Polícia tolera racismo e denúncias não são investigadas a fundo
Relatório sobre Portugal da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) do Conselho da Europa é apresentado esta terça-feira em Estrasburgo. (...)

Polícia tolera racismo e denúncias não são investigadas a fundo
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 17 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Relatório sobre Portugal da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) do Conselho da Europa é apresentado esta terça-feira em Estrasburgo.
TEXTO: Em Portugal, os comentários racistas e homofóbicos são raramente proferidos por políticos e, quando acontecem na sociedade, são condenados publicamente; a violência racista é pouco comum e as autoridades mostram a sua oposição firme a esse fenómeno; o país reforçou a legislação contra os discursos de intolerância e ódio e ratificou em 2017 um protocolo que inclui uma proibição global da discriminação. O relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) – um organismo independente de monitorização dos direitos humanos dos 47 países do Conselho da Europa –, que é publicado nesta terça-feira, enuncia vários aspectos positivos, mas rapidamente expõe o que considera serem lacunas na lei e na prática contra a discriminação motivada pelo racismo ou a homofobia. A Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) não é independente, salienta a ECRI que manifesta igualmente dúvidas quanto à independência de entidades como a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) ou o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), com competências para receber queixas, investigar e propor sanções, mas com dependência directa do Executivo. Os elementos que constituem este grupo independente, que publicou o último relatório sobre Portugal em Março de 2013, dizem que houve, desde então, muitos progressos nalguns aspectos mas também manifestam preocupação relativamente a outros. Todos os anos, a ECRI publica relatórios sobre uma dezena de países. Neste ano, neste conjunto, está Portugal. “São inúmeras as acusações graves de violência racista cometida por agentes da polícia", aponta o relatório. "Contudo, nenhuma autoridade reuniu sistematicamente estas acusações e procedeu a um inquérito eficaz para determinar se são ou não verdadeiras. Isto levou ao medo e falta de confiança na polícia, particularmente entre as pessoas de origem africana. "O documento cita o despacho de acusação contra os agentes da polícia da Esquadra de Alfragide acusados de racismo e tortura, em Julho de 2017, como exemplo de “uma situação grave de racismo institucional numa unidade da polícia que é tolerada pela sua hierarquia”. Por isso, recomenda a criação de um órgão independente para investigar “as alegações de abusos e racismo pela polícia” em Portugal. A pedido das autoridades portuguesas, um documento intitulado “Ponto de vista do Governo” é acrescentado num apêndice ao relatório. Nele, a PSP e a IGAI refutam a maioria das conclusões que lhe dizem respeito, em particular a acusação de que toleram o racismo. A IGAI, em particular, insurge-se contra a mencionada necessidade de um organismo que investigue alegados casos de racismo e violência da polícia, e apresenta-se como esse "orgão independente". Noutro exemplo de discriminação, o documento de mais de 60 páginas relembra que o abandono escolar das crianças afrodescendentes é três vezes maior e existem cinco vezes menos alunos de origem africana na universidade. O desemprego é elevado entre os adultos afrodescendentes, os programas de realojamento resultaram numa segregação espacial e os que não conseguiram beneficiar deles vivem frequentemente em bairros pobres, acrescenta. A situação das crianças ciganas é “profundamente preocupante”: 90% delas abandonam a escola cedo, frequentemente entre os 10 e 12 anos de idade. Apenas 52% dos homens e 18% das mulheres de origem cigana trabalham. O relatório conclui que não foram alcançados alguns dos objectivos mais importantes da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas de 2013. Lembra que 90% das crianças ciganas abandonam a escola antes de concluírem o ensino obrigatório em comparação com 14% da população em geral. E resume: “Os ciganos continuam a sofrer elevados níveis de desemprego, vivem frequentemente em condições de habitação precárias e são ameaçados de despejos forçados. Os afrodescendentes enfrentam problemas semelhantes. ”A ECRI faz duas recomendações prioritárias, relativas ao fim dos despejos forçados ilegais (em bairros degradados) e à execução de despejos legais e dentro das normas internacionais, bem como ao dever do Estado de garantir que todas as crianças ciganas frequentem o ensino escolar obrigatório. Contudo, é na investigação a casos de violência policial que encontra mais lacunas, admitindo que, relativamente à independência das entidades que investigam os actos de violência ou discriminação, tem a maior desconfiança. As críticas mais duras visam, justamente, as polícias e a IGAI, ao ponto de a ECRI recomendar “a criação de um órgão independente que investigue as alegações de abusos e racismo pela polícia”. “São inúmeras as acusações graves de violência racista cometida por agentes da polícia”, considera a ECRI, que faz especial referência ao caso de 18 agentes da polícia acusados de tortura e outros crimes contra seis vítimas de raça negra, em 2015 na Esquadra da PSP de Alfragide, actualmente em julgamento. O relatório menciona o despacho de acusação proferido em Julho de 2017 como um sinal de que existe “uma situação grave de racismo institucional numa unidade da polícia, que é tolerada pela sua hierarquia”. Na análise iniciada em Novembro de 2012 e concluída em Março de 2018, a ECRI considera que a independência dos organismos de promoção da igualdade (como é o caso da CICDR) “é indispensável para assegurar a sua eficácia e impacto, em particular ao tratar da discriminação (estrutural) que emana das autoridades e ao decidir sobre as denúncias, tal como no caso da CICDR”. E justifica: “Por essa razão, as autoridades deveriam transformar a CICDR numa entidade jurídica distinta, colocada fora do executivo e do poder legislativo, atribuir-lhe um orçamento separado, permitir-lhe decidir independentemente a sua organização interna e a gestão dos seus recursos. "A ECRI recomenda ainda que todos os que exerçam funções de supervisão nessa "entidade jurídica distinta" sejam seleccionados e nomeados "através de procedimentos transparentes, participativos e centrados nas suas competências" e que seja conferido a essa entidade (que seria uma outra CICDR) "o direito de fazer declarações públicas e publicar estudos e relatórios de forma independente. ”De acordo com a ECRI, a falta de independência condiciona as práticas. Em muitos casos, explica, as medidas tomadas para combater o discurso de intolerância e ódio são insuficientes e as sanções aplicadas não são dissuasoras – acontece por exemplo quando grupos da extrema-direita e neonazis propagam o discurso de ódio na Internet e ameaçam os migrantes. O ACM e a CICDR não publicam estatísticas específicas sobre este fenómeno. As estatísticas recolhidas por organizações da sociedade civil e apresentadas em estudos indicam que o número de casos de discurso de ódio é bem mais elevado do que as divulgadas pela Direcção-Geral da Política de Justiça cujos dados públicos mais recentes são de 2014. A preocupação estende-se a pessoas sujeitas a actos ou discursos homofóbicos ou transfóbicos. “A Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), que tem competência para auxiliar as vítimas de homofobia e transfobia, confirmaram que muitos casos de discurso de ódio não lhes são comunicados”, escreve a ECRI. O ACM admitiu o mesmo, relativamente aos migrantes. Segundo um estudo internacional, “apenas um quarto das pessoas inquiridas [em Portugal] conhece estas duas instituições; apenas 5% das vítimas ciganas e 9% das vítimas negras contactaram uma autoridade após sofrerem discriminação”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No plano das leis, a ECRI acolhe bem a ratificação em 2017 de um protocolo no qual Portugal se compromete a proibir globalmente a discriminação. E saúda algumas das medidas tomadas para tornar isso possível, como a formação de polícias e as iniciativas de sensibilização na escola e na comunidade, e aponta outros progressos, como por exemplo a cooperação entre as polícias, os organismos do Estado e a sociedade civil para impedir que o discurso do ódio ou a discriminação se banalizem. Porém, lamenta que nenhum artigo do Código Penal criminalize “explicitamente a expressão pública de uma ideologia racista”. Do ponto de visto penal, existem lacunas relativamente àquilo que é a Recomendação de Política Geral feita a todos os Estados e de igual modo, refere. Por outro lado, considera que a legislação portuguesa deve criminalizar a discriminação racial no exercício de um cargo público ou profissão e que a motivação racista, homofóbica ou transfóbica seja assumida como circunstância agravante em qualquer infracção e não apenas, como já prevê a lei, nos crimes de homicídio e de ofensas corporais. Mas aponta como muito positiva a “regra progressista”, recentemente introduzida, de inversão do ónus da prova: a discriminação é presumida e deixa de ser necessário à pessoa visada provar que ela existiu.
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP
O Concerto de Ano Novo da Filarmónica de Viena tem pela primeira vez um maestro alemão
Christian Thielemann dirige terça-feira o concerto visto em mais de 90 países e que chega a mais de 50 milhões de pessoas. O passado do evento, nascido durante a ocupação nazi, da própria filarmónica e a política do maestro estão a ser um dos cartões de visita do concerto que a RTP exibe na manhã de dia 1. (...)

O Concerto de Ano Novo da Filarmónica de Viena tem pela primeira vez um maestro alemão
MINORIA(S): Ciganos Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.128
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Christian Thielemann dirige terça-feira o concerto visto em mais de 90 países e que chega a mais de 50 milhões de pessoas. O passado do evento, nascido durante a ocupação nazi, da própria filarmónica e a política do maestro estão a ser um dos cartões de visita do concerto que a RTP exibe na manhã de dia 1.
TEXTO: O Concerto de Ano Novo da Filarmónica de Viena é um clássico anual e, na Sala Dourada do Musikverein, pela primeira vez em 78 anos de história a orquestra será dirigida por um alemão: o conceituado maestro Christian Thielemann. Transmitido para mais de 90 países, incluindo pela RTP1 na manhã de terça-feira às 10h30, é um momento de grande mediatismo para a música clássica e esta edição está a ser vista à lupa do significado da liderança de Thielemann, autor de comentários conservadores sobre a “islamização do ocidente” e de escolhas que o aproximaram da direita do norte da Europa. As raízes do concerto anual são bem conhecidas, instrumentos da Alemanha nazi para a propaganda após a anexação da Áustria e momento maior de exposição de uma conceituadíssima formação musical que durante a II Guerra Mundial expulsou músicos judeus ou com ligações aos judeus, alguns dos quais acabaram assassinados ou em campos de concentração. Metade dos seus músicos estava filiado no partido de Adolf Hitler. Com os anos, libertou-se dessa carga, mas não está isenta de escrutínio quanto a ela nem quanto a outras suas características – só contratou uma mulher pela primeira vez em 1997 (a harpista Anna Lelkes) e em 2005 a maestrina Simone Young foi a primeira mulher a dirigir a orquestra, numa actuação de ocasião. A direcção do Concerto de Ano Novo é também um acto por convite, uma actuação especial e que a imprensa, e em particular a imprensa espanhola, está a ver pelo prisma do peso da estreia de um alemão de postura conservadora nas escolhas musicais e nas palavras para a entrada em 2019. “Os fantasmas do nazismo voltam à Filarmónica de Viena no Ano Novo”, titula mesmo o diário espanhol El Mundo na sua edição desta segunda-feira. “O Concerto de Ano Novo mais alemão”, escreve por seu turno o El País. É este diário que lembra que em 1946 se reabilitou o concerto com a sua direcção pelo maestro austríaco de origem judia Josef Krips e que, como já muito se escreveu sobre o tema, a própria orquestra tentou ao máximo branquear o seu passado ao longo das décadas. Uma das peças interpretadas em 2018, sob a batuta de Riccardo MutiSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Eis-nos chegados a 2019, em que Thielemann é o primeiro alemão convidado a dirigir o mediático momento depois de ter 30 anos de relação com os músicos da Filarmónica de Viena mas também depois de, em 2015, escrito um texto de opinião no semanário Die Zeit em que unia a sua voz à dos “patriotas contra a islamização do Ocidente” e se queixava de que no seu país só se podia “escolher entre slogans e o politicamente correcto”. Este ano, manteve em entrevista essa aversão ao que considera ser um pejorativo “politicamente correcto”, mas criticou a ascensão da extrema-direita na Alemanha e explicou que considera parte do seu trabalho “ouvir aqueles que expressam uma opinião em contracorrente em relação à maioria”. Christian Thielemann, um dos mais admirados maestros em actividade, congratula-se agora por ter sido escolhido: “aprendo muito com esta orquestra, porque tem uma forma inata de fazer música com novas ideias e matizes”. Thielemann é director principal da Dresden Staatskapelle desde 2012 e director musical do festival de Bayreuth. Terça-feira, o concerto que já foi dirigido por nomes como Gustavo Dudamel, Zubin Mehta, Riccardo Muti, Herbert von Karajan ou Claudio Abbado (desde 1987 os nomes mudam a cada ano), contará também com outras estreias que não a do seu maestro e sua nacionalidade: com o eterno foco nos Strauss, está prevista a interpretação na Sala Dourada do Musikverein de Viena Die Tänzerin, op. 227 de Josef Strauss, ou Opern-Soiree, op. 162 de Eduard Strauss, mas também Express, op. 311 de Johann Strauss II e, do mesmo compositor, a abertura da opereta O Barão Cigano, entre outras novidades. O concerto contará ainda, entre outras intervenções, com a actuação pontual do Ballet da Ópera Estatal de Viena.
REFERÊNCIAS:
Étnia Cigano
A cor e o cheiro dos yuans de Xi Jinping: medo, muito medo
Não tarda, Portugal estará ao lado da Grécia a bloquear iniciativas diplomáticas de condenação da China. (...)

A cor e o cheiro dos yuans de Xi Jinping: medo, muito medo
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-12-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Não tarda, Portugal estará ao lado da Grécia a bloquear iniciativas diplomáticas de condenação da China.
TEXTO: O The Guardian noticiou no dia 3 de dezembro uma sinistra “reforma do casamento” promovida pelo ministro dos Assuntos Civis da República Popular da China, com o objetivo de pôr termo às práticas “vulgares” que refletem a “galopante adoração do dinheiro” em festas de casamento, que devem antes espelhar o “pensamento de Xi Jinping”. Impõe às autoridades locais, muitas das quais tinham já em prática restrições ao número de convidados e à despesa máxima em presentes, uma “adequada etiqueta de cerimónias e festas de casamento”. A ideia de um governo se intrometer desta forma na intimidade das pessoas é em si mesma assustadora. Mais assustadora é a origem da loucura despesista dos casamentos. Amartya Sen, Prémio Nobel da Economia de 1998, escreveu extensivamente sobre as “missing women” — literalmente, mulheres em falta — na China. Na Europa e na América do Norte, para cada 100 homens, há 105 mulheres. Na China, há apenas 94. Ou seja: 11 mulheres em falta por cada 100 homens. A partir desta conta simples, Sen estimou em 1990 que havia 50 milhões de mulheres em falta na China. A pior desigualdade de género, que nega às mulheres o direito a nascer, tem origem na política do filho único em vigor no país entre 1979 e 2015. Com a restrição a um filho, as famílias preferem descendentes rapazes, optando por abortos seletivos de fetos femininos. Na China nasciam neste período 117 bebés menino por cada menina, quando no resto do mundo nascem cerca de 105. Existem hoje na China mais 30 milhões de homens do que mulheres. Com tão poucas disponíveis, as famílias começaram a vender as suas jovens nubentes por preços que atingem, por exemplo, na província de Hubei, 200 mil yuans, dez vezes o rendimento médio das famílias da região, que vivem essencialmente da agricultura. O preço a pagar por uma noiva pode ainda incluir jóias, carros e casas. A Reforma do Casamento é só mais uma forma de autoritarismo de Xi Jinping, que desde que tomou o poder em 2012 não tem olhado a meios para instaurar o culto de personalidade e o controlo apertado da sociedade, já de si estrangulada por décadas de privação de direitos civis básicos. O menu é vasto: campanha de purgas de algo como 1, 3 milhões de oficiais chineses e oponentes, que terá levado alguns ao suicídio; cerca de 250 advogados e ativistas de direitos civis presos; controlo apertado da Internet e redes sociais; promoção ativa de Xi como o descendente de Mao Tsetung, com o seu próprio livro-fetiche, A Governança da China, e uma máquina de propaganda impressa nas paredes das cidades, em pratos, colares e outros artigos à venda por todo o país. Tudo culminou em 2017 com a inscrição do nome de Xi Jinping na Constituição da RPC e a abolição do limite de mandatos. Leitoras e leitores, temos líder! Provavelmente vitalício. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em abril, a Bloomberg publicou um relatório sugestivamente intitulado Como a China está a Comprar o Acesso à Europa, no qual compila informação sobre o investimento chinês no Velho Continente, que totalizou 255 mil milhões de dólares na última década, cerca de 63% dos quais de empresas controladas pelo Estado. Este número é conservador, porque ignora 355 fusões cujos termos não são públicos. Embora a maior parte do investimento vá para as maiores economias europeias, é na Grécia, Portugal e Chipre que a China mais investiu em infra-estruturas básicas. A China possui quatro aeroportos, seis portos, parques eólicos em nove países e 13 clubes de futebol na Europa. E a REN em Portugal. Um estudo da Universidade de Sydney afirmou recentemente que “o papel proeminente de empresas controladas pelo Estado no investimento chinês em países estrangeiros levanta preocupações de que estes investimentos tenham motivações estratégicas e não comerciais”. Em 2017, a Grécia, cujo maior porto, o de Pireu, é propriedade chinesa, vetou uma condenação da União Europeia às violações dos direitos humanos na China. A Austrália, em nome do “interesse nacional” e os Estados Unidos, pela “segurança nacional”, já legislaram para controlar a presença de capital estrangeiro (leia-se: chinês) em setores críticos. A chanceler Merkel e o presidente Macron começaram a movimentar-se para a UE responder coletivamente a este apetite chinês pelas nossas infra-estruturas básicas. Enquanto isso, no nosso triste jardim à beira-mar plantado, um líder sinistro, potencialmente vitalício, de um regime autoritário, foi bajulado pelo poder político e económico em peso, durante uma visita oficial em que até os moradores vizinhos do hotel onde se hospedou viram as suas liberdades fundamentais suspensas. Um presságio. Não tarda, Portugal estará ao lado da Grécia a bloquear iniciativas diplomáticas de condenação da China. A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Zaha Hadid acusada de destruir antiga zona de Pequim com centro comercial futurista
Organização Não Governamental acusa a arquitecta de ter ignorado a paisagem da zona. (...)

Zaha Hadid acusada de destruir antiga zona de Pequim com centro comercial futurista
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.06
DATA: 2013-08-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: Organização Não Governamental acusa a arquitecta de ter ignorado a paisagem da zona.
TEXTO: A arquitecta britânica, de ascendência iraquiana, está a ser acusada pelo grupo chinês de protecção do património Beijing Cultural Heritage Protection Centre de ter violado a paisagem tradicional de Pequim ao projectar um centro comercial, o Galaxy Soho, de 330 mil metros quadrados. A contestação, que já existia, ganhou esta semana outra dimensão depois de esta obra ter sido seleccionada para os finalistas do Prémio de Arquitectura RIBA Lubetkin. O júri do prémio, entregue pela Royal Institute of British Architects (RIBA) e que distingue os melhores edifícios internacionais, elogiou a obra de Zaha Hadid, destacando a “bem-vinda democratização” do trabalho da arquitecta. “O desenvolvimento [do edifício] é altamente urbano e suburbano, é tanto cívico como comercial”, diz o júri no comunicado em que anuncia os finalistas, acrescentando ainda que “a criação de espaços públicos num piso inferior com uma bem detalhada zona de estar e fontes demonstra uma rara generosidade num país determinado a superar o ocidente em termos de comercialização”. No entanto, os defensores do património tradicional chinês desta Organização Não Governamental (ONG) não concordam com estas considerações, achando que esta obra, composta por quatro torres, ligadas entre si através de pontes, é demasiado futurista para a zona onde está instalada. Numa carta publicada na quinta-feira no site Building Design, e envidada para a RIBA, o grupo escreve que o Galaxy Soho “causou grandes danos na preservação da paisagem da antiga Pequim”. Dizem que o plano urbano original da cidade não foi respeitado, assim como “o estilo e o esquema de cores da arquitectura vernacular de Pequim”. Por tudo isto, o grupo contesta a escolha do edifício para os finalistas do prémio britânico, alegando estar “em choque com a notícia”. Para estes defensores da antiga paisagem de Pequim, esta nomeação só vai encorajar a que mais “destruições” destas aconteçam. “Muitos de nós em Pequim estamos muito desiludidos e ofendidos. Acreditamos fortemente que este prémio da vossa instituição [a RIBA] vai fazer com que se cometam os mesmos erros, aumentando a dificuldade em proteger o património cultural da China”, continua a carta. Zaha Hadid, que se tornou em 2004 na primeira mulher a vencer o Pritzker, afastou-se da polémica garantindo que trabalhou em parceria com o Local Design Institute “para assegurar que o projecto cumpria todas as normas e requisitos do Governo”. “Quando fomos escolhidos para este projecto, não existiam edifícios nenhuns neste sítio”, esclareceu a porta-voz da arquitecta ao jornal The Guardian, afirmando que nada foi destruído para que este centro de comercial, que abriu portas no ano passado, fosse construído. “Criámos uma variedade de espaços públicos que envolvem directamente com a cidade, reinterpretando o tecido urbano tradicional e os padrões de vida contemporâneos numa paisagem urbana contínua”, acrescentou a porta-voz, citada pelo mesmo jornal. A organização do prémio, que anuncia o vencedor a 26 de Setembro, ainda não se pronunciou sobre a polémica.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher chinês
A GNR fez 100 anos e já não quer meter medo
Há não muito tempo, um cavaleiro da GNR costumava ser descrito como “um burro em cima de um cavalo”. A polícia militar portuguesa, criada há cem anos, tinha fama de ser conservadora, violenta e um pouco bruta. Assustava. Mas já não é assim. Os guardas são hoje mais jovens, mais instruídos e mais afáveis — são, cada vez mais, polícias como os outros. (...)

A GNR fez 100 anos e já não quer meter medo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 3 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.19
DATA: 2011-05-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há não muito tempo, um cavaleiro da GNR costumava ser descrito como “um burro em cima de um cavalo”. A polícia militar portuguesa, criada há cem anos, tinha fama de ser conservadora, violenta e um pouco bruta. Assustava. Mas já não é assim. Os guardas são hoje mais jovens, mais instruídos e mais afáveis — são, cada vez mais, polícias como os outros.
TEXTO: A história vale o que vale. Está contada em vários blogues e reza assim: um indivíduo resolve vender o automóvel e, por isso, cola no vidro traseiro uma folha com o número do telemóvel. Daí a pouco, enquanto conduz, o aparelho toca e ele atende. Dizem-lhe: “Bom dia, fala de uma unidade móvel da Brigada de Trânsito da GNR e estamos atrás de si. O senhor não sabe que é proibido atender o telemóvel enquanto conduz? Encoste por favor. ” Pode ser apenas um mito urbano, ou uma anedota, mas diz muito sobre o modo como a Guarda Nacional Republicana continua a ser percepcionada por aqueles de quem cuida. Ao fim de cem anos de história, cumpridos este mês, a polícia militar portuguesa ainda é vista como uma polícia retrógrada, severa e retorcida. Esta imagem está, porém, a mudar — e muito depressa. “A GNR já tem uma imagem muito diferente daquela que tinha, dos guardas brutos e que só sabiam bater. A sociedade agora é outra e a GNR é uma polícia como as outras. Até no trânsito já não se fazem aquelas fiscalizações repressivas, também se faz prevenção”, diz a sargento-ajudante Carla Silva, comandante do posto territorial de Avintes, em Vila Nova de Gaia, uma das 1477 mulheres que actualmente compõem os quadros da guarda. As militares do sexo feminino principiaram a chegar à GNR em 1993, uma década depois de a PSP ter começado a acolher sistematicamente agentes femininas (no Exército, o ingresso da primeira mulher nos quadros permanentes ocorreu em Abril de 1989), e, segundo a comandante Silva, ajudaram a atenuar a imagem mais conservadora da GNR. Em Fevereiro, a GNR foi mesmo notícia por causa do casamento de uma capitã com uma cabo, as quais formaram o primeiro casal de lésbicas de uma corporação militar com fama de tacanha e até um pouco marialva. O caso de Patrícia Almeida, de 27 anos, e Teresa Carvalho, de 39, dividiu opiniões e gerou incómodos, mas serve bem para ilustrar o quanto a GNR mudou. Bastará, aliás, dar uma vista de olhos pelas páginas das ocorrências policiais dos principais jornais para dar conta das mudanças. Têm-se sucedido, no último mês, casos de militares da GNR vítimas de agressão e até de sequestro, como aconteceu em Alijó há cerca de duas semanas: um toxicodependente encostou uma faca ao pescoço de um guarda numa das principais avenidas da cidade, mantendo-o manietado durante alguns minutos. “Estas ocorrências revelam um grande sentimento de impunidade. Ao agredir um guarda, agride-se o Estado. E as consequências para quem o faz não são suficientemente dissuasoras, pelo que podemos estar a evoluir para uma situação que prejudicará muito aqueles que vivem de acordo com as regras”, considera o capitão Paulo Nogueira, comandante do destacamento territorial de Penafiel. Mas, acrescenta, as notícias que mostram uma GNR mais frágil têm também um lado bom. “Antigamente, se calhar, os guardas eram quem agredia em primeiro lugar. Hoje os guardas pautam-se por determinadas regras e pela contenção no uso da força. ” Esta reportagem, de Jorge Marmelo e Adriano Miranda, pode ser lida na íntegra, no dia 29 de Maio, na revista Pública, vendida aos domingos com o jornal PÚBLICO e na edição “online” exclusiva para assinantes. Outros destaques:– Barack Obama visita a Europa no momento em que é publicada na América uma biografia da sua mãe. O académico e ensaísta Ian Buruma, considerado um dos 100 intelectuais mais influentes do mundo, leu-a e explica como, apesar de ter sido o pai queniano o centro das memórias do actual Presidente dos EUA, foi Stanley Ann Dunham quem moldou o seu carácter. “Podemos acreditar uns nos outros e trabalhar juntos. Esse é o idealismo ingénuo que existe em mim. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA GNR PSP
“No Brasil, a polícia acredita que o povo preto é o povo suspeito. E que ele deve ser executado”
Cineasta, activista e educadora, Rosa Miranda integra uma nova geração de realizadoras negras brasileiras que fazem do cinema independente uma arma de intervenção política e de afirmação identitária. O presente (e futuro) do Brasil está a passar por aqui. O P2 conversou com a cineasta na recta final da sua primeira tour em Portugal. (...)

“No Brasil, a polícia acredita que o povo preto é o povo suspeito. E que ele deve ser executado”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento -0.16
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cineasta, activista e educadora, Rosa Miranda integra uma nova geração de realizadoras negras brasileiras que fazem do cinema independente uma arma de intervenção política e de afirmação identitária. O presente (e futuro) do Brasil está a passar por aqui. O P2 conversou com a cineasta na recta final da sua primeira tour em Portugal.
TEXTO: Rosa Miranda filma o Brasil que as elites do país tendem a querer apagar. O Brasil LGBTQI, o Brasil da juventude negra activista, o Brasil das tensões raciais e das opressões de género. Um Brasil que existe e resiste apesar das forças reaccionárias, que nos últimos anos têm sido em parte personificadas pelo governo do Presidente Michel Temer (“presidente golpista”, sublinha Rosa); nos últimos meses por Jair Bolsonaro, candidato de extrema-direita à presidência nas eleições de 7 Outubro. Fundadora e directora do Kbça D’Nêga Produções, colectivo militante e produtora audiovisual independente nascida em 2014 no Rio de Janeiro, Rosa Miranda é a primeira mulher negra formada na licenciatura em Cinema & Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (UFF). A cineasta, educadora e curadora do Cineclube Atlântico Negro passou por Portugal entre Julho e Agosto numa tour de 19 dias, com paragens no Avanca Film Festival, Porto e Lisboa, para apresentar o seu último documentário, Privilégios (2018), participar em debates, orientar uma masterclass e dar a conhecer os filmes das realizadoras negras brasileiras Leila Xavier, Marise Urbano, Milena Manfredini e Ethel Oliveira. Encontrámo-nos com ela dois dias depois da sessão esgotada na Casa do Brasil, em Lisboa. Conta-nos como conheceu a vereadora Marielle Franco, meses antes de ter sido assassinada no Rio de Janeiro. As palavras de Rosa têm muita força, muita urgência. Muita vida e muita visão. Faz questão de sublinhar a importância do sistema de quotas raciais introduzido pelo governo de Lula da Silva, medida que permitiu aumentar o acesso às universidades de estudantes negros, pardos e indígenas de classes baixas. Num país onde há “um genocídio do povo preto”, diz Rosa, a educação é sinónimo de “ascensão social” e empoderamento. Também por isso está a fazer um mestrado em cinema. Quer ser a primeira professora negra do Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF. Em breve começa a preparar o seu novo filme, uma curta-metragem de ficção inspirada na mãe e na avó e com uma equipa só de mulheres. Porque a representatividade e a mudança passam por quem está “por trás da câmara, não apenas à frente dela”. Tudo conta. “É preciso ter mulheres negras na direcção dos filmes, mas também é preciso ter um olhar sobre a nossa oralidade e sobre a fotografia do negro – a luz do cinema está pensada para o corpo branco, as próprias câmaras são calibradas pelo corpo branco”, nota Rosa Miranda. “No Privilégios inverti essa lógica: usei uma luz feita especialmente para os corpos negros serem valorizados. ”Como começou a estudar cinema?Fiz um curso numa favela, no Morro da Babilônia, chamado Viajando na Telinha, de 2005 a 2006. Aí comecei a entender como era o cinema, mas ainda o cinema hegemónico, norte-americano e europeu, mais voltado para o mainstream. O curso era de graça, todos os dias das 18h às 22h. Eu saía do trabalho às 18h, chegava lá entre as 19h e as 20h. Comecei a ficar muito cansada e afastei-me do cinema até 2008, quando faço o vestibular [prova de acesso ao ensino superior] para o Estácio, uma universidade privada no Rio de Janeiro. Consegui uma bolsa para o primeiro ano. No segundo ficou complicado, tinha de pagar. Mas continuei a estudar e a trabalhar. Entretanto descobri a licenciatura em Cinema & Audiovisual na Universidade Federal Fluminense [UFF], que é pública. Na época ainda não havia quotas raciais e consegui entrar. Sou a primeira mulher negra formada nessa licenciatura. A licenciatura era muito focada na epistemologia branca? Livros, filmes, professores…Sim, tudo. Mesmo hoje, o instituto de que esse curso faz parte [Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF] não tem professores negros. E no que toca aos alunos, mesmo com as quotas raciais ainda é um campus muito branco. Existe uma enorme quantidade de fraude nas quotas. Pessoas que dizem ser negras mas não são. Como é que pessoas brancas passam por negras?É através de uma autodeclaração, por escrito. A pessoa faz uma marcação. Depois, dentro das secretarias, não se confere, não se pergunta ‘você é preto, mesmo?’. Agora, na UFF, foi constituída uma comissão para averiguar estes casos de pedido de quota racial. Fizeram-se entrevistas presenciais e gravadas com as pessoas que se declararam negras e essas pessoas faziam coisas absurdas para passarem por negras. Por exemplo?Bronzeamento artificial antes da entrevista. As entrevistas eram previamente marcadas. As pessoas iam bronzeadas, faziam blackface, entrançavam o cabelo, faziam rastas. Na hora em que tinham de afirmar ‘eu sou negro’ para a câmara, não saía. Essas fraudes acontecem também noutras universidades, em todo o Brasil?Em todo o Brasil. Fico enraivecida. Isto é um crime e tem de ser encarado como um crime. As pessoas têm de entender que [o sistema de quotas raciais] é uma reparação histórica em relação a um povo a quem sempre foi negado o direito de chegar às universidades, incluindo com políticas públicas. Chegou a ser proibido o negro entrar na universidade e ainda hoje entrar lá é um tabu. Isso vem de um discurso racista enraizado e legitimado politicamente de que as pessoas negras e indígenas têm um lugar secundário na sociedade?Tem tudo a ver com a construção de nação do Brasil a partir da negação do negro. A total exclusão de uma população que é maioritária no país. Quando essa maioria não consegue ter acesso a dinheiro, a única possibilidade de ter ascensão social é através da educação. Quais são hoje as expectativas de um jovem negro favelado no Rio Janeiro? Ou vai para jogador de futebol ou vai para o tráfico. E as meninas? Vão para o tráfico também, ou tentam uma carreira como modelo, ou vão para a prostituição. Precisam de dinheiro, a fome não espera. Estas pessoas têm a pior educação, as piores escolas; não têm acesso a teatros, a museus. As quotas são uma das formas de essas pessoas ascenderem socialmente. Não se pode, portanto, falar em meritocracia. Pegando nas palavras da escritora brasileira Conceição Evaristo numa entrevista à BBC Brasil: “O discurso da meritocracia e os exemplos de pessoas negras que se acabam constituindo uma excepção são perigosos. Porque cria-se esse imaginário de que se a pessoa estudar, trabalhar, se esforçar, ela consegue. Isso é mentira. ”É mentira porque a corrida é desigual logo à partida. E nem todo o preto tem um amigo com dinheiro para investir na ideia dele. Nem todo o preto tem uma pessoa que vai dizer “tu vais conseguir”. Pelo contrário, as pessoas passam o tempo todo a dizer que não vais conseguir. É preciso uma força sobre-humana para acreditarmos em nós mesmos. Como é que conseguiu?Com muito post-it. Tenho vários post-its a dizer “você é capaz”, “você é linda”, “você é maravilhosa”. Na minha casa, no espelho, na cozinha. E assim sigo o meu dia. Cada “não” que ouço vai ser um “sim”. Eu sei da minha capacidade e quero que as pessoas negras saibam da capacidade delas. Trouxe várias mulheres negras a Portugal através dos seus filmes porque elas são capazes, e muitas outras também o são. Foi também por isso que criou o Kbça D’Nêga?O Kbça é um colectivo que surgiu a partir de um site que eu ia fazer com portefólio meu. Chamei alguns amigos para fazer uma sessão de fotos numa tarde de domingo. Aí surgiu a ideia de fazer um filme. Avançámos. Mais tarde, em 2016, descobri através da comunicação social que um amigo meu, Diego Vieira Machado, tinha sido assassinado dentro do campus da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Fiz então o filme Da Minha Pele [2016], em homenagem ao Diego. O filme estourou, foi para vários festivais de cinema no Brasil. E foi também nesse momento que o Kbça estourou. Nesse processo, um amigo meu, que também integra o Kbça, descobre que tem sida. 21 anos, negro, tinha acabado de conseguir entrar na universidade. Eu queria registá-lo, eternizá-lo. Então fizemos o Bixa Preta [2016]. Seguiram-se outros filmes, sempre numa produção colectiva feita no amor. Não recebemos dinheiro. Tendo em conta a falta de recursos financeiros e as barreiras raciais, de género e de classe, quais são as estratégias desta nova geração de realizadoras negras brasileiras para fazer o seu cinema e para o divulgar?As estratégias são as produções colectivas. E associações como a APAN [Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro], que mobiliza e divulga eventos sobre cinema negro, bem como os cineclubes. Mas ainda há resistência por parte das curadorias em apostar em filmes negros. No Kbça a distribuição é feita através de inscrições em festivais, mas é complicado. É um trabalho de formiguinha. Fazer estes filmes é uma questão de sobrevivência?Sim. É necessário. Não é mais permitido que estes assuntos não sejam debatidos. E quando chegamos a um determinado patamar, outras pessoas negras pensam: “Se ela conseguiu, eu também sou capaz”. A representatividade. É extremamente importante. Se não temos uma referência fica ainda mais difícil conseguir. Hoje sei que temos, pelo menos, mais de 30 realizadoras negras no Brasil, mas quando eu comecei não tinha referências. Elas existem, mas não lhes é dada visibilidade. E quando nós reivindicamos um lugar, é vitimização, ou é porque somos combativas – outro estereótipo da mulher negra. A mulher negra tem de ser guerreira, tem de aguentar qualquer coisa. Se aguenta qualquer coisa, aguenta até partos sem anestesia. Esse tipo de violência reprodutiva contra mulheres negras ainda é recorrente no Brasil?É. As mulheres negras têm prescrição para receber menos anestesia porque supostamente são mais fortes. É este tipo de mitos eugenistas que sustentam o genocídio do povo negro no Brasil. A maioria das mulheres que morrem durante o aborto são mulheres pretas – as mulheres ricas e brancas vão fazer numa clínica particular, em segurança. As mulheres vítimas de maus-tratos durante o parto são sobretudo mulheres negras. Só na minha família conto, pelo menos, cinco casos de mulheres que morreram durante o parto. Sei de alguns casos que estão a acontecer agora, em São Paulo, de mulheres que chegam ao hospital para ter o filho e depois laqueiam-lhes as trompas. Quem são essas mulheres? São mulheres analfabetas, de populações muito pobres. Mandam assinar um documento sem elas saberem ler, no meio da dor do parto. Esse genocídio de que fala estende-se também ao sector da política, como vimos com o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco, em Março. A Marielle… [suspiro profundo]. Lutamos tanto para ter alguém a representar-nos politicamente e essa pessoa é arrasada. Eu conheci a Marielle em Novembro, quando estava a fazer assistência de câmara do filme As Filhas de Lavadeiras. Depois, em Março, vejo que ela levou quatro tiros na cabeça. E até hoje os culpados ainda não foram presos. Toda a gente sabe que foi um crime político. O Brasil é o país onde mais se mata pessoas LGBT. É o país onde mais se mata pretos – a cada uma hora são assassinados três jovens negros. Quando soube do assassinato da Marielle fiquei uma semana sem sair de casa, com medo. Não consegui ir às manifestações. Às vezes parece que não adianta ter um post-it a dizer que você é maravilhosa quando a pessoa que representava tudo isso é assassinada. E quando no dia seguinte à morte dela é executada uma criança de um ano. E quando dois dias depois é assassinada mais uma jovem negra, de 20 e poucos anos, numa favela onde há helicópteros a atirar balas lá de cima. Ainda em Junho, Marcos Vinícius, um menino de 14 anos, foi baleado na Maré [favela no Rio de Janeiro] quando ia para a escola, durante uma operação da polícia com o apoio do Exército. O que é que essa criança fez de mal? Não é bala perdida, é bala certa. No Brasil, a polícia ainda acredita que o povo preto é o povo suspeito. E que ele deve ser executado. A maioria da população brasileira encarcerada é negra. O feminicídio de mulheres negras aumentou, enquanto o das mulheres brancas diminuiu. Como é que a gente consegue respirar? É um desespero. Sente que ser activista negra no Brasil é estar sempre à beira da morte?Mas também com esperança de que algo vai mudar. Eu não quero ser mártir. Ninguém quer. Só queremos que essa mudança aconteça o mais rápido possível. Eu tento fazer as pessoas reflectirem através da minha arte. Não sei se vou conseguir, mas estou a tentar. E quando vejo uma Casa do Brasil [em Lisboa] lotada, sei que estou no caminho certo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nota algum progresso na consciencialização da população branca brasileira em relação à violência sobre as populações negras e indígenas?Podem ter consciência, mas poucas pessoas brancas falam sobre isso. Têm dado algumas aberturas, mas, quando mexe com o privilégio delas, é difícil. É a questão da branquitude crítica, que critica esse sistema mas não revê o seu. E ainda há empresas que vendem esse país como um país branco, quando não é. Relativamente às eleições que se aproximam: como explica, num país maioritariamente negro, que um político de extrema-direita e com um discurso racista como Jair Bolsonaro lidere as intenções de voto na primeira volta?No Brasil existe uma junção entre a religião evangélica e a política. A bancada evangélica está a dominar, e muitos deles são grandes empresários também, o que prejudica ainda mais o acesso a informação independente nos media. Vemos um crescimento absurdo dessas igrejas. Muita da população que frequenta esses espaços é negra e não percebe o quão racista é essa religião. E há também a questão da milícia, que ameaça subliminarmente ou coage os moradores de favelas para votar em determinados candidatos. “Vou dar-te 50 reais para votares em mim”. Ou “se votares em mim dou emprego ao teu filho”. As pessoas são tão pobres que aceitam, por uma questão de sobrevivência. Henrique Vieira é um pastor evangélico de esquerda, militante do PSOL, que se assume como feminista, anti-racista, activista pelos direitos LGBT e pela legalização do aborto. Segundo ele, se a esquerda não cultivar o diálogo com os evangélicos, não conseguirá ter um projecto popular. Concorda?Estive numa conferência com Henrique Vieira e acho-o muito coerente. A sua figura é importante neste momento em que há tantos extremos. Porém, acredito que religião e política não se devem misturar, já que o Estado brasileiro é laico. [Como] o Henrique pode haver outros, mas não se posicionam [politicamente]. Como dizia Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem carácter, dos sem ética. . . O que me preocupa é o silêncio dos bons. ”
REFERÊNCIAS:
Catarina Martins: Metro e meio de contestação, teatro e garra
Há quatro anos, António Costa e Catarina Martins não eram líderes partidários. Passos Coelho prometia não cortar salários. Paulo Portas foi a votos sozinho. Jerónimo de Sousa foi a Havana falar com Raúl Castro. Este é o primeiro artigo da série "Quatro anos que mudaram a vida deles (e a nossa)." (...)

Catarina Martins: Metro e meio de contestação, teatro e garra
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.16
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há quatro anos, António Costa e Catarina Martins não eram líderes partidários. Passos Coelho prometia não cortar salários. Paulo Portas foi a votos sozinho. Jerónimo de Sousa foi a Havana falar com Raúl Castro. Este é o primeiro artigo da série "Quatro anos que mudaram a vida deles (e a nossa)."
TEXTO: "O habitante do número 667 daquela rua era um homem absolutamente normal: pai de família, bom profissional, empreendedor. Apenas uma coisa perturbava o doce correr dos seus dias: a estranheza que emanava da casa ao lado, o aspecto bizarro e as movimentações suspeitas do seu vizinho. Este vizinho do lado transforma-se lentamente na personificação de todo o mal. ” A sinopse da peça, de que Catarina Martins é co-autora, foi à cena no Rivoli, em 2003, mas diz muito sobre o que se passa hoje. A porta-voz do Bloco de Esquerda, que também a interpretou e encenou na companhia Visões Úteis, escolhe-a para personificar os últimos quatro anos políticos em Portugal e na Europa. “O pai passa a vida a olhar para a janela e a fazer especulações; e com medo do que há-de vir lá de fora deixa deteriorar completamente a vida dentro de casa e desfazer-se a família. O medo contamina todas as decisões, normalmente as piores decisões. Isso lembra a forma como a Europa se está a comportar”, descreve Catarina. Deixou o teatro em 2009, quando foi eleita pela primeira vez deputada do Bloco, mas é actriz que ainda se sente. A passagem entre os dois mundos não foi assim tão estranha, afinal, “teatro é política”. “Há alguma coisa mais política do que as pessoas estarem juntas numa sala a ver uma parte ou uma leitura do que é a vida colectiva, a reflectir sobre o momento de uma forma colectiva? Não há nada mais político do que isso!” E a Visões Úteis, que ajudou a fundar em 1994, no Porto, é uma companhia com uma “visão política e de esquerda e ‘dos de baixo’, tanto pelo tipo de reflexão e de autores, como pelo tipo de trabalho” — em teatros mas também no espaço público, incluindo aldeias do interior transmontano, do Alentejo ou das Beiras, prisões, bairros sociais, mas também na Galiza, descreve Catarina. No palco como na política, por muita companhia e generosidade que se tenha em volta, “há um momento em que se está sozinha frente à responsabilidade”. Foi o teatro que a levou para a política formal. E demorou quatro vezes mais tempo a tornar-se militante do que a chegar à liderança do partido. O espírito de contestação de Catarina Martins já vinha desde a malograda PGA, a prova geral de acesso obrigatória para o 12. º ano no arranque da década de 90. Continuou na luta contra as propinas, em Coimbra; acompanhou-a até ao Porto, onde fundou uma associação teatral com forte pendor social. Andou perto do PSR, mas nada de orgânico, e aproximou-se do Bloco de Esquerda nos primórdios do partido. Lembra-se de enviar por email, em 2002, uma ficha de inscrição de militante no Bloco, que terá acabado perdida no buraco sem fundo em que a Internet parece às vezes transformar-se. E nunca mais se preocupou com isso. Nem mesmo quando em 2009 redigiu boa parte do capítulo sobre cultura do programa eleitoral bloquista. “Só não era militante por acidente”, desvaloriza, encolhendo os ombros. Em 2010, já com o cartão de deputada do BE à Assembleia da República no bolso, decide que não faz sentido continuar como independente, sem fazer parte da discussão política em estruturas como a comissão política ou a mesa nacional, quando a sua intervenção era já tamanha. E alistou-se. Apenas dois anos depois era indicada por Francisco Louçã, o carismático líder bloquista, para lhe suceder numa coordenação paritária com João Semedo. Agora, integra a comissão permanente (de seis dirigentes) e é a porta-voz do partido. Contas feitas, está à frente do partido há três anos — talvez os mais complicados da vida do Bloco. Mas já lá vamos. Lá por casa, em Aveiro, os corredores sempre respiraram política. À esquerda, bem à esquerda. O pai e o irmão até estiveram na fundação do Bloco, mas Catarina garante que não foi isso que a influenciou — aliás, nem se chegaram a cruzar no partido porque quando ela entrou o pai já não estava no activo. A jovem estudante que aos 18 anos seguiu para Direito em Coimbra e no 3. º ano se perdeu de amores pelo teatro diz ter feito sozinha as suas opções políticas. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas — o ideal para seguir dramaturgia —, fez mestrado em Linguística e tem um doutoramento suspenso (falta a tese) sobre Linguagem e Envelhecimento. Quem a levou para o partido foi o sociólogo e então deputado João Teixeira Lopes. Já a conhecia das andanças culturais no Porto quando a convidou para número dois da sua lista à autarquia portuense, em 2005. Não foi eleito, mas a ligação não mais se quebrou. “Espero que o marido e as filhas um dia me perdoem por a ter roubado para a política”, ri-se o antigo deputado. Conhecia Catarina da Visões Úteis mas também da Plateia — Associação de Profissionais das Artes Cénicas, onde ela tinha funções directivas. Foi essa polivalência que o impressionou. “Fez-se um click quando li algumas peças que escreveu. Porque ela era dramaturga, actriz, encenadora, produtora cultural e gestora. É muito difícil encontrar alguém que faça a ponte entre a parte programática da gestão e a criatividade e tenha a capacidade de liderança que ela mostrava. Quem está nos activismos sabe que estes são perfis especializados e que nem sempre comunicam entre si. ”Desafiou-a para a lista do BE pelo Porto em 2009, atrás de João Semedo e José Soeiro, dizendo que podia partilhar a vida entre Lisboa e Porto. Catarina diz rindo que “sabia que estava a ser enganada” e demorou apenas um dia a acertar a resposta com a família. Foi eleita e teve de mudar parte da sua vida para Lisboa — ela, o marido e as duas filhas (Pedro Carreira continua a ter trabalho no Porto e a família anda constantemente em viagem, “temos sempre o Alfa Pendular”). Deixou a gerência e passou para a sogra a quota maioritária de uma sociedade de turismo rural em Gaia (ficou com apenas 4%) e encerrou a actividade como actriz. No Parlamento, acompanhava sobretudo as áreas sociais, culturais e educação. O que se seguiu foi um percurso “rápido mas natural”, considera Teixeira Lopes. “Nunca teve nenhum tipo de apoio aparelhístico nem apadrinhamento. Impôs-se pelo seu talento e trabalho. ”Os últimos quatro anos foram os mais atribulados na curta vida de década e meia do Bloco de Esquerda. Depois do máximo histórico de 16 deputados em 2009, as legislativas antecipadas de Junho de 2011 foram um desastre, elegendo apenas oito. Não conseguiram chegar ao Parlamento nomes fortes como José Manuel Pureza, José Gusmão, Helena Pinto (que entraria para substituir Louçã) ou José Soeiro (o terceiro pelo Porto, que substituiu depois João Semedo). O partido teve “os votos que o povo entendeu que merecia”, assumiu Francisco Louçã. A sua demissão não estava em cima da mesa, assegurou. Acabaria por sair um ano e três meses depois, já com a sucessão pensada: uma coordenação paritária de Semedo e Martins — uma solução, diz Louçã à Revista 2, não de sua autoria, mas de Miguel Portas, que importou um modelo que funciona na Alemanha e na Suécia para aligeirar a carga pesada que tem a figuração única na liderança de um partido e acentuar a participação igual de homens e mulheres. Ela era dramaturga, actriz, encenadora, produtora cultural e gestora. É muito difícil encontrar alguém que faça a ponte entre a parte programática da gestão e a criatividade e tenha a capacidade de liderança que ela mostravaA expressão vai integrar a lista de termos endógenos do Dicionário do Bloco de Esquerda que será lançado dentro de duas semanas — depois, seguir-se-ão os dicionários dos outros partidos. “Tem uma entrada para ‘coordenação paritária’, com o historial do processo no Bloco, explicando que surgiu com o intuito de estabelecer alguma novidade no panorama político nacional, mas também admite que não fomos bem-sucedidos, embora na teoria tenha sido um bom modelo”, conta João Teixeira Lopes, que coordena a obra com José Soeiro. Foi uma “tentativa de modernizar a política” que não resultou, admite Louçã e espeta a agulha: às críticas internas e externas, os bloquistas respondem com as “vistas curtas” que Portugal ainda tem nestes assuntos. Houve um problema comunicacional, reconhece a eurodeputada Marisa Matias; a envolvente política não ajudou, acrescenta Fernando Rosas. A que se somou a doença de João Semedo, que o obrigaria a retirar-se do Parlamento. A ideia de serem precisas duas pessoas para substituir Louçã dava uma imagem de incompetência. Em Novembro de 2012, Catarina e João não receberam uma herança fácil. Louçã tinha uma liderança “afirmada e carismática”, reconhece Rosas. E os tempos eram de “derrota para as esquerdas na Europa, com a imposição de programas de austeridade em vários países, e um refluxo social e político das posições antiausteridade que se reflectiram mais no Bloco do que no PCP”. Houve uma “relativa incapacidade de reagir”, admite o historiador e fundador do BE. Mas era uma mudança de liderança necessária — “Os partidos de esquerda não podem passar a vida a dizer que é preciso mudar e depois não o fazerem. Mas ninguém abandona as causas nem o partido”, assegura Rosas. O processo da sucessão levantou celeuma entre as várias facções que compõem o Bloco (PSR, Política XXI e UDP). Ainda antes, em Junho de 2011, Rui Tavares e Louçã desentenderam-se nas redes sociais por causa dos nomes dos fundadores do Bloco — o eurodeputado deixou a delegação do partido no Parlamento Europeu e mudou-se para os Verdes. E em Abril de 2012 o partido ficou órfão de um dos fundadores, com a morte de Miguel Portas. O “caminho das pedras” ficou ainda mais difícil quando o Bloco perdeu também força nas autárquicas e mais ainda nas europeias de 2014, elegendo apenas Marisa Matias. Além de Tavares, foram saindo do partido nomes como Joana Amaral Dias, Ana Drago, Daniel Oliveira ou Gil Garcia. João Semedo resume: “Desde o desaire eleitoral de 2011, o Bloco esteve debaixo de fogo dos adversários, que não perderam a oportunidade de tentar apagar-nos do mapa político, promover a divisão e estimular a formação de outras forças para enfraquecer o campo da esquerda. Tudo serviu para atacar o Bloco. ” Tavares e os quatro últimos envolveram-se na criação de movimentos e partidos à esquerda, parte deles defendia um rumo de aproximação do Bloco ao PS, que Catarina sempre recusou — “Não fazemos parte do pântano, do rotativismo. Nascemos para romper o bipartidarismo. ”Este é o reduto do Bloco, aponta precisamente o marketeer Pedro Bidarra. “Ninguém espera que o BE vá governar; é um partido de contestação. Catarina Martins é uma óptima actriz que veste a personagem dos movimentos e com ela o Bloco ainda triunfou mais nessa linha do teatro da contestação. Ela encarna muito bem essa esquerda que só luta: tem a energia, o espírito e o histerismo contestatário. Só lhe falta a boina basca. ” Bidarra realça que os movimentos se fazem “à volta de um líder e um grupo de fanáticos iniciais que traçam uma linha na areia para dizer ‘nós somos isto e nunca vamos passar para o lado de lá’”. Por isso, quando apareceram no Bloco militantes a defender uma aproximação ao PS, foram apontados como os traidores à matriz original do Bloco. E a solução foi a saída, acrescenta o especialista em marketing. Sobre as saídas de alguns militantes, Catarina Martins não se alonga. Diz não ter privado com Rui Tavares, mas era próxima de Ana Drago. Profissionalmente, entenda-se, porque o seu círculo de amizades “não se confunde com o Bloco” nem estimula as relações pessoais no partido. Não se zangaram, mas afastaram-se. De quem se aproximou foi de Marisa Matias, que antes fora crítica da coordenação dupla. Não fazem vida social nem trocam prendas, mas partilham ideias sobre livros. Olhando para os últimos quatro anos, Louçã encontra explicação para as dificuldades do Bloco não só interna como externamente. “Foram tempos terríveis para Portugal, ficámos numa situação de grande vulnerabilidade social e com um sistema político incapaz para dar respostas aos problemas”, que acentuou a desmoralização e aumentou a divisão à esquerda, numa pulverização de movimentos que não ultrapassarão o 1% nas eleições. Apesar de tudo, Semedo continua a acreditar que a coordenação a dois foi uma decisão acertada, tal como também o foi, em Novembro de 2014, na última convenção, mudar o modelo de representação. Perante o impasse com uma votação empatada entre a sua lista e a de Pedro Filipe Soares, o médico propôs o modelo que está em vigor: uma nova direcção com seis nomes, representando todas as sensibilidades, Catarina como porta-voz e Pedro Filipe Soares na presidência da bancada. Paz, finalmente?“Decisões acertadas não quer dizer que não tenham tido ou trazido problemas. Mas tudo isso é passado, o saldo é francamente positivo: o Bloco tem uma direcção eficaz, unida e muito activa. E a Catarina Martins, vencendo o marialvismo que há na política portuguesa, tem afirmado muito bem o projecto e a proposta do Bloco, seja sobre o país, seja sobre a política da União Europeia”, realça João Semedo. Rosas, Louçã, Marisa Matias e Teixeira Lopes são unânimes nos elogios rasgados a Catarina Martins e no que representa para a recuperação do Bloco. Dela dizem que tem aprendido e afinado bem o discurso, é clara, prepara-se bem e tem nervos de aço. Prova disso foi o desgaste e a pressão de que Catarina e Semedo foram alvo durante a liderança paritária. E na passagem para o novo modelo, como porta-voz, ela foi capaz de “sarar algumas feridas”, “estabelecer pontes e comunicação entre as várias sensibilidades do Bloco”, unir os dirigentes, apresentando-se como alguém que dialoga com todos, mas que tem firmeza e que “tem uma visão do campo de esquerda”. Isso já se nota nas sondagens, com o partido numa tendência sistemática de subida, destacam os bloquistas. Louçã realça a contribuição de Catarina para a emergência de novos dirigentes e a ajuda da “rock star” Mariana Mortágua. “Foi tudo bom, foi tudo perfeito? Claro que não, mas julgo que o Bloco esteve muito bem naquilo que conta: defender as pessoas da austeridade e da pobreza, combater os credores, os mercados, a troika e o Governo”, resume Semedo. A Catarina Martins, vencendo o marialvismo que há na política portuguesa, tem afirmado muito bem o projecto e a proposta do BlocoCom um Bloco em 2015 tão diferente do de 2011, não foram só os nomes que foram mudando. O pensamento do partido também. Se Catarina Martins não defende a saída do euro e prefere centrar a questão na renegociação da dívida, Louçã defende que Portugal “não tem alternativa que não seja preparar-se sistemática e competentemente” para a saída da moeda única. Porque “o tempo corre contra nós” e se a Grécia tivesse tomado essa iniciativa há meio ano teria mais possibilidades de enfrentar Angela Merkel. O Bloco sempre olhou com enlevo para o percurso do Syriza, é o seu “partido irmão”, tomou-lhe a alegria das vitórias e as dores das derrotas. Enchia os discursos dentro e fora do Parlamento com a coragem helénica quando Atenas se rebelou contra o plano de austeridade no dia a seguir à vitória de Alexis Tsipras. Afinal, havia outro caminho, gritaram insistentemente Catarina, Marisa e outros bloquistas que foram repetentes em manifestações de apoio ao Syriza na Grécia. Louçã concorda que “não procurar uma aliança [do Bloco ao Syriza] era uma forma de cobardia política que não tem sentido na Europa, porque são precisas ideias novas à esquerda, soluções europeias”, e subscreve a aposta do Bloco em como a Grécia poderia ajudar Portugal a enfrentar a questão da dívida, servindo de candeia. Ainda assim, Louçã e Semedo, contidos, defendem que a posição bloquista devia ter sido “menos efusiva”, sobretudo no referendo. O fundador do Bloco e a porta-voz admitem a desilusão quando Tsipras, mesmo depois do redondo “não”, aceitou o novo resgate em troca de mais austeridade. Entre os bloquistas, recusa-se a ideia de “capitulação”; Marisa diz que a opção era entre a peste e a fome e que o Syriza subestimou a vontade real da Europa de não negociar. Agora que boa parte da chama se apagou em Atenas e até Tsipras se demitiu, o megafone no Bloco foi-se calando. Catarina diz que não gostou que o chefe do Governo grego aceitasse o resgate e muito menos que se demitisse. “O Syriza foi confiante demais. Devemos ter prudência”, disse à Revista 2 poucas horas depois de se saber da demissão. Sem as bandeiras do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou o aborto e com a co-adopção metida na gaveta pela direita, o Bloco conseguiu ainda assim algumas vitórias. Catarina, Marisa e Semedo lembram os pedidos de inconstitucionalidade de normas dos orçamentos que o tribunal foi aprovando, que o Bloco começou sozinho arregimentando alguns deputados socialistas. Mas também houve, por sua iniciativa, avanços na criminalização da violência doméstica, trabalho reconhecido em comissões de inquérito como as dos submarinos, PPP [parcerias público-privadas], estaleiros de Viana e sobretudo do GES/BES. Apresentou uma moção de censura e votou a favor das outras cinco. E o que foi o pior? “Não conseguir travar a austeridade. ” Marisa Matias recusa a perda de bandeiras e de espaço de influência do partido. “O Bloco foi o partido que se empenhou fortemente em todos os espaços de luta contra a austeridade, a troika e o Governo PSD-CDS, sem qualquer sectarismo ou controleirismo. Estivemos na Auditoria Cidadã à Dívida, no Congresso das Alternativas, nas gigantescas manifestações do Que se Lixe a Troika, nas Aulas Magnas, nas greves gerais e outras lutas sindicais, nos movimentos sociais e populares contra as privatizações, os ataques à escola pública e ao SNS [Sistema Nacional de Saúde], contra os cortes nos salários, nas reformas e nos apoios sociais. O Bloco esteve na rua e no Parlamento, tanto na luta como na proposta alternativa, no protesto mas também no projecto de esquerda”, descreve João Semedo. O trabalho parlamentar é planeado na reunião semanal dos coordenadores e deputados; as intervenções de Catarina Martins no plenário são trabalhadas com os assessores Catarina Oliveira e Pedro Sales. Trocam-se ideias, informações sobre os temas quentes e os que o Bloco suscita. E tenta pensar-se fora da caixa, com acções diferentes, como quando a bloquista criticou o executivo por governar constantemente contra a Constituição e, em pleno debate quinzenal, ofereceu a Passos Coelho uma edição em miniatura da Lei Fundamental que o Parlamento estava a oferecer aos alunos que o visitavam. Para ver se o primeiro-ministro finalmente a lia e compreendia, justifica Catarina. Ou quando os deputados bloquistas, há semanas, empunharam cartazes de apoio à Grécia. Mas a linguagem forte, crítica e directa é preparada apenas pela porta-voz. Admite que escolhe um tipo de discurso e cadência da linguagem consoante a situação — e os debates quinzenais, transmitidos em directo na rádio e TV, alvo de análise pelos comentadores e com repetição certa nos ecrãs, valem pelas frases bombásticas, pelos dedos em riste, pelos trocadilhos que agradam ao povo. Já chamou mentiroso a Passos Coelho sob diversas formas. Uma delas provocou celeuma. Disse-lhe que a sua palavra não valia nada e colocou-lhe uma questão. Na volta, o primeiro-ministro disse-lhe que se o que dizia não valia nada então não lhe respondia. Os deputados bloquistas protestaram, abandonaram a sala e pediram uma conferência de líderes especial sobre a condução dos debates. A presidente do Parlamento rejeitou. Sorriso largo, ar de miúda num corpo que faz 42 anos de amanhã a uma semana. Com uns olhos verdes brilhantes que a escassa maquilhagem diária não realça, é apenas nas idas à televisão que Catarina Martins tem ido variando o estilo. Ora um cabelo mais armado que lhe dá um ar mais conservador, ora um penteado escorrido que lhe dá uma aparência moderna. No gabinete da caracterização dos canais de televisão, lá vai mudando o estilo, mas depois de sair do ar Catarina Martins mete os dedos nos cabelos, vira a cabeça para baixo, e lá os vai puxando, amachucando, soltando a laca para tentar voltar ao seu estilo descontraído. Das mãos da maquilhadora, porém, sai sempre com os olhos verdes realçados a lápis e rímel. Apesar da sua aparente despreocupação com a aparência, uma vista de olhos pelas fotografias revela, por exemplo, que passou a pintar os cabelos brancos que já pontuavam sobretudo a franja, e deixou de aparecer em público com um pequeno rabo-de-cavalo apanhado de forma descuidada. Mas manteve a regra de acompanhar a blusa com um colar de artesanato. Vestidos ou saias são peças raras, aparece de botas de cano alto no Inverno, e no Verão permite-se sandálias de salto largo. Pensar que pode ser questionada sobre a sua vida pessoal deixa-a de pé atrás. Tem uma actividade profícua nas redes sociais, sobretudo no Twitter, Facebook e Instagram. Por ali coloca fotos da sua vida extra-Bloco, sempre sem identificar as duas filhas, de 13 e 9 anos, outras pessoas com quem esteja ou até os locais. Também aparece Carlier, uma das personagens de A Frente do Progresso, de Joseph Conrad, que Catarina traduziu e adaptou para a Visões Úteis — e de que o marido, Pedro Carreira, foi um dos intérpretes. O pequeno boneco recortado em papel ora se encosta a um ferro de engomar antigo ou a um avião de Lego, ora acompanha a caveira do esqueleto Jeremias, a quem já falta um dente. Nas férias, publicava imagens de uma lagoa, um pinhal, uma praia, um castelo, e a resposta a quem perguntava onde era acabava por ser evasiva. Há também imagens das duas gatas — a Gema adora colares como a dona — e até uma de Catarina a pintar um portão de ferro trabalhado, junto a um muro de granito, no último dia de férias deste ano, antes da maratona de comícios nocturnos no Algarve nestas duas semanas. Terá sido no Sabugal, a terra do marido. E fotografou um livro que levou para férias: La Coca, de Rentes de Carvalho — dono de uma escrita que é em simultâneo simples e muito densa, justifica. As filhas já têm noção do trabalho da mãe. Não falam muito do assunto, mas isso não significa que estejam distraídas. Há tempos, a mais velha ralhou com a mãe porque num debate com Passos Coelho falou em tudo menos nos exames que estavam a decorrer e que puseram de pantanas as rotinas dos alunos. Catarina Martins tenta compensar de manhã as chegadas tardias a casa: é ela quem as levanta, tomam o pequeno-almoço juntas e leva-as à escola. E se os fins-de-semana com o partido se acumulam, o calendário na parede da sede do Bloco, na Rua da Palma, ao Martim Moniz, passa a ter uns dias a vermelho à frente do seu nome — e são intocáveis. Há pouco tempo criaram uma rotina: pais e filhas escolhem à vez um filme. Os primeiros escolhem obras antigas como O Feiticeiro de Oz original ou Roger Rabbit; elas iniciaram-nos nos Mínimos e nos musicais infantis como Annie (a nova versão). Na televisão vê informação e séries, como se percebeu em Fevereiro num debate quinzenal em que se referiu à série dinamarquesa Borgen — que retrata um governo de coligação de três partidos e um quarto que os apoia no Parlamento, um exemplo extremo de cordialidade governativa, portanto. Catarina pretendia aconselhar Passos a escolher melhor os aliados de Portugal na Europa. O calendário à frente do Bloco secou o tempo para as artes e as viagens. É quando se lhe pede que recorde uma última “saída” que percebe que foi ao teatro pela última vez em Abril para ver O Fim das Especialidades, encenado por Fernando Mora Ramos. Também recorda com agrado O Senhor Ibrahim e as Flores do Corão, pelo Teatro Meridional, no ano passado. Quase todas as manhãs coloca nas redes sociais um “bom dia” acompanhado por uma música, uma fotografia ou a imagem de um quadro. Guarda as críticas políticas para quando “linka” alguma notícia da TV ou imprensa ou sobre as actividades do Bloco. Nas páginas do Facebook ou no Twitter estão também fotos suas em comícios, arruadas, congressos, conferências, visitas a hospitais, mercados, pescadores, e também há ligações para vídeos de entrevistas nos vários canais de televisão, ou reportagens como as realizadas em Atenas. Analisando o perfil comunicacional de Catarina Martins, o marketeer Carlos Coelho faz uma analogia com a gestão de uma marca. Transforma as iniciais da deputada em “Cara de Mãe”. “É uma actriz política a desempenhar o papel de mãe de um partido que ficou sem pai. É um C de colectivo, tem um papel difícil de cara agregadora, desbloqueadora dos conflitos, e com um estilo executive freak: ora maternal, ora acutilante, mas de uma forma doce. ” Coelho considera que ela “tem muito o sentido da performance, ao contrário do radicalismo de Louçã. Sabe que importa tanto o que diz como a forma como o diz. Ela é uma esquerda serena, intelectualmente honesta, uma marca mais madura que Louçã (que era muito radical na forma), mas mais contemporânea que João Semedo (que é mais ‘jurássico’)”. Em comparação com 2011, “está um pouco menos freak, mais madura, mais organizada no seu pensamento e na forma como se veste. Sabe que não pode aparecer a dizer que quer ser primeira-ministra com muitos colares de madeira”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Catarina Martins diz que na rua ouve cada vez mais incentivos e palavras amigas, embora ainda apareçam os pouco agradáveis “vai p’ra casa” ou “são todos iguais, querem é tacho”, gritados aqui ou além. Mantendo a tradição de ter mulheres bonitas na bancada bloquista, há quem faça confusão com os nomes das mulheres do partido, conta Catarina rindo, referindo-se às vezes em que tem aparecido ao lado de Marisa Matias — e para a qual perde atenções: “Pudera, apareço eu de metro e meio e ela altíssima ao meu lado…” Tenta passar a ideia de não ser dada a ciúmes, como quando se pergunta se Mariana Mortágua não lhe tirou protagonismo pela forma como brilhou na comissão de inquérito ao BES. Responde ao lado — que é bom o partido ter várias caras, pessoas variadas capacitadas nos assuntos, que possam brilhar nos diversos palcos, e, vinca, a Mariana fez um excelente trabalho na comissão. É uma actriz política a desempenhar o papel de mãe de um partido que ficou sem pai
REFERÊNCIAS:
As muitas facetas da arte de amar
Chegada de Marselha, a exposição Quel Amour!? abriu no Museu Colecção Berardo, em Lisboa. Amor, paixão, enamoramento, mas também inveja e ciúme, a exposição dá-nos a ver estas e outras formas de tratar este tema universal. (...)

As muitas facetas da arte de amar
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.55
DATA: 2018-10-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Chegada de Marselha, a exposição Quel Amour!? abriu no Museu Colecção Berardo, em Lisboa. Amor, paixão, enamoramento, mas também inveja e ciúme, a exposição dá-nos a ver estas e outras formas de tratar este tema universal.
TEXTO: Eric Corne, o curador da exposição, conta que ela estava a ser montada no dia em que Helena Almeida (1934-2018) morreu. Por coincidência, algumas das obras desta artista tinham sido escolhidas para uma das entradas na exposição. Além disso, Helena Almeida integrara também já a montagem do Musée d’Art Moderne de Marseille, a primeira instituição onde Quel Amour!? foi mostrada, entre Maio e Setembro deste ano. Uma das suas peças foi mesmo escolhida para tema da imagem da exposição: a fotografia de um estranho bailado onde a artista e o marido andam juntos, com dificuldade e as pernas unidas por um cabo grosso de plástico. Em Lisboa, nas duas grandes salas paralelas do piso zero do Museu Colecção Berardo, bem como noutras duas no andar de baixo, encontramos dezenas de obras de outros tantos artistas sobre este tema vastíssimo que é sem dúvida o mais importante na vida de cada um de nós. Eric Corne, segundo nos conta, não quis realizar uma abordagem diacrónica e historicista, nem, por outro lado, anedótica: quando lhe perguntamos porque é que a exposição não mostra, por exemplo, uma peça que seja de Picasso, ele que representou sempre o amor como desejo predatório, quase animal , apenas nos responde que “não quis muito ir por aí”; e que preferiu levantar questões, suscitar aproximações surpreendentes, mostrar, enfim, o que só raramente se vê do que desenvolver uma tese ou criar núcleos bem delimitados de obras definidas por critérios cronológicos ou estilísticos. O tom está dado. Não vamos aqui ter, de todo, telenovelas com final feliz ou o sentimentalismo delico-doce com que a sociedade de consumo em que vivemos nos quer vender este tema. Museu Colecção Berardo, Piso -1 e Piso 0 LISBOA. Centro Cultural de Belém. Praça do Império. De 3ª a domingo, das 10h às 18h. Até 17 de Fevereiro. Eric Corne, ao invés, vai buscar O Banquete de Platão, entre outras referências maiores sobre o tema — citemos, numa primeira leitura dos textos do catálogo, Kerouac, Benjamin, Marsilio Ficino, Ronsard e Jodelle, Roland Barthes e Lacan —, e retoma o ensinamento da sábia Diotima sobre o amor: “Já que o amor ensina todas as artes, sigamo-lo como a um mestre. ” Diotima referia-se a Ágape tanto como a Eros, ao amor espiritual como ao amor erótico. Em ambos, destacava o estabelecimento de uma ligação, de uma conexão entre dois seres. É por aqui que chegamos de novo a Helena Almeida e aos critérios do curador para a exposição. De facto, logo na primeira sala, o núcleo de peças assinadas por esta artista é provavelmente o maior de toda a exposição, se exceptuarmos as montagens de desenhos e fotografias de pequeno formato de outros artistas, como Gonçalo Pena ou Mattia Denisse. Na artista portuguesa, Corne quis destacar sobretudo o trabalho em conjunto com o marido, tanto na imagem que já referimos, de 2011, como na generalidade da sua obra, já que foi este, Artur Rosa, quem sempre a fotografou. Um excelente contraponto a estas imagens são as provas de contacto de Ernesto de Sousa, mostradas um pouco mais adiante na montagem, onde o corpo da mulher amada é exaustivamente fotografado, uma obra que recebeu o nome de Revolution my body. Ou ainda, num registo mais mediático, Marina Abramovic e Ulay, percorrendo aqui, em vídeo, a muralha da China a partir de extremidades opostas no espaço. Mas Helena Almeida não é a única entrada para a exposição. Na realidade, há duas possibilidades de a percorrer, consoante se escolhe um dos dois corredores paralelos do piso zero do edifício. Num vestíbulo que os precede passa-se um filme de William Kentridge onde um personagem principal olha melancolicamente a lua, ao passo que uma figura feminina nua, que evoca a imagem de todas as Vénus jamais representadas, o abraça. Nesse mesmo espaço, sobre uma mesa, há uma colecção de cartas de amor de escritores famosos, e um pouco mais longe um dos lençóis bordados de Lourdes Castro com a silhueta de um casal deitado. É uma excelente forma de introduzir a exposição, já com uma abertura de sentidos que confirma aquilo que o curador desejava que o espectador experimentasse. A partir daqui, encontramos inúmeras surpresas, obras e autores que, nos achados da montagem, permitem leituras complexas que vão dos fantasmas à dor: Pierre Klossowski, por exemplo, ou Francis Bacon e David Hockney, esses mestres na representação da solidão e da ausência dos corpos em dissolução, mas também Anette Messager, que tem uma obra de parede construída com materiais têxteis e intitulada Jalousie/Love (ciúme/amor); ou Albuquerque Mendes que se representa como crucificado, ou mesmo Paula Rego. Outras tratam da complexidade da relação com o próprio corpo, do amor de si – Kiki Smith, Ana Mendietta ou Francesca Woodman, entre outros artistas; ou mesmo, como hoje é já obrigatório, na inclusão de discursos que entretecem o afecto com as questões de género ou orientação sexual. Nan Goldin é decerto um dos exemplos mais fortes sob este ponto de vista, cuja obra continua a dar-se a ver obrigando-nos a nós, espectadores, a assumirmos a nossa condição de voyeur. Mas também a iraniana Shrin Neshat, de quem se pode ver o duplo vídeo Turbulent, de 1998. Há três vestidos de noiva nesta exposição. O primeiro, tradicional numa fotografia clássica de um casamento nas escadarias de uma igreja, integra uma daquelas narrativas de Sophie Calle em que a ausência é o grande tema: tratar-se-á, ao que a artista dizia, de uma encenação sem noivo, apenas feita por vontade de usar esse símbolo da condição da mulher que o vestido de noiva representa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O segundo, construído com materiais heteróclitos – entre os quais muitos bonecos minúsculos, quais “filhos” da noiva que aqui está – é a escultura de Nikki de Saint-Phalle, muito próxima da arte pop, que integra a Colecção Berardo. E finalmente o terceiro, que não é propriamente um vestido de noiva mas tão só duas túnicas brancas, é usado pela dupla de artistas João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira, numa fotografia em que surgem caracterizados como palhaços e usando grinalda de flores. Ou seja, dito de outra forma, nenhuma destas três peças materializa aqui a celebração do amor romântico que o dia do casamento supostamente significa na sociedade ocidental moderna. Essa tarefa deixa-a Eric Corne para um casal gay que se faz pintar sentado num sofá, de rosto tapado por um lençol, como se de fantasmas se tratasse. No andar inferior, para além da escultura de Saint-Phalle e de dois grandes desenhos de Paula Rego, celebra-se a fugacidade, com a convocação de imagens realistas do erotismo (Fromanger e John de Andrea) que se conjugam com as magníficas esculturas de rostos fragmentados (incompletos?) do holandês Mark Manders, naquela que será provavelmente a primeira apresentação da obra deste artista em Portugal. Finalmente, aquele amor que não era referido até aqui, também surge na exposição: trata-se do amor pela arte, pela pintura, na espessura matérica de Monticelli, um artista do século XIX que era o preferido de Van Gogh. Foi por causa dele, da sua obra quase informal, que este pintor se instalou em Arles e que aí criou uma parte importantíssima da sua obra.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher consumo género sexual corpo casamento gay feminina animal
Punk is not dead
Michael Clark revolucionou a dança britânica da cabeça aos pés, cruzando o ballet clássico com o rock, o pós-punk, a moda e as artes visuais. Sábado e domingo, em Serralves, vamos ver o que lhe andou a passar pela cabeça nestas últimas semanas – em versão minimalista. (...)

Punk is not dead
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0
DATA: 2016-03-18 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20160318193416/http://www.publico.pt/n1726165
SUMÁRIO: Michael Clark revolucionou a dança britânica da cabeça aos pés, cruzando o ballet clássico com o rock, o pós-punk, a moda e as artes visuais. Sábado e domingo, em Serralves, vamos ver o que lhe andou a passar pela cabeça nestas últimas semanas – em versão minimalista.
TEXTO: 20 de Setembro de 1988, Londres. Está a acontecer algo no palco do Sadler's Wells que nunca tinha acontecido antesThe Fall a tocar ao vivo num espectáculo de dança, com a guitarrista Brix Smith em cima de um hambúrguer gigante; Leigh Bowery, figura vulcânica, excessiva e irrepetível da moda e da performance britânicas, a escudar-se por trás de uma lata de Heinz Baked Beans; um smiley virado do avesso, subvertendo o símbolo do acid house e das raves, como parte da cenografia; bailarinos vestidos de jogadores de futebol, entre várias mudanças de figurinos. E, sobretudo, uma linguagem coreográfica singular que, sem sabotar a formalidade e as geometrias do ballet clássico, dinamitava com os seus limites, transportando-o para o circuito underground da música, da moda e dos clubes londrinos. O que se estava a passar no respeitadíssimo teatro de Londres era I am Curious, Orange, peça icónica de Michael Clark, coreógrafo e bailarino escocês – que se encontra, aqui e agora, numa residência em Serralves com a sua companhia. No início da década de 80, de crista punk, pulseira de picos, beleza apolínea e uns tenros 20 anos, começou a revolucionar a dança britânica da cabeça aos pés. O espectáculo, para o qual The Fall criaram o álbum I Am Kurious Oranj, assinalava o tricentenário da subida ao trono inglês do protestante William of Orange, o que se tornou numa desculpa para coreografar um jogo de futebol em palco entre os Rangers e o Celtic e, assim, abordar o sectarismo político e religioso na Escócia. Fazer citações históricas e estéticas de forma atrevida e astuta, jogar com as regras do espectáculo com ironia, desfaçatez e liberdade, trabalhar com uma rede de colaboradores da música, moda e artes visuais, cruzar a pop e a alta cultura – não para as usar como muletas estilísticas mas para edificar um discurso e uma identidade próprios –, são características transversais à obra de Clark, o grande iconoclasta da dança britânica. E que na antecâmara de I am Curious, Orange já tinha feito acontecer uma série de coisas que nunca tinham acontecido antes. Entre elas: foi considerado um dos maiores prodígios da Royal Ballet School, qual Nijinsky do punk, mas recusou um lugar na companhia como bailarino principal, aos 17 anos. Fundou a sua própria companhia aos 22, em 1984, já com um currículo de 16 criações originais. Apresentou as suas peças em clubes gay e discotecas, como a mítica Haçienda, em Manchester, sem nunca ficar de fora das programações de teatros, óperas e outros espaços institucionais (a porosidade entre a cultura de elite e as manifestações artísticas mais subterrâneas eram a sua maneira de empregar a ideia de democratização do movimento da Judson Dance Theater). Dançou no videoclip de Wood Beez, dos Scritti Politti. Injectou na dança o rock, o punk e, sobretudo, o pós-punk, órgãos executivos das suas coreografias, que muitas vezes surgiam conjugados com música erudita. Nas suas peças ouviam-se os Public Image Ltd e os T-Rex, The Wire e The Fall, estes últimos os seus colaboradores mais próximos durante os 80s, a par do cineasta Charles Atlas (com quem continua a trabalhar) e de Leigh Bowery e Trojan, duas aves raras da moda britânica que Clark conheceu (e depois perdeu, o primeiro por causa da sida, o segundo por causa de uma overdose) nos clubes de Londres, que tanto serviam de laboratórios de experimentação artística como de passerelles, com sexo e drogas à descrição. Uma contracultura narrada em directo nas páginas da The Face, onde Michael Clark apareceu uma série de vezes, com dildos, plataformas prateadas nos pés e lábios azuis. Não era deboche instantâneo nem gongorismo. Clark criou um continuum entre a sua vida e o palco, entre o individual e o colectivo. E inscreveu nas suas coreografias, permeáveis à energia do seu tempo, momentos transformativos da sociedade e da arte britânicas e da cultura pop. Presente vs. anos 80Março de 2016, Porto. Michael Clark, 53 anos, hoje mais coreógrafo do que bailarino, figura esfíngica com alfinete na orelha, há muito que não é o rapaz de tutu branco, crista, pulseira de picos e T-shirt de Vivienne Westwood. Mas a postura punk continua lá. É jocoso, espontâneo e corrosivo. Não gosta que lhe controlem os horários. Desvia-nos várias vezes do guião da entrevista, e a certa altura já se fala sobre feminismo, a falta de representação das mulheres nas artes performativas e visuais (“pensava que o mundo das artes estava mais evoluído”, atira) e as eleições americanas. Pede sugestões de bandas recentes. “Tenho uma aversão a quase tudo o que ouço agora, tudo parece ter um som genérico e produzido. ”Michael Clark está em Serralves numa residência artística com o actual núcleo duro de bailarinos da sua companhia, que ficaram também responsáveis por orientar um programa de masterclasses com alunos do Balleteatro e do Ginasiano. Arrancou a 29 de Fevereiro e culmina nas apresentações públicas que vão decorrer ao longo deste sábado e domingo na Casa de Serralves. “O que estou a planear apresentar são duas coisas: os primeiros passos de uma nova peça que irá estrear em Outubro no Barbican [a sede da Michael Clark Company desde 2005] e algo ligado à música de [Erik] Satie, que tem a ver com trabalhos anteriores e que combina muito bem com a arquitectura da Casa”, adianta. “Uma situação destas, em que posso responder genuinamente ao espaço, é muito rara. ”E é também raro ter um convidado assim. Afinal, Clark operou uma mudança paradigmática e libertária na dança contemporânea. No entanto, a sua ausência dos palcos durante parte de década de 90, para resolver o vício em heroína e metadona (por causa da primeira chegou a adormecer em palco, confessa), contribuiu para o afastar da histórica mais canónica da dança e “fez com que o seu impacto saltasse uma geração, começando a sentir-se mais recentemente na dança e nas artes visuais”, explica Suzanne Cotter, directora do Museu de Serralves e autora da monografia Michael Clark (2011, Violette Editions), o único livro sobre o escocês. O convidado é especial, mas para não defraudar expectativas convém reforçar que estas (curtas) performances vão funcionar como um momento de laboratório aberto ao público, e não como um espectáculo normal (no caso de Clark, isso implicaria uma grande produção). Uma forma engenhosa de lidar com as restrições orçamentais e o posicionamento que um museu de arte contemporânea deve ter perante as artes performativas e a sua história, abrindo espaços de descoberta, reflexão e (re)interpretação, em sintonia com a dinâmica programática envolvente. Num momento em que a programação cultural da Câmara Municipal e respectivos equipamentos monopolizam atenções, é bom lembrar que o programa de dança e performance de Serralves tem sido particularmente pertinente e coerente nesse sentido. E é de facto possível estabelecer ligações entre Michael Clark, as exposições correntes do Museu – a de Wolfgang Tillmans e a colecção Sonnabend – e o próximo performer a apresentar-se em Serralves, Adam Linder, que foi bailarino de Clark. “Se tivéssemos dinheiro para programar o reportório do Michael, programávamos. Mas o nosso trabalho também é perceber de que maneira podemos contribuir com algo diferente para o circuito de artes performativas da cidade e do país”, justifica Suzanne Cotter. “Este museu é um lugar de experiência, de procura, de investigação. Não temos só de produzir e apresentar”, reforça Cristina Grande, programadora de artes performativas da instituição. Uma outra lógica de produção e consumo que desafia a forma mercantilizada e acelerada de lidar com a arte e com o processo de criação. E que está alinhada com o modus operandi de Clark. “Ele quer continuar a trabalhar como trabalhava, sem se comprometer e a fazer as coisas à sua maneira, ao seu ritmo. Não é uma incapacidade em se comprometer, é uma recusa”, aponta Cotter. Há uma questão que se levanta na actual conjuntura, em que as políticas culturais e as programações são fortemente controladas e regulamentadas: seria possível Clark e os seus amigos e colaboradores fazerem hoje tudo o que fizeram nos anos 80? “Nessa altura havia um desinteresse generalizado e não se questionava tanto a programação como hoje, por isso havia algo tão livre como o Riverside Studios” [onde Clark teve a sua primeira residência como coreógrafo, em 82], considera Suzanne Cotter. “Mas acho que a questão principal é que ninguém prestava atenção e por isso eles podiam fazer o que quisessem. Tal como os YBAs [o grupo Young British Artists, de Damien Hirst, Sarah Lucas e companhia]. ”Mesmo as bandas mais radicais do pós-punk, como os Public Image Ltd e The Fall, passavam nas rádios inglesas e apareciam no programa de televisão Top of The Pops – coisa que não acontecia nos EUA, nota Simon Reynolds na sua bíblia do pós-punk Rip It Up and Start Again. De certa forma, Michael Clark, Leigh Bowery e Mark E. Smith, entre outros, testemunharam o fim de uma era. Clark, contudo, nunca quis ligar o seu trabalho a um determinado período histórico. “Isso parecia-me muito limitado e eu não queria limites”, afirma. “Havia artistas a fazer coisas contra a Thatcher mas eu não precisei de uma desculpa para fazer o que fazia. ” Diz que continua a “fazer o que quer”, mas concorda que o circuito artístico está mais regulamentado do que antes – e que é um “desafio constante” arranjar dinheiro para fazer espectáculos. “Se calhar faz parte de crescer… Há um sentimento de regulamentação ligado a isso, o que não é propriamente agradável. ”Música, sempreO trabalho de Michael Clark foi alvo de várias interpretações redutoras e superficiais, focadas na exuberância dos figurinos, nos dildos, nos fatos com os rabos à mostra e nos detalhes sumarentos da sua vida pouco beata. O que muitos viam como provocador e carnavalesco era, na verdade, uma reacção inteligente a um ethos da dança (e a uma ideia de minimalismo e despojamento muito pós-modernista) que rejeitava o espectáculo, o humor, o sexo, o virtuosismo e a narrativa visual. Clark quis dizer que sim a tudo isto, e continua a fazê-lo. Hoje está menos disruptivo, mais discreto, mas longe de estar domesticado. Nas suas coreografias, a estrutura e a elegância do ballet clássico são – sempre foram – conjugadas com uma vitalidade, espontaneidade e jovialidade punk, criando-se uma espécie de dissonância cognitiva que faz nascer novas formas (sim, é possível dançar a distorção de uma guitarra). A pulsão sexual, a abordagem não-binária ao género através dos figurinos e as referências sem pudor à homossexualidade (como pôr um bailarino pelvicamente sinuoso a dançar “Boys, boys, it’s a sweet thing”, de David Bowie) são outros dos elementos que sobrevivem na sua obra. Para Clark, a dança contemporânea “continua a ser conservadora”, diz, depois de perguntarmos se não acha estranho que o rock seja tão pouco usado em coregrafias. “A dança contemporânea não vale nada (risos). Há excepções, mas no geral é tão divorciada da realidade… É meio embaraçoso estar envolvido nela. As pessoas estabeleceram uma ideia estranha do que deve ser a dança contemporânea, inclusive musicalmente. Acho que também tem muito a ver com o facto de se treinar os bailarinos dentro de uma lógica muito limitadora. ”Conciliar a dança com a música das bandas que ia ver depois das aulas na Royal Ballet School (onde os professores já escreviam nos relatórios que tinha uma musicalidade nos movimentos fora de série) foi, desde a adolescência, o seu objectivo maior. “Na altura não conseguia arranjar uma maneira de fazer coexistir as duas coisas, foi um processo um pouco moroso”, revela. Teve aulas com Merce Cunningham e com John Cage, mas foi com a coreógrafa americana Karole Armitage, a “bailarina punk”, que Clark conseguiu o que queria. Foi através desta abertura referencial, matéria vital da própria identidade do pós-punk (os The Fall acarinhavam os seus cartões da biblioteca tanto quanto o LSD e a música) que Michael Clark conseguiu introduzir à dança um novo público, mais plural e democrático. “Sobretudo durante os anos do Riverside Studios, havia todo o tipo de gente a ver as suas peças: punks, cabeleireiras, designers de moda, pessoas que trabalhavam em discotecas. Através do seu trabalho, ele tocou em imensas e diferentes pessoas. É completamente fascinante”, diz Suzanne Cotter. Nos últimos anos, continuou a privilegiar as colaborações com artistas de outras áreas, de Alexander McQueen a Jarvis Cocker, dos Pulp. Na música, vai trabalhar em breve com Kim Deal (Pixies e The Breeders). Michael Clark diz que não se arrepende de nada do que fez no passado. E isso é notório nas suas últimas criações, onde se auto-referencia. Em come, been and gone (2009) reavivou Heterospective (1989) no corpo da bailarina Kate Coyne, solo em que dançou Heroin dos Velvet Underground numa galeria de arte, com um fato adornado de seringas. “Quero continuar a tentar viver a minha fantasia de que tudo é livre. Fazer o que quero. Tem a ver com a forma como cresci”, diz no final da conversa. “Live till your rebirth and do what you will, Oh by jingo”, dançou ele em come, been and gone, ao som de After All de David Bowie. E parece que esta canção nunca fez tanto sentido.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Nova versão de A Bela e o Monstro será o filme da Disney "mais gay de sempre"
O remake do filme de animação de 1991 inclui uma personagem, LeFou, que se debate com a sua sexualidade e com os seus sentimentos pelo antagonista Gaston. (...)

Nova versão de A Bela e o Monstro será o filme da Disney "mais gay de sempre"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 16 | Sentimento 0.136
DATA: 2017-03-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: O remake do filme de animação de 1991 inclui uma personagem, LeFou, que se debate com a sua sexualidade e com os seus sentimentos pelo antagonista Gaston.
TEXTO: Célebre pelo extenso repertório de contos de fadas com príncipes e princesas, a Disney prepara-se para explorar novo território na nova versão live-action de A Bela e o Monstro. O filme conta com Emma Watson e Dan Stevens nos papéis principais e mostra, pela primeira vez, um personagem que se vai confusamente apercebendo da sua homossexualidade. LeFou (Josh Gad) é o braço-direito de Gaston (Luke Evans), o antagonista da história que quer ganhar o afecto de Belle a qualquer custo. Ao contrário do que acontece no original de 1991, no filme de Bill Condon, a obediência de LeFou ao seu senhor vai além da lealdade. “Num dia, LeFou quer ser o Gaston e no outro já quer beijá-lo”, revela o realizador em entrevista à Attitude Magazine que na capa desta edição revela "a verdadeira história que inspirou o filme da Disney mais gay de sempre". Bill Condon refere que esta dinâmica não é esquecida no desfecho da história e, sem querer adiantar muito, diz apenas que “é um bom momento exclusivamente gay num filme da Disney”. LeFou é o maior aliado do mulherengo Gaston e está sempre pronto a alinhar nas suas peripécias. Para quem viu o filme original, o criado é mais conhecido por entoar “Gaston”, uma canção destinada a animar o seu senhor depois de este ser rejeitado por Belle. De acordo com o jornal britânico The Telegraph, versos como “For there’s no man in town half as manly / Perfect, a pure paragon” e “Everyone’s awed and inspired by you / And it’s not very hard to see why” já haviam gerado especulação por parte de alguns fãs sobre se a relação entre os dois seria algo mais do que companheirismo. Matt Cain, editor-executivo da Attitude, refere que a representação da atracção entre pessoas do mesmo sexo no filme é um ponto de viragem para os estúdios da Disney. “[Esta decisão] passa a mensagem de que [a homossexualidade] é normal e natural – e essa é uma mensagem que será ouvida em todo o mundo, mesmo em países onde é socialmente inaceitável ou até ilegal ser gay”, explica em declarações ao Telegraph. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os sentimentos de LeFou por Gaston oferecem um olhar renovado sobre o clássico da Disney e mostram uma preocupação em alargar a representatividade e a diversidade das suas personagens. Também Emma Watson levou o seu activismo – é Embaixadora de Boa Vontade das Nações Unidas desde 2014 e impulsionadora da campanha #HeForShe – para a sua interpretação da protagonista, desenhando-a à medida do seu feminismo. No original, Belle é a assistente do pai, mas no remake é ela própria inventora. Em declarações à revista Vanity Fair, a actriz revelou que trabalhou com a figurinista Jacqueline Durran para incorporar bolsos no seu vestido, “como se fosse um cinto de ferramentas”. Além disso, na versão animada, Belle monta a cavalo num vestido longo e sapatilhas de seda, mas na nova versão, a princesa tem, em vez disso, um par de botas de equitação. “Ela não vai conseguir fazer nada de muito útil com sapatilhas de ballet no meio de uma aldeia do interior francês”, explica a actriz. Questionada pela Entertainment Weekly sobre a influência da Síndrome de Estocolmo no romance – Belle é aprisionada pelo Monstro logo no início do filme – Emma Watson refere que a princesa mantém um espírito rebelde que lhe permite estar encarregue do seu destino. “Ela mantém a sua independência e a sua liberdade de pensamento”, reconhece. A Bela e o Monstro estreia-se nos cinemas portugueses a 16 de Março e conta com Ewan McGregor, Ian McKellen e Emma Thompson no elenco principal.
REFERÊNCIAS: