal da região de Catânia (no Sul de Itália) a abrir um processo contra Salvini, por o ministro ter bloqueado o desembarque de migrantes do navio militar Diciotti, em Agosto, sendo por isso acusado de “sequestrar pessoas”. A lei italiana que regula os processos judiciais contra presidentes e ministros dita que se deve recusar a autorização para fazer um julgamento quando o arguido “agiu para proteger os interesses de Estado constitucionalmente relevantes ou por um interesse público preeminente. ”“Depois de ter reflectido longamente sobre este caso, considero que a autorização para um julgamento deve ser rejeitada. E não é por ser sobre mim. A luta contra a imigração ilegal corresponde a um interesse público preeminente", diz Salvini na carta divulgada hoje. O ministro argumenta ainda que esta situação tem “implicações políticas precisas” porque, escreve, não agiu em seu nome, mas em nome de todo o Governo italiano. “Em conclusão, não nego nada e não me eximo a responsabilidades. Estou convencido de que sempre agi nos melhores interesses do país e no pleno respeito do meu mandato”, diz o ministro de extrema-direita na carta. O caso deverá ficar resolvido num prazo máximo de 60 dias. Se o julgamento acontecer, poderá comprometer a estabilidade do governo de coligação entre a Liga (liderada por Salvini) e o Movimento Cinco Estrelas, já que este partido revelou que não se oporia ao processo judicial. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em Setembro, o Conselho de Ministros italiano aprovou a lei sobre segurança e imigração de Salvini que põe em causa a ajuda humanitária prestada aos migrantes e altera as leis de recepção de requerentes de asilo, que podem ser expulsos caso constituam "um perigo para a sociedade". A recepção de migrantes em Itália apenas poderá obter luz verde se o migrante provar ser vítima de exploração laboral, tráfico humano, violência doméstica, ou necessite de assistência médica. Se o seu país tiver sido afectado por um desastre natural, ou se tiver realizado um acto "com importância civil", como salvar alguém, também poderá ser aceite no país.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei violência imigração tribunal ajuda doméstica humanitária ilegal
Morreu David Bowie, um dos maiores ícones da cultura popular
Músico britânico tinha 69 anos. A sua influência está em todo o lado: na música, na cultura visual, na moda, nos estilos de vida. Morreu uma lenda. (...)

Morreu David Bowie, um dos maiores ícones da cultura popular
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.8
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Músico britânico tinha 69 anos. A sua influência está em todo o lado: na música, na cultura visual, na moda, nos estilos de vida. Morreu uma lenda.
TEXTO: O choque. A morte é-o sempre, mas nas circunstâncias actuais foi-o mais. Ninguém sabia publicamente que estava doente. E na última sexta-feira, dia do seu aniversário, tinha acabado de lançar um novo álbum que parecia um recomeço. É verdade que o mistério e a surpresa sempre fizeram parte dele. Esta era, porém, a notícia que ninguém desejava. O músico britânico David Bowie, uma das maiores celebridades da cultura popular, morreu na madrugada desta segunda-feira, aos 69 anos, em Nova Iorque, onde estava radicado há anos. A notícia foi divulgada na sua página oficial do Facebook e do Twitter. O seu publicista, Steve Martin, confirmou a morte ao canal Sky News. "10 de Janeiro de 2016: David Bowie morreu tranquilamente hoje, rodeado pela sua família, após uma corajosa batalha contra o cancro durante 18 meses", referia a nota publicada nas redes sociais, cerca das 6h30. "Muitos de vós partilham esta perda, mas pedimos que respeitem a privacidade da família durante o tempo do luto", completa a nota. Era músico, cantor, compositor ou letrista, mas acima de tudo era um artista total, alguém que foi capaz de compreender antes de todos que o rock era também a possibilidade de afirmar um novo universo cultural, um outro imaginário, renovadas formas de ser e de existir. E foi-o até ao fim. Blackstar, o álbum com que (sabemos agora) escolheu despedir-se, estava a ser bem acolhido. No PÚBLICO, descrevemo-lo como um disco ousado ou inspirado pelo jazz. É uma obra inquietante e negra, povoada por personagens bizarros e música intensa, onde por vezes parece reflectir sobre si próprio e outras sobre a angústia do presente, numa obra em aberto com muitas possibilidades de decifração. No vídeoclipe para a canção Lazarus (nome do musical co-escrito por Bowie e pelo dramaturgo irlandês Enda Walsh que se encontra em cena na Broadway), realizado por Johan Renck, surge magro e envelhecido, deitado numa cama de hospital, começando por cantar: "Look up here, I'm in heaven/ I've got scars, that can't be seen/ I've got drama, can't be stolen/ Everybody knows me now. " Naturalmente, agora, mais do que uma canção ou um vídeo premonitório, pode ter-se a leitura de que a totalidade do álbum era quase um testamento, uma espécie de carta de despedida. Já esta segunda-feira, o produtor Tony Visconti, seu colaborador desde os anos 1960, publicou no Facebook uma nota que atribui sentido a essa leitura, dando a entender que sabia da morte iminente. "Fez sempre o que quis", escreveu. "Queria fazer as coisas à sua maneira e da melhor forma. A morte foi como a sua vida – uma obra de arte. Fez Blackstar para nós como prenda de despedida. Há um ano que eu sabia que ia ser assim. No entanto, não estava preparado. Era um homem extraordinário, cheio de amor e vida. Estará sempre connosco. Por enquanto, o que há a fazer é chorar. "Desde que a morte foi anunciada, as redes sociais foram inundadas. No Twitter registaram-se três milhões de mensagens até às 12h30. Os Rolling Stones lamentaram o desaparecimento de “um artista extraordinário”; Bruce Springsteen classificou-o como "um artista visionário"; Iggy Pop recordou a amizade com Bowie como “a luz” da vida dele; Madonna disse ter ficado “devastada”, enquanto Kanye West e os Pixies admitiram reverenciá-lo. . Da Alemanha chegou um agradecimento por ter ajudado a derrubar o Muro de Berlim, como escreveu o ministro dos Negócios Estrangeiros no Twitter, apelidando-o de “herói” – recorde-se que foi na Alemanha dividida, onde viveu uma temporada na década de 1970, que gravou três álbuns. A morte do criador de Space oddity e Life on Mars também foi lamentada no espaço, com uma mensagem do astronauta Tim Peake a partir da Estação Espacial Internacional. Mas é naturalmente em Inglaterra que as reacções têm sido mais expressivas, com o primeiro-ministro britânico, o conservador David Cameron, a escrever no Twitter que "era um mestre da reinvenção, que sempre a fez bem", enquanto o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, considerou que "foi um grande músico e um grande artista". Também em França, o primeiro-ministro, Manuel Valls, afirmou que era "um artista fora de série" e "um herói do rock. "GlobalEra um artista total. Tinha uma maneira emancipada de pensar a sua actividade. Partia da música para, com liberdade e inquietação, transcender linguagens – algures entre a música, a arte, a moda, a literatura, a filosofia, o cinema, o teatro, o design gráfico ou a performance –, mostrando que a cultura popular podia ser reveladora. Era assim que se pensava a si próprio, era assim que pensava a realidade à sua volta. Foi talvez o primeiro músico moderno – ou será melhor chamar-lhe pós-moderno? – a perceber que música, imagens, conceitos e comportamentos eram elementos que se tocavam, integrando o mesmo corpo artístico. Na actualidade, de Madonna a Björk, dos Daft Punk a Lady Gaga, dos LCD Soundsystem aos Arcade Fire, na cultura de massas ou nas franjas minoritárias, todos o fazem. Vídeo: O caleidoscópio de David BowieMas ele foi o primeiro. Como todos os grandes artistas, foi muito além do seu centro de acção. Pensava o seu trabalho artístico como um todo. O seu corpo também era matéria plástica, não espantando que tivesse tido também uma carreira como actor, tanto no cinema como no teatro. A crítica reparou nele em Absolutamente Principiantes (Julien Temple, 1986), mas participou em muitos outros filmes, como Fome de Viver (John Blaylock, 1983), Feliz Natal, Mr. Lawrence (Nagisa Oshima, 1983), A Última Tentação de Cristo (Martin Scorsese, 1988), Twin Peaks (David Lynch, 1992), Basquiat (Julian Schnabel, 1996), Christiane F (Ulrich Edel, 1981), ou O Terceiro Passo (Christopher Nolan, 2006). No limite, até a sua vida foi uma obra de arte. A forma como administrou os últimos anos prova-o, como se quisesse mostrar que surpreender ainda é possível. Na era da Internet, da sobreexposição, da comunicação incessante, das fugas de informação e das redes sociais, uma celebridade conseguiu apanhar toda a gente desprevenida, lançando dois álbuns sem aviso prévio, e até a sua doença foi ocultada. Dir-se-á que por compreensíveis razões de intimidade. Mas também existe quem argumente que foi a forma de criar mais uma personagem enigmática. Em 2013, surpreendeu o mundo com o seu regresso ao activo. Havia dez anos que não lançava qualquer álbum novo e desde 2006 que não dava concertos. As aparições públicas também rareavam. Até o seu último biógrafo, o jornalista inglês Paul Trynka, que um ano antes escrevera o livro Starman – The Definitive Biography, ficou boquiaberto quando a 8 de Janeiro de 2013 festejou 66 anos mostrando ao mundo uma nova canção, Where are we now?; dois meses depois, saiu o álbum The Next Day. Na altura, Trynka dizia ao PÚBLICO que o impacto de The Next Day, "gravado em segredo total", era totalmente justificado. “Porque [Bowie] teve uma influência tão grande sobre o som e a imagem da música actual que o seu desaparecimento havia deixado um grande vazio. ”Fans are sharing a beautiful image of David Bowie through the ages https://t. co/i30YyAaenW pic. twitter. com/37oxKOf19LDurante dois anos gravou esse disco sem que ninguém soubesse, depois de muitas especulações sobre a sua saúde. É verdade que durante esse tempo não esteve ausente por completo (surgiu em palco ao lado dos Arcade Fire, de David Gilmour e de Alicia Keys e colaborou pontualmente com TV On The Radio, Scarlett Johansson ou Kashmir), mas parecia ter-se remetido à condição de pai de família, levando uma vida tranquila em Nova Iorque, ao lado da mulher, a ex-modelo Iman, e da filha de 15 anos de ambos, Alexandria Zahara – para além dela, tem um outro filho, o realizador Duncan Jones, fruto de um primeiro casamento com Angela Bowie, que terminou em 1980. 2013 seria o ano do seu grande regresso a todos os níveis: além do álbum, houve também uma grande exposição no Museu Victoria & Albert de Londres, David Bowie Is, que dava a ver a sua carreira nas mais diversas dimensões, explorando as suas múltiplas identidades e demonstrando a sua incomparável influência na música, nas ideias, na cultura visual e nos comportamentos, desde os anos 1960 ao presente, através de roupas, fotos, excertos de filmes e manuscritos inéditos. David Bowie condensado: 72 canções para ouvir sem pararNeste tempo de cultura fragmentária, em que os artistas comunicam cada vez mais para audiências estilhaçadas, David Bowie acaba por ser uma das últimas celebridades de alcance global. “E nesse sentido", sublinhava Paul Trynka em 2013, "acaba por reflectir uma certa nostalgia pelo tempo em que isso era possível. Por outro lado, é uma celebridade atípica, alguém suficientemente ambíguo que se expôs muito, mas manteve sempre uma certa distância, um mistério, uma mística, que leva as pessoas a desejarem querer saber mais, ouvir mais, estar mais próximas. ”Não é comum o conhecimento que tinha das dinâmicas culturais, das mais massificadas às marginais. Fascinava-o o conceito de celebridade, como algumas canções (Starman, Andy Warhol, Star, The prettiest day) ou as palavras de Heroes (“We can be heroes/ just for one day”) manifestaram. No álbum de 2013 havia também Stars (are out tonight), outra auto-reflexão sobre o culto das celebridades, com Bowie a olhar-se ao espelho. “Ele é um descendente directo de Andy Warhol”, dizia ao PÚBLICO o curador da retrospectiva do Museu Victoria & Albert, o inglês Geoffrey Marsh, em 2013, citando uma frase do poeta William Blake que, na sua opinião, o explicaria: “Alguém que não teve um predecessor, que não vive a par dos seus contemporâneos e não pode ser substituído por qualquer sucessor. ” Ou seja, uma personagem única. Desde o lançamento do álbum de 2013 que parecia em reavaliação. A compilação Nothing Has Changed de 2014 dava-o a entender. Não era uma simples antologia. Notava-se um olhar cuidado. Havia uma leitura sobre a sua obra, ordenada cronologicamente dos temas mais recentes aos mais antigos, como se quisesse mostrar que se mantinha actual. E na verdade os últimos discos mostravam um músico capaz de assimilar ideias aventureiras num vocabulário pop, mais uma vez reinventando-se, sem deixar de ser ele próprio, ou incarnando ideias colectivas para as transformar em canções suas. MudançasNão é fácil dizer se era Bowie que se adaptava aos acontecimentos culturais mais relevantes, ou se contribuía de forma determinante para a sua emergência. Provavelmente aconteciam ambas as coisas. Algo é certo – não deixava nada ao acaso. A cada novo disco mudava, absorvendo e lançando tendências, num misto de música, arte conceptual e estética, com o som, a roupa, a maquilhagem, as capas dos discos, a performance a participarem no mesmo acontecimento. Desde os anos 1960 foi Major Tom, Ziggy Stardust, Aladdin Sane, Halloween Jack ou Thin White Duke. Foi mod, hippie ou glam-rocker. Augurou o punk, inspirou-se na electrónica alemã nos anos 1970, beneficiou da euforia provocava pela MTV nos anos 1980, juntou-se à vaga dançante nos anos 1990 e renasceu desde os 2000. Directa, ou indirectamente, acabou por marcar a maior parte dos acontecimentos mais relevantes da cultura popular dos últimos 40 anos. Em 2004 foi submetido a uma angioplastia de urgência, o que levou ao cancelamento da Reality Tour, a poucos dias da passagem pelo Porto – naquela que seria a sua terceira presença em Portugal, depois da estreia no estádio de Alvalade em 1990 durante a digressão Sound + Vision e de um concerto em 1996, no festival Super Bock Super Rock, em Lisboa. Era o mestre da reinvenção. Tornou-se um cliché dizer-se que era um camaleão, alguém que mudava de pele em cada novo álbum. Mas a verdade é que David Robert Jones, seu verdadeiro nome, surpreendeu inúmeras vezes, sugerindo novos conceitos, personagens e roupagens, influenciando a cultura musical das últimas décadas, mas também o imaginário visual e os estilos de vida de inúmeras gerações. Nasceu a 8 de Janeiro de 1947, em Londres, numa família modesta do bairro de Brixton. Os pais chamaram-lhe David Jones, nome que o músico viria a mudar 19 anos mais tarde, em 1966, devido ao êxito alcançado por um outro David Jones – o dos Monkees. A discografia viria a ser longa: 26 álbuns de estúdio (dois dos quais com os Tin Machine), nove álbuns ao vivo e três bandas sonoras. E mais uma mão-cheia de EP e mais de uma centena de singles. Estima-se que ao longo dos anos tenha vendido no total cerca de 140 milhões de discos em todo o mundo. Na alvorada dos anos 1960 integrou várias formações, antes de lançar o primeiro álbum homónimo em 1967. Space Oddity (1969) e The Man Who Sold the World (1970) prepararam o caminho para o sucesso que foi Hunky Dory (1971), o seu primeiro álbum de platina no Reino Unido, ou para The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972) e Aladdin Sane (1973) . É nessa fase que se inspira no teatro kabuki ou que explora questões de género e sexualidade (também aí chegou primeiro) para criar personagens como Ziggy Stardust, a andrógina e bissexual estrela rock de outro planeta . Foram tempos de grande efervescência, em que não só gravou álbuns em nome próprio, como também produziu Transformer, de Lou Reed, ou Raw Power, dos Stooges de Iggy Pop, antes de lançar Diamond Dogs (1974), onde prenunciava a revolução punk que estava à porta, e do qual sairia o êxito Rebel rebel. Em 1975 editaria Young Americans, culminando a sua obsessão pela música soul, e originando o seu número um nos EUA com Fame. Uma outra pele, a do Thin White Duke, acabou por surgir no seu período de Los Angeles, com Station to Station (1976). Em 1977 dá início à trilogia de Berlim, que muitos consideram a sua fase mais criativa, com Low (1977), Heroes (1977) e Lodger (1979), gravados na capital alemã com Brian Eno ao leme, numa mistura de electrónicas, pop e técnicas vanguardistas, antecipando muito do que se viria a ouvir no período new wave e pós-punk. Nos anos 1980 deu-se a conhecer através de Scary Monsters (1980) e depois com Let's Dance (1983), o seu maior êxito de vendas, em grande parte por causa do tema-título e de China girl, com assinatura na produção de Nile Rodgers dos Chic. O próprio Bowie pareceu não saber lidar com esse sucesso, lançando no ano seguinte uma espécie de réplica, o álbum Tonight, do qual foi extraído o êxito Blue jean, mas que não alcançou o impacto comercial do seu antecessor. Under Pressure, o single que gravou em 1981 com os Queen, ou o dueto que fez em 1985 com Mick Jagger para o Live Aid, Dancing in the street, ajudaram a cimentá-lo como celebridade em todo o planeta, mas álbuns como Never Let Me Down (1987) e os dois que registou com os Tin Machine estão entre os seus momentos menos conseguidos. Nos anos 1990 com Black Tie White Noise (1993), ao lado de Nile Rodgers, ou com The Buddha of Suburbia (1994), tentou relançar a carreira. Foi provavelmente a sua fase mais difícil. Em 1995 voltou a juntar-se a Brian Eno para Outside, andando em digressão com os Nine Inch Nails, e em 1997 lançou Earthling, muito marcado pelas linguagens electrónicas da altura, tentando chegar a audiências mais novas, mas com resultados desiguais. A primeira metade da década de 2000 foi mais entusiasmante. David Bowie voltou a conquistar os admiradores de sempre, ao mesmo tempo que as novas gerações começaram a olhá-lo com fervor, graças a álbuns como Heathen (2002) ou Reality (2003), e principalmente devido ao distanciamento provocado pelo tempo. De repente, todos tomávamos consciência de que aquele homem havia sido determinante na forma como olhamos para o mundo. Não apenas o da música, mas também o da arte, do cinema, da moda, dos comportamentos ou da sexualidade. Depois da prolongada paragem, que se seguiu à digressão de 2004, só voltaria em 2013 com The Next Day, documento de grande vitalidade que o mostrava em forma, capaz de criar momentos de introspecção ou de electricidade rock, a que se seguiria Blackstar, editado na sexta-feira passada, um álbum magnífico onde cabe toda a sua vida. E, sabemo-lo agora, também a sua morte. A sua obra encerra com I can’t give everything away, um momento de reflexão na canção mais clássica do disco, aromatizada com o charme da eternidade. Completa-se com ele a despedir-se de nós. Até sempre. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Escolha o melhor álbum de David BowieO caleidoscópio de David Bowie
REFERÊNCIAS:
Partidos BE
Ensaio: o melhor do ano
Escolhas de António Araújo e António Guerreiro. (...)

Ensaio: o melhor do ano
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 1.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Escolhas de António Araújo e António Guerreiro.
TEXTO: Jonathan CraryAntígonaJonathan Crary, mais conhecido pelos seus ensaios sobre arte e estética, descreve e analisa este fenómeno: o mundo contemporâneo permanece em funcionamento vinte e quatro horas durante os sete dias da semana, para que a produção e o consumo não tenham interrupções. Para conquistar o tempo inútil do sono, impôs à noite luzes cada vez mais fortes. A extinção da noite é um fenómeno das grandes metrópoles, como Nova Iorque, difundido como uma tendência universal. A. G. Georges Vigarello (org. )Orfeu negroAo longo de várias décadas, Georges Vigarello tem-se destacado pelas suas inúmeras obras de história cultural centradas em tópicos como o corpo, a higiene, o desporto, a beleza, a sexualidade e as emoções. Em conjunto com Alain Corbin e Jean-Jacques Courtine produziu uma trilogia de grande alcance sobre a história do corpo e outra sobre o ideal viril desde a Antiguidade aos nossos dias. Este é o primeiro volume de uma obra que, num esforço algo "enciclopédico", procura compreender a evolução da masculinidade ocidental e das práticas e representações construídas em seu redor, à luz de uma paráfrase do célebre dito de Beauvoir: um homem não nasce homem, torna-se homem. A. A. Anna M. KlobuckaDocumentaProfessora no Departamento de Português da Universidade de Massachusetts Darmouth, Anna Klobucka dá à estampa um longo e informado ensaio sobre o mundo gay de António Botto, expressão que poderemos considerar anacrónica quando aplicada ao tempo do autor de Canções mas que ganha pleno sentido nesta redescoberta do universo homoerótico de um poeta por vezes considerado menor ou vulgar, mas que de modo algum é – ou foi – um marginal e um maldito. A. A. Bernardo Pinto de AlmeidaRelógio D'ÁguaEste livro reúne os textos das conferências que Bernardo Pinto de Almeida proferiu em Serralves, entre Novembro de 2017 e Março de 2018. É, no fundamental, um livro de estética, onde se faz uma análise do regime contemporâneo das imagens (algo já iniciado num livro de 1996, O Plano da Imagem) de maneira a elaborar, simultaneamente, uma “arqueologia da modernidade”, segundo o ambicioso programa formulado pelo autor. A. G. William TaubmanDesassossegoAutor de uma esmagadora biografia de Krutchev galardoada com o Prémio Pulitzer, William Taubman é um académico especialista na Rússia soviética que dedicou vários anos de investigação à figura de Mikhail Gorbachev. Pese a sua indisfarçável simpatia para com o seu biografado, Taubman traz-nos um retrato isento e completíssimo, porventura inultrapassável, da trajectória política e pessoal do líder da glasnost e da perestroika, a quem a História ainda não fez justiça. Mal-amado na sua terra, como todos os profetas, a lucidez e a coragem de Gorbachev são aqui reveladas com extremo rigor, num livro de leitura obrigatória em tempos de Putin e Trump. A. A. Peter SloterdijkRelógio d’ÁguaCom este título que imita de maneira provocatória os livro de auto-ajuda, o filósofo alemão Peter Sloterdijk acrescentou à sua obra grandiosa mais uma peça fundamental. A “virtude” em torno da qual gira todo o livro é a ascese, as práticas e “exercícios espirituais” que conduzem o ser humano para além das suas possibilidades. Criticando o mito do regresso da religião, Sloterdijk desenvolve aqui o seu conceito de antropotécnica, isto é, as práticas através das quais o ser humano se torna uma auto-produção. A. G. Camille PagliaQuetzal EditoresTão popular quanto controversa, Camille Paglia reúne neste livro diversas intervenções que em comum têm o que designa por "o meu feminismo dissidente", lugar pessoalíssimo e altamente instável. Sem o fulgor de outras obras da sua autoria, com destaque para Personas Sexuais, este Mulheres Livres, Homens Livres percorre temas aparentemente díspares mas obviamente afins: o aborto, o sexo e o género nas universidades americanas, as denúncias de assédio, o ideal de beleza feminina, a educação sexual e o futuro do feminismo. Termina, não por acaso, com um breve texto sobre uma fotografia de Patti Smith tirada por Robert Mapplethorpe. Num estilo incendiário, por vezes panfletário, uma corajosa defesa da liberdade igual para mulheres e homens. A. A. Roberto EspositoEdições 70É no horizonte da “crise” europeia que o filósofo italiano Roberto Esposito propõe uma filosofia para a Europa. O que está aqui implícito é que a Europa se constituiu como “ideia”; e o que está bem explícito é que o instrumento de análise para uma interpretação da situação europeia é aquele fornecido pela filosofia. Eis a tese de Esposito: é preciso que a Europa não fique imobilizada no pensamento do seu interior, já que essa forma de se concentrar sobre si própria, fechando-se ao seu “fora”, foi o que a colocou numa órbita fatal, ao longo do século XX. A. G. Ian KershawPublicações Dom QuixoteSegundo volume de um díptico de grande fôlego que cobre o período de 1914 a 2017, este livro confirma o prestígio de Ian Kershaw como um dos maiores e mais prolíficos historiadores contemporâneos, a quem já devíamos uma biografia monumental de Adolf Hitler. Pelo imenso caudal de informação que consegue mobilizar numa escrita segura e luminosa, Continente Dividido é um digno sucessor de Pós-Guerra, de Tony Judt, com a vantagem de ir até aos tempos da crise de 2008 e suas sequelas e aos nossos dias sombrios, feitos de populismos e fake news. Essencial. A. A. José GilSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Relógio d’ÁguaTalvez possamos apresentar este livro formulando a sua dimensão paradoxal, capaz de provocar enormes resistências: trata-se de um discurso filosófico sobre o que escapa ao logos, à razão discursiva; ou ainda: é um discurso dos conceitos (e eles vão sendo construídos ao longo de todo o livro) sobre o que não é da ordem do conceptual. Caos e ritmo são algo como uma infra-linguagem, uma "matéria não-verbal" que, no entanto, agem sobre a ordem da racionalidade. Estão do lado das forças e não das formas, mas determinam a criação artística. José Gil “desce” assim a um nível do arcaico, do inconsciente, mas fazendo um uso heterodoxo e alargado do inconsciente da psicanálise, que o leva a criar conceitos como “inconsciente da linguagem” e “inconsciente do corpo”. O corpo, nas suas manifestações menos estudadas e menos codificadas, é de facto uma matéria fundamental deste livro. E quando se chega a uma secção sobre “o corpo na arte” torna-se evidente que estamos também perante uma investigação estética e toda a questão do caos e do ritmo é o que está em acção no processo criativo. Entre a psicanálise, a antropologia, a estética e a análise da linguagem e das representações e formações imaginárias, este livro move-se em territórios estranhos e difíceis de habitar, aqueles que dão origem ao mito, à magia, ao pensamento por imagens (por oposição ao “pensamento puro”), à “lógica do delírio” (da escrita de Artaud). Este quadro teórico-conceptual desemboca numa matéria mais facilmente reconhecível, numa zona que é a “sombra” da racionalidade política: o discurso populista, o populismo e a estupidez. A. G.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto homens guerra educação ajuda homem consumo sexo género sexual mulheres corpo extinção sexualidade gay feminina assédio feminismo
Senado francês defende fim de concursos de beleza para crianças
Eventos "mini-miss" podem passar a ser punidos com pena de prisão e multa. Última decisão cabe a deputados da Assembleia Nacional. (...)

Senado francês defende fim de concursos de beleza para crianças
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-09-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Eventos "mini-miss" podem passar a ser punidos com pena de prisão e multa. Última decisão cabe a deputados da Assembleia Nacional.
TEXTO: O Senado francês pronunciou-se a favor da interdição dos concursos de beleza para raparigas com menos de 16 anos, os chamados “mini-miss”. A decisão favorável à proposta apresentada pela antiga ministra do Desporto e senadora Chantal Jouanno terá agora que ser aprovada pelos deputados na Assembleia Nacional. Em 2010, Thylane Lena-Rose Blondeau fez a capa da edição de Dezembro da Vogue Crianças francesa. A menina, que já fazia trabalhos como modelo desde os quatro anos, viu-se subitamente no centro de uma polémica quando surgiu na revista com roupas de alta-costura, sapatos de salto alto, jóias e muita maquilhagem. Na altura foi considerado que a criança tinha sido apresentada em poses demasiado sensuais para alguém com apenas dez anos. A revista defendeu a sua edição, bem como a mãe de Thylane. Pelo lado da crítica estiveram várias organização e Chantal Jouanno, uma senadora que pegou no caso para levantar a questão da “hipersexualização” das crianças. Cerca de dois anos depois do caso de Thylane, a antiga ministra do Desporto apresentou um relatório a denunciar o que considera ser um “fenómeno cada vez mais presente”, ainda que admita que “não tenha afectado massivamente as crianças”. No documento, Jouanno alertou que, no “extremo, a intrusão precoce da sexualidade representa danos psicológicos irreversíveis em 80% dos casos”. Já este ano, a senadora apresentou um projecto de lei a defender o fim de concursos destinados a crianças com menos de 16 anos. Na noite desta terça-feira, o Senado aprovou a proposta com 196 votos a favor e 146 contra. Caso seja também aceite pelos deputados da Assembleia Nacional, a nova lei prevê uma pena de prisão de dois anos e o pagamento de uma multa de 30 mil euros a quem organizar concursos que sejam destinados a meninas. “Não deixemos as nossas filhas acreditarem desde pequenas que não valem mais do que a sua aparência. Não deixemos o interesse comercial prevalecer sobre o interesse social”, escreveu Chantal Jouanno na sua proposta agora aprovada. As sanções a aplicar à organização dos “mini-miss” foram consideradas “excessivas” pela senadora socialista Virginie Klès, bem como a ministra dos Direitos das Mulheres, Najat Vallaud-Belkacem. A ministra tinha proposto, pela sua parte, que os organizadores destes concursos ficariam obrigados a pedir uma licença oficial, que depois de analisada permitira ou não a realização do evento. A proposta foi rejeitada.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos lei prisão social criança mulheres sexualidade
A avó foi virgem para o casamento, a neta gostava de experimentar swing
Tinha 17 anos quando se casou no final dos anos 50. Chama-se Antónia, vive nas Terras de Basto. Pediram-lhe para recordar a noite de núpcias. E ela contou: “Na noite do casamento, quando me deitei ele disse-me: ‘Então porque não te vens deitar? Não te faço mal… Sabes como é… se me casei foi para ter relações contigo’… E eu: ‘Não, que eu não quero!’ E ele: ‘Não é assim, tu não queres… tem de ser. ’ Depois aconteceu. ” Antónia sobreviveu. “Não morri, graças a Deus. ”Berta, filha de Antónia, tem 42 anos, casou-se nos anos 80. Era virgem e sentia vergonha do sexo. “Ele disse-me: ‘Não faz mal, depois eu explico-te. Tu... (etc.)

A avó foi virgem para o casamento, a neta gostava de experimentar swing
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.6
DATA: 2009-09-25 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20090925020500/http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1402280
TEXTO: Tinha 17 anos quando se casou no final dos anos 50. Chama-se Antónia, vive nas Terras de Basto. Pediram-lhe para recordar a noite de núpcias. E ela contou: “Na noite do casamento, quando me deitei ele disse-me: ‘Então porque não te vens deitar? Não te faço mal… Sabes como é… se me casei foi para ter relações contigo’… E eu: ‘Não, que eu não quero!’ E ele: ‘Não é assim, tu não queres… tem de ser. ’ Depois aconteceu. ” Antónia sobreviveu. “Não morri, graças a Deus. ”Berta, filha de Antónia, tem 42 anos, casou-se nos anos 80. Era virgem e sentia vergonha do sexo. “Ele disse-me: ‘Não faz mal, depois eu explico-te. Tu não tenhas medo. Porque vai correr tudo bem. Tens de te pôr apta, porque tu sabes como é, eu não te faço mal. ’”Carla, neta de Antónia, filha de Berta, tem 25 anos. Teve a primeira relação sexual aos 18, antes de casar-se. “Qualquer pessoa tem direito a sentir prazer e a ter a sua própria sexualidade, acho que uma pessoa que tem namorado não tem de estar virgem. ” Agora que é casada gostava de experimentar o swing (troca de casais). “Era uma coisa de que eu gostava. ”As três mulheres da mesma família fazem parte das 60 pessoas entrevistadas por investigadores do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa num projecto inédito em Portugal, explica a socióloga Sofia Aboim. O estudo tem o financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia e da Comissão para a Igualdade e Cidadania. E é apresentado hoje num seminário, em Lisboa. Abarca três gerações de 20 famílias. “Tentámos perceber o que é que mudou em Portugal através das narrativas de vida de homens e mulheres, avós, pais e netos. ” E comparando com estudos semelhantes feitos nos EUA ou em Inglaterra, diz, a distância geracional “é enorme”. Na área da sexualidade, a investigadora fala mesmo de uma “mudança radical”. Regresse-se à noite de núpcias: “O discurso da avó e da mãe sobre a sexualidade é o discurso da vergonha. Mesmo quando esconde uma verdade que não era relatada [Belmira, por exemplo, acabou por contar que, na verdade, estava grávida quando se casou], revela algo que é real: que existia uma opressão muito grande da sexualidade feminina. ”E entre os homens? De novo uma família entrevistada: Tiago nasceu em 1922, teve a sua primeira relação sexual com uma prostituta. O filho, Raúl, nasceu em 1949. Aos 17 anos foi com os amigos a uma casa de prostituição e começou a sua vida sexual da mesma forma que o pai. Já o seu filho, Victor, nasceu em 1983. Começou a namorar aos 15 anos e foi com a namorada que perdeu a virgindade. Ao contrário do pai e do avô, Victor defende que homens e mulheres devem dormir com quem acharem por bem, “desde que não façam mal a ninguém”. Depois, contradiz-se: “não é possível olhar com amor” para as raparigas que dormem com vários rapazes. O que mostram relatos como este? Que o recurso à prostituição era institucionalizado e hoje quase não existe. Mas também que, havendo um discurso de paridade sexual, “é sistemática a diferenciação que os rapazes fazem entre as raparigas fáceis e as não fáceis”, diz Aboim. “É um discurso que só emerge se aprofundamos as entrevistas, que é herdado dos avós, mas muito mais matizado. ”Em suma, ao contrário do que se passou a outros níveis, “no campo da sexualidade, a mudança foi mais ambígua”, remata. “Há imensa sensibilização para a igualdade de género, mas depois há questões mais profundas que não têm a ver com o conseguirmos levar mais os homens para a cozinha. Há, de facto, concepções de diferenciação e de poder: uma rapariga simplesmente não pode ter o mesmo comportamento que um rapaz. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA