O novo chefe das “secretas” está a mentir
Numa pequena declaração, José Júlio Pereira Gomes mente duas vezes. E sabendo que há várias testemunhas capazes de deitar por terra as suas palavras. Eu sou uma delas. (...)

O novo chefe das “secretas” está a mentir
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento -0.13
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170602175938/https://www.publico.pt/1774083
SUMÁRIO: Numa pequena declaração, José Júlio Pereira Gomes mente duas vezes. E sabendo que há várias testemunhas capazes de deitar por terra as suas palavras. Eu sou uma delas.
TEXTO: O Governo nomeou recentemente José Júlio Pereira Gomes, um diplomata de carreira, para secretário-geral do Sistema de Informações da República (SIRP). Ana Gomes veio a público questionar o seu perfil para o cargo e confirmar alguns episódios pouco abonatórios, quando José Júlio Pereira Gomes chefiou a missão portuguesa em Timor que acompanhou o referendo de 1999. O novo secretário-geral do SIRP respondeu mentindo. E mentiu sabendo que há várias testemunhas que podem desdizer as suas palavras. Ana Gomes, que conhece bem Pereira Gomes, já que foi ela enquanto embaixadora na Indonésia durante o período que levaria ao referendo que sugeriu o seu nome para chefe da missão de observação, mostrou-se mesmo apreensiva em declarações ao Diário de Notícias com a nomeação do novo secretário-geral do SIRP e questionou o perfil psicológico do homem escolhido pelo primeiro-ministro, António Costa. Ana Gomes confirma que a missão portuguesa abandonou o território a 9 de Setembro de 1999 por insistência de Pereira Gomes, contrariando directivas do Governo português, então chefiado por António Guterres – e que tinha como ministro dos Negócios Estrangeiros Jaime Gama. E diz que Pereira Gomes o fez na véspera da visita de uma importante missão de observação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, entendendo o Governo português que era importante ter em Díli um representante do país. Em resposta ao DN, Pereira Gomes afirma isto: "A evacuação de Timor-Leste dos últimos observadores, onde me incluía, resultou de ordem expressa do Governo português; todos os timorenses – e seus familiares – que tinham trabalhado com a nossa missão de observação e connosco se tinham refugiado nas instalações da UNAMET, foram evacuados [retirados] connosco e em virtude da nossa intervenção. "Nesta pequena declaração José Júlio Pereira Gomes mente duas vezes. Mente de uma forma descarada e sabendo que há várias testemunhas capazes de deitar por terra as suas palavras. Eu sou uma delas. Estava lá, assisti a tudo e escrevi sobre o assunto. Reafirmo: José Júlio Pereira Gomes mente quando diz que a saída dos observadores aconteceu por “ordem expressa” do Governo; e mente quando afirma: “Todos os timorenses – e seus familiares – que tinham trabalhado com a nossa missão de observação e connosco se tinham refugiado nas instalações da UNAMET foram evacuados [retirados] connosco e em virtude da nossa intervenção. ”Comecemos pela “ordem expressa” do Governo para a saída. Dizia o PÚBLICO em manchete no dia 10 de Setembro de 1999: “Observadores portugueses saem de Díli contra a vontade de Lisboa. ” Na notícia, escrita por mim ainda em Timor na madrugada do dia da evacuação, relato os muitos esforços feitos pelo Governo português junto de Pereira Gomes, nomeadamente de António Guterres, nas 48 horas anteriores, para que a missão ficasse pelo menos até à chegada dos homens do Conselho de Segurança da ONU. Relato ainda discussões entre Pereira Gomes e António Gamito e Francisco Alegre, o diplomata júnior da missão, que sempre insistiu e tudo fez para que a missão não abandonasse Timor. Diz a notícia: “Ontem, com a iminente retirada da ONU, ao princípio da noite em Díli, a missão portuguesa decidiu abandonar o território. Francisco Alegre disponibilizou-se para ficar. Às 5 da manhã em Díli, pouco antes de se iniciar a retirada, o Ministério dos Negócios Estrangeiros voltou a insistir para que a missão ficasse. José Júlio Pereira Gomes argumentou contra a permanência, mas, perante a insistência do gabinete de Jaime Gama, acabou por dizer que havia um voluntário, precisamente Francisco Alegre. Francisco Alegre aceitou ficar, mas começou de imediato a ser acusado pelos seus colegas de missão de estar a dividir o grupo. Houve, nomeadamente, alguma chantagem emocional sobre Alegre, acusando-o de estar a pôr em causa a vida de pessoas. Às 5h45 de Díli, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em nome da unidade do grupo, aceitava que todos se retirassem. José Júlio Pereira Gomes justificava a partida considerando que a sua missão ‘terminou no dia em que foi divulgado o resultado do referendo’ e que ‘não estava a fazer nada em Timor-Leste porque estava sitiado na sede [da ONU]. ”Estes factos nunca foram desmentidos, nem podiam ser, porque foram presenciados por diversas pessoas. Mais tarde viria a saber que António Guterres ficou furioso por Pereira Gomes ter contrariado as ordens do seu Governo, dando conta a diversas pessoas da sua indignação com palavras pouco elogiosas para o diplomata. Assim se escrevia uma triste página da diplomacia portuguesa, em que o chefe de uma importante missão não só contrariou as ordens do Governo que representava, como se disponibilizou para lançar às feras um corajoso jovem diplomata, então com 26 anos, para se pôr a salvo. Quanto ao resto (“timorenses – e seus familiares – que tinham trabalhado com a nossa missão de observação e connosco se tinham refugiado nas instalações da UNAMET foram evacuados [retirados] connosco e em virtude da nossa intervenção"), houve, de facto, na missão quem se preocupasse com eles, mas não foi nunca José Júlio Pereira Gomes. Nem no dia em que as casas dos observadores portugueses e a sede da missão foram atacadas, logo após a divulgação do resultado do referendo, nem nos dias em que esteve sitiado na missão da ONU. Sobre isso conto só um episódio: mais ou menos a meio do cerco à ONU e quando se começou a falar da evacuação, algumas vozes começaram a defender que no plano de evacuação seriam apenas incluídos os estrangeiros e os timorenses que trabalhavam para a ONU. A maioria dos cerca de 2000 timorenses que se tinham refugiado na ONU ficava para trás. Fui então alertado que entre esses timorenses estavam alguns que tinham trabalhado para a missão portuguesa e que, por esse facto, eram um alvo preferencial dos homens que, por esses dias, matavam e destruíam Timor-Leste. Fui para o terreno e detectei cerca de 60 que tinham trabalhado para a missão portuguesa. Estavam em pânico, diziam ter a certeza de que se Portugal os abandonasse seriam mortos. Alguns deles chegaram a falar por telefone com Ana Gomes dando conta da sua situação e dizendo-lhe que mais uma vez seriam abandonados por Portugal. Ana Gomes sempre lutou, junto do Governo português e da missão em Timor, para que nenhum timorense fosse deixado para trás. Depois de ter feito o levantamento (e de gravador na mão) pedi a Pereira Gomes para me responder a algumas perguntas. Questionei-o sobre a situação desses timorenses que tinham trabalhado para a missão. A primeira resposta que me deu foi que eram “apenas seis ou sete e que metade deles já tinha fugido para as montanhas”. Disse-lhe que não, que eram cerca de 60 pessoas e que eu tinha falado com elas. Perguntei-lhe então se essas pessoas estavam abrangidas por algum plano de evacuação da missão portuguesa. Pereira Gomes ficou furioso e respondeu-me: “Não me foda. ” A conversa terminou comigo a perguntar ao diplomata se falava em on ou em off. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Esta conversa, testemunhada por várias pessoas, nunca foi publicada. Pouco tempo depois, a ONU, que enfrentava uma revolta dos seus funcionários em Díli que não queriam abandonar os timorenses, decidiu, num acordo com a Austrália, que ninguém ficava para trás. E o tema dos timorenses que trabalhavam para a missão portuguesa deixou de ter relevância. Ana Gomes, ainda que com muita diplomacia, já veio manifestar a sua apreensão com a nomeação de José Júlio Pereira Gomes para o cargo de secretário-geral do Sistema de Informações da República. António Guterres e Jaime Gama podem contar muito mais sobre as "verdades" deste diplomata.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Siza desembrulhou a "prenda" que Portugal quis dar a Veneza
Álvaro Siza foi o foco de todas as atenções na abertura do Pavilhão de Portugal na 15.ª Bienal de Veneza. Onde António Costa defendeu que a arquitectura “é a chave para a integração social e a grande arma contra o medo, a xenofobia e o fecho das fronteiras”. (...)

Siza desembrulhou a "prenda" que Portugal quis dar a Veneza
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Álvaro Siza foi o foco de todas as atenções na abertura do Pavilhão de Portugal na 15.ª Bienal de Veneza. Onde António Costa defendeu que a arquitectura “é a chave para a integração social e a grande arma contra o medo, a xenofobia e o fecho das fronteiras”.
TEXTO: Chega-se à ilha da Giudecca voltando as costas – mas sem nunca deixar de olhar para trás – ao recorte único da frontaria contígua à Praça de S. Marcos. Ao desembarcar na paragem de vaporetto de Zitelle, o visitante pode escolher entre ver a exposição de fotografia de Helmut Newton – White Women, Sleepless Nights e Big Nudes – no velho palacete Tre Oci, ou o Pavilhão de Portugal, intitulado Neighbourhood – Where Álvaro Meets Aldo, também publicitado num outdoor à borda da laguna. Como também Siza teve em Veneza, até meados deste mês, uma exposição de desenhos eróticos com o seu colega italiano Carlo Scarpa (1906-1978), na Fundação Querini Stampalia, e porque o tempo agora é da Bienal, seguimos em direcção à arquitectura. Somos guiados pelo painel em que o arquitecto português surge fotografado, como viajante e como um cidadão igual aos outros, nos quatro bairros – Giudecca, Haia, Berlim e Porto – que desenhou desde a década de 1970, quando achou que a habitação social tinha dignidade e importância suficientes para reivindicar a arquitectura. Entrando na Calle Michelangelo, desembocamos num complexo habitacional inacabado, mas finalmente em vias de ser concluído. Uma cerca alta em contraplacado, ornamentada com fotografias dos moradores dos bairros desta ilha, mas também da Bouça (Porto), do edifício Bonjour Tristesse (Berlim) e de Schiderswijk (Haia), e do próprio Siza com eles, embrulha a “prenda” que Portugal quis dar este ano aos habitantes da Giudecca. É a prometida e já retomada construção da banda em falta, ainda desenhada pelo arquitecto português, que se ocupará também da urbanização da ampla praça do Campo de Marte. Isto porque “o Pavilhão de Portugal é uma obra em construção”, realça o italiano Roberto Cremascoli, que com Nuno Grande idealizou a participação portuguesa na 15. ª Bienal de Arquitectura de Veneza – a inauguração oficial é no próximo sábado, sob comissariado do chileno Alejandro Aravena, o prémio Pritzker de 2016. Mas a inauguração da exposição portuguesa aconteceu já esta quarta-feira, num clima múltiplo de festa popular, evento mediático e manifestação política, que incluiu mesmo as presenças do primeiro-ministro António Costa, à frente de uma forte delegação portuguesa, e do presidente da Bienal, Paolo Baratta. Siza chegou à Giudecca ao final da manhã, pouco antes de Costa. Falou aos jornalistas do “deslumbramento” que Veneza sempre lhe proporciona, de tal modo que quando transporta a cidade para os seus desenhos “o pensamento fica toldado e a mão treme”. Depois, já com Costa, seguiu para o “estaleiro” do pavilhão português, num percurso repetidamente interrompido pelas solicitações e os cumprimentos dos moradores ao arquitecto. Siza e os curadores Roberto Cremascoli e Nuno Grande guiaram então o primeiro-ministro pela exposição-instalação Neighbourhood. Assumindo por inteiro a condição de estaleiro e a crueza de uma obra em curso, o projecto evoca, no primeiro espaço, o encontro de Siza com o italiano Aldo Rossi, desde que este o convidou a participar na Bienal de Veneza de 1976. “Esta sala é também a evocação dos 40 anos desse encontro que teve grande importância, tanto para a obra futura de Siza como para a relação que a partir desse momento se estabeleceu entre a arquitectura italiana e a portuguesa”, realçou ao PÚBLICO Nuno Grande. Nas quatro salas seguintes, placards com textos, diaporamas com desenhos, projectos, maquetas e fotografias históricas, ao lado de documentários realizados pela jornalista da SIC Cândida Pinto, documentam as intervenções mas também a vida actual nos quatro bairros citados. Como denominador comum a todos os espaços da exposição-instalação, a frieza das paredes de betão, mas também os graffiti transportados agora para o interior do edifício, e que ao longo dos últimos anos foram dando conta da irritação dos moradores perante a interrupção das obras. “Le case a chi ne ha bisogno, si all’auto recupero” (“A casa a quem dela precisa; sim à auto-recuperação”), ou “Stop Mafia – especulazioni” – palavras de ordem que nos trazem à memória os tempos do SAAL, em Portugal. Mas também há inscrições mais pessoais e íntimas, como “G + M – amici forever”… E, nos documentários, pode assistir-se a momentos tocantes, como quando um refugiado sírio a habitar no bairro de Haia fala a Siza da felicidade que é viver no seu apartamento de 77 metros quadrados – “como sou solteiro, metade chegava-me”, confessa –, e acaba a partilhar com o arquitecto o seu drama pessoal, os pais ainda em Homs, sujeitos à guerra num “país onde já não há casas, nem pessoas, nem nada…”. No final da visita, António Costa mostrou-se orgulhoso da representação portuguesa, considerando “muito interessante”, além da reactivação do projecto, estar a mostrar-se que o trabalho de Siza não são apenas as obras icónicas que fez em todo o mundo, mas também o que fez no domínio da habitação social. “A arquitectura é a chave para a integração social, a grande arma contra o medo, a xenofobia e o fecho das fronteiras”, acrescentou o primeiro-ministro. O projecto Neighbourhood pareceu ser bem recebido pela generalidade dos convidados, que praticamente entupiram a entrada na exposição. José Sasportes, ex-ministro da Cultura e actualmente a viver entre Veneza e Lisboa, elogiou a ideia de “work in progress” e de intervenção social na cidade, considerando que ela faz jus ao legado de Aldo Rossi. O secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, classificou-o como “original e notável”, acrescentando que a exposição trata bem a questão da relação da arquitectura com a mobilidade social e com a habitação social. O recém-demitido director-geral das Artes Carlos Moura-Carvalho – que repetiu não desejar pronunciar-se sobre o seu processo antes de receber a resposta oficial do Ministério da Cultura à sua contestação – viu na exposição a concretização fiel daquilo que tinha imaginado quando, em Julho do ano passado, desafiou os curadores e Siza a regressarem a um trabalho de campo em Veneza. Salientou a importância social e política da intervenção, e ainda “os custos contidos da operação”, que andarão pelos 230 mil euros. Entre os visitantes encontrava-se também a alemã Brigitte Fleck, que na década de 1970 foi responsável pelo convite a Siza para participar no concurso para a urbanização que iria resultar no icónico edifício Bonjour Tristesse. “Gosto muito desta instalação: é crua, pura, está concentrada naquilo que é a arquitectura e não é feita para as pessoas repararem nos vestidos e nos fatos dos convidados”, disse a arquitecta alemã. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No final da inauguração, moradores e visitantes da Giudecca encontraram-se numa tavolata, um almoço ao ar livre entre os edifícios já construídos de Siza, Rossi e Carlos Aymonino, debaixo de um sol quente de Primavera. Foi também um encontro de duas culturas gastronómicas, com Portugal a responder às pastas e aos enchidos italianos com pataniscas e vinhos do Douro. À tarde, Siza continuava a dominar as atenções, numa tavola rotonda (mesa-redonda) sobre os caminhos actuais da arquitectura e o seu papel na habitação social. Seria a ligação com o tema geral da bienal de Alejandro Aravena, que começa no fim-de-semanaO PÚBLICO viajou a convite da Experimenta Design e da Assimagra
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
O 25 de Abril vai a Paris (mas só em Maio)
Festival Chantiers d'Europe recebe exposição do Museu do Aljube e espectáculos de Sérgio Godinho, Vera Mantero, Marco da Silva Ferreira e Pablo Fidalgo Lareo. (...)

O 25 de Abril vai a Paris (mas só em Maio)
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Festival Chantiers d'Europe recebe exposição do Museu do Aljube e espectáculos de Sérgio Godinho, Vera Mantero, Marco da Silva Ferreira e Pablo Fidalgo Lareo.
TEXTO: Uma exposição para recordar os valores da revolução de Abril de 1974 abrirá, a 2 de Maio, mais uma edição do festival Chantiers d'Europe, organizado pelo Théâtre de la Ville, em Paris. A oitava temporada do festival, programado por Emmanuel Demarcy-Mota, director do Théâtre de la Ville, contará com artistas de Portugal, Espanha, Grécia, Croácia, Reino Unido e Países Baixos, que apresentarão espectáculos recentes até ao final de Maio. A abrir, o Chantiers d'Europe inaugurará, no Espace Cardin, a exposição Revolução e democracia: A memória dos cravos, produzida pelo Museu do Aljube (Lisboa) e que inclui cartazes do período revolucionário português, fotografias, testemunhos e a exibição de três filmes. Na sessão de abertura será prestada homenagem a Mário Soares. O festival Chantiers d'Europe estender-se-á até 24 de Maio com propostas culturais que incluem teatro, dança e música. Já no dia 4, Vera Mantero apresenta a peça O limpo e o sujo, que a coreógrafa vai interpretar com Elizabete Francisca e Francisco Rolo, e; no dia 6 será apresentado aquele que o Ípsilon considerou o melhor espectáculo de teatro de 2015, Habrás de ir a la guerra que empieza hoy, de Pablo Fidalgo Lareo, protagonizada pelo actor português Cláúdio da Silva. A 13 de Maio, o coreógrafo Marco da Silva Ferreira leva a Paris a sua mais recente criação, Brother, estreada em Janeiro deste ano no Porto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O Chantiers d'Europe terá ainda duas propostas artísticas para os mais novos: o "thriller culinário" Sopa Nuvem, da Companhia Caótica, e Do bosque para o mundo, de Miguel Fragata e Inês Barahona, com a crise do refugiados como pano de fundo. A programação dedicada a Portugal termina no dia 20 de Maio com um espectáculo de voz e piano com Sérgio Godinho, o pianista Filipe Raposo e a participação especial da rapper Capicua. Nos últimos anos, Portugal tem estado consecutivamente em destaque na programação do Chantiers d'Europe, contribuindo para uma internacionalização dos artistas portugueses, e muitos dos espectáculos têm sido concebidos em parceria entre o Théâtre de la Ville e estruturas e organismos culturais portugueses.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra
Há um fantasma em “Aleppoville”. É o regresso de Benjamin Clementine
Phantom of Aleppoville marca o regresso do cantor e compositor britânico. (...)

Há um fantasma em “Aleppoville”. É o regresso de Benjamin Clementine
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Phantom of Aleppoville marca o regresso do cantor e compositor britânico.
TEXTO: Depois do álbum At Least Now, lançado em 2015, Benjamim Clementine faz um regresso à música em nome próprio, com o tema Phantom of Aleppoville. Foi nos artigos do psicanalista Donald Winicott e na situação socio-política actual que o cantor e compositor britânico encontrou a inspiração para escrever o novo tema. Phantom of Aleppoville estabelece uma uma ligação sombria entre a recentemente devastada cidade de Alepo, na Síria, onde moraram tantos jovens hoje refugiados, e as crianças vítimas de bullying. O videoclipe foi filmado pelo fotógrafo Craig McDean e produzido por Masha Vasyukova. O lançamento acontece meses antes do seu concerto em Portugal, no festival Vodafone Paredes de Coura, marcado para dia 16 de Agosto. Depois de uma paragem na música da sua autoria, o artista dá agora início a uma série de concertos que terão início a 10 de Junho, no festival We Love Green, em Paris.
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Tempo Junho Agosto
António Costa diz que existe "um longo caminho" a percorrer nas negociações
Para o primeiro-ministro, a reunião que marcou o arranque das conversas, com o Bloco, "correu bem". (...)

António Costa diz que existe "um longo caminho" a percorrer nas negociações
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento -0.05
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para o primeiro-ministro, a reunião que marcou o arranque das conversas, com o Bloco, "correu bem".
TEXTO: No dia seguinte à reunião que juntou o Governo e o Bloco de Esquerda, na residência oficial do primeiro-ministro, para pôr na mesa o cadernos de encargos com vista à negociação do Orçamento do Estado para 2019, António Costa, assumiu que existe "um longo caminho" a percorrer. Apesar disso, reconheceu, o encontro com o Bloco de Esquerda "correu bem". "Está a começar e temos um longo caminho até 15 de Outubro. Correu bem a reunião. Este é quarto orçamento que trabalhamos em conjunto, o primeiro foi bastante mais difícil porque não conhecíamos e havia menos experiência", disse o primeiro-ministro, à margem da iniciativa "Vem e Partilha o Teu Pão", assinalando o Dia Mundial do Refugiado, que decorreu em Lisboa, na quarta-feira. António Costa salientou que "não existe razão nenhuma" para que o último orçamento desta legislatura seja mais difícil. "Vamos ganhando experiência, confiança e conhecimento, tudo se torna mais fácil", frisou.
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Palavras-chave refugiado
Marinheiro de raiz sem águas para navegar
O psiquiatra e crítico de cinema António Roma Torres, co-fundador da extinta revista A Grande Ilusão, participará no dia 20 de Junho, às 18h30, num encontro com António-Pedro Vasconcelos na Cinemateca, em Lisboa, que dedica uma retrospectiva ao realizador. Esta é a sua reflexão sobre a obra do cineasta no contexto do cinema português. (...)

Marinheiro de raiz sem águas para navegar
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: O psiquiatra e crítico de cinema António Roma Torres, co-fundador da extinta revista A Grande Ilusão, participará no dia 20 de Junho, às 18h30, num encontro com António-Pedro Vasconcelos na Cinemateca, em Lisboa, que dedica uma retrospectiva ao realizador. Esta é a sua reflexão sobre a obra do cineasta no contexto do cinema português.
TEXTO: António-Pedro Vasconcelos dirigiu a sua primeira longa-metragem de ficção, Perdido por cem, em 1972. Era o que eu chamei “o ano Gulbenkian” (um dos principais dinamizadores desse ponto-charneira do que se pode chamar o cinema novo português, João Bénard da Costa, talvez com mais rigor matemático e mais legitimidade, chamou-lhe “os anos Gulbenkian”). Plural ou singular, A-P V, como muitas vezes é identificado, por uma vez esteve na onda, embora tenha partido ligeiramente mais tarde, ele que era realmente mais novo que Manoel de Oliveira, Fonseca e Costa, ou Paulo Rocha, Fernando Lopes, Cunha Telles e António Macedo que tinham chegado na onda anterior, e mesmo que Seixas Santos, que mais hesitante no momento da prática, e visado pelo poder político de então, acabaria por se atrasar ou ser atrasado, ou César Monteiro a quem o estatuto de enfant terrible o compatibilizava ainda menos com quaisquer ondas por vagas que fossem. Mas aí estava ele, marinheiro de raiz, enfrentando a onda, neste caso mais via Paris que todos os outros, ou seja, naturalmente nouvelle vague. Talvez apenas Seixas o acompanhasse, contudo mais cerebral e contido, provavelmente acertado por um relógio suíço à Godard, quase alemão, via Straub e uma dada fase dos Cahiers, não lhe faltando sequer a dose de radicalismo gauche, que o fascínio de filmar as palavras ainda pudesse permitir. A-P Vasconcelos era mais Truffaut, irreverente acima de tudo e intelectual apenas qb. para sobreviver, certamente talvez perdido por cem, ou por mais e até se calhar por menos, mas nem assim sem coleira ou acolhido por instituições tutelares como o seu émulo refugiado na cinemateca e discípulo de Bazin, talvez apenas temperado a custo na disciplina dos jesuítas que, se o converteram, não foi a uma moral sensaborona, mas à tentação de fazer o bem nos jogos de influência em que se terá desgastado talvez sem glória e sem proveito. Das palavras preferiu a narrativa de um contador de histórias à sedução dos pensamentos abstratos, sem deixar de praticar o gosto da citação culta de aforismos muitas vezes alheios que lhe foram dando a grandeza a que a sua estatura física de certa maneira o destinou. Foi mosqueteiro intrépido capaz de gritar quando necessário aqui d’el rei desconfiando de unanimidades dos todos pelo um, a não ser no campo futebolístico a que nunca desdenhou associar-se. Preferiu isso ao lugar do morto e naturalmente desembainhou a espada em desafios onde a bravura se aliava à generosidade e ao gesto largo que o protegeram sempre do cinismo doentio em que a mediocridade se conforma. Talvez tenha sido, à nossa medida, um Orson Welles que prometeu mais do que pôde ou soube concretizar, mas o sonho é verdadeiramente a matriz do cinema. Sempre lhe faltaram águas para navegar, como dizia a narração off do seu primeiro filme. E oxalá as tivesse tido ou venha ainda a ter, porque no cinema espera-se sempre por uma intrigante legenda que sinalize the end, certamente paradoxal ou enigmática, porque, doutra forma, de tão óbvia se tornaria desnecessária. Os gatos não têm vertigens, mas a saltar alguns dos muros A-P Vasconcelos teria precisado de uma indústria de cinema e algumas profissões especializadas que verdadeiramente não encontrou. É aí que o A-P V produtor vacilou numa primeira vertigem – a VO Filmes. “Produções Cunha Telles” era chão que deu uvas e o próprio Cunha Telles se estreara na realização na tentativa de furar o cerco. Paulo Branco ainda não era o Paulo Branco e mesmo Manoel de Oliveira não era totalmente Manoel de Oliveira. E os três filmes produzidos fazem pensar que oxalá Francisca não tivesse sido conversa acabada. A verdade é que Paulo Branco geriu a carreira impressionante de Manoel de Oliveira até muito mais tarde por muito que se possa compreender o protesto de A-P V perante a asfixia que o modelo Oliveira possa ter trazido ao cinema português, e João Botelho ficaria também muito tempo nessa órbita, sendo que o que o público queria, parecia ser a chancela cultural e não a plateia comum, all the people sem nenhuma espécie de direcção espiritual que parecia ter feito nascer Hollywood. Mas nem essa história estava especialmente bem contada. Gatos perdidos sem coleira e a arranharem quase todos, estiveram ele e Fonseca e Costa, opostos paradoxalmente pelo muito que tinham em comum, até que Fonseca e Costa entrou finalmente com Os Cornos de Cronos na barca de Paulo Branco que até aí o ostracizava e A-P V com Call Girl encontrou lugar, transbordo via Cunha Telles outra vez produtor, ao lado de Joaquim Leitão na de Tino Navarro, um produtor que ganhara precisamente com Fonseca e Costa e Luís Filipe Rocha alguma solidez. Cartas de marear ou astrolábios e outros instrumentos náuticos não diminuem o atrevimento dos marinheiros perante a enormidade do Bojador e talvez A-P V tenha gasto energias demais nas salas do D. Henrique o Navegador, esse completamente fora das águas para navegar. A política de armador é necessária à viagem, mas fica muita vez no cais onde é difícil perceber quem são verdadeiramente os velhos do Restelo ou mesmo se alguma vez os houve, ou se é produto da nossa imaginação (ou da falta dela). E já agora quem são os imortais. Outros mares, porém, foram-se abrindo. O A-P V argumentista foi talvez o recurso necessário a quem acima de tudo movia o querer contar histórias. Talvez os portugueses não sejam, por natureza ou lucidez excessiva, bons contadores de histórias e talvez nem seja certo se a escolha, hoje nas novas gerações de uma crise lusíada também nova, é entre a narrativa de um Marco Martins (São Jorge) ou a poética que, no melhor, Miguel Gomes (As Mil e Uma Noites) invoca. O Gama que em Cochim conta a história, ou a canta, já pouco se lembra do Restelo de onde saiu e talvez faltasse a Carlos Saboga ou a Vasco Pulido Valente (ou a Vicente Alves do Ó nesse tempo) as horas de mar que dizem a aventura. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Faltou por ventura o A-P V actor. Quiçá o tamanho fugiu ao enquadramento, pormenor da versão com comentário do realizador que acompanha a edição do dvd de Call Girl, em que o cineasta comenta a técnica de representação de Nicolau Breyner e Joaquim de Almeida num diálogo em descida dos degraus de escada poupando nesse espaço minutos de filme ou dias de rodagem. Talvez nenhum outro cineasta português, depois de Abril e de O Pátio das Cantigas que espreita no ecrã da TV A Bela e o Paparazzo, tenha compreendido a importância do actor para contar uma história (não o actor que hipoteticamente garante a bilheteira mas o que é o corpo visível e, mais que representar, conta, sim, a história). Ou torna a história narrável, como poderia explicar o argumentista-actor Jean-Claude Carriére, para manter a sintonia francófona e não nos perdermos nos Tonino Guerra e tutti quanti que podem incluir a italo-americana família Coppola. António-Pedro Vasconcelos depois de O Lugar do Morto percebeu que contar uma história é descobrir uma Zannati ou uma Soraia ou atrever-se a roubar uma Emanuelle a algum Polanski de outras paragens, mas é também saber o que vale um pequeno apontamento de um grande actor num papel secundário, um Carlos Coelho do Parque Mayer (atenção ao último filme de A-P V ainda não estreado!) que o cinema ignorou, ou, em Call girl, um Raul Solnado, caricatura justa nos limites cómico-trágicos, de um idoso de lar capaz de içar a sua bengala como derradeira e simbólica revolta em dia do funeral de Cunhal visto na televisão, quando outras mortes se anunciam por todo o filme. E há ainda o A-P V crítico, que entrara por concurso na função num cineclubismo que interpretava na época o debate que necessariamente complementa as obras em todas as artes, ou se entusiasmara, noutro período de cíclica crise, no Cinéfilo, revista de espectáculos que animou o imediatamente pré e pós Abril. Invertendo uma lógica mais trivial, podemos afirmar finalmente que no A-P V realizador espreita inesperadamente o crítico frustrado. E como nestes vários papéis em que António-Pedro Vasconcelos se dividiu não se adivinha a possibilidade de uma heteronímia pessoana, o ciclo que a Cinemateca Portuguesa lhe está a dedicar em Junho-Julho talvez lhe dê uma oportunidade de se apresentar como um chefe de orquestra momentâneo de qualquer coisa que, de Manoel de Oliveira a Joaquim Leitão, se possa chamar um cinema lusíada que talvez a crítica e os académicos possam doravante estudar e caracterizar. Ele não é seguramente todo o cinema português apenas reportado à identidade do país, mas é o de todos os cineastas aqui citados e de todos os que por agora faltou citar. Eles procu(ra)ram fazer um cinema que fala do que somos aqui, neste canto lusitano, entendendo-o num, pelo menos, duplo sentido, sem autocomplacência, mas com uma dignidade reforçada a cada alcácerquibir, ou mordaz e com humor autocrítico a cada aljubarrota. Talvez mais o cinema dos portugueses que o cinema português.
REFERÊNCIAS:
Cláudia Dias nas trincheiras
Quarta-feira: O tempo das cerejas é uma operação de “desconstrução civil”: debaixo do palco, uma bailarina e um marionetista trabalham para o fim do capitalismo. Que não tem de ser o fim do mundo, antes pelo contrário. (...)

Cláudia Dias nas trincheiras
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Quarta-feira: O tempo das cerejas é uma operação de “desconstrução civil”: debaixo do palco, uma bailarina e um marionetista trabalham para o fim do capitalismo. Que não tem de ser o fim do mundo, antes pelo contrário.
TEXTO: Quarta-feira: O tempo das cerejas, terceiro capítulo da semana de sete dias com que a coreógrafa e bailarina Cláudia Dias decidiu dizer tudo o que tinha a dizer no palco para depois poder descansar da dança e continuar a luta por outros meios (é mesmo irreversível: mais três peças e, chegada a domingo, ou seja a 2022, porá um ponto final na sua carreira), começa em 1971. É o ano em que o dólar americano deixa de ser indexado ao ouro e a política monetária internacional entra num novo paradigma — numa nova “twilight zone”, dá vontade de corrigir, já que o que se segue é a dura realidade geopolítica das últimas décadas, tal como Cláudia Dias a inventaria muito literalmente, mas indexada à liberdade poética da ficção científica, fetiche declarado do seu convidado neste capítulo do ciclo Sete Anos, Sete Peças, o marionetista Igor Gandra. Coreografia: Cláudia Dias Lisboa. Maria Matos Teatro Municipal. Avenida Frei Miguel Contreiras, 52. T. 218438801. De 7 a 9 de Junho. Quinta e sábado às 19h. Sexta às 21h30 (Alkantara Festival 2018 - Festival Internacional de Artes Performativas). 6€ a 12€ (c/desconto)De 1971, o ano do dólar, avançamos para 1972, o ano de Nixon, e daí para 1973, o ano do golpe militar no Chile. A Indonésia invade Timor-Leste, Kissinger apoia a ditadura militar argentina, Thatcher chega ao poder no Reino Unido, Reagan chega ao poder nos Estados Unidos, a CIA financia os Contras da Nicarágua com a venda de armas ao Irão, e, enquanto o mundo se afunda na espiral da pax americana (risos) e do neoliberalismo facção Chicago Boys, duas “cabeças não reformistas” trabalham underground, como a resistência, para que o fim do capitalismo não tenha de ser o fim do mundo, antes pelo contrário. É uma operação de “desconstrução civil”, a luta que essas duas cabeças armadas de máscaras e lanternas, mas sobretudo os dois corpos a que estão agarradas, prosseguem debaixo do palco na peça que esta quinta-feira se estreia no Teatro Maria Matos, em Lisboa (ali fica até sábado, encerrando o Alkantara Festival, um dos co-produtores deste tour-de-force de Cláudia Dias), e que na rentrée veremos no Festival Internacional de Marionetas do Porto, de que Igor Gandra é director. Uma operação de desconstrução civil subterrânea, e portanto condenada a permanecer invisível, como invisíveis estão condenados a permanecer os dos de baixo (pelo menos para os de cima) a não ser quando fazem demasiado barulho. Cláudia e Igor fazem demasiado barulho em Quarta-feira: O tempo das cerejas. O barulho é tudo, aliás, durante a primeira metade do espectáculo. Debaixo das legendas, projectadas bem lá em cima, que são o céu (e o céu, aqui, é mesmo o limite) pronto a cair em cima do underground a que estão confinados, apenas o som, ao princípio quase indistinto, depois cada vez mais declarado, até se tornar ensurdecedor, das ferramentas (martelos, serras, tico-ticos…) com que dão início à aventura braçal de procurar uma saída para o fim da História que ano após ano, golpe após golpe, guerra após guerra, parece aproximar-se inexoravelmente. Na verdade — contam ao Ípsilon depois de um ensaio, cobertos de pó e de gesso —, apesar de toda a tralha histórica, política e ideológica que é o centro absoluto, assumido à cabeça, deste conjunto de sete statements, Quarta-feira: O tempo das cerejas descende de um acontecimento muito físico, muito gráfico, e também muito sonoro: “O gesto que fundou esta peça apareceu na primeira residência em que eu e o Igor nos juntámos. Até aí, ao telefone, não tínhamos combinado nada, para que o processo pudesse partir do zero, tanto quanto isso é possível. Foi então que, quando estava a partilhar com ele o meu método de trabalho, arranquei uma fita gaffer do linóleo e apareceu uma fissura. ”Meses depois, reencontramo-los debaixo do palco, enclausurados num espaço exíguo e escuro, insalubre, irrespirável. Lembramo-nos dos mineiros em greve nesses anos 80 em que a Inglaterra se tornou pós-industrial e pós-moderna, mas talvez estejamos a ser telecomandados: Thatcher é uma assombração recorrente nas legendas lá de cima, da Guerra das Malvinas ao seu primeiro date com Gorbatchov, outro gesto fundador (e ao mesmo tempo terminal). Braços, martelos, serras e tico-ticos trabalham cada vez mais depressa. O pó projecta-se em todas as direcções, placas inteiras de gesso saltam e fazem ricochete, o entulho acumula-se, o tecto por cima das duas toupeiras de serviço começa a inchar, a ceder, vai rebentar: a primeira fissura já os deixa respirar, mas o trabalho só irá acabar quando se abrir uma cratera (lá em cima, nas legendas, é 1988 e ouve-se na rádio The only way is up). Será o tipo de cratera que milhares de mísseis Tomahawk já abriram por esse mundo fora (Cláudia Dias tem esta obstinação de trabalhar com referentes concretos, foi estudar as medidas), a não ser que possamos olhar para o que nos habituámos a interpretar como o day after de um desastre e ver nele o Big Bang a partir do qual tudo é possível — incluindo o fim do capitalismo, que, como às tantas se sugere em Quarta-feira: O tempo das cerejas, citando Slavoj Zizek, não tem necessariamente de parecer um desfecho mais fantasioso do que o próprio fim do mundo. Também tinha tudo para ser um acidente, a fissura que se abriu nesse primeiro encontro entre Cláudia e Igor (que é na verdade um encontro a três, porque há uma presença que vem acompanhando o ciclo Sete Anos, Sete Peças desde o início, Karas), até se tornar uma metáfora operativa. “Descobrimos o espectáculo a manusear o cenário. Foi literalmente a partir pedra que o construímos”, resume Karas. “Lembrámo-nos da fissura que a Doris Salcedo abriu no chão da Tate Modern e andámos à volta disso. Depois o Igor sugeriu que trabalhássemos com pladur. E a partir do momento em que tivemos o buraco fomos lá para dentro, embora não tivesse sido imediatamente óbvio que o buraco ainda não estaria aberto, que teríamos de ser nós a abri-lo… Foi um processo muito cenográfico”, continua Cláudia, para logo acrescentar que, ao contrário do que aconteceu nos primeiros dois capítulos do ciclo — Segunda-feira: Atenção à direita (2016), em que se juntou ao dramaturgo e encenador galego Pablo Fidalgo Lareo e acabou a fazer boxe, e Terça-feira: Tudo o que é sólido dissolve-se no ar (2017), onde desenhava no chão, com o clown e performer de rua italiano Luca Bellezze, a tragédia que começou com a criação de Israel em 1948 e acabou na crise dos refugiados dos nossos dias —, esta peça também nasceu muito das conversas que foram tendo. Quarta-feira: O tempo das cerejas é de facto o compromisso peculiar entre duas vias que podiam ser incompatíveis, concorda Igor, e portanto “uma peça extremada a esse nível”: “Decorre muito da reflexão e do debate sobre o estado do mundo, o que é evidente no texto, mas depois a prática é muito terra-a-terra, está completamente vinculada à relação muito sólida e muito concreta com aquele espaço e com aquele material. ” É uma vinculação natural para ele, que vem das marionetas. Tal como é natural para ele, vindo das marionetas, a invisibilidade a que os dois se conformam, no anonimato das trincheiras (“Uma boa parte do espectáculo é aquilo que sem sermos vistos produzimos”); com Cláudia Dias, porém, até essa invisibilidade se tornou ideológica: “A peça começa nos anos 70, o que tem a ver connosco, e o texto também fala do possível desaparecimento do Igor e da Cláudia em 2055, mas a questão autobiográfica, que sempre foi muito importante no meu trabalho, aqui não é central. O drama agora está na relação entre o tempo da nossa vida e o tempo histórico: o capitalismo vai implodir, aquele buraco vai existir, só que nós já não o vamos ver. Felizmente, há um futuro depois de nós. As filhas do Igor, ou talvez os netos, estarão cá. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Então, no tempo das cerejas, um buraco já não terá de ser negro, já não terá de ser o fim do mundo. “Às tantas”, explica Igor, recapitulando o processo, “imaginar o futuro passou a ser uma tarefa em si mesma”. É um futuro revolucionário, em que as transacções deixam de estar indexadas ao dólar, há vida fora da moeda única, Joe Sims chega à presidência dos Estados Unidos, o Tratado de Abolição das Armas Nucleares é finalmente ratificado, a banca é nacionalizada à escala mundial, e o facto de 42 indivíduos possuírem a mesma riqueza que 3, 7 milhões de pessoas passa a constituir crime contra a humanidade. Nada disto acontecerá seguramente em 2019, admite Cláudia, mas talvez possa acontecer em 2055. Será da ficção científica (e daí os avatares que os substituem, no pós-apocalipse, materializando o mantra de Igor Gandra de que “quando o assunto é sério os bonecos vão à frente”…), mas ambos fantasiam com o momento histórico em que possam ler parangonas dessas nos jornais, em vez das que nos impõem Berlusconis e Netanyahus: “Sabemos que há ingenuidade nisto, mas é uma ingenuidade que nos interessa explorar. ”Buraco adentro, então, por muito que custe. E custou, diz Cláudia Dias: “Reconheço sempre, no meu trabalho, este gesto de tirar qualquer coisa de dentro e materializá-la no espaço; a partir desse momento, já não é sobre mim, já não se trata de lamber a ferida. Mas quando o que exteriorizas é um buraco, não é fácil. Demorei muito tempo a perceber que o buraco era uma saída. E depois vi que na peça anterior eu acaba a desaparecer no chão e que nesta venho do chão cá para cima. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime guerra negro desaparecimento
Morre, levanta-te e ressuscita
Tem algo de instalação performativa que não encontrou o lugar justo no grande écrã, mas não é filme que se possa descartar. (...)

Morre, levanta-te e ressuscita
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Tem algo de instalação performativa que não encontrou o lugar justo no grande écrã, mas não é filme que se possa descartar.
TEXTO: Europa, a mais pequena das quatro luas de Júpiter descobertas por Galileu, é também um dos corpos do nosso sistema solar com a potencialidade de albergar vida tal como a conhecemos. Realização: Kornél Mundruczó Actor(es): Merab Ninidze, Zsombor Jéger, György CserhalmiSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O cartão de abertura, que explica isto, anuncia logo ao que vem o húngaro Kornél Mundruczó, que (já não é de agora, lembre-se Deus Branco em 2014) não está contente com a deriva autoritária do seu país. O cartão de abertura explica também o nome do filme, e corta para um grupo de refugiados sírios que procura chegar à salvação na Europa e é rechaçado nas fronteiras da Hungria (é talvez a melhor cena do filme, viva, visceral, caótica). Um dos sírios apanha com uma bala de um polícia mais zeloso, mas levanta-se, ressuscita, ergue-se nos ares e voa sobre o caos. E está o dominó dos simbolismos lançado: Aryan, o morto-vivo sírio, é ajudado pelo dr. Stern, médico caído em desgraça que se aproveita dos refugiados mas que será o primeiro apóstolo deste novo Messias, ao qual as pessoas que “vivem horizontalmente nas suas redes” só prestarão atenção quando se lembrarem de olhar para cima. Não faltam ideias nem ousadias a Mundruczó, que trabalha nas artes performativas (ainda agora foi mostrada uma produção sua no Alkantara Festival): o sírio supostamente “infiel”, “ariano” de seu nome, é interpretado pelo húngaro Zsombor Jéger, e o médico magiar com nome judeu é interpretado pelo georgiano Merab Ninidze (visivelmente dobrado em húngaro). Eis a torre de Babel da Europa feita carne. Mas é por aí também que A Lua de Júpiter se afunda em parte — os saltos alegóricos da narrativa, a maneira como a câmara nervosa de Marcell Rév se lança em longos e vistosos planos-sequência por espaços claustrofóbicos, sugerem qualquer coisa de encenação imersiva Fura dels Baus, de produção de palco que saltou para o grande écrã sem ter definido por inteiro como lá chegar. O simbolismo é brutalista, previsível, e Mundruczó nunca deixa passar uma ocasião de o sublinhar a traço grosso. Mas também quer abanar consciências e está-se a borrifar para as boas intenções. Afinal, “é preciso ter caos dentro de si para parir uma estrela cintilante”, dizia Nietzsche. Aryan, o anjo infiel, prefere as batatas fritas. Mundruczó, esse, não conseguiu mais do que uma lua.
REFERÊNCIAS:
Étnia Judeu
Pode uma mercearia do Médio Oriente ser uma prova de amor (e futuro) em Portugal?
Há dois anos a viver em Portugal, um casal de palestinianos prepara-se para abrir uma mercearia recheada de produtos típicos da gastronomia árabe no Mercado de Arroios, em Lisboa. Zaytouna abre oficialmente ao público esta quinta-feira. (...)

Pode uma mercearia do Médio Oriente ser uma prova de amor (e futuro) em Portugal?
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.166
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há dois anos a viver em Portugal, um casal de palestinianos prepara-se para abrir uma mercearia recheada de produtos típicos da gastronomia árabe no Mercado de Arroios, em Lisboa. Zaytouna abre oficialmente ao público esta quinta-feira.
TEXTO: Nos últimos tempos, sempre que os clientes do Mezze lhe perguntavam onde podiam encontrar os ingredientes para cozinhar em casa o que tinham acabado de provar no restaurante liderado por refugiados do Médio Oriente, aberto em Lisboa em Setembro do ano passado, a palestiniana Serenah Sabbat pedia-lhes só um pouco mais de paciência. “Esperem um bocadinho, esperem um bocadinho. Está a chegar”, reencena agora, sentada num dos puffs da nova loja do Mercado de Arroios. A espera terminou. Zaytouna, uma mercearia recheada de produtos típicos da gastronomia árabe, é inaugurada esta quarta-feira ao final da tarde. Dia 3 de Maio abre oficialmente ao público. A três portas do Mezze é agora possível encontrar muitos dos ingredientes que compõem os pratos incluídos no menu do restaurante, assim como caixas de doces, frascos de picles e outras iguarias típicas da região. Sobre as prateleiras, há mais de 30 variedades de especiarias, garrafas de xarope de romã (utilizado na receita de baba ganoush, por exemplo), embalagens de bulgur, frike (dois tipos de trigo), pastas de tamarindo e de damasco ou preparado de falafel, assim como yalanji (folhas de videira para rechear ou já enroladas em arroz e especiarias) e uma selecção de favas enlatadas, preparadas ao sabor de cada país. “Temos a receita libanesa, síria, egípcia, palestiniana”, vai enumerando Serenah ao passar o indicador pela estante. A ideia de abrir uma mercearia especializada na gastronomia do Médio Oriente nasce de uma “necessidade pessoal”, confessa o casal palestiniano à frente do novo espaço. “Quando chegámos a Portugal não conseguíamos encontrar os produtos que precisávamos”, recorda Hendi Meshle. A diversidade de produtos era pouca, alguns de fraca qualidade, outros muito caros. “Uma pequena lata de tahini custava uns 5, 50€, o que para nós era muito caro porque usamos tahini em muitos pratos”, exemplifica Hendi. Era “preciso um salário” só para usar a pasta de sésamo, ingrediente principal de receitas como hummus ou baba ganoush. “Não comemos tahini durante bastante tempo”, conta Serenah, de 25 anos. Os “preços acessíveis” são, por isso, um dos factores que destacam na nova mercearia. “Não se pretende que seja uma loja gourmet, mas sim que tenha preços acessíveis para o consumo diário”, reforça Catarina Morais, empresária portuguesa que está a apoiar o casal no lançamento do projecto. A maioria dos produtos é da marca síria Durra, outros vêm de fábricas da Jordânia, da Líbia, da Palestina, do Líbano. Quase tudo importado a partir da Bélgica, onde Serenah e Hendi moraram durante três anos, até trocarem Bruxelas por Lisboa em Maio de 2016. “Lá já sabíamos onde obter as coisas e é muito mais fácil encontrá-las porque vivem muitos árabes [no país]”, explica Serenah. “Tínhamos tudo para [o projecto] funcionar e com a ajuda da Catarina isso aconteceu. ”Na verdade, não só da voluntária que conheceram na Refugees Welcome Portugal, que tinham contactado para receber aulas de português, como de “todos os amigos” que fizeram entretanto no Mezze (e não só). “Nunca tinha ouvido falar do projecto, mas viemos a um evento no Mercado de Arroios e, por acaso, eles estavam aqui com amostras, a ver como as pessoas reagiam à comida. Conhecemo-los, comemos hummus. Estava muito contente por encontrar árabes com quem conversar mas não prestei muita atenção depois”, recorda Serenah, com um sorriso. Já não se lembrava que tinha sido aqui que tudo tinha começado. Um ano depois, o projecto do Mezze transformava-se em restaurante e convidavam-na para trabalhar lá como empregada de mesa. E, agora, um novo capítulo escreve-se uma vez mais na casa de partida. “Já tínhamos encontrado alguns espaços para arrendar à volta do bairro mas depois soubemos que a Câmara Municipal estava a abrir concursos públicos para estas lojas do Mercado de Arroios. ” A localização dificilmente poderia ser melhor. Por um lado, mantêm a ligação quase umbilical ao Mezze, onde Serenah vai continuar a trabalhar. “Sinto-me muito bem lá, não é só um trabalho, é uma atmosfera familiar que me faz sentir em casa. ” Por outro, os produtos frescos à venda nas bancas do mercado tornam-se um complemento essencial aos ingredientes vendidos na loja. “Acho que é uma combinação muito boa”, defende Hendi. “Há vegetais que nós usamos muito e que são difíceis de encontrar, como beringelas ou curgetes bebé, mas vamos fazer uma parceria com vendedores do mercado e sempre que alguém vier cá à procura [desses ingredientes] reencaminhamos para eles. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Com formação em fotografia e produção cinematográfica, Hendi confessa que nunca tinha imaginado um futuro atrás do balcão de uma mercearia. Mas para o palestiniano de 35 anos, esta não é uma mercearia qualquer. “Não estou a vender uma garrafa de água ou um maço de tabaco, estou a comunicar com outras pessoas e a mostrar-lhes a nossa cultura através da comida. ” Quer falar-lhes dos produtos e das tradições, mostrar as diferentes receitas que vão estar disponíveis para consulta, explicar como se confecciona ou onde encontrar o que falta. O próximo passo será aprenderem a falar fluentemente português, o aspecto que consideram ser “o mais importante” para uma completa integração na sociedade portuguesa e imprescindível para fazer “o negócio crescer”. Mercado de Arroios, loja 19 (Rua Ângela Pinto) – Lisboa Tel. : 926 369 317 Facebook: Zaytouna. lx Horário: de segunda a sábado, entre as 10h e as 19hÉ que é em Lisboa que querem construir um futuro. Há dois anos, vieram em busca do sol e da segurança que não sentiam ter em Bruxelas. Encontraram um país com paisagens “lindas” e uma cultura mais próxima da que tinham deixado ao abandonar a Palestina em 2013. “A comida, as tradições, as pessoas mais abertas e acolhedoras”, enumeram. O nome da mercearia, que significa azeitona em árabe, vem ligar os dois mundos a que agora chamam casa. “Queríamos que tivesse uma ligação ao português e ao árabe e como temos reparado que existem muitas palavras em comum decidimos escolher uma associada a comida”, contam. “A oliveira tem muito simbolismo para os palestinianos porque é uma árvore que tem raízes muito fortes no solo. ” Raízes que os ligam ao território onde nasceram. Raízes que querem fortalecer onde o “coração agora bate”. “Nunca pensámos em abrir isto noutro lugar. Fazemo-lo em Portugal simplesmente porque nos sentimos em casa, seguros e muitos felizes aqui. ”
REFERÊNCIAS:
Étnia Árabes
Os habitantes de Nova Deli estão a fugir para Goa por causa da poluição
Pode uma cidade ser grandiosa quando o ar que lá se respira leva os que podem a fugir? Por enquanto, os migrantes da poluição são uma pequena elite, mas a capital da Índia é cada vez mais irrespirável. (...)

Os habitantes de Nova Deli estão a fugir para Goa por causa da poluição
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.136
DATA: 2018-12-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pode uma cidade ser grandiosa quando o ar que lá se respira leva os que podem a fugir? Por enquanto, os migrantes da poluição são uma pequena elite, mas a capital da Índia é cada vez mais irrespirável.
TEXTO: Quando Deepikah Bharadwaj era criança e vivia em Nova Deli, esperava ansiosamente a chegada do Inverno indiano. As manhãs tornavam-se geladas, enquanto as noites eram agradavelmente frescas. Porém, nos últimos anos, esse anseio tornou-se um sentimento desagradável. Com a descida das temperaturas chegou um nevoeiro poluído e espesso, que a deixa sem ar e com medo de sair à rua. Depois do nascimento do filho em 2016, decidiu que era altura de agir. Agora, quando pensa em Nova Deli, sente, sobretudo, alívio por ter saído de lá. “Sinto-me mal por não poder voltar à minha cidade natal, nunca mais”, diz Bharadwaj, de 33 anos, sentada no seu apartamento luminoso em Goa, na costa ocidental da Índia, a mais de 1600 quilómetros de Nova Deli. “É um sentimento de perda permanente, como se um amigo tivesse partido sem dizer adeus”. Bharadwaj faz parte de um ainda pequeno mas cada vez mais volumoso contingente de pessoas a quem podemos chamar refugiados ambientais: pessoas que decidiram que a melhor resposta para a inacreditável poluição de Nova Deli é fugir de lá. Alguns, como Bharadwaj, trocaram a capital da Índia por Goa, outros preferiram Bangalore, Bombaim ou até o Canadá. O fenómeno parece limitado a uma pequena elite — uma gota quando se compara com o influxo de gente que chega diariamente a Nova Deli à procura de oportunidades económicas. Mas estas partidas são uma crítica às cada vez maiores ambições da capital indiana: quão grandiosa pode uma cidade ser quando o ar que lá se respira leva alguns habitantes a fugir?Segundo a Organização Mundial de Saúde, Nova Deli tem o ar mais poluído de todas as maiores metrópoles do mundo. As causas são várias — o fumo dos canos de escape dos veículos, o pó das construções, as emissões industriais, as queimadas nos estados vizinhos — e potenciadas pelos factores geográficos. A “época de poluição” na Grande Nova Deli, com cerca de 29 milhões de habitantes, começa em Outubro e estende-se durante meses. Novembro e Dezembro são os meses piores. Há poucas semanas, o nível de partículas consideradas mais nocivas para a saúde humana saltou para 40 vezes acima do nível recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Essas partículas podem alojar-se profundamente nos pulmões e têm vindo a ser relacionadas com hipertensão, doenças cardíacas, infecções respiratórias e cancro. Os mais abastados fazem o que podem para reduzir a sua exposição ao ar poluído. Compram máscaras, purificadores de ar para as casas e planeiam viagens para a época das férias escolares para saírem da cidade com os filhos. Mas, para muitos, essas medidas não bastam. E estão dispostos a optar por medidas difíceis — abandonar os empregos e deixar a família e os amigos para trás para procurarem ar mais limpo. “É uma emergência nacional”, disse Mayur Sharma, um dos apresentadores de um popular programa de televisão sobre alimentação que nasceu e cresceu em Nova Deli mas, no ano passado, deixou a cidade com a família. “Quanto mais sabemos, mais assustados ficamos”. Sharma disse que quando o filho dava corridas na rua nos dias de Outono, tinha problemas para respirar durante a noite e tinha que usar um nebulizador. Foi durante uma tarde, há dois anos, que Sharma e a mulher, Michelle Cornman, se depararam com um cenário surreal — uma festa de anos infantil ao ar livre onde todas as crianças usavam máscaras contra a poluição. Decidiram que estava na hora de deixarem Nova Deli. O seu destino foi um local que visitaram em férias: Goa, um pequeno estado conhecido pelas praias, coqueiros e um ritmo de vida descontraído. Agora, a família de Sharma vive numa rua tranquila da cidade goesa de Porvorim. A sua casa fica perto da floresta e deixam as janelas abertas. “Sentimo-nos como desertores”, disse Michelle Cornman, de 42 anos, que viveu uma década em Nova Deli. Diz que o casal tenta não falar sobre a sua mudança de vida com as pessoas da sua antiga cidade. “É muito difícil dizer aos nossos amigos: ‘Olhem, hoje esteve um dia lindo, fomos à praia’”. Para Tracy Shilshi, o ponto de ruptura foi em Novembro do ano passado, depois do Diwali [a maior festa hindu]. O feriado celebra-se com foguetes e outro fogo-de-artifício, o que acrescenta mais um elemento à mistura tóxica de poluição de Nova Deli. “O ar ficou tão mau que sentíamos a poluição na boca”, disse Shilshi, de 37 anos. No Facebook, Tracy publicou uma queixa em forma de poema sobre a poluição em Nova Deli de um autor desconhecido. O filho de Shilshi, de três anos, tinha constantemente o nariz a pingar, o que o pediatra atribuiu ao ar de Nova Deli. O seu pai lutava contra uma tosse constante. Por isso, após 25 anos a viver na cidade, Shilshi deixou o emprego de jornalista televisiva e, em Abril, mudou-se com o marido, o filho e os pais para a zona sul de Goa. Os problemas respiratórios do filho e a tosse do pai de Tracy melhoraram numa semana. Os purificadores de ar que usavam em Deli estão agora a ganhar pó dentro de caixas. As empresas de mudanças e os responsáveis por empresas de recrutamento de pessoal confirmam que os habitantes de Nova Deli estão a abandonar a cidade devido à má qualidade do ar, ainda que não possam quantificar a tendência. Suresh Raina, sócio da empresa de recrutamento Hunt Partners, disse que o Inverno se tornou o momento ideal para persuadir executivos que não têm raízes profundas em Nova Deli a aceitar empregos noutras cidades. Estes executivos “apercebem-se [do problema] a cada Novembro, quando a poluição se adensa e o céu escurece. Começam a fazer telefonemas a dizer: ‘Não vou continuar aqui’”, disse Raina. Shiivani Aggarwal, directora executiva do Formula Group, especialista em recolocações, disse que encontrou vários exemplos de pessoas expulsas da cidade pela poluição: uma família que no ano passado se mudou para Hyderabad, porque o filho pequeno tinha dificuldade em respirar em Nova Deli; um casal de Bombaim que chegou há dois meses mas já está à procura de forma de sair devido à poluição; um terceiro casal decidiu viver separado — ele em Nova Deli, ela em Goa — por causa da má qualidade ao ar. Há cerca de um mês, disse Aggarwal, o seu próprio marido levantou a hipótese de se irem embora. Por agora, não vão a lado nenhum. “Esta espécie de migração das pessoas com possibilidades económicas está a começar”, disse Vindhya Tripathi, que se define como uma “refugiada da poluição” em Goa. Deixou Nova Deli em Dezembro do ano passado com os dois filhos, depois de pensar sobre a hipótese durante anos: o marido ainda trabalha na cidade e viaja para sul, de avião, ao fim-de-semana. A sua casa fica numa colina acima do rio Mapusa, com vista para um vasto vale verde. “Gostaria de acreditar que as coisas vão mudar” em Nova Deli, disse Tripathi, de 39 anos. Mas essa mudança “não vai acontecer nos próximos cinco anos, enquanto os meus filhos são crianças”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Outros têm mais esperança. Melhorar a qualidade do ar pode demorar meio século ou mais, mas “não há nada que não possa ser feito”, disse Joshua Joshi, de 37 anos, sentada no alpendre da sua casa numa pequena aldeia de Goa. Anoitecia e as suas gémeas de três anos corriam por ali descalças. Joshi deixou Nova Deli em Setembro e pretende ficar em Goa até Março, quando a poluição na capital diminui um pouco. Nova Deli “tem uma boa energia, adoro-a, é a minha casa”, disse, “mas não posso fazer de conta que o problema não existe”.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE