Comissão Europeia quer operação de segurança e resgate no Mediterrâneo
Número de mortos no naufrágio de Lampedusa subiu para 35. Capitão do navio foi preso. Já tinha sido preso e repatriado em Abril. (...)

Comissão Europeia quer operação de segurança e resgate no Mediterrâneo
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 11 | Sentimento 0.1
DATA: 2013-10-08 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20131008160331/http://www.publico.pt/mundo/noticia/hasjhajshas-1608407
SUMÁRIO: Número de mortos no naufrágio de Lampedusa subiu para 35. Capitão do navio foi preso. Já tinha sido preso e repatriado em Abril.
TEXTO: A Comissão Europeia anunciou, nesta terça-feira, a intenção de propôr aos estados membros uma grande operação de “segurança e resgate” para interceptar navios que transportam imigrantes no Mediterrâneo. “Vou propor aos Estados membros a organização de uma grande operação de segurança e resgate no Mediterrâneo, de Chipre a Espanha”, disse a comissária dos Assuntos Internos, Cecilia Malmström, à chegada à reunião dos ministros europeus do Interior, no Luxemburgo. “Vou pedir o apoio e os recursos necessários para o fazer, para salvar vidas”, acrescentou, explicando que a operação seria feita pela Frontex, agência europeia responsável pela vigilância das fronteiras. Os contornos da operação não foram explicados mas o objectivo anunciado é, segundo o porta-voz da comissária, Michele Cercone, citado pela BBC, melhorar o “acompanhamento, identificação e salvamento de embarcações, nomeadamente embarcações de migrantes”. “Pode ajudar a prevenir tragédias como a de Lampedusa”, acrescentou. Cecilia Malmström acompanhará o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, numa deslocação marcada para quarta-feira a Lampedusa, onde foram já recolhidos os corpos de 235 migrantes africanos mortos num naufrágio, na semana passada. Foram salvos 155 e calcula-se que o navio transportasse mais de 400. A Frontex já ajuda a Itália a interceptar navios com migrantes, mas com recursos limitados. As duas operações da UE no Mediterrâneo Sul envolvem quarto navios, dois helicópteros e dois aviões. Mudança de regras rejeitadaA maior parte dos países da União Europeia recusaram já a pretensão de estados do Sul, sobretudo da Itália, Grécia e Espanha, de modificarem as regras que determinam que o pedido de concessão de asilo seja apresentado no país de entrada e que seja este a assegurar o alojamento dos requerentes. Segundo a AFP, 24 dos 28 estados membros opuseram-se a alterações. A recusa foi confirmada pelo ministro alemão Hans-Peter Friedrich. “A Alemanha é o país que trata do maior número de pedidos de asilo na Europa”, comentou. “Não creio que seja esta a altura” para uma tal decisão, afirmou Malmström. A comissária disse que hoje em dia “há seis ou sete países que assumem toda a responsabilidade” e anunciou que vai pedir aos estados que façam “o máximo para instalarem” mais refugiadosO diário italiano La Repubblica noticiou na manhã desta terça-feira que o capitão do navio naufragado foi preso e acusado de homicídio múltiplo, favorecimento de imigração clandestina e naufrágio. Khaled Ben Salem, 35 anos, de nacionalidade tunisina, tinha, em Abril, sido detido e depois repatriado, por ter transportado 250 refugiados para Lampedusa.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Pelo menos 14 mortos e 200 resgatados em naufrágio perto de Lampedusa
Informações não confirmadas dão conta de 400 pessoas a bordo de embarcação ilegal que partiu da Líbia. (...)

Pelo menos 14 mortos e 200 resgatados em naufrágio perto de Lampedusa
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 11 | Sentimento -0.13
DATA: 2014-05-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: Informações não confirmadas dão conta de 400 pessoas a bordo de embarcação ilegal que partiu da Líbia.
TEXTO: Pelo menos 14 pessoas morreram esta segunda-feira no naufrágio de uma embarcação cheia (calcula-se que estavam a bordo mais de 400 pessoas, os números oficiais ainda não são conhecidos) de imigrantes ilegais ao largo da costa da Líbia, já perto da ilha italiana de Lampedusa, anunciou a agência de notícias italiana Ansa. De acordo com a Marinha e com Guarda Costeira italiana, cerca de 200 pessoas foram resgatadas com vida. O naufrágio ocorreu às 12h (hora portuguesa) a 160 km a sul da ilha italiana de Lampedusa e a 80 km ao largo da costa da Líbia, disse o comandante da Marinha italiana à agência francesa AFP. "Foram resgatadas 200. Enviámos um aviso aos navios mercantes e de cruzeiro perto da área e dois estão no local ", disse à AFP um porta-voz da guarda costeira. A embarcação foi detectada no início da tarde por um avião de patrulha da Guarda Costeira sobre o Canal da Sicília. Um navio mercante foi o primeiro a chegar ao local. Um porta-voz da Marinha da Líbia, o coronel Ayoub Kassem, disse à AFP que a Líbia estava ciente da tragédia, mas que não pôde participar nas buscas de salvamento. "Não temos meios suficientes para ajudar neste naufrágio, que ocorreu em águas internacionais, longe da nossa costa. "As autoridades líbias anunciaram no domingo outro naufrágio em que morreram pelo menos 36 pessoas e onde despareceram outras 42. Esta embarcação transportava também imigrantes ilegais. Segundo o testemunho de sobreviventes, o barco transportava cerca de 130 imigrantes do Mali, Senegal, Gâmbia, Camarões, Burkina Faso e outros países africanos. A Líbia é um país de passagem para centenas de milhares de africanos que tentam, todos os anos, chegar à Europa. Chegados à Líbia são colocados em barcos clandestinos, com os quais tentam fazer a perigosa travessia do Mediterrâneo para Malta ou Lampedusa. O ministro do Interior líbio, Mazek Saleh, já ameaçou "facilitar" o trânsito de imigrantes ilegais para a Europa, se a União Europeia não ajudar a Líbia na luta contra a imigração ilegal. Desde o início do ano, cerca de 22 mil refugiados e imigrantes ilegais chegaram de barco à costa italiana, dez vezes mais do que no mesmo período de 2013, de acordo com o Governo italiano. Cerca de 20. 000 imigrantes morreram, nos últimos 20 anos, na região do Mediterrâneo a tentar chegar à Europa, de acordo com organizações humanitárias. Desde o ano passado, depois de dois naufrágios que mataram mais de 400 pessoas perto de Lampedusa e Malta, Itália comprometeu-se com a vasta operação Mare Nostrum para tentar evitar tragédias deste tipo perto da sua costa.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave imigração ilegal
As “manifestações de segunda-feira” regressaram à Alemanha, agora contra os imigrantes
Um grupo baptizado com o nome “Patriotas europeus contra a islamização do país” está a mobilizar cada vez mais alemães. Merkel já fez saber que “não há lugar na Alemanha” para o ódio contra os muçulmanos. (...)

As “manifestações de segunda-feira” regressaram à Alemanha, agora contra os imigrantes
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-01-09 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150109050747/http://www.publico.pt/1679387
SUMÁRIO: Um grupo baptizado com o nome “Patriotas europeus contra a islamização do país” está a mobilizar cada vez mais alemães. Merkel já fez saber que “não há lugar na Alemanha” para o ódio contra os muçulmanos.
TEXTO: Principal destino da imigração na Europa, a Alemanha enfrenta com preocupação um aumento de uma vaga populista, com a multiplicação nas últimas semanas de manifestações contra os estrangeiros. Estes protestos, que ocorreram em várias cidades do país, são organizados ou apoiados por diversos movimentos de extrema-direita ou neonazis, bem como pelo jovem partido anti-euro Alternativa para a Alemanha (AfD), que adoptou também ele um discurso xenófobo. Símbolo deste movimento populista, o grupo baptizado “Patriotas europeus contra a islamização do país” (PEGIDA), que nasceu em Outubro, não tem parado de crescer. Há já várias semanas, organiza as “manifestações de segunda-feira”, replicando os protestos que fizeram vacilar o regime comunista na ex-RDA até à queda do Muro de Berlim, há 25 anos. O grupo foi mesmo ao ponto de reciclar o slogan da altura : “Nós somos o povo. ”Dusseldorf (Oeste), Würzburg (Sul), Rostock (Norte), Bochum (Oeste), Munique (Sul). . . os protestos, que inicialmente chegaram a juntar várias centenas de pessoas expandiram-se rapidamente. Na passada segunda-feira, o PEGIDA surpreendeu ao juntar dez mil pessoas em Dresden, a capital da Saxónia, um land da ex-Alemanha de Leste que enfrenta dificuldades económicas e sociais. Para esta segunda-feira está convocada nova manifestação na mesma cidade, o que levou a chanceler Angela Merkel a fazer saber que “não há lugar na Alemanha” para o ódio contra os muçulmanos ou qualquer outro grupo religioso ou racial. Outro exemplo: Marzahn, bairro deserdado de Berlim Leste onde os protestos de segunda-feira, oficialmente organizados por “cidadãos”, se repetem há várias semanas. No final de Novembro, 800 pessoas, entre neonazis e residentes locais, protestaram contra a construção de centros de alojamento para os estrangeiros que pediram asilo. Na semana passada, perto de Nuremberga (Baviera, Sul), três edifícios vazios que deveriam servir para albergar refugiados foram incendiados, sem dúvida por mão criminosa, segundo a polícia. No local, foram encontradas inscrições racistas e cruzes suásticas. Estes movimentos tentam “mobilizar o ressentimento, designar um inimigo”, analisa Hajo Funke, professor de Ciência Política da Universidade Livre de Berlim. “Isso torna-se perigoso quando se transforma em ataques desprezíveis” e favorece “o despertar dos instintos de massas”, avisa. O nome “Patriotas europeus contra a islamização do país”, o seu desejo de salvar a Alemanha do islão, tudo isto soa como “um apelo às armas lançado por populistas de extrema-direita” e faz lembrar as cruzadas cristãs e a propaganda nazi, afirma o professor. Bodes expiatóriosEstas manifestações acontecem num contexto de imigração maciça para a Alemanha. No início de Dezembro, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) revelou que o país, visto como uma ilha de prosperidade, se tornou em 2012 o principal destino de imigração na Europa, acolhendo nesse ano 400 mil pessoas. A Alemanha também se tornou no primeiro destino daqueles que pedem asilo na Europa, e as suas estruturas de acolhimento chegaram ao ponto de saturação. Desde o início do ano, o país acolheu 180 mil refugiados (mais 57% do que no mesmo período de 2013), nomeadamente pessoas que fugiram de países assolados por conflitos armados: Síria, Iraque, Afeganistão, Somália… bem como muitos ciganos dos Balcãs. A enorme manifestação da passada segunda-feira em Dresden atraiu militantes da extrema-direita mas também simples cidadãos descontentes, o que mostrou que a expressão pública de sentimentos xenófobos deixou de ser um tabu, num país marcado pelo seu passado nazi. Muitos daqueles que saíram à rua são pessoas que “fracassaram nas suas vidas e no seu trabalho e projectam nos outros os seus próprios fracassos. Eles procuram bodes expiatórios”, disse Rainer Wendt, presidente do sindicato de polícias alemães, numa entrevista ao canal N-Tv. Oficialmente, o PEGIDA é contra os jihadistas e os estrangeiros que se recusam a integrar-se na sociedade alemã. Mas durante as manifestações, os alvos dos slogans e dos cartazes também foram as “elites políticas”, os “burocratas europeus” e os “grandes media”, promotores de um multiculturalismo que “dilui” a cultura alemã.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
“Houve um falhanço para explicar o que significa a Europa”
O co-fundador da European Alternatives alerta para o perigo de os partidos políticos tradicionais europeus deslocarem-se para a direita para recuperar eleitores aos populistas da extrema-direita. E reafirma a importância da resistência dos cidadãos para não perder de vista o bem comum europeu. (...)

“Houve um falhanço para explicar o que significa a Europa”
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 6 | Sentimento -0.31
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O co-fundador da European Alternatives alerta para o perigo de os partidos políticos tradicionais europeus deslocarem-se para a direita para recuperar eleitores aos populistas da extrema-direita. E reafirma a importância da resistência dos cidadãos para não perder de vista o bem comum europeu.
TEXTO: Niccolò Milanese é co-fundador da organização European Alternatives — torce um pouco o nariz à expressão think tank, sorri à palavra rede —, que procura promover a reflexão entre indivíduos e organizações da sociedade civil. Iniciou o European Alternatives em 2007 com o amigo Lorenzo Marsili — que mais tarde esteve na fundação do DiEM25 — e hoje o grupo tem escritórios em Londres, Paris, Roma e Berlim, promovendo eventos e debates em outras cidades, incluindo Lisboa. Em conjunto, como europeus, por todo o continente, “vamos ter que inventar novas formas de fazer política”, diz. Milanese - que com Marsili publicou este ano o livro “Cidadãos de lado nenhum” - esteve em Serralves, no Porto, esta segunda-feira, para participar no ciclo de conferências “Utopias Europeias”, onde se reflectiu sobre cidadania europeia. Em conversa com o PÚBLICO antes da conferência, este activista fala sobre o “falhanço catastrófico da coordenação europeia” e da “necessidade de uma imaginação europeia colectiva”. Quais são as propostas do European Alternatives para estas eleições europeias?Vamos enviar caravanas pelo continente europeu, antes das eleições europeias, para falar com as pessoas. Não tanto sobre as eleições europeias, mas sobre o que é que as preocupa enquanto cidadãos. Não estamos em campanha, porque não somos candidatos. Também não estamos a tentar convencer as pessoas a votar. Queremos que as pessoas vejam a importância das questões europeias para as suas vidas quotidianas, mostrando-lhes como é que os diferentes assuntos que as preocupam estão relacionados com as mesmas questões para outras pessoas em outros países da Europa. Se estão a tentar parar uma exploração de minério no norte da Roménia, explicamos-lhes como é que isso está ligado a campanhas contra a exploração no Mar Adriático. Se estão a melhorar a situação de migrantes, explicamos-lhes como é que isso está ligado ao que outras pessoas estão a fazer pela Europa. Pode haver uma solução europeia para isso. Estamos a tentar, de uma forma muito concreta, usar a oportunidade das eleições para construir solidariedade e entendimento entre cidadãos da Europa. Estamos a fazer isto, e também a preparar o nosso festival, que vai acontecer em Palermo em Outubro. Depois das eleições. Exactamente. Vai ser uma oportunidade para avaliar o estado das novas instituições europeias. Talvez haja uma nova Comissão nessa altura. O plano é continuar a resistência. Nestes 11 anos de European Alternatives, o que mudou na Europa?Tornou-se claro para nós que havia um grande vazio político na Europa, onde os cidadãos deveriam estar. Quando começámos a European Alternatives, em Londres, ninguém sabia o que é que estávamos a tentar fazer. Dizíamos que nos chamávamos European Alternatives e as pessoas perguntavam "o que é que isso quer dizer". Hoje, dizemos que nos chamamos European Alternatives e as pessoas respondem que isso é exactamente o que precisam, mesmo antes de explicarmos o que significa. E há uma reacção à extrema-direita, a tudo o que está a acontecer na Europa nos últimos dez anos, a crise do euro, o desemprego jovem, o Brexit, por aí fora. Há agora jovens europeus radicais, e isto já não se via nos últimos 60 anos, na história europeia. Quando diz europeus radicais, fala de radicais progressistas ou de uma ideia radical de Europa?O que significa ser um europeu radical hoje em dia é ainda indefinido. Certamente não é a mesma coisa que se passava nos anos de 1980 quando se pensava num estado ou federação europeia, mas talvez seja algo mais semelhante a uma "europeidade" radical dos prisioneiros do 2010, Altiero Spinelli e as pessoas da resistência italiana. Os jovens de hoje vêem-se numa posição de resistência, em que nenhuma opção política lhes parece boa. Sentem-se, por um lado, totalmente comprometidos, mas por outro lado não se sentem bem representados. E fortemente ligados a uma ideia de Europa. A juventude, em particular, não parece identificar-se com estruturas tradicionais como partidos ou mesmo o voto. Depois da experiência da crise económica e dos movimentos de protesto, Occupy e outros, tentaram ter alguma influência e em alguns aspectos falharam totalmente. [Mas] não concordo que os mais jovens estejam desinteressados nos partidos políticos. Percebem cada vez mais a importância do voto, também. Não me surpreenderia se a afluência ao voto nas eleições europeias for maior. As pessoas estão a perceber como é importante envolverem-se nas instituições, ou então acabam com instituições de que gostam ainda menos. Também em vários países diferentes, em particular à esquerda, há movimentos juvenis fortes a tentar reformar os partidos. Claro que não são todas as pessoas jovens no país, mas há uma fatia suficiente a organizar-se e a tentar transformar a política partidária. E as próximas eleições? Como se está a lidar com os discursos populistas e nacionalistas?Antes de mais, não devemos entrar em pânico em relação à extrema-direita. É correcto dizer que existe um perigo de a extrema-direita ganhar uma percentagem grande [de votos], mas não há nenhum perigo, de acordo com as sondagens, de que eles tenham uma maioria, estamos a falar de 15%. E mesmo aí a extrema-direita está dividida em diferentes grupos políticos, pode ser que se reorganizem, mas ainda assim são pequenos. O verdadeiro perigo é que os grupos políticos tradicionais, em particular o PPE, mas também os socialistas, pensam que têm que usar a linguagem da extrema-direita para ganhar mais alguns votos. Este é o perigo. Porque aí temos os partidos tradicionais, que vão [de facto] compor a maioria do Parlamento, a mover-se cada vez mais para a direita. A extrema-direita está presente e é um perigo, mas não representa as opiniões da vasta maioria dos europeus. A vasta maioria dos europeus está até bastante chocada e preocupada com o facto de a sociedade estar a tornar-se mais e mais racista e colérica. Esta é uma responsabilidade nossa em relação aos políticos. Toda a gente está a falar sobre a Europa agora, o que quase nunca se vê em eleições europeias. E os partidos tradicionais estão a trazer as mesmas campanhas aborrecidas, com os seus partidos políticos nacionais a fazer o mesmo tipo de argumentos sem nenhuma agenda transformadora para a Europa. E temo que não haja tantas novas propostas vindas de novos actores porque é deliberadamente difícil formarem-se novos partidos políticos na Europa. Há algumas tentativas, a European Spring, o Volt. O que gostaríamos que acontecesse era que os principais partidos políticos reparassem na emergência destas novas iniciativas e pensassem que afinal não precisam de andar sempre atrás da extrema-direita. Diz que as ideias da extrema-direita não são necessariamente apoiadas pela maioria da população. Está-se a dar demasiada atenção a esses discursos?Não deveríamos estar fascinados com a extrema-direita, e não acho que vão vencer as eleições europeias, mas também temos que reconhecer que a extrema-direita está no poder em alguns países. Claramente, a extrema-direita é um perigo real. E porque é que as pessoas se sentem pressionadas a votar neles? Faltam alternativas credíveis a nível nacional. Há uma combinação de pessoas desesperadas e pessoas genuinamente racistas a votar pela extrema-direita. E as pessoas que não votam pelos partidos estão muito frustradas. Uma das grandes razões para isso é que é impossível apresentar alternativas credíveis. Por exemplo, para a crise migratória — que não é uma crise sobre migração, mas é assim que lhe chamam —, ou para a crise do euro. . . É impossível apresentar alternativas credíveis para essas coisas a nível nacional. Só podem ser resolvidas através de coordenação europeia, e esta tem falhado nestes últimos dez anos. Houve um falhanço catastrófico da coordenação europeia e de uma imaginação europeia colectiva. Porque é que estas coisas acontecem? É um misto de líderes políticos que infelizmente não estiveram à altera da tarefa histórica com que se depararam - temos que reconhecer isso -, mas também um falhanço na criação de pré-condições na sociedade para uma cooperação europeia real funcionar. Falta uma esfera pública europeia para pôr as pessoas a pensar "europeicamente"?Sim, apesar de que falar na falta de uma esfera pública europeia é um pouco abstracto. Há coisas muito concretas que a União Europeia devia ter feito, desde o Tratado de Maastricht [em 1992], e particularmente no contexto do alargamento. No momento em que o muro de Berlim caiu, o que deveria ter sido feito era um grande esforço para explicar aos europeus ocidentais e orientais quem eram os seus novos vizinhos. Um esforço público, a envolver escolas, informação na televisão, líderes políticos a desenvolver discurso para explicar o que é esta nova comunidade. Se não explicarmos às pessoas a comunidade política de que agora fazem parte, é claro que em momentos de crise acontece todo o tipo de incompreensões. Temos que reconhecer que isto falhou na Europa. Um falhanço de responsabilidade intelectual. . . Não apenas dos intelectuais, apesar de eles também terem tido o seu papel, mas de todas as pessoas em posições de autoridade na sociedade, para explicar o que significa a Europa. Quais seriam os meios para atingir este pensamento europeu?Na Europa, temos o luxo de ter tempo para construir uma alternativa radical, que possa tornar a globalização democrática e progressista. Temos sistemas legais relativamente sólidos, temos riqueza relativa na sociedade, temos segurança global contra a guerra ou a fome, e com esse enorme luxo vem uma forte obrigação, em particular para as pessoas em posições de autoridade que falam publicamente, para explicar o que a Europa significa, explicar as obrigações e vantagens que traz para todos nós. Não temos que concordar em tudo, mas temos que admitir que se queremos ter uma capacidade colectiva de mudar o curso da História global num momento em que todas as pessoas reconhecem este perigo, vamos ter que trabalhar juntos, como europeus, por todo o continente. E vamos ter que inventar novas formas de fazer política. No Parlamento Europeu, e até nos parlamentos nacionais. “Cidadãos de lugar nenhum”. Qual é a ideia do seu livro?O título do livro vem daquela espécie de insulto que Theresa May, a primeira-ministra britânica, fez em Outubro de 2016, quando disse “se pensam que são cidadãos do mundo, são na verdade cidadãos de lado nenhum”. E o que dizemos no livro é que, se quisermos ler de outra forma o que Theresa May quis dizer, talvez possa haver alguma verdade ali. Mas não a verdade que ela pensa. Porque todos nos tornamos cidadãos do mundo, desde os mais ricos aos mais pobres. Hoje, todas as pessoas estão cientes de que fazem parte de um mundo interconectado onde o que acontece em lugares muito distantes pode ter consequências muito imediatas para elas. Têm reacções muito diferentes a esse facto, mas temos consciência de que esta é uma viragem histórica. Se nos tornarmos cidadãos do mundo, somos ainda cidadãos de lado nenhum, de alguma forma, porque ainda não temos uma agência cívica para ter influência na direcção do mundo onde vivemos. Falava das questões que nos preocupam colectivamente, como o ambiente, a questão dos refugiados. Como encontrar união nestas questões?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As instituições europeias são das mais poderosas do mundo e, para bem e para o mal, não há como escapar a isso, se se estiver nesta parte do mundo. É muito melhor estar dentro da UE, tentar influenciar a forma como estas instituições muito poderosas funcionam, e perceber que com esta capacidade colectiva, como o maior mercado do mundo que é o que é o mercado único [europeu], podemos ter uma influência enorme sobre a forma como a globalização funciona. Isto é uma conclusão muito concreta. Mas parte dessa conclusão requer compreender que todos temos que trabalhar em conjunto por toda a Europa para fazer isso. Se andamos a lutar uns contra os outros para ter um mínimo de vantagens nacionais e recusarmos cooperar. . . Nós vimos nos últimos dez anos que isto leva apenas a tentativas de criar muros entre nós que não funcionam. Nós temos a experiência de não-cooperação europeia, e deveríamos perceber a tolice que é termos refugiados retidos em ilhas no Sul da Grécia, mini-empregos na Alemanha pagos a 200 euros por mês, níveis históricos de pobreza no Reino Unido, desemprego jovem maciço em Espanha e em Portugal. Estas são consequências da "descooperação" europeia. Agora, vamos tentar a cooperação europeia?Veio ao Porto falar sobre a utopia europeia. A cidadania europeia é algo fora do alcance? Estamos mais perto disso, apesar das forças antieuropeias?É uma boa pergunta. Penso que a resposta é ambígua. A sociedade está dividida. Há uma tendência para ignorar o vizinho, há uma crescente incompreensão. O que não é o mesmo que ignorância, não é que os alemães não saibam que os italianos estão lá ou que os franceses estão lá. É precisamente por saberem que os outros estão lá que começam a tentar ignorá-los, ou a não ouvi-los devidamente. Há esta espécie de incompreensão crescente, mas por outro lado há uma energia positiva, utópica. Mais e mais pessoas estão a aperceber-se de duas coisas. A primeira, que muitas áreas da política não estão a funcionar de forma isolada na Europa. A segunda, a nossa classe política actual não vai lidar com o problema a não ser que sejam mesmo obrigados pelos cidadãos. Nos últimos dez anos, entre alguns grupos da população europeia tem havido uma reivindicação da cidadania europeia, enquanto antes poderia ser apenas uma coisa escrita no passaporte, agora as pessoas estão a reclamar isso para si mesmas. Com mais força, claro, no Reino Unido, onde há o risco de isso ser retirado, mas também entre outras pessoas. Quando Nicolas Sarkozy tentou expulsar pessoas de etnia cigana de França, muitas dessas pessoas e também associações romani diziam “nós somos cidadãos europeus, temos direito de estar aqui”. Há esta espécie de reivindicação de uma cidadania europeia, independentemente do que as autoridades nos digam. E isto é uma coisa muito positiva.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Costa do Marfim: 14 mil pessoas já fugiram para a Libéria
Pelo menos 14 mil pessoas deixaram a Costa do Marfim para a Libéria em fuga da violência pós-eleitoral que já matou mais de 200 pessoas. (...)

Costa do Marfim: 14 mil pessoas já fugiram para a Libéria
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Animais Pontuação: 12 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-12-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pelo menos 14 mil pessoas deixaram a Costa do Marfim para a Libéria em fuga da violência pós-eleitoral que já matou mais de 200 pessoas.
TEXTO: O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados “registou um total de 14 mil refugiados no Leste da Libéria que fugiram na sequência da instabilidade pós-eleitoral”. A agência da ONU disse ainda em comunicado ter informações sobre alguns refugiados impedidos de atravessar a fronteira por grupos de rebeldes. Membros das Forças Novas “obrigaram os refugiados das vilas [da região de] Danane a desviarem-se do seu caminho cerca de 80 quilómetros antes de entrarem na Libéria”, acrescentou o ACNUR, apelando à “protecção dos civis”. O Presidente cessante, Laurent Gbagbo, considerou entretanto “inaceitável” a ameaça de recorrer à força para o afastar da presidência feita pelos países da Comunidade de Estados da África Ocidental (CEDEAO). Segundo o porta-voz do Governo de Gbagbo, Ahoua Don Mello, “todos os países [da CEDEAO] têm cidadãos na Costa do Marfim” e quaisquer “ataques do exterior vão transformar-se numa guerra no interior”. A CEDEAO voltou a exigir na sexta-feira que Gbagbo abdique do poder em benefício do opositor, Alassane Ouattara, vencedor reconhecido das presidenciais de 28 de Novembro. “O povo da Costa do Marfim vai mobilizar-se. Isto exacerba o seu patriotismo, reforça a fé no nacionalismo. Esta vontade de reconciliação do continente africano vai terminar na Costa do Marfim, a não ser que se extermine toda a sua população”, afirmou ainda o porta-voz Ahoua Don Mello. A violência na Costa do Marfim fez, pelo menos, 173 mortos entre a quinta-feira da semana passada e a última terça-feira, denunciou a Alta Comissária adjunta das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Kyung-Wha Kang. Até então, a ONU contabilizava em 50 mortos e 200 feridos as vitimas da violência entre partidários de Gbagbo e Ouattara.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
A fotografia que apanhou o grito do assassino vence World Press Photo
O vencedor da 60.ª edição do World Press Photo é o fotógrafo Burhan Ozbilici da Associated Press, que registou a expressão do assassino do embaixador russo em Ancara. (...)

A fotografia que apanhou o grito do assassino vence World Press Photo
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.3
DATA: 2017-02-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: O vencedor da 60.ª edição do World Press Photo é o fotógrafo Burhan Ozbilici da Associated Press, que registou a expressão do assassino do embaixador russo em Ancara.
TEXTO: De arma na mão, a gritar por Alepo e com o cadáver do embaixador russo prostrado a seu lado. É assim que surge Mevlüt Mert Altintas, o atirador de 22 anos que matou Andrei Karlov, na fotografia vencedora do World Press Photo deste ano. A imagem intitulada An Assassination in Turkey foi registada pela lente do fotojornalista turco Burhan Ozbilici, da Associated Press (AP), e recebe agora a distinção de fotografia do ano do World Press Photo (WPP), um concurso em que participaram mais de cinco mil fotógrafos de 125 países, que submeteram à apreciação dos júris mais de 80 mil imagens. “Demorei alguns segundos a perceber o que tinha acontecido: um homem morreu à minha frente; uma vida desapareceu diante dos meus olhos”, escreveu Ozbilici no site da Associated Press (AP), no dia seguinte ao sucedido. “Tinha de fazer o meu trabalho”, afirmou o fotógrafo de 59 anos. Foi a 19 de Dezembro de 2016. O momento captado por Ozbilici aconteceu na Galeria de Arte Contemporânea de Ancara, na Turquia, pouco depois do diplomata Andrei Karlov, que fazia um discurso de inauguração da exposição de fotógrafos russos, ter sido assassinado. O autor dos disparos era polícia, tinha 22 anos e fazia parte do dispositivo de segurança do embaixador. O atacante estava vestido à civil e fez um discurso sobre a guerra na Síria, mencionando a situação dramática da cidade de Alepo. “Não se esqueçam da Síria! Não se esqueçam de Alepo!”, gritou Mevlüt Mert Altintas, depois de balear o embaixador russo pelas costas. “Só a morte me vai tirar daqui”, bradou. Altintas ainda feriu três outras pessoas até ser abatido a tiro pela polícia. Burhan Ozbilici resolvera passar pela galeria à última da hora. Nunca tinha, aliás, fotografado uma inauguração na capital turca mas, com a então recente reaproximação entre a Rússia e a Turquia, achou que podia vir a ser útil registar o momento. Nunca pensou, claro, que o momento seria aquele, contou: “O acontecimento parecia rotineiro, a abertura de uma exposição de fotógrafos da Rússia. Por isso, quando um homem de fato escuro e gravata puxou de uma arma, eu fiquei aturdido e pensei que se tratasse de floreio teatral. ” Seguiram-se os disparos, "pelo menos oito", e o pandemónio instalou-se. "Eu estava com medo e confuso, mas consegui cobrir-me parcialmente atrás de uma parede e fiz o meu trabalho: fazer fotografias. "A escolha da fotografia vencedora da 60. ª edição do World Press Photo foi feita por um júri constituído por fotógrafos de vários países. “Foi uma decisão muito difícil”, diz Mary F. Calvert, uma das juradas, citada no comunicado em que o WPP divulga os premiados. “É uma imagem explosiva que mostra verdadeiramente o ódio dos nossos tempos”, diz, referindo-se à fotografia do ano. O fotojornalista luso-sul-africano João Silva, que foi gravemente ferido no Afeganistão em 2010 durante uma reportagem para o Times, é outro dos membros do júri desta edição do World Press Photo. “Vejo o mundo a caminhar em direcção a um abismo. Este é um homem que claramente chegou a um ponto de ruptura”, afirma, reconhecendo em Mevlüt “o rosto do ódio”. Esta imagem, acrescenta João Silva, faz lembrar os conflitos que estão a acontecer na Europa, na América, na Síria e no Extremo e Médio Oriente. O presidente do júri, entretanto, pronunciou-se publicamente contra a escolha desta imagem "de terror" como foto do ano. "Promove a ligação entre martírio e publicidade”, escreveu Stuart Franklin, num artigo de opinião no The Guardian. "É a fotografia de um homicídio, o assassino e a vítima, ambos na mesma imagem, e tão problemática de publicar como uma decapitação terrorista", descreve o fotógrafo, que considera merecido o prémio dado a Ozbilici na categoria de Spot News Stories (Notícias Locais), mas não como foto do ano. Burhan Ozbili nasceu em Erzurum, na Turquia, e trabalhou com vários jornais do seu país até entrar para a AP, em 1989. Cobriu a guerra do Golfo na Árabia Saudita, em 1990, e tem acompanhado muitos acontecimentos importantes na Turquia, como a tentativa de golpe de estado de 2016. O vencedor recebe 10 mil euros e algum material disponibilizado pela Canon. As fotografias premiadas vão viajar por 45 países, onde serão expostas. Na categoria de Temas Contemporâneos (Fotografia Única), o premiado foi Jonathan Bachman, da Reuters, que fotografou a activista Ieshia Evans nos protestos de Baton Rouge, nos Estados Unidos, a entregar-se pacificamente à polícia. Entre os outros escolhidos encontram-se um ensaio sobre o vírus Zika, feito pelo fotojornalista brasileiro Lalo de Almeida, da Folha de São Paulo; um outro sobre Cuba, executado no rescaldo da morte de Fidel Castro e da autoria de Thomas Munita, do diário The New York Times; assim como muitos outros trabalhos que retratam a guerra e as suas consequências, ataques, migrações e temas quotidianos. A galeria de fotografias premiadas pode ser consultada aqui. Este ano, nas oito categorias existentes foram premiados 45 fotógrafos de 25 países (Portugal está de fora da lista de países vencedores). Em 2016, Mário Cruz, da agência Lusa, ficou em primeiro lugar na categoria de Temas Contemporâneos, com um ensaio feito no Senegal e na Guiné-Bissau sobre uma forma de escravatura contemporânea, a que atinge os talibés, os rapazes que vivem nas escolas corânicas e que são obrigados a mendigar pelas ruas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A fotografia vencedora do World Press Photo of the Year do ano passado foi a de Warren Richardson, um fotógrafo australiano que registou o momento em que dois refugiados passavam um bebé pelo buraco de uma vedação de arame farpado, na fronteira entre a Sérvia e a Hungria. Para distinguir as melhores narrativas jornalísticas digitais foi criado, em 2011, o World Press Photo Digital Storytelling. A sétima edição desta categoria destinada a trabalhos multimédia escolheu como vencedores de 2017 o trabalho The Dig, outro sobre a ginasta Simone Biles publicado no New York Times e uma reportagem focada na construção do muro na fronteira entre o México e os Estados Unidos, feita pelo The Washington Post. Entre os outros premiados estão também o projecto cinematográfico When the Spirit Moves, de Justin Maxon e Jared Moossy, e o vídeo Claressa. A galeria de trabalhos digitais premiados pode ser consultada neste link.
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
A Nakba
Nos dias de hoje assistimos à libertação da palavra que não hesito em qualificar de antissemita. Israel tornou-se o judeu das nações. Outra vez? (...)

A Nakba
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nos dias de hoje assistimos à libertação da palavra que não hesito em qualificar de antissemita. Israel tornou-se o judeu das nações. Outra vez?
TEXTO: Para quem tenha estado desatento, principalmente no momento em que tanto se fala de Gaza e do “massacre” por parte de Israel, a palavra Nakba significa tragédia, catástrofe, em árabe. É a designação associada à partilha da Palestina pelas Nações Unidas em 1947, seguida pela criação do Estado de Israel e ao subsequente êxodo de cerca de 700 mil árabes da Palestina. Mas para além do qualificativo, importa perceber quais as razões deste êxodo massivo. Para certos comentadores, tratou-se muito simplesmente de uma expulsão, de “uma limpeza étnica” programada de antemão pelo sionismo “racista e colonialista”. Mas na realidade, depois da recusa árabe da partilha da Palestina decidida pela ONU, as populações árabes palestinianas privadas de uma direcção politica e militar remetem-se nas mãos dos exércitos dos Estados árabes. Com efeito, na época não existe nenhuma instituição representativa dos árabes da Palestina. A razão é simples: durante todo o período do Mandato Britânico, é o pan-arabismo que está no centro da luta contra o sionismo. Para o movimento nacionalista árabe, a Palestina é a parte sul da Síria. Em nenhum momento se coloca a questão de um Estado palestiniano. Em nenhum momento os dirigentes árabes, apesar de largamente maioritários no quadro das fronteiras do Mandato Britânico na Palestina, tentam criar estruturas de um futuro Estado árabe na Palestina. Em 1947, na ONU, opondo-se à formação dos dois Estados, o delegado do Alto Comité Árabe dirá: “A Palestina faz parte da Província da Síria (. . . ) politicamente, os Árabes da Palestina não são independentes ao ponto de formar uma entidade politicamente separada. ” Esta convicção é tão profunda que ainda em 1956, Ahmed Choukeiry, que fundará a OLP em 1964, declara: “É do conhecimento público que a Palestina mais não é do que a Síria do Sul. ”Assim, será a própria guerra que tinha como fim impedir a formação do Estado judaico que acabará por levar ao êxodo de centenas de milhares de árabes. Este começa em Dezembro de 1947 e, em Março de 1948, escreve o historiador Benny Morris: “Com a fuga de uma parte das classes superiores e médias de cidades como Haifa e Jafa destinadas a fazer parte do futuro Estado judaico (. . . ). Esta fuga das elites contagia e atinge as comunidades rurais. ”A imprensa da época comprova-o: o jornal jordano Filastin escreve a 19. 5. 1949: “Os Estados árabes encorajaram os árabes da Palestina a deixar temporariamente as suas casas para não perturbar o avanço dos exércitos árabes. ” Mahmud Darwich, poeta nacional palestiniano, também confirma esta versão dos factos: “Para os meus pais, a nossa estadia no Líbano era temporária; estávamos de visita ou em passeio. Na época tinham recomendado aos palestinianos que deixassem a sua pátria para não atrapalhar o desenvolvimento das operações militares árabes que deviam durar apenas alguns dias e permitir o nosso rápido regresso. Os meus pais descobriram rapidamente que essas promessas não passavam de sonhos ou ilusões. ”O abandono da Palestina pelas elites árabes e o incitamento dos Estados árabes junto das populações árabes da Palestina para saírem temporariamente do país são factos históricos. Mas não esgotam as suas causas: o Exército israelita também levou a cabo a expulsão de árabes da Palestina em zonas consideradas estratégicas do ponto de vista militar, nomeadamente vias essenciais de comunicação e zonas fronteiriças. Segundo Benny Morris, estas expulsões atingem 5% do total de refugiados. Em 1949, Ben-Gurion aceita o regresso de 100. 000 pessoas, mas é confrontado com a recusa lapidar dos Estados árabes que, mesmo depois da sua estrondosa derrota na guerra por eles próprios desencadeada, continuam a proclamar a ilegalidade fundamental do Estado judaico e a sua total destruição ao mesmo tempo que exigem a readmissão total e incondicional de todos os refugiados. Pressionado por todos os lados, incluindo pelos americanos, Ben-Gurion clama que no limite poderão destruir Israel, mas não obrigar o país ao suicídio. . . porque é disso que se trata. A Resolução da Conferência dos Refugiados Árabes em Homs, na Síria, a 11 de Julho de 1957, é cristalina: “Qualquer discussão para uma solução do problema palestiniano que não seja baseada sobre o direito dos refugiados de destruir Israel será considerada como uma profanação do povo árabe e como um acto de traição. ” Em 1960, o Presidente Nasser dirá: “Se os refugiados regressarem a Israel, Israel deixará de existir”. . . Esta será a essência da política dos Estados árabes para quem os refugiados serão a arma ideal contra Israel, impedindo a sua integração nos seus próprios países e bloqueando sistematicamente todos os projectos da UNRWA escalonados entre 1949 e 1959 destinados a conferir uma base económica própria aos refugiados. É o próprio director da organização, Ralph Galloway, quem o afirma cruamente em Amã, em 1951: “Os Estados árabes não desejam resolver o problema dos refugiados. Querem mantê-lo como ferida aberta, uma afronta às Nações Unidas e uma arma contra Israel. Que os refugiados vivam ou morram, é a última das preocupações dos líderes árabes. ” As consequências desta politica far-se-ão sentir duas décadas mais tarde: nos campos em que são mantidos como párias, vivendo da caridade internacional e onde se multiplicam com estatuto de refugiados por gerações sucessivas, nascerá um nacionalismo palestiniano alimentado pelo ressentimento e pelo ódio. . . No quadro da vitória fulminante na Guerra dos Seis Dias, guerra que nunca desejou, Israel conquistou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, que desde 1949 estavam nas mãos da Jordânia, e Gaza, até então pertencente ao Egipto. É bom lembrar que na resolução 242 das Nações Unidas aprovada em Novembro de 1967, pedindo a Israel para se retirar de territórios recentemente ocupados, as palavras “Palestina” e “Palestinianos” não constam do texto da resolução. Os territórios a devolver tinham como destinatários os países aos quais tinham sido conquistados e não a um eventual Estado palestiniano. . . Devia Israel ter saído unilateralmente dos territórios árabes? Talvez com isso tivesse conquistado a simpatia da opinião pública mundial, mas não certamente a dos países árabes nem da OLP, cujo ódio e ressentimento duplicaram com a humilhante derrota. Logo no primeiro dia de Setembro teve lugar a cimeira de Karthoum, na qual é reafirmada a posição dos países árabes e da OLP fundada em 1964: “Não à paz com Israel, não ao reconhecimento de Israel, não à negociação com Israel. ” Face a este impasse, Israel foi-se habituando progressivamente a um status quo que de provisório se tornou permanente. Começa assim lentamente a instalação judaica nos territórios para além da “linha verde”, alimentada pela radicalização árabe e palestiniana, pelo sentimento de insegurança israelita e pelo despontar de um nacionalismo messiânico apologista da instalação judaica no berço do judaísmo bíblico: a Judeia-Samaria. Enquanto estes três ingredientes não forem ultrapassados por ambas as partes, as tragédias como a que acaba de acontecer em Gaza continuarão. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas para todos os que criminalizam Israel é preciso relembrar que a retirada unilateral de Gaza em 2005 decidida por Ariel Sharon teve apenas uma consequência: a vitória do grupo terrorista Hamas nas eleições para o parlamento palestiniano em 2006, que depois de expulsar a Autoridade Palestiniana do território mantém a sua população refém do seu ódio e determinação em aniquilar Israel. Uma organização terrorista que não hesita em utilizar a sua população como alvo para deslegitimar Israel aos olhos do mundo. A morte de vidas humanas causada pela resposta do Exército israelita à provocação do Hamas indignou a “comunidade internacional”. Mas estranhamente esta não se questiona como é possível uma mãe levar um bebé de dois meses a manifestações violentas mesmo depois dos sucessivos alertas do Exército israelita. Uma União Europeia que não tem uma palavra contra o Hamas e que, em nome de um processo de paz inexistente, prefere o status quo que eterniza o conflito entre as partes. Que não entende que a vitimização que dura há 70 anos apenas prejudica as suas “vítimas” e que não há reconhecimento internacional capaz por si só de edificar um país. E, finalmente, que a pior arma escolhida pelas boas consciências sempre em paz consigo próprias é o boicote absurdo precisamente à consciência mais crítica de Israel, como são os seus académicos, escritores, artistas e pensadores. Nos dias de hoje assistimos à libertação da palavra que não hesito em qualificar de anti-semita. Israel tornou-se o judeu das nações. Outra vez?
REFERÊNCIAS:
Religiões Judaísmo
O Brasil de Bolsonaro quer ser o melhor amigo de Trump
Política externa brasileira vai sofrer várias inflexões com o novo Presidente. Aproximação aos EUA e a Israel serão alterações de peso. Arquitectura das alianças da América do Sul vai sofrer desvio à direita. (...)

O Brasil de Bolsonaro quer ser o melhor amigo de Trump
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.6
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Política externa brasileira vai sofrer várias inflexões com o novo Presidente. Aproximação aos EUA e a Israel serão alterações de peso. Arquitectura das alianças da América do Sul vai sofrer desvio à direita.
TEXTO: As primeiras viagens ao estrangeiro do Presidente Jair Bolsonaro serão ao Chile e aos Estados Unidos - e Israel está a seguir na agenda, anunciou Onyx Lorenzoni, o deputado federal que deverá tornar-se chefe da Casa Civil. As escolhas ilustram a guinada que acontecerá na diplomacia brasileira. Todos os presidentes após a redemocratização do Brasil preferiram manter distância em relação aos Estados Unidos, para não serem constrangidos a tornar-se um peão da grande potência do Norte, por exemplo nas políticas de luta contra o narcotráfico. O Presidente eleito, que toma posse a 1 de Janeiro em Brasília, vai tentar inverter esse posicionamento. “Bolsonaro tentará uma aproximação com Donald Trump. Se ele terá boa recepção na Casa Branca ou não é impossível prever de antemão”, disse ao PÚBLICO, por e-mail, Matias Spektor, professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas e autor de livros como 18 Dias, sobre como a diplomacia do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no fim do seu mandato, ajudou o Presidente eleito Lula da Silva a ser aceite na Casa Branca em 2002, então ocupada por George W. Bush. “O que já sabemos é que [o ideólogo do populismo de extrema-direita] Steve Bannon e boa parte do grupo que trabalha com Trump entende que Bolsonaro é um expoente do populismo nacionalista que acaba de ser regiamente premiado com uma sólida maioria eleitoral. No primeiro momento, a reacção do Governo americano a Bolsonaro é positiva”, diz Spektor. Trump classificou de "excelente" o telefonema que fez a felicitar Jair Bolsonaro. As áreas privilegiadas de cooperação com os Estados Unidos e com outros países do continente americano devem ser a segurança das fronteiras e o combate ao nacrotráfico e ao crime organizado, diz Spektor. “O meu palpite é que a reacção inicial dos governos das principais economias — Argentina, Chile, Colômbia — será positiva em relação a Bolsonaro. ”Se Fernando Henrique Cardoso pôs a tónica nas relações com as potências do Norte do mundo ocidental, um dos principais eixos da diplomacia brasileira nos anos de governação do Partido dos Trabalhadores (PT) era dar prioridade à cooperação Sul-Sul, em especial com países latino-americanos e africanos. Com Bolsonaro, haverá uma inflexão. Paulo Guedes, o guru para a Economia de Bolsonaro, criticou nesta segunda-feira as restrições do bloco Mercosul – que está a negociar um acordo comercial com a União Europeia – e disse que em vez de acordos multilaterais vai privilegiar os acordos bilaterais, seguindo a política da Administração Trump. Bolsonaro tinha dito que vai procurar "comércio sem viés ideológico". Bolsonaro alinha também com Trump na guerra comercial à China. "A China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil", disse o Presidente eleito numa entrevista à Bandeirantes. A crise venezuelana – que entrou nas fronteiras brasileiras sob a forma da vaga de refugiados que chegaram ao estado de Roraima, em fuga do país de Nicolás Maduro – tornou-se uma arma contra o PT na campanha eleitoral, porque o partido de Lula da Silva não condenou de forma clara o regime de Caracas. Ao mesmo tempo, cresceram os apelos para uma intervenção contra o regime de Maduro – defendida pelor Luis Almagro, secretário-geral da Organização de Estados Americanos, e por alguns sectores da Administração norte-americana. Bolsonaro nunca se comprometeu mas, numa visita aos refugiados venezuelanos em Roraima, disse que faria “o que for possível para aquele Governo lá ser destituído”. “A questão da Venezuela tende a criar um dilema para Bolsonaro”, comenta Matias Spektor. Por um lado, a denúncia do regime chavista é plataforma central do Presidente eleito. Por outro, os recursos de que o Brasil dispõe para ter efeito prático nessa área são muito limitados. A questão venezuelana será uma área da diplomacia na qual é possível esperar convergência entre Bolsonaro e Maurício Macri”, Presidente da Argentina, prevê. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Uma mudança importante será a aproximação a Israel. Bolsonaro, admirador de Israel, cuja tecnologia agrícola acredita poder transpor para o semi-árido Nordeste brasileiro, anunciou que mudará a embaixada brasileira para Jerusalém, acompanhando a iniciativa dos EUA. Mas isso não deve ser para já. “A aproximação a Israel tende a ocorrer, no início, na área empresarial, sobretudo empresas de segurança, controlo cibernético e tecnologia de satélites”, explica Matias Spektor. “Outros avanços na agenda político-diplomática com Israel que afastem o Brasil de suas posições mais tradicionais de equidistância no Oriente Médio dependerão de quanto Bolsonaro está disposto a entrar em choque com a comunidade sírio-libanesa brasileira”, diz o especialista em relações internacionais. Por outro lado, Bolsonaro e a sua equipa também falam em construir um novo Itamaraty (Ministério dos Negócios Estrangeiros), suspeito de manter um foco exagerado no multilateralismo. O que também foi feito pelo Presidente Trump nos EUA.
REFERÊNCIAS:
Morreu Kofi Annan, o ex-secretário-geral que "era, de muitas formas, as Nações Unidas"
O diplomata ganês morreu este sábado, aos 80 anos, na Suíça. Actual secretário-geral, António Guterres, equipara a sua figura à da própria organização. (...)

Morreu Kofi Annan, o ex-secretário-geral que "era, de muitas formas, as Nações Unidas"
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.183
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O diplomata ganês morreu este sábado, aos 80 anos, na Suíça. Actual secretário-geral, António Guterres, equipara a sua figura à da própria organização.
TEXTO: Kofi Annan, que foi secretário-geral da ONU entre 1997 e 2006, morreu neste sábado aos 80 anos. Foi o primeiro negro africano a ocupar o cargo e o primeiro funcionário das Nações Unidas a ascender ao secretariado-geral, tendo também sido responsável pelas Missões de Paz em períodos críticos como o genocídio no Ruanda ou a Guerra dos Balcãs na década de 1990. Um dos feitos do seu mandato, entre vários processos de reforma interna e o estabelecimento de metas para o planeta, foi a mediação no processo de independência de Timor Leste. Estava no cargo no 11 de Setembro e na guerra do Iraque e não saiu incólume dos seus muitos desafios. "Kofi Annan era, de muitas formas, as Nações Unidas", considera António Guterres, actual secretário-geral da ONU. A informação da sua morte foi confirmada pela Fundação Kofi Annan e pela família do diplomata, que o recorda como "um estadista global". Morreu num hospital de Berna, na Suíça. Kofi Annan, nascido em Kumasi, no actual Gana, a 8 de Abril de 1938, recebeu ainda o Prémio Nobel da Paz em 2001, numa distinção partilhada com as próprias Nações Unidas. Era "uma força condutora para o bem", disse ainda António Guterres através do Twitter, manifestando "profunda tristeza". Foi pela mesma via que a família e a fundação com o seu nome partilharam a notícia da morte do diplomata ganês. “É com tristeza imensa que a família Annan e a Fundação Kofi Annan anunciam que Kofi Annan, antigo secretário-geral das Nações Unidas e Prémio Nobel da Paz, morreu pacificamente no sábado 18 de Agosto após uma curta doença”, diz o comunicado partilhado na conta do próprio Annan no Twitter. “Kofi Annan era um estadista global e um internacionalista profundamente empenhado que lutou ao longo da sua vida por um mundo mais justo e mais pacífico. Durante a sua distinta carreira e liderança das Nações Unidas foi um defensor ardente da paz, desenvolvimento sustentável, dos direitos humanos e da justiça. ” A mesma nota assinala que o diplomata esteve acompanhado pela sua mulher e pelos três filhos nos últimos dias de vida e que após ter deixado o cargo de secretário-geral da ONU continuou a trabalhar “na causa da paz” através da sua fundação e como membro da direcção da organização The Elders, fundada por Nelson Mandela. “Era uma inspiração”, lê-se no comunicado, que o destaca como “filho do Gana” que “sentia uma responsabilidade especial para com África”. “Emanava bondade genuína, era caloroso e brilhante em tudo o que fazia. ” O Gana declarou uma semana de luto. Annan sucedeu ao egípcio Boutros Boutros-Ghali na liderança das Nações Unidas e foi o primeiro funcionário da ONU a ascender ao cargo de secretário-geral vindo das fileiras da própria organização. Foi o sétimo secretário-geral da ONU depois de crescer numa família da aristocracia ganesa e que tinha como avós chefes tribais. Estudou no sul do Gana durante os anos em que este se tornou um país independente do então Império Britânico e estudou economia na Universidade Kwame Nkrumah de Ciência e Tecnologia do Gana e depois na Macalester College no Minnesota norte-americano, graças a uma bolsa da Fundação Ford, tendo ainda aprofundado os estudos em relações internacionais em Genebra. A sua carreira nas Nações Unidas começou na Organização Mundial de Saúde, logo em 1962, tendo sido brevemente responsável pelo Turismo no Gana (1974-76), regressando à ONU em 1980 para chefiar os recursos humanos do Alto-Comissariado para os Refugiados, passando para outro cargo, administrativo, já em Nova Iorque em 1983. Até 1996 foi ocupando vários papéis na ONU, sendo a sua última missão antes do secretariado-geral a direcção das Missões de Paz (1993-1996), estando no cargo durante o genocídio ruandês ou durante a guerra dos Balcãs. Anos mais tarde assumiria a posição, como secretário-geral da ONU, de considerar ilegal a invasão norte-americana e britânica do Iraque em 2003. Descreveria no seu discurso do Nobel que, com os atentados de 11 de Setembro, "entrámos por um portão de fogo no terceiro milénio". Despedia-se, cinco anos mais tarde, do secretariado-geral da ONU, no mesmo Minnesota que o receber nos EUA quando jovem universitário, dizendo que "a solidariedade global é tanto necessária quanto possível". Defendeu que os países devem ser responsáveis uns perante os outros e o multilateralismo. Como escreve este sábado o Washington Post, "o seu legado mais importante como secretário-geral foi a sua rejeição da ideia duradoura de que a ONU não podia interferir nos assuntos internos de um país-membro". Foi, como titula o New York Times, "o diplomata que redefiniu a ONU". Uma das intervenções mais directas de Annan na geopolítica tocou directamente Portugal, através do processo de independência de Timor-Leste. Como recordava o PÚBLICO em 2012, a chegada de Kofi Annan ao cargo de secretário-geral das Nações Unidas foi fundamental para o reanimar do tema da independência de Timor-Leste, uma causa que se tornou transversal à sociedade portuguesa nesses anos 1990. Nomeia, no seu primeiro ano de ONU, o embaixador paquistanês Jamsheed Marker como seu representante pessoal para Timor-Leste e é com António Guterres como primeiro-ministro português que tem o primeiro encontro ao mais alto nível com o Governo indonésio, onde identificou um “problema político” que anos depois desaguaria na criação de condições para o referendo que deu independência a Timor. Jamsheed Marker escreveria nas suas memórias que Kofi Annan “não tem ‘desencorajamento’ no seu vocabulário”. A sua reputação resistiu, mas não estava de facto incólume. O escândalo de corrupção do programa Petróleo por Alimentos, no qual o próprio filho foi envolvido, atingiu-o, bem como as muitas mortes no terreno no Darfur, Sudão, Iraque ou Balcãs. Nunca isento de críticas quanto ao seu papel nos vários conflitos e crises em que interveio directa ou indirectamente - como no Ruanda, na Bósnia e no Iraque -, manteve sempre o seu "prestígio moral", como escrevia o académico e deputado canadiano Michael Ignatieff numa análise ao livro de memórias de Annan, Intervenções - uma Vida de Guerra e Paz (2012). "Poucas pessoas passaram tanto tempo em mesas de negociações com bandidos, senhores da guerra e ditadores", escreveu Ignatieff, mas era dono de um "temperamento sereno", portanto "perfeito" para a ONU. Theresa May, primeira-ministra britânica, enviou já as suas condolências pela morte de Annan, "um grande líder e reformador da ONU" que, considera, "deu um enorme contributo para tornar o mundo que deixou num lugar melhor". A ministra dos Negócios Estrangeiros sueca, Margot Wallström, escreveu no Twitter que "ele personificava o que há de melhor na ONU e também teve de lidar com alguns dos seus mais duros desafios. Um grande ouvinte, e alguém que fazia com que todos quisessem ouvir". O antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair reagiu lamentando a perda "de um bom amigo" que vira há poucas semanas. "Kofi Annan era um grande diplomata, um verdadeiro estadista e um maravilhoso colega que era amplamente respeitado". O Presidente francês, Emmanuel Macron, recorda "o seu olhar calmo e resoluto" e a "força dos seus combates". "Era uma dádiva para a raça humana", escreveu o reverendo Jesse Jackson a partir dos EUA. "Amado filho de África, agora em paz. Um dos melhores secretários da ONU. Tinha a capacidade e visão de reconciliar oponentes. "Jeremy Corbyn, líder trabalhista britânico, lembrou como "Kofi Annan dedicou a sua vida a construir um mundo mais justo e pacífico. Os seus esforços no apoio à resolução de conflitos e aos direitos humanos serão lembrados. Ele procurava um caminho pacífico quando os outros procuravam a guerra". Também o Presidente russo, Vladimir Putin, disse admirar a inteligência e coragem de Annan, "a sua capacidade de tomar decisões bem pensadas mesmo nas situações mais complexas e críticas. A sua memória ficará sempre no coração dos russos". Angela Merkel, a chanceler alemã, descreveu que "no tempo actual, em que a busca comum de soluções para prpblemas globais é mais urgente do que nunca, vamos sentir muito a falta da voz de Kofi Annan". O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, lamenta a morte de um amigo e diz que "o maior reconhecimento que podemos dar a Kofi Annan é manter o seu legado e o seu espírito vivos. Nunca foi mais importante do que no mundo de hoje". Os tributos a Kofi Annan chegam também de Portugal. António Costa homenageou através da rede social Twitter "um líder mundial da causa da paz, do desenvolvimento e dos direitos humanos", bem como "uma das personalidades que mais contribuíram para a independência de Timor-Leste". Através de uma nota oficial no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa expressa "consternação e tristeza" pela morte de Kofi Annan, que considerou ter sido "um amigo constante de Portugal e um aliado inquebrantável na luta pela autodeterminação do povo de Timor-Leste". Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O ex-presidente da República Jorge Sampaio disse em comunicado ter recebido com "mágoa" a notícia da morte de um "amigo" que recorda pela "estatura intelectual e força moral", "dinamismo" e solidez de presença e convicções. "São raras as pessoas que dificilmente imaginamos que possam um dia desaparecer, mas Kofi Annan era seguramente uma delas. A sua estatura intelectual e força moral, o seu dinamismo, a solidez da sua presença e convicções sempre se sobrepuseram ao sentido da vida efémera e à mortalidade própria dos humanos", afirmou o antigo chefe de Estado, expressando um "sentimento de choque e injustiça que não são facilmente superáveis" pela notícia da morte de Annan. A eurodeputada socialista Ana Gomes, que era embaixadora de Portugal na Indonésia na altura do referendo sobre a independência de Timor-Leste, também manifestou pesar pela morte de "um corajoso, honesto e decisivo secretário-geral da ONU". "Portugal curva-se perante si", escreveu na rede social Twitter. "Foi uma honra para mim trabalhar consigo, nomeadamente no Iraque sob ataque dos EUA e no processo de libertação/independência de Timor Leste. "
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU EUA
A morte de um otimista
Uri Avnery morreu esta segunda-feira aos 94 anos. Perdemos uma grande alma. Ganhámos um enorme exemplo. (...)

A morte de um otimista
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uri Avnery morreu esta segunda-feira aos 94 anos. Perdemos uma grande alma. Ganhámos um enorme exemplo.
TEXTO: Venho, desde já, confessar uma dívida: nos últimos anos, muitas foram as vezes em que, para saber como começar uma crónica, fui ler ao arquivo de Uri Avnery uma das suas, e resolver o problema. Uri Avnery foi tudo, ou pelo menos parece que tudo: refugiado, jornalista, político, terrorista e pacifista, visionário e realista. Além disso, sabia sempre como começar uma crónica. Com uma anedota, judaica ou gentia. Com uma lenda da Bíblia. Com a letra de uma música árabe. Com uma memória tirada da sua vida que se diria, até hoje, interminável. Às vezes repetia-se, mas era porque tinha que ser. Gostava de contar a história de um barco heróico onde tinham viajado umas dezenas de revolucionários, heróicos, isolados e por todos zombados como tontos. À medida que os anos foram provando que afinal aqueles supostos tontos tinham estado, historicamente, do lado certo, o número dos que diziam “eu também estava no barco x” crescia. Passaram a ser umas centenas aqueles que o afirmavam convictamente: “Eu também estava no barco x, e nesses tempos ninguém nos dava razão”. Depois passaram a ser uns milhares: “Eu, quando estava no barco x já dizia que, etc. ”. E finalmente já havia tanta gente a afirmar convictamente que tinha estado no tal barco dos visionários que, sem qualquer sombra de dúvida, fácil é concluir que jamais teria havido espaço no barco para toda aquela gente que afirmava nele ter navegado. Uma coisa é certa: Uri Avnery navegou em alguns barcos onde a solidão era grande. Nasceu na Alemanha, entre as guerras, em 1923, com o nome de Helmut Ostermann, e foi trazido para a Palestina pelos pais. Como muitos judeus sionistas desse tempo, o jovem Helmut mudou de nome, escolhendo o hebraico Uri Avnery por que viria a ser conhecido. Foi ainda adolescente que se tornou terrorista, como haveria de lembrar muitas vezes, juntando-se ao grupo paramilitar Irgun que foi o responsável pelo célebre atentado bombista ao Hotel Rei David, ocupado pelos mandatários britânicos em Jerusalém, e participando na Guerra de 1948 no Comando “Raposas de Sansão”, e subsequentemente na Nakba (ou “Catástrofe”) que aterrorizou e afugentou centenas de milhares de palestinianos. A partir daí, porém, operou-se uma viragem no seu pensamento. Uri Avnery começou a aperceber-se de que as autoridades e elites do novo estado judaico se consideravam sobretudo como uma espécie de guarda avançada da “civilização europeia” em terras árabes, o que correspondentemente implicava ver e tratar os árabes com um tipo de racismo semelhante àquele com que os judeus tinham sido tratados durante séculos no continente europeu. A este estado de coisas, Avnery propunha uma alternativa: que os judeus na Palestina, e depois em Israel, se vissem a si mesmos como parte de um movimento de libertação contra o imperialismo europeu e, por consequência, aliados dos árabes, que ele considerava irmãos semitas dos judeus. Nesta fase, que corresponde à da publicação dos seus primeiros livros, Avnery estava ainda influenciado pelo nacionalismo e pelas teorias raciais que tinham dominado o debate político durante a primeira metade do século XX. Mas com os anos 50 e 60 o seu relativo isolamento na sociedade israelita contribui para uma reconstrução ainda mais profunda do seu ideário, que então passa a ser pacifista, libertário e sobretudo marcado pelo universalismo dos direitos humanos. Uri Avnery compra então com dois amigos uma revista quase falida e faz dela um sucesso de vendas, com temas da “nova esquerda”, hedonistas e contestatários — e com uma subversiva posição de apoio aos palestinianos. Mesmo que tenha depois abandonado o jornalismo, o jornalismo nunca o abandonou, e continuou a escrever até ao fim da vida as suas magníficas crónicas semanais. Foi depois fundador de um pequeno partido da esquerda pacifista, e nessa condição eleito para o parlamento de Israel, o Knesset, por três mandatos durante os anos 70. Usou o seu cargo para fazer pontes, por vezes consideradas escandalosas, com os palestinianos. Foi dos primeiros, e então pouquíssimos, israelitas a apoiar a solução dos dois estados. Foi o primeiro israelita a atravessar as linhas de combate no cerco a Beirute para visitar Yasser Arafat, de quem se tornou amigo, nos anos 80. Nos anos 90, colaborou discretamente com Yitzhak Rabin, de quem gostava e por quem tinha um profundo respeito, tendo-se prestado a servir-lhe de pombo-correio entre o líder israelita e o palestiniano Arafat. Tal como o próprio Avnery, e tal como Arafat, Rabin não tinha começado por ser um homem de paz. Tornara-se num homem de paz quando percebera que não é com os amigos, mas sim com os inimigos, que a paz se faz. Quando Uri Avnery viu Rabin e Arafat selarem os acordos de paz em Oslo com um aperto de mão, chamou-lhes “um estranho casal”, mas permitiu-se acreditar que estava à beira de assistir ao momento histórico pelo qual tinha esperado desde o início da sua vida adulta. Depois, veio o assassinato de Rabin, e o isolamento político cada vez maior do campo da esquerda pacifista em Israel. Uri Avnery continuou a trabalhar. Fundou em 1993 a organização não-governamental Gush Shalom, que quer dizer em hebraico A Base da Paz, um nome que provocadoramente se assemelha ao de muitos colonatos em território palestiniano ocupado por Israel — um dos mais conhecidos, Gush Katif, foi evacuado em Gaza em 2005. Nunca deixou de escrever a sua crónica, de visitar os seus amigos palestinianos, de publicar anúncios na imprensa com as suas denúncias sobre violações de direitos humanos. A sua perspetiva política manteve-se coerente. Crítico do imperialismo, fosse ele americano, russo, ou outro qualquer, por vezes tocando uma nota de sarcasmo sem a qual não conseguiria encarar as hipocrisias da política internacional — mas crítico também dos anti-imperialistas de teclado que servem de idiotas úteis ao imperialismo que julgam combater ao converterem toda a política internacional numa versão global de “o inimigo do meu inimigo meu amigo é”. Profundo conhecedor das religiões, mas ainda mais profundamente secular e laico. E sempre, mas sempre, um estilista literário impecável e otimista filosófico. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em 2011, a sua companheira Rachel Avnery, com quem foi casado por 58 anos, morreu. Uri Avnery prometeu que ele próprio não morreria enquanto não visse os dois estados, israelita e palestiniano, vivendo lado a lado em paz e segurança. E os seus amigos e admiradores acreditaram, em consequência, que ele talvez fosse eterno. Não era. Morreu hoje aos 94 anos. Perdemos uma grande alma. Ganhámos um enorme exemplo. O autor escreve de acordo com o AO de 1990
REFERÊNCIAS: