2019 - ano de viragem para a UE?
Precisam de reconhecer que a fiscalidade tem que ter uma dimensão europeia, para defender o Mercado Único do “dumping fiscal” e fazer as multinacionais, plataformas digitais e indústrias poluentes pagarem impostos. (...)

2019 - ano de viragem para a UE?
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Precisam de reconhecer que a fiscalidade tem que ter uma dimensão europeia, para defender o Mercado Único do “dumping fiscal” e fazer as multinacionais, plataformas digitais e indústrias poluentes pagarem impostos.
TEXTO: 2019 será ano de viragem para a União Europeia. Por muito mais do que encolher com o “Brexit” - que ainda quero crer possa evitar-se com um segundo referendo. Aí, 2019 poderia acabar por significar viragem para a regeneração da Europa. Mas em que sentido iremos, realmente, não sei. Tudo vai depender dos resultados das eleições para o Parlamento Europeu (PE). Basta pensar na “pasokização” do PSF (Partido Socialista Francês), na casa dos 20% por que anda o SPD (Partido Social Democrata) na Alemanha e no reforço para cima de 30% da Lega do fascista Salvini em Itália - é de arrepiar o que pode vir a ser a composição do PE no próximo mandato! E, por arrasto, do que pode ser a próxima Comissão Europeia. . . e não só. A correlação de forças no PE determinará também outros cargos de topo - as presidências do Conselho Europeu, do Banco Central Europeu e o/a Alto/a Representante para a Política Externa e de Segurança Comum. Tomara que o Conselho Europeu, quanto antes, acordasse e agisse. Face às forças extremistas e nazi-fascistas que cavalgam o descontentamento, a desconfiança e os medos dos europeus, vão os governos continuar na trajectória cega e surda às consequências sociais e políticas do neo-liberalismo desenfreado que enfraqueceu a União, os Estados e sub-financiou a governação democrática nas últimas décadas? Ou, à 23a. hora, finalmente em modo do alarme, aprovam um quadro financeiro multianual e um orçamento europeu com suficientes recursos próprios para lançar um urgente programa de coesão económica, social, territorial, de criação de emprego e de convergência na zona euro?Para isso precisam de reconhecer que a fiscalidade tem que ter uma dimensão europeia, para defender o Mercado Único do “dumping fiscal” e fazer as multinacionais, plataformas digitais e indústrias poluentes pagarem impostos. Para pararem de sobrecarregar as PMEs e os cidadãos que os pagam e pagam a destruição de emprego que vem com a globalização e a evolução tecnológica. Justiça fiscal é a reivindicação primeira dos “coletes amarelos” em França e não por acaso: desigualdade e injustiça destroem a confiança em governantes e instituições, incluindo partidos políticos. Mas os governantes têm feito “ouvidos de mercador”, apesar de sucessivos escândalos revelarem como o sector financeiro, neoliberalmente desregulado, desaguou nos “offshores” a incentivar fraude e evasão fiscal, corrupção, branqueamento de capitais e crime organizado. Como explicar que os ministros das finanças da UE tenham travado a proposta da CE para reformar o IVA, para não continuarem a deixar que a “fraude carrocel” desvie cerca de 50 mil milhões de euros por ano - ou seja, quase 1/3 do orçamento anual da UE! - para mafias e grupos criminosos, incluindo terroristas? Como aceitar que o governo alemão se arrogue dar lições de moral e governação, enquanto deixa o Deutsche Bank, o CommerzBank e outros bancos lavar somas colossais ao serviço de cleptocratas de várias latitudes? Ainda este mês o Ministro das Finanças alemão - do SPD, mas contraditando o programa dos socialistas europeus - travou a proposta da CE, apoiada pelo PE (e pela França), para taxar as multinacionais do digital. . . Governos que não entendam que justiça fiscal é questão elementar de democracia e de governação (sem receitas não há serviços públicos, nem sequer há Estado) não vão conseguir também canalizar recursos para a obrigação primordial de garantir segurança e defesa aos cidadãos. Entramos 2019 de luto por mais um ataque terrorista, que golpeou Estrasburgo em plena sessão do PE. Estamos diante de desafios que nenhum país sozinho consegue enfrentar: do combate ao terrorismo ao imperativo do desenvolvimento sustentável para erradicar a pobreza, fazer face às alterações climáticas e gerir movimentos migratórios; passando pela ciber-resiliência, numa era em que tudo, incluindo a segurança de infraestruturas críticas, das fronteiras externas e das comunicações, depende de tecnologia digital. Mais do que nunca precisamos da União Europeia, com capacidade de decisão e recursos adequados. Vivemos um tempo ao arrepio da História, em que o Presidente dos EUA diz obsoleta a NATO, maldiz a UE, trata de obsequiar regimes autoritários e repressivos, põe em causa o acordo para impedir o programa nuclear iraniano e anuncia uma repentina retirada de tropas da Síria e do Afeganistão, entregando aliados regionais. De que mais precisam os europeus para perceberem que o mundo está perigoso e finalmente passarem a prover à sua autonomia estratégica em segurança e defesa? Por isto também a questão dos recursos fiscais é prioritária na agenda da UE. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Entramos em ano de grandes perigos, com a UE atacada por dentro - no Brexit, no ressurgimento de forças extremistas, nas traições a princípios e valores por governos que atacam o próprio Estado de Direito em ofensivas contra migrantes e refugiados ou contra a independência da justiça e a liberdade de imprensa. E atacada de fora, num mundo desregulado e com cada vez mais focos de tensão e conflito, semeados pelo desatino americano, pela agressividade da Rússia de Putin e pelo projecto hegemónico pézinhos-de-seda da China. Com Trump cada vez mais acossado pela justiça, não é impensável 2019 trazer a sua demissão - aliviava, mas vai custar muito conter os efeitos do desvario. Tudo piora se houver paralisia na UE, incapacitada por rivalidades internas entre Estados Membros. Assim deixaram a Líbia post-Khadaffy transformar-se em santuário de grupos terroristas e traficantes: em 2019 continuará a UE a assobiar para o ar, em negação do perigo que dali a espreita?Mais que nunca é vital ultrapassar bloqueios no Conselho. É vital haver coragem política para sancionar governos que violem princípios fundadores e os Tratados - como, em diferentes maneiras e graus, já acontece na Hungria, Polónia, Malta, Roménia, Itália. . . Vai ser preciso que alguém assuma a responsabilidade de liderar politicamente a União Europeia em 2019. Macron deixou-se “encostar às boxes” pelos “coletes amarelos”. A transição política na Alemanha não ajuda, mas pode trazer novo estilo, mais assumido e consciente da encruzilhada existencial em que se acha a Europa. Uma Alemanha mercantilista, hesitante e relutante não chega, não serve, não salva a União. E salvar a União é salvar a Paz na Europa.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA NATO UE
Portugal na Europa
Enfrentamos hoje um momento crítico. Temos de decidir o caminho a escolher. O Ocidente está em decadência mas o declínio da UE não é inevitável. (...)

Portugal na Europa
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Enfrentamos hoje um momento crítico. Temos de decidir o caminho a escolher. O Ocidente está em decadência mas o declínio da UE não é inevitável.
TEXTO: 1. Ao longo dos tempos, a Europa foi um espaço de realidades diferenciadas, quer pela multiplicidade dos povos e respectivas identidades que vieram a integrar a unidade europeia, mas também bipartida pelas concepções do mundo que servem de referências directoras para a gestão do Estado e da sociedade civil. O futuro da Europa, no mundo global e interdependente em que vivemos, e o futuro de Portugal na Europa, é uma das consequências das crises, pelo seu impacto na vida dos portugueses, mas, acima de tudo, pela natureza das decisões que nos continuarão a ser exigidas. Há 30 anos, a entrada na “Europa” representava para os portugueses a liberdade, a abertura cultural, a democracia, a prosperidade. Era uma Europa muito diferente desta – esquecida das suas antigas promessas de paz e solidariedade –, que parece não saber o que quer nem para onde vai. No entanto, o processo de integração europeia desde a sua fase “reconstrutiva e construtiva”, integradora e inclusiva, até aos efeitos das condicionalidades regressivas, tem vindo a desconstruir o edifício europeu. E Portugal poderá ser a plataforma entre outras culturas, civilizações, oceanos e continentes. Nesse sentido, Portugal não pode ficar refém da União Europeia (UE) com crise de governança, condicionada pelas decisões da Alemanha, cujo projecto de solidariedade e coesão social – concretizados nos tratados internacionais e instituições – foi “subvertido”. Sem aprofundar a integração e a democracia, eliminando os efeitos assimétricos da moeda única e a segmentação dos mercados, será inevitável a desintegração. 2. Os tratados e instituições burocratas da UE foram subvertidos e esta passou a ser uma entidade disforme e híbrida: não é uma entidade geopolítica porque não tem instrumento militar e, nos momentos difíceis, depende dos EUA, cuja relação está enfraquecida pelo efeito Trump; nem é uma entidade económica sustentável, pois, para isso, precisava de ter uma política económica e apenas tem política orçamental imposta pela Alemanha que serve os seus interesses e estratégia mercantilista. Os países pequenos deixaram de ter voz. Há um défice profundo de entendimento do que é hoje a UE com recessão democrática, sem cidadania europeia e com uma zona euro em que a moeda única foi mal arquitectada por agendas nacionais e egocentrismos da Alemanha sem zelar por uma União Económica e Monetária (UEM) com instrumentos para harmonizar a integração de economias com diferentes graus de desenvolvimento. A UE está unida à força pelos tratados que não prevêem a saída do euro, que é a armadilha que os povos pagam com a liberdade. O euro pode não acabar mas poderá começar a desmoronar-se caso não haja mais integração. A crise Europeia é uma crise com quatro vertentes: a falta da união bancária, as dívidas soberanas, o subinvestimento e a degradação social, que em breve poderá passar à deflação. A intervenção do BCE com estímulos à economia pode ter vindo tarde. A crise financeira global de 2008 revelou e despertou as fragilidades originais da UEM, transformando o euro no contrário daquilo a que se destinava quando foi criado: um factor de convergência em vez da desagregação e de desigualdade. Por outro lado, os populismos e a crise dos refugiados podem também levar a UE a um processo de desagregação. A Europa enfrenta uma crise migratória alimentada por discursos de ódio. À medida que os números aumentam, instala-se um medo daquilo que o fluxo poderá significar para a segurança dos países de acolhimento, exacerbado pelo fenómeno ser frequentemente associado com o terrorismo e a criminalidade transnacional. A Europa terá que aprender a conviver, nas próximas décadas, com esta pressão migratória. E, se ignorar as causas deste fenómeno, o tráfego de seres humanos não terá fim. A falta de recursos e confiança criaram divisões irreversíveis na Europa debilitando os países periféricos do Sul e enfraquecendo a relação transatlântica, com os EUA a reorientarem a sua estratégia e o seu principal esforço para a área de influência da região Ásia/Pacifico. Esta importante alteração geoestratégica pode condicionar Portugal, quando pretende utilizar o mar como seu principal potencial estratégico numa fase em que a atribuição da Plataforma Continental por parte da ONU poderá ser influenciada por outras potências europeias. Portugal tem sido uma referência no caminho político para uma UE mais próxima das pessoas e dos seus valores fundadores. Num mundo em transformação acelerada, os valores europeus têm que inspirar novas políticas geradoras de confiança e bem-estar. A Europa e Portugal necessitam de um novo paradigma de desenvolvimento enquadrado por uma Estratégia Nacional (Estratégia Global do Estado) em linha com uma Estratégia Europeia, no médio prazo, que não ignore as realidades socioeconómicas e culturais e seja pensado em conjunto ao nível político e empresarial, com os sindicatos e universidades, que potencie a inovação, competitividade, bem como a qualificação dos recursos humanos. A actual situação é vivida com muita apreensão e consternação. Porque passámos a ter uma crise institucional que ninguém assume, reforçada pela mentira institucionalizada. 3. A Europa está rodeada de crises e passou a ser ela própria a crise – produtora de crises – com contradições insanáveis e clivagens na geografia dos povos, que conduz à desconfiança e rejeição do projecto de unidade europeia. E com as elites europeias burocratas sem pensamento político e sem visão de conjunto sobre o futuro, com os “interesses comuns” deslaçados ou inexistentes, não é possível evitar a sua fragmentação. É um desafio à sua relevância e à segurança. Como refere o Presidente da República, a “UE tem de agir para antecipar crises”. Os líderes autistas das instituições europeias não sabem lidar com as incertezas do mundo de hoje e deviam saber encarar as Forças Armadas (FA) como importante instrumento da segurança nacional e de uma política externa com dimensão, numa fase em que a Aliança Atlântica está em causa. Só assim é possível responder às complexas ameaças, que ultrapassam as fronteiras geográficas. A renovação da arquitectura de defesa da UE constitui uma prioridade, sem condicionar a soberania da intervenção autónoma dos Estados-membros, e tendo presente que a Defesa Nacional não é um milagre!Uma das soluções para que a UE possa contribuir para a produção de segurança global é passar a ser um actor credível na ordem internacional, principalmente pelo apoio à construção de alianças regionais e globais mais consistentes – dando prioridade à parceria estratégica com África. Por outro lado, tem de promover o investimento em instituições internacionais de forma a transformar-se numa UE com maior nível de integração, melhor coesão política dos Estados-membros e uma verdadeira política de segurança e defesa, que não passa pela criação de um Exército europeu, mas sim complementar da Aliança Atlântica. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A democracia reclama um modelo de sociedade assente na vocação cívica e escolhas de cidadania mais lúcidas. É essa que justifica, para os cidadãos, os direitos e os deveres de participação democrática. A cidadania tem que incutir estas responsabilidades, ou seja, o sentimento de comunidade que fundamenta direitos e deveres recíprocos e não o inverso. A construção europeia só pode ter futuro se as decisões europeias forem aceites como legítimas pelos povos. Aquelas decisões requerem melhores políticas públicas, esforço de negociação e compromissos, porque partem duma grande diversidade de interesses. E, por isso, têm de ser percepcionados como vantajosos pelos Estados-membros envolvidos. São necessários verdadeiros europeístas e estadistas convictos. Enfrentamos hoje um momento crítico. Temos de decidir o caminho a escolher. As divisões políticas internas persistem intactas, a recuperação económica parece demasiado frágil e os extremismos populistas antieuropeus crescem por toda a parte. Para inverter a dinâmica de fragmentação regional, os responsáveis políticos portugueses e europeus precisam de reinventar a aliança entre a democracia liberal, a inovação económica e a integração regional. O Ocidente está em decadência mas o declínio da UE não é inevitável.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU EUA UE
Eleições europeias 2019: uma oportunidade para debater o papel da cooperação europeia no mundo
A Plataforma Portuguesa das ONGD apela a todos os candidatos que reforcem o compromisso com o desenvolvimento global e assumam como prioridade a Cooperação Internacional, para uma Europa justa, solidária e sustentável. (...)

Eleições europeias 2019: uma oportunidade para debater o papel da cooperação europeia no mundo
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-05-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Plataforma Portuguesa das ONGD apela a todos os candidatos que reforcem o compromisso com o desenvolvimento global e assumam como prioridade a Cooperação Internacional, para uma Europa justa, solidária e sustentável.
TEXTO: As eleições para o Parlamento Europeu, no dia 26 de maio, são uma oportunidade para recentrar o debate em torno dos objetivos da Cooperação para o Desenvolvimento, numa altura em que se assiste a uma tendência de instrumentalização do setor do desenvolvimento, nomeadamente com o objetivo de internacionalização das economias europeias e numa deriva securitária e de controlo migratório. A União Europeia, sendo o maior doador mundial de ajuda pública ao desenvolvimento (APD), tem uma responsabilidade acrescida de colocar a Cooperação para o Desenvolvimento ao serviço das populações mais vulneráveis, cumprindo os princípios da solidariedade internacional e do desenvolvimento sustentável. Portugal, enquanto país membro da União Europeia, deve participar neste debate e contribuir para a priorização da política de Cooperação para o Desenvolvimento, enquanto veículo para reduzir as assimetrias e desigualdades e promover os direitos humanos à escala global. A Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento, enquanto rede que representa 62 organizações, apresenta um conjunto de propostas sobre a Cooperação para o Desenvolvimento Europeia, dirigidas aos candidatos e às candidatas e ao Parlamento Europeu, de forma a promover o debate e a reflexão sobre o papel que a Europa, e Portugal, deve assumir perante os desafios que enfrentamos à escala global. No que diz respeito à promessa da comunidade internacional em disponibilizar 0, 7% do rendimento nacional bruto (RNB) para a ajuda pública ao desenvolvimento, a maior parte dos países europeus está longe da meta e não há previsões de melhoria para os próximos anos. Os dados mais recentes disponibilizados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) indicam que houve um desinvestimento geral de cerca de 2, 7 % dos países doadores, com Portugal a representar a segunda maior descida (-15, 6 pontos percentuais em 2018, face a 2017). Mantendo este ritmo atual de crescimento, os países europeus precisam de mais de 40 anos para alcançar os 0, 7% do RNB dedicado à ajuda ao desenvolvimento. A realidade é ainda mais preocupante quando se analisa com maior detalhe a qualidade dos fluxos canalizados para os programas de desenvolvimento. Cerca de um quarto do financiamento europeu do desenvolvimento fica “dentro de portas”; por exemplo, tem sido contabilizada como ajuda pública ao desenvolvimento a concessão de bolsas de estudo a alunos estrangeiros que querem vir para a Europa, o perdão de dívidas aos países ou as atividades de auxílio a refugiados nos próprios países europeus. Além disso, diversos programas de cooperação para o desenvolvimento estão hoje focados no controlo das migrações e na externalização das suas fronteiras (no Mediterrâneo, por exemplo), desvirtuando um dos princípios fundamentais da Cooperação para o Desenvolvimento de garantia da segurança humana das populações mais vulneráveis. Perante este cenário, a UE deve assegurar que a APD é genuinamente utilizada para combater a pobreza, as desigualdades sociais e promover os direitos humanos e o desenvolvimento sustentável nos países com os quais coopera, e não nas prioridades e interesses securitários dos países membros da UE. O Parlamento Europeu deve assumir um papel de monitorização da qualidade da política de Cooperação para o Desenvolvimento, de forma proativa, em articulação com os diversos atores, nomeadamente as organizações da sociedade civil. Desta forma, o Parlamento deve assegurar a coerência das políticas da UE, colocando-as ao serviço de uma agenda de promoção dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável, de forma a contribuir para uma maior coordenação intersetorial na definição das políticas. No que diz respeito às organizações da sociedade civil, estas têm estado sob pressão na Europa e no resto do mundo, com o aumento de medidas legais restritivas, negação da participação no diálogo social, e situações de intimidação e violência. É importante não esquecer que a sociedade civil é central para a vitalidade e a qualidade da democracia, tendo um papel crucial no empoderamento das pessoas, nomeadamente as mais excluídas. A UE deve, por isso, promover e proteger o espaço de ação das organizações da sociedade civil, assegurando a participação e o envolvimento efetivos das pessoas e o escrutínio democrático. Ainda, a UE deve preservar os mecanismos de financiamento que permitam a intervenção de qualquer ONGD, independentemente da sua dimensão, e assegurar a sua autonomia no planeamento e implementação de programas e projetos da sua iniciativa. As ONGD não devem ser transformadas em meras executoras de programas europeus, devendo questionar-se os grandes “pacotes de prestações e serviços”, como temos vindo a assistir. A Plataforma Portuguesa das ONGD apela, ainda, que a UE promova a participação cívica e democrática de todos os cidadãos e cidadãs, procurando incentivar uma política de sensibilização e educação para a cidadania global, com vista à erradicação da pobreza e injustiça social. Está atualmente em discussão o próximo orçamento europeu para 2021-2027, no qual deverá constar o Instrumento de Vizinhança, Desenvolvimento e Cooperação Internacional, que agregará a maioria dos instrumentos financeiros deste setor. O Parlamento Europeu deve acompanhar de perto a sua adoção de forma a garantir que estará ao serviço do desenvolvimento internacional e baseará a sua intervenção em princípios como a solidariedade e a realização plena da Agenda de Desenvolvimento Sustentável 2030. O Parlamento deverá, igualmente, garantir que o Fundo Europeu para o Desenvolvimento Sustentável+, que está ainda em fase de negociações e centrará a sua ação no envolvimento do setor privado na cooperação, contribuirá de facto para o desenvolvimento. A Plataforma apela, nesse sentido, à adoção de um mecanismo de denúncia e reparação dirigido à sociedade civil e aos cidadãos e às cidadãs afetados/as pelos projetos financiados pelo fundo, de forma a acompanhar de perto a ação das empresas. Por fim, há muito que a sociedade civil reivindica a criação de uma taxa sobre transações financeiras para apoio a ações de solidariedade internacional. Vários Estados-membros já criaram uma taxa nacional, que demonstrou não ter impacto em termos de perda de competitividade a nível internacional. Uma taxa europeia poderia angariar entre 17 e 60 mil milhões por ano em receitas e assim poder reforçar o próximo orçamento europeu para 2021-2027. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Atendendo à importância destas eleições europeias, a Plataforma Portuguesa das ONGD apela, assim, a todos os candidatos e candidatas que reforcem o compromisso com o desenvolvimento global e assumam como prioridade a Cooperação Internacional, para uma Europa justa, solidária e sustentável. Até às eleições europeias, a Plataforma irá desenvolver uma campanha de sensibilização nas redes sociais, com mensagens-chave sobre estas e outras questões, para que não esqueçamos a responsabilidade da Europa na construção de um mundo mais justo para todos/as. Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o DesenvolvimentoOs autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
"As notícias verdadeiras" sobre os rohingya estão cheias de imagens falsas
Exército birmanês publica livro sobre rohingya com fotografias falsas. Forças armadas executam campanha de propaganda e difamação da minoria muçulmana. (...)

"As notícias verdadeiras" sobre os rohingya estão cheias de imagens falsas
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.016
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Exército birmanês publica livro sobre rohingya com fotografias falsas. Forças armadas executam campanha de propaganda e difamação da minoria muçulmana.
TEXTO: O Exército da Birmânia em Julho um livro sobre a crise dos rohingya. É uma particular versão da história: as fotografias, de arquivo, são retiradas de outros cenários e têm legendas falsas, atribuem ainda a autoria de crimes contra os rohingya a outros países. Num dos exemplos revelados por uma investigação da Reuters, o exército birmanês põe uma fotografia de um homem junto a corpos na água. Na mão carrega uma foice. A legenda diz que são bengalis a matar rohingya na década de 1940. Na realidade, a imagem corresponde ao massacre de bengalis pelo exército paquistanês, no final de 1971, durante a guerra da independência do Bangladesh. Os falsos exemplos repetem-se ao longo de mais páginas do livro de propaganda do exército birmanês. Uma segunda fotografia, também a preto e branco, diz retratar a invasão do território da Birmânia por parte dos rohingya. Data inscrita: 1948. A imagem foi, na realidade, captada em 1996 na Tanzânia, e mostra um grupo de refugiados a fugir do genocídio no Ruanda. A imagem valeu à fotógrafa Martha Rial, do Pittsburgh Post-Gazette, o prémio Pulitzer. As imagens foram examinadas pela Reuters com ferramentas como o Google Reverse Image Search e o TinEye, usadas para identificar imagens que estão online. Das oito fotos apresentadas como históricas, a Reuters descobriu que a origem de três era falsa. Não conseguiu determinar a proveniência de outras cinco. A minoria mais perseguida do mundoAs políticas da Birmânia e o Tatmadaw [Exército birmanês], de 117 páginas, é um livro organizado pela unidade de informação do Exército birmanês e é apresentado como "as notícias verdadeiras" desde o início da crise dos rohingya. No início desta semana, um grupo de investigadores das Nações Unidas recomendou o julgamento do comandante e de cinco generais do Exército birmanês pela sua responsabilidade contra a minoria muçulmana, um dos “mais graves crimes à luz da lei internacional”. O relatório pede que a investigação seja encaminhada para o Tribunal Penal Internacional. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O painel de investigadores ouviu centenas de vítimas e testemunhas. Recolheu provas de violações em grupo, de violência (incluindo casos de decapitação), de destruição de aldeias inteiras, de tortura, de escravatura e de infanticídio, e acusa o exército de ter recorrido a tácticas “consistentemente desproporcionais à dimensão das ameaças de segurança". Horas depois de a ONU ter denunciado os seis militares do Exército birmanês, o Facebook bloqueou os perfis do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Min Aung Hlaing, e de outros militares da Birmânia. O objectivo é prevenir a propagação de “ódio e desinformação”. No livro, o Exército birmanês nega as acusações de abusos e violência, culpa os "terroristas bengalis" e diz que a minoria muçulmana é originária do Bangladesh.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestiniano
A lista de acontecimentos que feriram a vida do povo palestiniano neste ano é tão extensa que não cabe num artigo. (...)

Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestiniano
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: A lista de acontecimentos que feriram a vida do povo palestiniano neste ano é tão extensa que não cabe num artigo.
TEXTO: Com a ocupação israelita dos territórios palestinianos de 1967, surgiu a solidariedade internacional popular com a Palestina, sendo o seu objectivo acabar com essa mesma ocupação. A 2 de Dezembro de 1977, este apoio foi oficializado, quando as Nações Unidas anunciaram o dia 29 de Novembro como sendo o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestiniano. Desde então até hoje, esta solidariedade ainda não conseguiu acabar com a ocupação, nem sequer contribuir para a liberdade dos palestinianos ou mesmo para o prevalecimento da paz. Muito pelo contrário, se olharmos, por exemplo, para o curto período, desde a última comemoração deste dia no ano passado até agora, muitos foram os acontecimentos que, infelizmente, contribuíram para o agravamento da situação. Um dos acontecimentos mais drásticos foi quando o Presidente Trump declarou Jerusalém como capital de Israel, mudando a embaixada norte-americana de Telavive para essa cidade, contradizendo as leis internacionais e a solução de dois Estados, acordada pela Comunidade Internacional, que prevê Jerusalém Oriental como capital da Palestina. Ao longo deste ano, Trump também decidiu cortar o financiamento da UNRWA, agência das Nações Unidas que presta apoio médico, social e educativo a mais de cinco milhões de refugiados palestinianos na Palestina e nos países vizinhos, pondo assim em risco a vida de muitas famílias. Estas políticas não contribuíram, em nada, para o processo de paz; vieram, isso sim, encorajar Israel a continuar com as suas políticas de ocupação contra os palestinianos e a implementar outras medidas, tal como a aprovação da Lei do Estado-Nação. Esta Lei considera Israel um Estado exclusivamente judeu, aumentando assim a discriminação, em especial contra os árabes com cidadania israelita, sendo de salientar que muitos israelitas que acreditam na paz recusaram esta lei. Todas estas políticas levaram os palestinianos a perderem a esperança na paz e no seu direito de construir um Estado. Não tiveram alternativa a não ser a recusa desta nova realidade, demonstrando-a com protestos onde muitas vidas se perderam nas mãos do exército israelita, como na Grande Marcha do Regresso, em Gaza, onde mais de 220 palestinianos foram mortos durante os pacíficos protestos. Entre as vítimas desta Marcha houve jornalistas, paramédicos e crianças, que não poderiam, de maneira nenhuma, representar uma ameaça à segurança de Israel. Ultimamente, Gaza voltou a incendiar-se. Regressou a violência, a destruição e o bombardeamento dos dois lados. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A lista de acontecimentos que feriram a vida do povo palestiniano, apenas no ano que passou, é tão extensa que não cabe num artigo. Este cenário desolador é uma prova clara que, infelizmente, esta solidariedade não foi ainda suficiente para salvar vidas ou para chegar a uma Paz duradoura. Ao longo de todos estes anos de solidariedade, muitas vidas, nos dois lados, se perderam. Embora o número das vítimas palestinianas seja muito superior, acreditamos que todas as vidas humanas são de grande valor. Ao longo destes anos, Israel exigiu, continuamente, o seu direito a viver em paz. O que, para nós, é uma posição legitima a qualquer povo. Logo, deverá incluir também o povo palestiniano. Acreditamos que a continuação da ocupação, a construção de muros, a confiscação de terras e o aprisionamento de menores não são, de forma alguma, caminhos para a paz. Pelo contrário, a ocupação é a forma mais terrível de terrorismo. Acreditamos também que a segurança só pode prevalecer através do reconhecimento mútuo e da boa vizinhança. Só assim poderão os israelitas viver em paz e os palestinianos viver com a dignidade que lhes é devida na sua terra e no seu Estado Palestiniano, com Jerusalém Oriental como capital. Apesar de todo este sofrimento, acreditamos que todos os conflitos têm, por mais que durem, um fim. Os conflitos e a paz começam e terminam nas mãos de seres humanos, o conflito palestiniano-israelita não será excepção. A grande diferença nos dois lados desta equação é que a guerra é iniciada pelos cobardes e a paz pelos corajosos. Por isso, não perderemos a esperança e o sonho de, nesta mesma data, no próximo ano, poder celebrar uma paz capaz de dar um futuro melhor às crianças de ambas as partes.
REFERÊNCIAS:
Étnia Judeu Árabes
Dezenas de milhares de sírios procuram refúgio nos Golã, Israel fortalece presença militar
Estado hebraico teme aproximação de forças iranianas e do Hezbollah da sua fronteira norte. (...)

Dezenas de milhares de sírios procuram refúgio nos Golã, Israel fortalece presença militar
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento -0.1
DATA: 2018-07-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estado hebraico teme aproximação de forças iranianas e do Hezbollah da sua fronteira norte.
TEXTO: Israel aumentou este domingo a sua presença militar nos Montes Golã, na fronteira com a Síria, na sequência de avanços das tropas do regime de Bashar al-Assad e seus aliados no país vizinho. Dezenas de milhares de sírios em fuga dos bombardeamentos procuraram refúgio perto da fronteira, levando Israel a dar ajuda humanitária – sublinhando, no entanto, que não os deixará entrar. A ofensiva militar de Assad com apoio russo levou à fuga de mais de 160 mil pessoas, muitas das quais procuraram abrigo não só junto de Israel, mas também da fronteira com a Jordânia. Amã também avisou que não deixaria entrar nenhum refugiado, justificando-se por ter recebido nos últimos anos mais de um milhão de refugiados sírios (o número de registos de refugiados no país é de 650 mil). Tal como Israel, a Jordânia também deu ajuda humanitária para o outro lado da fronteira. Das Nações Unidas, o secretário-geral, António Guterres, expressou “alarme profundo” pelo aumento das hostilidades no Sudoeste da Síria e o seu efeito “devastador” para os civis, mais um episódio de uma guerra que levou mais de metade da população síria a abandonar as suas casas e procurar lugares mais seguros dentro ou fora do país. Muitos têm-se deslocado várias vezes desde 2011, quando uma revolta pacífica contra Assad foi brutalmente esmagada pelas forças do regime e se transformou numa guerra civil em que morreram já mais de 500 mil pessoas. O regime está a atacar a zona de Deraa, precisamente o local onde começou em 2011 a revolta pacífica – apesar de ter acordado, junto com Moscovo, EUA e Jordânia, que esta seria uma zona de “diminuição de tensão” e assim não haveria escalada de hostilidades. Washington prometeu que responderia caso o acordo fosse quebrado, mas tem ignorado os ataques do regime. Rebeldes dizem que foram avisados pelos norte-americanos de que não haveria acção dos EUA em reposta a esta violação do acordo. Isso deixa Israel numa situação especial, porque com Assad a aproximar-se da sua fronteira Norte, há o perigo da aproximação de forças dos outros dois aliados que apoiam o regime em combate: forças iranianas e do grupo xiita libanês Hezbollah. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Israel repete que mantém a neutralidade na Síria, mas tem atacado pontualmente grupos de combatentes iranianos ou libaneses, carregamentos de armas, ou locais que diz serem controlados por eles no território vizinho, para não permitir que a Síria se torne um ponto de partida destes grupos para lançar ataques contra si. Na sua reunião de Governo de início da semana (que na região começa ao domingo), o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, sublinhou que Israel irá “defender as fronteiras, dar ajuda humanitária, mas não permitir entrada no nosso território, e exigir adesão estrita aos acordos de 1974 com o exército sírio”, na sequência do fim da guerra do Yom Kippur em que Estados árabes tentaram recuperar território conquistado por Israel na guerra de 1967, como os Montes Golã (entretanto anexados; a anexação não é reconhecida pela comunidade internacional). Apesar de várias tentativas, e até anúncios, de tréguas entre as forças de Assad e os rebeldes, em conversações patrocinadas pela Jordânia, os ataques continuaram no fim-de-semana. Pressionadas pela ofensiva, uma série de cidades assinaram acordos de “reconciliação” com o regime.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Macron, o “populista chique”
Desde há um mês que o caráter massivo, plural e incontrolável dos coletes amarelos descalçou completamente o discurso reformista de Macron. (...)

Macron, o “populista chique”
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Desde há um mês que o caráter massivo, plural e incontrolável dos coletes amarelos descalçou completamente o discurso reformista de Macron.
TEXTO: O Júpiter que “acreditou ser ‘o Eleito’ dos franceses e o salvador do mundo contra o populismo” (na síntese de um antigo dirigente socialista que foi colaborador de Macron, Libération, 8. 12. 2018) bateu os recordes de Sarkozy e de Hollande e tornou-se rapidamente no mais impopular dos presidentes franceses dos últimos 60 anos. Era bom tirarmos lições do rápido processo de degradação política em que caiu o mais monárquico dos presidentes da V República desde De Gaulle, que deixou embevecidos os liberais do nosso burgo (e de vários outros) com aquilo a que já se chamou um “populismo chique”, de jovem rico e promissor que, depois de apaparicado pelo poder económico e político, se apresenta como o líder desempoeirado que se oferece ao povo como seu representante direto, sem intermediários (partidos, movimentos). Inventando a plataforma En Marche com as iniciais do seu nome (EM), Emmanuel Macron concebeu o seu partido como uma verdadeira empresa, muito semelhante à Forza Italia de Berlusconi dos anos 90, aberta a fãs da sua personagem, mais do que a partidários de um programa. Balão cheio de pouco mais que pouca coisa, Macron é um daqueles casos de governante amado fora e detestado dentro do seu país. Convencido de que “a política é mística” e desvalorizando os programas eleitorais (Journal du Dimanche, 17. 2. 2017), Macron pavoneia-se como europeísta cosmopolita contra os populismos (e é ver a sua política com os refugiados), ambientalista moderno contra os negacionistas do aquecimento global (e é ver o que da falta de sinceridade disse o seu demissionário ministro do Ambiente), de salvador da democracia liberal (e é ver o que da sua lei antiterrorista diz a ONU e a Amnistia Internacional). Em quatro dias de manifestações dos coletes amarelos, mandou prender 4, 5 mil manifestantes e deixou 4 mil outros sob custódia policial, incluídos um grande número de estudantes. Se fosse na Venezuela, isto seria o comportamento de uma ditadura. . . No ano e meio de governo, a contestação não para de crescer: depois da mobilização sindical de 2017, a ocupação de universidades no inverno e primavera passadas, desde há um mês que o caráter massivo, plural e incontrolável dos coletes amarelos descalçou completamente o discurso reformista de Macron. E ele não é caso único: ao contrário do que sucedeu durante a segunda metade do século passado, o discurso público de quem governa é hoje descaradamente próximo das suas crenças ideológicas mais íntimas, aquelas que antes, de uma forma ou doutra, se procurava disfarçar. O mesmo Macron que se lamentava à BBC, em 2015, que a França não tivesse feito as mesmas reformas que Thatcher tinha imposto aos britânicos nos anos 80, queixava-se que “os assalariados franceses ganham demais”; pelo contrário, o que era preciso é que “os jovens franceses tenham vontade de ser milionários” (Les Echos, 7. 1. 2015). Como ele teve. Da mesma forma que o epicentro ideológico do governo do capitalismo global passou do “reformismo do medo” (Josep Fontana) – fazer concessões significativas às classes populares para impedir que elas quisessem derrubar o sistema -, situado algures entre uma social-democracia moderada e um reformismo que se dizia de inspiração religiosa, para um liberalismo económico desenfreado, reacionário em todas as relações sociais, também o lugar de enunciação dos governantes do século XXI tem vindo a transferir-se de uma classe média de que todos fingiam fazer parte até há 20 anos para o perfil do rico empreendedor que, quanto mais rico, mais sabedor de como fazer rico o país! O ricaço que “desce à arena” para solucionar os problemas que “os políticos” deixam por resolver foi não só Berlusconi, em Itália, ou Piñera, no Chile, ou Trump, nos EUA. Esse é o perfil de Macron, cuja identidade de classe transpira por todos os poros em cada aparição pública, quando se cruza com reformados e lhes pede que deixem de se queixar, ou quando dizia, ainda era ministro, que, “muito frequentemente, a vida de empresário é bem mais dura que a de assalariado” (BFM, 20. 1. 2016). Quando pretendeu, há dias, apaziguar o movimento dos coletes amarelos, percebeu que o melhor mesmo era aumentar o salário mínimo e propor às empresas que, voluntariamente e sem qualquer obrigação legal, pagassem um “prémio” no final do ano aos seus trabalhadores, livre de impostos. É absolutamente revelador que só as grandes empresas (Altice incluída) se tenham apressado a prometer fazê-lo; pelo seu lado, Macron retribuiu o favor rejeitando a pressão popular para restabelecer o imposto sobre as grandes fortunas que ele próprio revogou mal chegou ao poder. Era, portanto, com gente desta que ia ser salva a democracia do ataque neofascista?
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Entre a Holanda ocupada e a Turquia neutral, onde se situa o nazismo?
Os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO não têm dúvidas em afirmar que as acusações de Erdogan dirigidas à Holanda não fazem sentido do ponto de vista histórico. Não só pelo que os holandeses sofreram às mãos dos nazis, mas também pela relação ambígua entre turcos e alemães. (...)

Entre a Holanda ocupada e a Turquia neutral, onde se situa o nazismo?
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-24 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181024180801/https://www.publico.pt/n1765654
SUMÁRIO: Os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO não têm dúvidas em afirmar que as acusações de Erdogan dirigidas à Holanda não fazem sentido do ponto de vista histórico. Não só pelo que os holandeses sofreram às mãos dos nazis, mas também pela relação ambígua entre turcos e alemães.
TEXTO: Durante as últimas semanas iniciou-se um conflito diplomático aberto entre a Turquia e a Holanda, com duras acusações de parte a parte. Em especial, o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, resolveu reabrir uma ferida à qual muitas vezes se recorre quando as posições entre duas nações, em especial europeias, se antagonizam de forma especialmente extrema – o nazismo. Apesar disso, as acusações de ligação ao nazismo contra os holandeses não são algo que se oiça todos os dias. E assim é porque, talvez, seja a própria história a contradizer estas acusações. De um país ocupado pela Alemanha nazi, e que viu uma das suas maiores cidades, Roterdão, completamente arrasada e a sua população judaica praticamente dizimada, é de surpreender que exista alguma simpatia por parte da Holanda pelo nacional-socialismo que guiou Adolf Hitler e o seu círculo mais próximo. Se o posicionamento da Holanda durante o período nazi e o avanço dos exércitos da Alemanha pela Europa são óbvios e conhecidos, o da Turquia foi, durante as últimas décadas, alvo de estudo, discussão e teorias contraditórias. Na grande maioria das vezes em que se utilizam as comparações com o nazismo – recentemente aconteceu com Donald Trump, Marine Le Pen, a Holanda ou Angela Merkel – o fundamento histórico é praticamente, ou totalmente, inexistente. Já em 1990, como conta a BBC, o advogado americano Mike Godwin lançava aquela que viria a tornar-se conhecida como a “Lei de Godwin”: se uma discussão online tiver uma determinada duração, mais cedo ou mais tarde vai surgir uma comparação com Hitler - o reductio ad Hitlerum. O que talvez nunca tenha passado pela cabeça do advogado norte-americano é que a sua “lei” viria a ser aplicada nas relações internacionais. O diferendo entre a Turquia e a Holanda parece respeitar a regra descrita por Mike Godwin. O politólogo e investigador António Costa Pinto diz ao PÚBLICO que as acusações dirigidas à Holanda “não têm qualquer sentido”, acrescentando que Erdogan “escolheu mal o país” para levantar este tipo de considerações, até porque “há outros europeus que têm um passado mais complexo”. Também Bruno Reis, investigador do Instituto de Ciências Socias da Universidade de Lisboa, considera que “é sempre de desconfiar quando políticos utilizam este tipo de analogias”, descrevendo as declarações de Ancara como “um abuso de tal maneira absurdo que realmente parece ter uma intenção de provocação que pode ser explicável pela política interna turca”. Quando, a 1 de Setembro de 1939, os exércitos do Terceiro Reich entraram na Polónia dando início das hostilidades na Europa, a Holanda manteve-se numa posição de neutralidade. O problema é que a blitzkrieg de Hitler avançaria por grande parte do continente europeu em poucos meses. E assim, a 10 de Maio de 1940, a Holanda enfrentou uma invasão célere, intensa e brutal por parte das tropas alemãs. Quatro dias depois, a 14 de Maio, os nazis exigiram a rendição de Roterdão, cujo porto despertava grande interesse estratégico. Perante a hesitação holandesa, os bombardeiros da temível força aérea alemã, a Luftwaffe, preparam-se para a missão. E, já depois de Roterdão ter sido entregue à Alemanha, a cidade foi completamente arrasada pelos bombardeamentos – este viria a ser um dos crimes de guerra pelos quais os dirigentes nazis viriam a ser julgados depois do final da II Guerra Mundial. No dia seguinte, a 15 de Maio, a Holanda apresentava a sua rendição total. Cinco dias foi o tempo que durou a resistência holandesa ao avanço nazi. Perante a queda do país, o Governo e a família real holandesa recusaram-se a render, partiram para Londres, estabelecendo-se como Governo no exílio, e as instituições democráticas foram desmanteladas pelos nazis. Bruno Reis relembra ainda a cor utilizada como símbolo do movimento de resistência e que “irritava os nazis” e que era também a cor da realeza holandesa: o laranja. Os nazis entregaram algumas posições-chave da administração do país ao pequeno partido nacional-socialista holandêscomo recompensa pelo seu apoio. Sobre isto, Costa Pinto explica que, de facto, existia “um pequeno partido nacionalista holandês” mas “que nunca passou dos 3% em termos eleitorais”. Com a chegada dos exércitos nazis, a organização “obviamente tentava encontrar um lugar ao sol”. Apesar disso, o politólogo acrescenta que a Holanda ocupada não só “tem uma atitude pró-aliada de uma parte significativa da sua elite”, como “não tem sequer um regime colaboracionista pró-nazi” como se verificou nos casos da Eslováquia, da França de Vichy ou da Croácia. Por isso, na prática, e apesar de uma “colaboração de alguns segmentos da administração”, a “Alemanha faz praticamente uma administração directa” no território ocupado. Também Bruno Reis explica que “em boa parte da Europa existiam movimentos políticos com algumas simpatias com o nazismo. Mas eram minoritários”. Ou seja, dificilmente se podia acusar os holandeses de colaboracionismo e de nazismo. Se no período imediatamente seguinte à invasão a vida dos holandeses regressou a uma aparente normalidade, a verdade é que meses depois a opressão nazi fez-se sentir. E o alvo preferencial, tal como em toda a Europa, foram os judeus. Os passos dados foram semelhantes aos de muitos outros locais: no Inverno de 1940, todos os cerca de 140 mil judeus (muitos dos quais tinham fugido da Alemanha, o que se provou mais tarde ter sido uma decisão errada) que viviam na Holanda foram forçados a registarem-se como tal e foi desenhado um mapa indicando onde é que cada um deles vivia. Por esta altura, os bilhetes de identidade dos judeus estavam marcados com um “J” e a famosa estrela de David já era visível nas roupas. Gradualmente, a população judaica foi sendo proibida de entrar em espaços públicos (bares, lojas, parques ou transportes públicos) e, depois, deportada em massa para os campos de concentração. Calcula-se que, em 1945, no final da guerra, apenas cerca de 35 mil judeus residentes na Holanda tinham sobrevivido aos crimes nazis. Durante a ocupação, a população holandesa foi formando uma resistência subversiva às forças de ocupação. Muita da actuação desta resistência era passiva – proteger e esconder os judeus perseguidos. E esse era um crime cuja pena era a morte. “A Holanda, na sua estrutura de resistência, não difere muito de outros países europeus, no sentido em que a resistência é progressivamente dominada por uma oposição liberal democrática e também por uma oposição comunista”, explica António Costa Pinto. No entanto, “uma parte da administração holandesa colabora” com os nazis, o que se verificou ser “um grande problema no caso dos judeus”, realça. Estes colaboracionistas holandeses foram mais tarde violentamente punidos pelos membros da resistência. No final da guerra, a Holanda era, do conjunto dos países ocupados, aquele com maior taxa de mortalidade relacionada relacionado com conflito. Mais de 205 mil holandeses morreram, sendo que mais de metade foram vítimas do Holocausto. Se no caso da Holanda a ocupação nazi está bem documentada, bem como os seus efeitos, a neutralidade turca durante a II Guerra Mundial é alvo de alguma discussão por parte dos historiadores e investigadores. Ligada por uma aliança militar com o Império Britânico e com a França no início da guerra em 1939, a Turquia rapidamente passou a colocar-se numa posição de neutralidade na sequência da queda francesa às mãos dos alemães em 1940. Um ano depois, em 1941, a posição turca passou a ser de país neutro colaborante com ambas as partes, tendo assinado um pacto de não-agressão com a Alemanha. A 18 de Junho desse ano, o pacto foi assinado em Ancara pelo embaixador alemão na Turquia, Franz von Papen, e pelo ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Sükrü Saracoglu, tendo ficado conhecido como o “Acordo Clodius”, baptizado com o nome do diplomata alemão responsável pelas negociações, Carl August Clodius. O que está em causa na assinatura deste acordo, do ponto de vista da Turquia, é, explica Costa Pinto, “não perturbar a Alemanha no início da sua avançada a Leste sobre a União Soviética”. Ora, quatro dias depois da assinatura do pacto, começou a “Operação Barbarossa” – a invasão da União Soviética pelas forças germânicas –, algo relativamente surpreendente pois ainda estava em vigor o chamado pacto Molotov-Ribbentrop, o acordo de não agressão assinado entre a Alemanha e a União Soviética em 1939. No entanto, “quando a luta pelo petróleo se tornou algo importante, muitos historiadores se interrogaram porque é que a Alemanha não vai directamente à fonte que é a Turquia naquela altura”, lembra o politólogo e investigador ouvido pelo PÚBLICO. Um dos factores que o pode explicar é a situação nos Balcãs: chamada a apoiar os exércitos italianos na região, que sofriam derrotas sucessivas, a Alemanha abre outra frente de batalha. O investigador do Instituto de Ciências Sociais defende que “não deixa de ser irónico”, à luz da história, a acusação de Erdogan à Holanda. O acordo assinado mostra, na opinião de Bruno Reis, por um lado que “não há ali uma hostilidade, à partida, com o regime nazi” e, por outro, houve uma “preocupação de aproximação às potências dominantes naquela região sem nunca ceder plenamente a autonomia turca”. Mas os interesses comerciais também foram um forte componente que esteve na base das relações germânico-turcas. Para além de importantes empresas e bancos alemães que tinham filiais em território turco, as exportações turcas do minério de cromita para a Alemanha foi um fundamental no apoio ao esforço de guerra germânico. Este minério é utilizado para o fabrico de material refractário, vidro, cimento e para a obtenção do crómio metálico – segundo alguns cálculos foram exportadas 45 mil toneladas entre 1941 e 1942 e entre 1943 e 1944 o número aumentou para as 90 mil toneladas. A Turquia, com algumas semelhanças com a neutralidade portuguesa, tentava balançar e equilibrar a sua relação com as potências do Eixo e com os Aliados. Este pacto, que tinha duração prevista de dez anos, começou a perder força ao mesmo tempo que a derrota germânica era um cenário cada vez mais previsível. As trocas comerciais terminaram semanas antes (no dia 26 de Maio) de os exércitos aliados pisarem as praias da Normandia, a 6 de Junho de 1944. Dias depois, o ministro dos Negócios Estrangeiros turco que assinou o Acordo Clodius, e que era assumidamente um simpatizante do regime nazi, demite-se. A 23 de Fevereiro de 1945, a Turquia declara guerra à Alemanha, mas não chega a ter necessidade de recorrer às armas – no dia 8 de Maio, pouco mais de dois meses depois, a Alemanha apresentava a sua rendição e o conflito na Europa terminava. “A gestão turca é toda muito interesseira ou estratégica e portanto tem essas oscilações”, defende Reis. “A Turquia faz esta gestão completamente pragmática em função dos seus interesses – que era manter-se fora da guerra, ganhar o máximo de apoio a nível de equipamento militar e ganhar o máximo de divisas em termos de vendas. Essa oscilação é muito maior em paralelismo do que no caso português” acrescenta o investigador. Bruno Reis identifica ainda algo que aproxima a Turquia e a Alemanha e que tem lugar ainda antes do início da II Guerra Mundial. O fascínio dos nazis pelo fundador da República da Turquia, Mustafa Kemal Atatürk. “Atatürk era uma referência de Hitler e o genocídio dos arménios durante a I Guerra foi uma referência importante para os nazis”, diz, reforçando que existia, no início do movimento nazi, a “ideia de que a Turquia era um modelo de um Estado nacional e racial”. Além disso, “no período anterior, nos anos 30 e nos anos 20, o movimento nazi apresentava a Turquia de Atatürk como um exemplo de uma potência que tinha resistido aos Aliados”, referindo-se aqui à aliança da Turquia com a Alemanha durante a I Guerra Mundial e a recusa dos acordos que os britânicos procuravam. Outro dos aspectos que marcaram as circunstâncias da Europa em guerra foi o fluxo de refugiados judeus que fugiam à tirania nazi. E aqui, tal como na actualidade, a Turquia teve um papel, até certo ponto, com algumas semelhanças em relação ao Portugal do Estado Novo, neutro durante o conflito, tal como identifica a investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, Irene Pimentel. A historiadora recorre ainda à estudiosa alemã Corry Guttstadt, autora do estudo de 520 páginas Turquia, Judeus e o Holocausto, para denunciar uma certa “mistificação do papel da Turquia em relação aos judeus”. No fundo, como afirmou Guttstadt numa entrevista ao site alemão Qantara, “representar o Império Otomano como um ‘paraíso multicultural’ é absurdo”, disse a especialista alemã. “Como não-muçulmanos, os judeus foram sujeitos a incontáveis constrangimentos. Como os cristãos, tinham de pagar um imposto e eram obrigados a comportar-se de forma submissa em relação aos muçulmanos”, acrescenta na mesma entrevista. “Há uma mitificação e uma mitologia” sobre o posicionamento da Turquia em relação aos refugiados judeus, diz Pimentel ao PÚBLICO, e “só nos últimos tempos é que se começou a estudar” esta relação, nomeadamente através de Guttstadt. E o que se pode concluir desta investigação é que Ancara “fechou as portas” aos refugiados, “muito mais até do que Portugal”, diz a investigadora, acrescentando que foram até expulsos judeus turcos. Irene Pimentel recorda ainda uma espécie de “passaporte secreto especial” criado pelos turcos, em colaboração com os germânicos, com uma marca “para distinguir os judeus com os outros”. “Isso até era muito parecido com o que a Suíça neutral propôs à Alemanha” – neste caso era colocado um “J” nos passaportes judaicos tal como se fez na Holanda ocupada. Também a teoria, defendida por alguns historiadores, de que os diplomatas turcos concederam vistos de forma a salvar os judeus de nacionalidade turca é contestada. Pelo menos, o facto de o terem feito por razões humanitárias e não por terem simplesmente respeitado as regras que lhe haviam sido impostas por Ancara. Bruno Reis, por seu turno, defende que a “Turquia nunca viu a comunidade judaica com hostilidade”, tendo existido, inclusivamente, uma “relação próxima com o Estado de Israel”. “A Turquia foi, a par de Portugal, um ponto muito importante de fuga ilegal dos refugiados judeus a partir da Europa”, realça Reis. Mas isto, realça, “até os alemães chegarem à fronteira turca e imporem limites”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Se do ponto de vista histórico as acusações de Erdogan têm pouco ou nenhum fundamento, o que as justificam? Costa Pinto analisa que “este novo autoritarismo turco é um produto da democratização da Turquia – que tem, ao longo da história, fases autoritárias, intervalos liberalizantes e fases autoritárias. Mas este partido [de Erdogan] é um partido hegemónico sob o ponto de vista eleitoral e islâmico, que aponta para a islamização da Turquia”. Este é também um discurso “ideológico-religioso mais propício a utilizar modelos culturais nas relações internacionais. Ou pelo menos de legitimação cultural”, defende António Costa Pinto. “A gestão e as relações com a Europa por parte da Turquia é sempre muito pragmática e portanto o discurso ideológico é claramente uma retórica eleitoralista por parte do líder turco. O que interessa é conseguir resultados e o máximo retorno dessa relação”, conclui, por sua vez, Bruno Reis. A posição turca durante o conflito mais sangrento da história da humanidade “mostra claramente que não houve por parte da Turquia um comportamento de tal forma exemplar que permita agora fazer o tipo de análise” exposta por Erdogan. “Não se justifica este tipo de discurso por qualquer tipo de comportamento exemplar da Turquia no passado”, refere ainda Bruno Reis.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime morte guerra lei concentração comunidade estudo espécie abuso ilegal
Jornalista da Der Spiegel desviou fundos destinados a crianças sírias
Revista alemã apresentou queixa-crime contra jornalista que inventou ou manipulou várias reportagens. Claas Relotius é agora também suspeito de burla. (...)

Jornalista da Der Spiegel desviou fundos destinados a crianças sírias
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Revista alemã apresentou queixa-crime contra jornalista que inventou ou manipulou várias reportagens. Claas Relotius é agora também suspeito de burla.
TEXTO: A revista alemã Der Spiegel anunciou este domingo que vai avançar com uma queixa-crime contra Claas Relotius, o premiado repórter germânico caído em desgraça esta semana depois de a publicação ter revelado que falsificou vários trabalhos jornalísticos. A queixa relaciona-se concretamente com a suspeita de que o jornalista de 33 anos terá organizado uma falsa recolha de fundos para crianças sírias que, na verdade, teria como destino a própria conta bancária. Na origem da aparente burla está uma das reportagens premiadas de Relotius cuja veracidade é agora posta em causa – um trabalho publicado em 2016 sobre duas crianças sírias órfãs refugiadas na Turquia, sobre o qual recaem inúmeras dúvidas. A descrição da vida destas duas crianças era de tal forma dramática que inúmeros leitores da revista alemã contactaram Relotius para perguntar como poderiam enviar donativos para ajudar os jovens refugiados. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. De acordo com o que a Der Spiegel revela agora, o jornalista é suspeito de ter recebido donativos na sua própria conta bancária, e de nunca os ter entregado a quaisquer crianças refugiadas, tal como tinha prometido. Relotius é ainda acusado de, mais tarde, ter dito que ajudou estas duas crianças a serem adoptadas na Alemanha – o que é desmentido pelo fotógrafo turco que trabalhou com o jornalista em 2016, que diz que pelo menos uma das crianças continua a viver na Turquia. O caso Relotius está a abalar a imprensa germânica e a reputação de uma das suas mais conceituadas publicações, que já veio pedir desculpa aos seus leitores e a todos os visados pelas histórias falsas do seu jornalista.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime
“Ainda hoje me surpreende a facilidade, a rapidez com que tudo implodiu” no Leste
João Semedo continua a definir-se como “um militante de esquerda socialista e internacionalista”. Senhor de um percurso e de uma coerência peculiares na esquerda, olha com cepticismo para a actual União Europeia e não crê que “tenha conserto”. (...)

“Ainda hoje me surpreende a facilidade, a rapidez com que tudo implodiu” no Leste
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-08-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: João Semedo continua a definir-se como “um militante de esquerda socialista e internacionalista”. Senhor de um percurso e de uma coerência peculiares na esquerda, olha com cepticismo para a actual União Europeia e não crê que “tenha conserto”.
TEXTO: Aos 65 anos e depois de passar pela experiência um cancro grave na laringe e cordas vocais, João Semedo relativiza melhor “a hierarquia dos problemas, das dificuldades, dos obstáculos, das contrariedades”. Nascido numa família em que todos eram “atentos e preocupados com a vida de cada um”, Semedo nasce para a política com as cheias de Lisboa de 1967. Em 1972, adere ao PCP, mergulha na clandestinidade e é preso pela PIDE. Inicia então um percurso em que se divide entre a política e medicina, carreira que abraçou como profissão e que o conduziu à direcção de um hospital (2000-2006). Permanece no PCP até 2000, apesar de ter entrado em ruptura e saído do Comité Central em 1991, a seguir ao golpe na União Soviética. Durante uma década lutou pela renovação do PCP e quase conseguiu, integrado no grupo que conduziu ao Novo Impulso, de Luís Sá, “uma realidade que conquistou a maioria do CC e que acabou por abortar às mãos do conservadorismo leninista que Cunhal ainda conseguiu mobilizar”. Não desistindo da política, abraça a causa do BE, sentando-se no Parlamento durante uma década e chegando a ser coordenador com Catarina Martins, intergrando a primeira direcção paritária de um partido português. Hoje assume, em entrevista por escrito ao PÚBLICO, a defesa como sempre do internacionalismo, até porque, garante, o capitalismo está “muito mais” avançado nesse domínio do que “as forças dos trabalhadores”. E continua a acreditar que “a história da Humanidade é um pouco a história da evolução dos direitos das pessoas e da valorização da sua dignidade”. Como se define a si mesmo?Um sujeito que não se cansa de ser intransigente contra as desigualdades e as injustiças. É um médico que faz política ou um político que exerce medicina?Sou médico de profissão e para mim a política nunca foi nem é uma profissão. Fiz medicina, dirigi um hospital, tive uma activa vida política. Quando olho para trás, acho que posso dizer que fiz tudo isso com a mesma intensidade e paixão. Viveu recentemente um problema de saúde grave. O facto de ser médico ajudou-o na forma de encarar a doença?Sim, é verdade. Tive um cancro na laringe, um cancro das cordas vocais. Fui operado várias vezes, sempre no IPO de Lisboa, por uma equipa fantástica, num serviço excepcional, o de otorrino. Hoje estou muito bem. Informação e conhecimento ajudam sempre em todos os domínios e em qualquer contexto. Mas durante uma doença grave, importa mais a personalidade do que o título ou a formação académica. O sofrimento, o ziguezague do optimismo/pessimismo, os primeiros pensamentos sobre a nossa morte ou a angústia pelas limitações que nos esperam, bem, tudo isso tem muito pouco a ver com ser ou não ser médico ou mesmo com qualquer outra licenciatura ou mesmo profissão. Somos todos feitos da mesma massa e isso percebe-se muito bem numa enfermaria, durante uma doença grave. A doença não esbate todas as diferenças, todas as desigualdades mas ficamos mais iguais em muitos aspectos. E que consequências teve o seu problema de saúde na forma de encarar a vida?Fiquei sem cordas vocais, falo através de uma prótese, uma pequena peça em silicone fixada ao esófago e à traqueia. Consigo falar, as pessoas entendem-me perfeitamente mas a minha capacidade de comunicação ficou limitada. Ainda assim, no último ano participei em dois comícios, no Forum das Políticas Públicas do ISCTE e em algumas sessões públicas sobre a morte assistida e outros temas. Fiz isto com imenso prazer como pode calcular. E vou continuar a fazer. Portanto, no meu caso não mudou apenas a forma de encarar a vida, mudou por completo a própria forma de viver a vida. Respondendo à sua pergunta sobre a forma de encarar a vida, bem, mudou a hierarquia dos problemas, das dificuldades, dos obstáculos, das contrariedades, enfim, tudo hoje é para mim mais fácil de relativizar. Nestas situações ganha-se intuitivamente a noção de que a vida tem um prazo, em geral passamos uma vida inteira sem pensar nisso. Portanto, a nossa relação com o tempo também muda, como se ficássemos mais apressados, apesar de termos cada vez mais tempo livre e menos coisas para fazer. . . De resto acho que encaro a vida como sempre encarei, com prazer, entusiasmo, intensidade, vontade de participar, activismo, com objetivos. Como foi a sua infância? Viveu numa família grande? Quem eram os pais? Teve irmãos? Que cumplicidade criou com os irmãos?Tive uma infância e uma família como tantas outras, éramos próximos uns dos outros, atentos e preocupados com a vida de cada um. Uma família não muito numerosa, os meus tios e primos contavam-se pelos dedos de uma mão. Praticamente não conheci os meus avós nem paternos nem maternos, naquela altura morria-se mais cedo do que hoje. O meu pai era engenheiro, militante comunista, morreu antes dos 65 anos, podia ter vivido muito mais mas um tumor no fígado impediu que assim tivesse sido. A minha mãe era professora, uma mulher progressista, humanista, de cultura enciclopédica, viveu muitos mais anos que o meu pai, passou os 90 anos, morreu há três anos no dia de Natal. Durante os anos em que estive no Parlamento, a minha casa em Lisboa era a da minha mãe, a mesma casa em que vivi a minha adolescência e parte da juventude. Espero ter herdado da minha mãe esse gene da longevidade. Tenho apenas uma irmã, a Paula, um pouco mais velha que eu. Apesar de vivermos há quase 40 anos a 300 km um do outro – a minha irmã não saíu de Lisboa – mantivemos sempre a proximidade que construímos enquanto vivemos em casa dos nossos pais, o que aconteceu até chegarmos à idade adulta. Claro que durante os anos em que estive no Parlamento como vivia quase permanentemente em Lisboa, já mais maduros, ganhámos uma maior aproximação. Foi criado no princípio de que é preciso dar liberdade às pessoas se queremos que elas sejam responsáveis?Sempre senti que a vida me pertencia, os meus pais eram liberais no sentido de deixar os filhos decidirem. Eram exigentes sim, mas sempre contei com eles – e a minha irmã também - quando as escolhas não corriam bem. Ajudavam, não cobravam a liberdade que nos permitiam. Usa a mesma receita com os seus?Não lhe chamaria receita mas, sim, acho que a liberdade de decidir é uma boa escola para desenvolver a responsabilidade. Pessoalmente sou muito pouco impositivo na relação com os outros, julgo que o Miguel - o meu filho - pelo menos disso não se queixará do pai que tem. E presumo que a Ana Maria, com quem sou casado, também não. Que características herdou dos seus pais?Não sei se herdei, respondo sobre o que gostava de ter herdado: da minha mãe, a sua sensibilidade e simplicidade, e do meu pai, a sua determinação e energia. Por que seguiu medicina?Sempre tive muita curiosidade sobre a constituição e funcionamento do corpo, sobre a biologia dos seres vivos. Não encontro outra motivação, tinha 15 ou 16 anos quando fiz essa escolha no final do 5. º ano do liceu, não me recordo em concreto se houve mais alguma razão. Sei que mais tarde pensei muitas vezes que podia ter escolhido arquitectura. Ainda sobre medicina, foi médico do SNS e director de um hospital (2000-2006), Como vê a evolução do SNS?Vejo com muita preocupação, nos últimos anos é evidente que o SNS está a recuar em virtude da política agressiva e predadora dos grupos privados que está a asfixiar por completo o SNS. Privados e SNS são como vasos comunicantes. Quando dirigi o hospital de Joaquim Urbano – hospital do SNS no Porto -, especializado em doenças respiratórias e infecciosas, com uma equipa supercompetente e empenhada que foi capaz de renovar um hospital degradado e envelhecido, quer na modernização das instalações quer nos tratamentos inovadores para a SIDA e as hepatites, isso só foi possível porque houve o investimento suficiente e o hospital não foi empresarializado. O subfinanciamento e os hospitais empresa, mais a subversão das carreiras, facilitou o assalto dos privados e atirou o SNS para uma crise difícil de vencer. Quando descobriu a política? Qual o primeiro momento em que se lembra de ter tido consciência política?As trágicas cheias em Lisboa, 1967, nas quais morreram muitas centenas ou mesmo milhares de pessoas – o regime não permitiu saber isso com verdade – sem qualquer apoio que não fosse a ajuda de umas brigadas de estudantes dos liceus e das faculdades. Foi um acontecimento muito marcante para mim e para a minha geração, não sabia nem sequer imaginava, como se podia viver tão miseravelmente às portas de Lisboa. Fui mobilizado por um grupo de jovens que frequentava a casa do padre Vítor Feitor Pinto, que então dava aulas no liceu Camões onde eu estudava e animava uns círculos de conversa e reflexão entre malta nova. No ano seguinte estava na faculdade e fui à minha primeira manifestação, contra a guerra do Vietname, que pretendia chegar à embaixada dos EUA, então na rua Duque de Loulé. Foi a minha primeira manifestação e, claro, também a primeira carga de polícia. Não fui além da praça do liceu Camões. Entrou logo no PCP em 1972, antes do 25 de Abril chegou a ter tarefas clandestinas?Sim, era para isso que se entrava para o partido. Coisas simples, nada de especial: agitação, propaganda, reuniões, apoio a funcionários clandestinos. Foi pouco tempo e ainda por cima houve dois episódios que não aconselhavam muita militância clandestina: fui preso nesse ano e fui para a direcção da associação de estudantes de Medicina. Fez o percurso de aparelho e chegou ao topo. Quando subiu ao Comité Central sentiu isso como um sucesso? Com orgulho? Com honra?Ao longo da vida nunca me senti a subir escadas, fosse por que razão fosse. Não é o meu género de reacção. Quando fui para o CC senti o mesmo que senti quando o João Frois me levou para o Partido Comunista ou quando fui convidado para funcionário pelo Joaquim Pina Moura e pelo Jorge Araújo ou, ainda, mais tarde, quando o Miguel Portas e o Francisco Louçã me desafiaram para o Parlamento ou quando fui eleito para a direcção do Bloco. São passos que se dão com satisfação, claro, permitem ir mais longe no que fazemos e isso é naturalmente bom para quem está empenhado politicamente. Integrou a terceira via no início dos anos 90 e demitiu-se do Comité Central em 1991, mas acreditou até 2003 que o PCP podia mudar. Não levou tempo demais a romper?Durante esses anos ouvi muitas vezes essa opinião, em muitos casos formulada como uma crítica. Eu não critico quem saíu mais cedo mas também não julgo que tenham tido razão antes do tempo certo. É verdade que sou um sujeito paciente e pouco dado a precipitações mas quem quer “mudar o mundo” tem de encher-se de paciência, digo eu. Isto não se faz de assobio nem de um dia para o outro, não chega uma vida, uma geração. Vale a pena olhar para a forma como evoluíram os acontecimentos no PCP. Entre 1991, ano em que deixei o CC e assumi publicamente divergências claras com a direção do PCP, e o congresso de 2000, que foi decisivo para eu sair do PCP, portanto durante dez anos, mantinha-se no PCP e na sua direcção muita gente com vontade de mudar o que não estava bem no partido. Sempre achei que valia a pena contibuir para esse esforço e não me afastar definitivamente, mesmo que a minha militância fosse reduzida como de facto foi nesse período. O Novo Impulso, no final da década de noventa, não foi uma ficção, foi uma realidade que conquistou a maioria do CC e que acabou por abortar às mãos do conservadorismo leninista que Cunhal ainda conseguiu mobilizar. O Congresso de 2000, o XVI se não me engano, pôs um ponto final em qualquer possibilidade de renovação do PCP, quer pelo retrocesso da linha política aprovada quer pelo afastamento de muitas dezenas de quadros e dirigentes. Nesse ano, deixou de haver massa crítica no PCP para fazer a sua renovação. Não havia mais nada a esperar. Aliás, desde esse Congresso – e já lá vão mais de 15 anos – que reina a mais completa concórdia no PCP. A morte de Luís Sá em 1999, a seguir às legislativas, foi uma perda irremediável para a mudança no PCP?O Luís Sá deixou-nos muito cedo e de forma brusca e brutal, foi uma enorme perda para todos os que o conheciam, para os seus amigos e para os que trabalhavam e lidavam mais de perto com ele. Limitar a perda ao PCP ou especular sobre o papel que o Luís poderia ter tido neste ou naquele processo político ou partidário é diminuir o Luís naquilo que foi e na pessoa que era. Perdeu a democracia, perdeu a política, perdeu a esquerda. O que pensa do papel de Álvaro Cunhal no processo de democratização?Começo por destacar dois contributos de grande dificuldade e complexidade por muito que hoje nos pareçam banais: primeiro, a transformação de um partido clandestino e de quadros, num grande partido de massas e num país democrático, sem perda das suas principais características. Segundo, após o PREC, quando a perspectiva de uma revolução socialista desaparecia definitivamente do imaginário comunista, a definição da democracia avançada e do aprofundamento da democracia como estratégia do partido para o socialismo, respondendo assim à pergunta que naqueles tempos amargurava os comunistas e toda a esquerda “e, agora, que fazemos para chegar ao socialismo?”Apesar da sua genialidade, sobre alguns problemas centrais da identidade comunista e do modelo de partido operário, o pensamento de Cunhal não evoluiu, cristalizou, na minha opinião. Dois exemplos: manteve uma concepção instrumental das liberdades e da própria democracia, embora eu esteja convencido de que ele, hoje, não daria a mesma cobertura à ditadura corrupta do MPLA que tem dado a direção do PCP; e também sobre o modelo leninista de partido, em relação ao qual Cunhal não admitia qualquer mudança no sentido de uma discussão mais plural e participada, condenando o partido a viver de variações sobre o pensamento único mas em banda muito estreita, o que contribui para a estagnação tanto das ideias como da própria militância. O PCP de hoje tem algo a ver com o PCP do seu tempo?No plano político e ideológico sim, bastante, há uma clara continuidade que julgo radicar na persistência da matriz de partido de vanguarda, que por vezes derrapa para a auto-suficiência. O vanguardismo traduz-se em dogmatismo no plano ideológico e em sectarismo no plano político. São tempos muito diferentes e o mapa político mudou muito com o Bloco. Hoje há mais sectarismo por parte da direcção do PCP, provavelmente porque o Bloco é muito mais do que foram os grupos esquerdistas nesse tempo. Como já disse uma vez, depois de uma reunião com Jerónimo de Sousa, podemos ir cada um na sua bicicleta, até podemos ir em faixas diferentes da estrada mas a estrada é a mesma, não é?BE, Parlamento e GovernoArrepende-se de algo na sua trajectória política?Tenho 65 anos, tempo suficiente para ter cometido muitos erros. Mas não me arrependo se falarmos das decisões que contam, daquelas que marcam. As decisões tomam-se num determinado tempo, num certo contexto, é isso que as faz certas ou erradas. Fora do seu tempo e contexto, o arrependimento é tão fácil quanto inútil, já não muda nada, é um exercício que não tem qualquer sentido nem utilidade. Nem mesmo de decisões que geraram muita controvérsia me arrependo. Dou um exemplo: a liderança a dois do Bloco, comigo e Catarina Martins, em 2012. Não resultou, é evidente. Fomos super criticados, mesmo massacrados, era assim que me sentia muitas vezes. Não era difícil prever que assim iria ser, nunca tivemos qualquer ilusão sobre isso. O desgaste foi enorme para a direcção e para o Bloco, até porque a maneira mais fácil de atacar um partido é atacar a sua direcção. Portanto, hoje, dizemos sem qualquer dúvida, a coisa correu mal, a solução não se conseguiu afirmar. Mas, em 2012, naquelas condições, havia outra solução melhor, outra solução que reunisse mais apoio? Respondo com toda a convicção, não, não havia, aliás não apareceu outra melhor e mais apoiada. Então que sentido faz dizer que me arrependo se, de facto, não havia outra saída? Aliás, olhando para a actualidade do Bloco, acho que sobre essa solução e esse período, se pode dizer que não foram anos perdidos. A reacção à direcção paritária deve-se ao machismo ou apenas ao conservadorismo em geral?Julgo que se deve à combinação de muitas coisas, incluindo as que se refere. Mas, sobretudo, deve-se ao momento de fragilidade que o Bloco atravessava e que os nossos adversários políticos aproveitaram para tentar encostar o Bloco às cordas. Estavamos em 2012, a troika estava a instalar-se em pleno, a luta ia aquecer, para a direita, quanto menos Bloco houvesse melhor. Mas o combate político é mesmo assim, tem momentos bem duros. Repito, não foram anos perdidos, foram anos duros, o Bloco ganhou resistência, endurance, consistência. Como vê o papel dos jornalistas nesse massacre que refere? Por exemplo a recusa em usar a expressão “direcção paritária” e recorrer à expressão “direcção bicéfala”?É muito fácil elogiar a inovação e a novidade, mais difícil é aceitá-la e viver com ela. Os jornalistas não são excepção a esta regra. Salvo raríssimas excepções, colaram-lhe a etiqueta depreciativa da bicefalia. Tomaram partido nessa polémica. E acho que nunca se interrogaram o suficiente nem quiseram saber as razões daquela opção. Foi deputado durante uma década (2005-2015). Valeu a pena?Pessoalmente, sem dúvida que sim, aprendi muito e gostei imenso de ser deputado. Eu gosto da disputa, do despique, da controvérsia, guardo boas memórias dos debates sobre saúde com Correia de Campos e Paulo Macedo ou dos debates com o governo e mais recentemete com Pedro Passos Coelho. Senti-me sempre muito motivado nas comissões de inquérito, vencer a mentira e o silêncio dos culpados, sobretudo nos casos do BPN, da PT/TVI, dos submarinos, são experiências que não se esquecem facilmente. Politicamente, bom, quem deve responder são os eleitores. Mas quando olho para o meu trabalho e do meu grupo parlamentar acho que posso dizer sem qualquer exagero que contribuímos para algumas mudanças que vieram para ficar, por exemplo, o testamento vital, a introdução dos tempos de espera no SNS ou a generalização dos genéricos. No BE assegurou a passagem de geração ao integrar a direcção paritária. Desde o início, assumiu esse papel como transitório, para um mandato. Se daí a dois anos a direcção paritária se mantivesse já não seria consigo?Em política tudo é transitório, tudo é efémero. Com esta generalidade não quero fugir à pergunta: em 2012, eu já tinha passado os 60 anos e isso encurta o horizonte, sobretudo quando se trata de liderança e de um partido como o Bloco, um partido jovem, de gente jovem e que os jovens olham com atenção. Mas não havia qualquer roteiro definido e muito menos definitivo, não havia qualquer definição prévia sobre os mandatos que a Catarina e eu faríamos, se seria um, dois ou três. E muito menos que seria esse o modelo a instituir para sempre. E não sei se alguma vez mais o Bloco terá uma liderança paritária, tudo isso nunca foi definido de forma rígida. Veremos no futuro como será, o que será melhor. Mas há uma coisa que julgo poder dizer com toda a certeza: enquanto se mantivesse aquela coordenação paritária só seria com a Catarina e comigo. Ou seja, à data, aquele modelo era com aqueles dois protagonistas e apenas com eles. O Francisco tinha deixado a liderança do Bloco – uma liderança forte de uma personalidade tão rica como vincada – era o tempo da geração fundadora do Bloco dar espaço e lugar a uma outra geração e, sim, é verdade contribuí para essa mudança, para essa renovação, como muitos outros também contribuíram. E foi bom que essa transição tivesse sido realizada e acompanhada por uma coordenação a dois. Acho que os dias de hoje mostram isso com grande clareza. O Bloco tem hoje uma direção para dar e durar, que não desarma nem desiste, com muita imaginação, política e capacidade de construir soluções, propostas, respostas. Os acordos de esquerda que viabilizam o actual governo surpreenderam-no?Não, não me surpreenderam, o que me surpreendeu foram os resultados eleitorais de Outubro e julgo que não fui o único. Estes acordos foram possíveis por duas razões: uma, muito objectiva, é que um governo do PS tornava-se viável na base de um acordo a três ou quatro (PS, BE, PCP, PEV), como quiser, e só assim, teria que ter todos esses partidos, uma relação de forças à esquerda como nunca tinha existido, com um crescimento muito grande do Bloco e não com o seu recuo; a segunda, muito subjectiva, é uma disponibilidade muito diferente por parte do PS e de António Costa que rejeitou governar com a direita ou deixá-la governar e admitiu uma saída com os partidos à sua esquerda. Uma e outra coisa são uma absoluta novidade na história da democracia portuguesa. Europa, alternativa e internacionalismoÉ viável a Europa separar-se? É viável os países viverem isolados, cada nação por si?Se é viável? O Reino Unido vai deixar a UE, vários estados membros não cumprem resoluções do Conselho Europeu – veja o que se está a passar com os refugiados e migrantes - as eleições para o PE têm taxas de participação baixíssimas, sempre que alguma coisa relacionada com a UE vai a votos é derrota pela certa, o desemprego não pára de crescer e a economia europeia está numa crise arrastada, há pobreza na Europa como há décadas não se via, as desigualdades entre estados e entre regiões acentuam-se em vez de se esbaterem. É difícil não ver nisto uma União Europeia a desagregar-se, lenta mas inexoravelmente. A UE falhou e não vejo que tenha conserto. Não me parece que a consequência seja obrigatoriamente o isolamento dos países. Há múltiplas possibilidades e regimes de cooperação em vários domínios. Está aí um novo problema para a esquerda na Europa, desenhar e construir uma resposta à lenta implosão da UE. Não é cedo para começar e não vale a pena ter ilusões: neste contexto, nesta relação de forças, não há alternativa ao confronto com as instituições europeias, esgotou-se o tempo e a possibilidade das reformas, das mudanças, das refundações democráticas da UE, a hora é de ruptura. Qual a alternativa à União Europeia num país como Portugal?Como disse, esse é o debate que temos de fazer. Não sozinhos, mas com as forças de esquerda e os movimentos sociais que conduzem na Europa a luta por uma alternativa. O Bloco está a preparar um grande encontro com estes protagonistas europeus para 2107 que incentive essa resposta. Há um plano imediato: a contestação e o confronto com as autoridades europeias contra as imposições e o abuso, recuperando soberania democrática, que se proponha acabar com os PECs, o tratado orçamental, as sanções, os vistos prévios, enfim, com o colete de forças que a UE impõe aos povos europeus, condenando-os ao empobrecimento sem fim e à desigualdade. E há certamente a necessidade de, neste combate contra a Europa autoritária, construir novos espaços e modelos de cooperação entre estados no plano económico e social, que promovam o desenvolvimento e o emprego e que tragam de volta a coesão social e a coesão territorial para o centro das políticas europeias. Viu a queda do Muro de Berlin e, agora, assiste a factos que podem ser sinais da derrocada da União Europeia. A história repete-se?O muro de Berlim, a URSS e os então chamados países do socialismo real no leste europeu caíram como um baralho de cartas, ainda hoje me surpreende a facilidade, a rapidez com que tudo implodiu, estados que conduziram décadas a fio a vida de centenas de milhões de pessoas não tiveram ninguém que os defendesse. Bastou um sopro e tudo desabou. Não creio que assim venha a acontecer na União Europeia. A alta finança, os mercados, os grandes trusts internacionais, a administração norte-americana, o FMI, a NATO, os próprios governos europeus não vão abrir mão com facilidade do seu poder e dos seus interesses vitais. A UE é uma construção para proteger, consolidar e expandir o sistema capitalista. Em grande medida tem conseguido os seus objetivos estratégicos, a união hoje é um enormíssimo mercado e é isso que interessa aos seus mentores, é isso que protegem. Não creio que tanto poder se esfarele como se esfarelou a União Soviética e os países do pacto de Varsóvia. Vai ser um duro e prolongado confronto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Continua a acreditar que o internacionalismo pode ter sucesso?O capitalismo precisou de apagar fronteiras, impôs a livre circulação de capitais, de bens, de serviços e de pessoas, alargar mercados é condição de sobrevivência. Estão muito mais avançados na internacionalização que as forças dos trabalhadores, as forças socialistas. Continuo a pensar que as grandes transformações sociais e políticas também se disputam numa escala europeia, numa dimensão internacional. Num mundo tão globalizado, também se globalizaram os problemas com que se confrontam os trabalhadores nos diferentes países e até continentes. A precariedade não está espalhada pelo mundo? O ataque ao salário não é universal? Não há desemprego por todo o lado? Fazem falta mais respostas internacionalistas, mais solidariedade internacionalista. Sem ela, como vamos conseguir travar o tratado transatlântico, por exemplo? O internacionalismo é condição do sucesso. O tempo histórico acelerou, a prova é que viveu várias revoluções: 25 de Abril, queda do Muro, defesa de direitos de identidade. Essa aceleração é positiva para a dignidade do ser humano. Ou considera que na essência os problemas da defesa da dignidade das pessoas se mantêm?Nem todos os problemas em torno da dignidade do ser humano estão resolvidos. Mas a história da Humanidade é um pouco a história da evolução dos direitos das pessoas e da valorização da sua dignidade: primeiro, os direitos políticos e, depois, os direitos sociais muito relacionados com o trabalho, a protecção social, a reforma, o estado social. E agora, uma nova geração de direitos, que aprofunda os direitos humanos, os direitos de cidadania e de identidade. Julgo que, na actualidade, a conquista e consagração desses novos direitos é e será muito mais rápida, claramente em consequência da aceleração do tempo histórico de que falou. Repare na curta existência que é a vida de cada um de nós e, no entanto, já participámos na luta por uma série de novos direitos e, mais do que isso, assistimos mesmo à sua conquista. Neste momento estou empenhadíssimo na defesa de um novo direito, o direito à morte com dignidade. Não me passa pela cabeça que vamos ficar anos ou décadas à espera. O tempo acelerou e consolidou o meu optimismo. Deve ser isso o chamado optimismo histórico. . . Como se define politicamente hoje?Sou um militante da esquerda socialista e internacionalista.
REFERÊNCIAS: