Português preso preventivamente por suspeita de apoiar o Daesh
Suspeito que foi detido no domingo está radicado no Reino Unido há vários anos. (...)

Português preso preventivamente por suspeita de apoiar o Daesh
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.25
DATA: 2019-06-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Suspeito que foi detido no domingo está radicado no Reino Unido há vários anos.
TEXTO: A Polícia Judiciária anunciou nesta segunda-feira que deteve um português, radicado no Reino Unido, que é suspeito “de ter prestado apoio a combatentes” do Daesh. A detenção ocorreu na madrugada de domingo na zona de Lisboa, no âmbito de uma busca domiciliária à residência onde o suspeito de crimes de terrorismo se encontrava. O homem de 40 anos foi presente esta segunda-feira a um juiz de instrução, que decretou a sua prisão preventiva. As informações constam de um comunicado conjunto da Procuradoria-Geral da República e da Policia Judiciária. “Recorde-se que o cidadão ora arguido está radicado no Reino Unido há vários anos, sendo a partir de lá que desenvolveu diversas actividades em prol do Estado Islâmico [Daesh], nomeadamente como apoio e facilitador ao movimento de outros nacionais para os territórios do Iraque e do Norte da Síria”, lê-se na nota. O PÚBLICO apurou que o português agora em prisão preventiva continuava a viver em Londres, vindo esporadicamente a Portugal. Segundo a revista Sábado trata-se de o mais velho de três irmãos, que em 2013 se juntaram ao autoproclamado Estado Islâmico. Os dois mais novos terão viajado em 2014 para a Síria para se juntarem aos combatentes daquela organização terrorista. A investigação que corre em Portugal centra-se nesta célula terrorista, não se sabendo exactamente o que aconteceu aos outros elementos do grupo que, fonte policial, admite poderem já não estar vivos. A investigação, adianta o comunicado conjunto, vai continuar e centra-se “essencialmente” nos “residentes em território nacional”. Os casos dos nacionais na diáspora serão “tratados diferentemente e em sede própria”, remata o comunicado. Este não é o único caso que corre na Justiça portuguesa contra suspeitos de terem ligações ao Daesh. Em Abril passado, um marroquino de 65 anos começou a ser julgado no Campus da Justiça, em Lisboa, por suspeitas de terrorismo. Trata-se de Abdesselam Tazi, que entrou em Portugal, em 2013. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O sexagenário partilhava o alojamento com um compatriota, entretanto preso em França, também por terrorismo, Hicham El Hanafi, e incriminado pela própria família. Um irmão seu garante que Hanafi chegou a receber treino militar na Síria, tendo regressado a Portugal para recrutar adeptos. Essa seria também, segundo o mesmo denunciante, uma das principais missões de Tazi, que terá radicalizado vários marroquinos que conheceu no Centro Português de Refugiados, na Bobadela. O arguido desmente tudo e diz que está a ser perseguido por se ter recusado a entrar num negócio de tráfico de haxixe. Por que razão um refugiado que recebia do Estado português um subsídio que nem sempre chegava aos 200 euros mensais viajava pelo Brasil, pela Guatemala e por tantas outras paragens? – quiseram saber os juízes, no primeiro dia de julgamento. Tazi respondeu que tudo fazia parte de um esquema de utilização fraudulenta de cartões de crédito a que recorreu ao longo de vários anos para se sustentar. Com identidades falsas que chegava a comprar nestes países abria contas bancárias em países em que isso desse facilidade de acesso a cartões de crédito, como a Alemanha, descreveu, para depois comprar telemóveis ou sapatos que revendia em Marrocos. Objectivo: abrir uma boutique em Portugal.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave prisão homem refugiado
O Bloco suavizou o discurso anti-Europa
Catarina Martins não abordou directamente uma eventual participação do Bloco num governo de esquerda, mas decretou a morte do voto útil e insistiu na importância de o PS não ter maioria absoluta. (...)

O Bloco suavizou o discurso anti-Europa
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Catarina Martins não abordou directamente uma eventual participação do Bloco num governo de esquerda, mas decretou a morte do voto útil e insistiu na importância de o PS não ter maioria absoluta.
TEXTO: No primeiro dia de trabalhos da XI Convenção, que termina neste domingo em Lisboa, foi um Bloco de Esquerda com um discurso mais suave sobre União Europeia que transpareceu das intervenções dos seus dirigentes no palco do Pavilhão do Casal Vistoso. Isso ficou patente logo no discurso de abertura feito pela coordenadora Catarina Martins. Na intervenção da líder surgiram críticas à complacência do poder de Bruxelas com as tendências autoritárias, concretamente no que se refere aos refugiados. Já questões anteriormente sagradas para o Bloco de Esquerda, e que estão na moção de estratégia global da direcção, como a revisão do Tratado Orçamental, ficaram a cargo de outros dirigentes, como é o caso da eurodeputada que voltará a encabeçar a lista às europeias, Marisa Matias, ou de Luís Fazenda e Joana Mortágua. Catarina Martins centrou-se no alerta ao partido para a batalha das legislativas, nas quais o Bloco de Esquerda quer medir forças com o PS. Num tom crítico, alertou para os perigos de uma maioria absoluta do PS em Outubro de 2019 e deixou garantias sobre a competência do BE: “O Bloco é hoje um partido mais determinante, mais preparado, mais sólido nas suas análises e nas suas propostas. O Bloco mostrou que tem gente capaz, que sabe mais do que tantos ministros, porque conhecemos os problemas pela vida. ”E insistiu na ideia de que “se o PS tivesse tido maioria absoluta” não teriam sido concretizadas diversas medidas que foram possíveis graças ao acordo parlamentar à esquerda que foi assinado a 10 de Novembro de 2015, precisamente há três anos, no início da legislatura entre PS, BE, PCP e PEV. A própria Catarina Martins deu a resposta: “A política mudou porque o PS não teve maioria absoluta e porque cresceu a força da esquerda. Lembrar 2015 é aprender essa lição. Morreu o voto útil, renasceu a possibilidade de o povo impor o respeito. ” Acrescentando: “Aquele voto com medo da direita e que preferia uma solução má a uma solução péssima, esse voto útil morreu. Paz à sua alma. ”Em todo o discurso, a coordenadora nunca abordou a disponibilidade do BE para participar num governo com o PS depois das legislativas, objectivo que é admitido na moção de estratégia da direcção de que é primeira subscritora. Esse tema foi abordado indirectamente pelo líder fundador, Francisco Louçã, ao chegar ao Pavilhão do Casal Vistoso, ainda não tinham começado os trabalhos da Convenção. Louçã avançou os termos em que um próximo acordo pode existir. “A relação de forças é definida pelas eleições, não é só pelos partidos”, sublinhou Louçã, frisando que o BE tem de “dar a certeza às pessoas sobre o que vai acontecer na saúde, nos transportes, na educação, na vida de todos os dias. Isso é que permite chegar a um governo no futuro e a posições de grande responsabilidade”. Mas Catarina Martins não deixou de sinalizar os temas que são centrais para o BE na próxima legislatura. Chamou-lhes mesmo os três “desafios colossais” que o Governo tem pela frente. “O primeiro resulta da opção do PS, que não hesitou em juntar-se à direita na legislação laboral, que se vai arrastando no Parlamento; é tempo de acabar com essa vergonha e aprovar uma lei que protege os contratos, que impede a precariedade e que qualifica o trabalho”, começou por dizer. De seguida, acrescentou: “O segundo é que o Governo não se importou em dar uma cambalhota para mudar de voto e proteger a EDP quando o Parlamento já tinha aprovado uma taxa sobre as rendas da energia; é tempo de acabar com elas. ” Por fim, elencou ainda: “O terceiro desafio é que os atrasos na lei de bases da saúde ou no investimento em transportes públicos são maus indicadores sobre a vontade de deixar tudo na mesma; é tempo de cumprir o Serviço Nacional de Saúde e de responder pelos transportes de qualidade. ”Aos desafios anunciados por Catarina Martins, seria acrescentado mais um da parte da tarde pela deputada Joana Mortágua, abordando directamente as questões europeias. “O PS disse ao país que era possível virar a página da austeridade e cumprir as metas do Tratado Orçamental, mas é precisamente essa promessa que é hoje o colete-de-forças da 'geringonça'. Depois do que conseguimos, o PS travou sempre que quisemos ir mais longe. [O] investimento público é o limite da 'geringonça' e não é por uma questão de sustentabilidade das contas públicas, é por uma questão de sustentabilidade da campanha de Mário Centeno”, garantiu Joana Mortágua. As bandeiras do BE sobre União Europeia seriam desfraldadas na sala da Convenção pela eurodeputada Marisa Matias, já no estatuto de cabeça-de-lista às europeias – refira-se que coube ao deputado José Manuel Pureza anunciar que o BE quer eleger “mais deputados”. Marisa Matias defendeu que o programa eleitoral que o BE propõe para Portugal e que irá apresentar às eleições legislativas “é incompatível com o Tratado Orçamental” assumindo assim a necessidade da sua revisão que está, aliás, na moção de estratégia da direcção de que a eurodeputada é também subscritora. E fê-lo depois de apresentar os cinco eixos em que esse programa irá assentar: recuperação dos direitos laborais, defesa da contratação colectiva e no combate à precariedade e à pobreza; a defesa da soberania e dos serviços públicos; a reconversão energética; a defesa do investimento público a níveis pré-troika; e o crescimento da soberania alimentar. Mas foi o fundador Luís Fazenda quem, de forma mais veemente, demarcou o Bloco de Esquerda das políticas neoliberais que diz serem as da Comissão Europeia. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Começou por afirmar que os bloquistas estão “insatisfeitos com as grilhetas do Tratado Orçamental” e fez questão de frisar que “a Comissão Europeia e o Eurogrupo têm um programa político” a que chamam de “reformas estruturais”. O fundador do Bloco passou então a explicar que essas reformas são: as privatizações; a precariedade; a redução dos custos do trabalho. Advertindo que “esse programa é inaceitável” para o BE, Luís Fazenda garantiu que esses critérios da política da Comissão Europeia e do Eurogrupo provocam um “desequilíbrio social” e estão “em vigor” em Portugal, já que “a Concertação Social cumpre os critérios da Comissão Europeia e do Eurogrupo”. Luís Fazenda não poupou sequer uma crítica directa a António Costa, que fez em tom de resposta. Lembrando que o primeiro-ministro disse que os bloquistas eram “bons para ser amigos, mas não para casar”, Fazenda garantiu: “Para nós, não faz sentido casar com o Eurogrupo. ”
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PCP BE PEV
A troika sai da Grécia, mas a austeridade continua
Esta segunda-feira é o dia do fim do famigerado programa imposto pelos credores à Grécia. Mas "não existe saída nenhuma" se há compromissos para os próximos 30 anos, diz Tania Antonakakou, 25 anos. A melhoria dos indicadores macroeconómicos não tem reflexo no dia-a-dia, diz o jornalista Bruno Tersago. (...)

A troika sai da Grécia, mas a austeridade continua
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Esta segunda-feira é o dia do fim do famigerado programa imposto pelos credores à Grécia. Mas "não existe saída nenhuma" se há compromissos para os próximos 30 anos, diz Tania Antonakakou, 25 anos. A melhoria dos indicadores macroeconómicos não tem reflexo no dia-a-dia, diz o jornalista Bruno Tersago.
TEXTO: Electra quase pede desculpa, não percebeu bem. “Saída do programa?”, pergunta. “Ahhh, ouvi qualquer coisa”, diz a rir, e logo passa para um tom sério: “Na verdade, isso é uma grande piada. ”Esta segunda-feira é o dia da saída formal da Grécia do programa de austeridade, o terceiro desde 2010, que marcará o fim de uma fase na crise grega, a maior depressão económica registada em tempo de paz, tão profunda como a Grande Depressão dos EUA nos anos 1930, e ainda mais longa. Mas na Grécia ninguém está a suster a respiração à espera de melhorias imediatas, e quando se diz imediatas, quer dizer nas próximas décadas. Tania Antonakakou é peremptória: “Não existe saída nenhuma – assinámos acordos duros para os próximos 30 anos”. Alex diz que, mesmo com saída, há problemas que se vão manter, desde o nível micro (“as pessoas continuam a não ter dinheiro para o básico”) até ao macro (“como vamos poder ter acesso a dinheiro barato?”, pergunta, referindo-se às hipóteses de o país conseguir financiamento nos mercados com juros baixos. )Vários entrevistados, que falaram por telefone, Skype ou chat (alguns pedindo para ser citados apenas pelo primeiro nome), notam que fazem parte do pequeno clube dos “sortudos”, que são “a excepção”. Tania, 25 anos: “Tenho muita sorte, estou numa indústria óptima [marketing digital] e a minha vida no trabalho tem corrido bem. Mas no meu círculo não é assim”, nota. “Tenho amigos a trabalhar seis horas por dia e receber menos de 150 euros por mês, e não têm seguro [de saúde]” – na Grécia, o seguro é pago pelo empregador. “Claro que todos os gregos esperam um regresso à normalidade”, diz Pantelis Makkas, artista visual de 43 anos. “Mas não acho que saibam o que é normal. É trabalhar dez horas por dia e receber 500 euros? Para muitos de nós isso tornou-se o normal. ” Depois da saída do programa, “não espero mudanças imediatas”, diz. “A crise é o novo normal”, resume Bruno Tersago, jornalista e correspondente na Grécia de media belgas e holandeses. “Na vida do dia-a-dia ninguém vê as melhorias, estas aconteceram apenas nos indicadores macroeconómicos. ”Neste novo normal, anteriores necessidades básicas são agora luxos. Alex estima que mais de metade dos gregos não consiga ir ao dentista se precisar. “A maioria das pessoas vive a pensar no que pode cortar a seguir. Na electricidade, não se pode cortar”, diz – mas alguns cortaram mesmo: mais de 40% dos gregos não conseguem pagar electricidade, segundo a agência Reuters. “Trocar o carro pelo autocarro? Já o fizemos em 2011. No telemóvel? Na Grécia a média de gasto mensal de um cartão pré-pago é de três euros”, nota. “Onde cortar mais? Se ganhas 500 euros e tens 700 euros de despesas, estás automaticamente na bancarrota…”Este é um problema também para o Estado arrecadar impostos: muitas pessoas não conseguem pagar. O diário Kathimerini falava num círculo vicioso de sobrecarga fiscal: com o aumento de contribuições para a segurança social, fica menos rendimento disponível para retirar o IRS, por exemplo. “Ao fim do mês, continua a não sobrar nada”, aponta Bruno Tersago. “Há pessoas a cortar todas as despesas que podem, até às vezes na comida, para conseguirem pagar os impostos. ”Outro problema é que os novos empregos criados após a crise são sobretudo trabalhos em part-time mal pagos, acrescenta o jornalista (o que tem reflexo na sustentabilidade do sistema de pensões). “Muitos jovens vão vivendo, mas com trabalhos que são uma treta. São impedidos de ser mais ambiciosos”, lamenta Alex. Electra, licenciada em Sociologia, passou anos a viver assim, de emprego precário e mal pago em emprego precário e mal pago, trabalhos esgotantes, em organizações de apoio a gregos afectados pela crise ou refugiados a fugir de guerras. Os contratos eram em geral “de um mês, ou, na melhor hipótese, seis meses”, diz, pautando o discurso com baforadas num cigarro que delicadamente perguntou se incomodava antes de acender, mesmo estando longe. Mas Electra acha que foi mesmo por isso que tomou uma decisão difícil. “Fartei-me de ser explorada. Percebi que me esperava uma vida inteira de trabalho em más condições. ” Aos 34 anos, deixou tudo, voltou para casa da mãe, e nos últimos meses está a estudar para o exame de admissão à Faculdade… de Medicina. Electra sente-se com muita sorte por poder fazer esta tentativa. “Talvez no meu caso a crise tenha sido boa porque me obrigou a pensar bem no que queria para o futuro”, diz. O futuro que, na Grécia, é sempre incerto, para todos: trabalhadores por conta de outrém, por conta própria, com contratos com ou sem termo. “Tenho 34 anos e no meu círculo de amigos só dois têm filhos. ” Ninguém sabe com quanto dinheiro pode contar no mês seguinte, mesmo quem tem emprego fixo: “A minha tia tem um emprego estável e tem sete meses de salários em atraso”, conta. “Esta tragédia até é engraçada”, diz Politimi (que acabou de sair de um ciclo de muitos anos de desemprego e maus empregos), enquanto enrola um cigarro, meio sarcástica. “Estamos sempre à espera do que vai acontecer desta vez. E de cada vez, acontece mesmo alguma coisa. Ou são os cortes nas reformas, ou o Governo poder ir às contas buscar dinheiro. ”Ela explica: “Se alguém tiver dívidas ao fisco, o Governo pode ir à conta tirar dinheiro. Ainda há semanas me fizeram isso! Tiraram 100 euros que não paguei no ano passado, relativos a 2016 – por outro lado, devem-me mais de 200 euros de impostos de 2017, que ainda não pagaram”, queixa-se. Bruno Tersago conhece bem estes dois exemplos. Por exigência profissional, conta os cortes nas pensões de reforma: já houve 14 desde o início da crise, e há mais um programado, entra em vigor em Janeiro de 2019. Em relação à autorização para a retirada de verbas das contas bancárias, fala de “um caso obsceno”: “Uma das pessoas afectadas pelos incêndios recebeu um apoio do Estado de mil euros. Mas como tinha dívidas fiscais, foram-lhe logo retirados. O caso provocou uma grande indignação, e devolveram o apoio, mas só porque a imprensa falou dele. ”A solução, para Politimi, é sair da Grécia ou encontrar meios de, dentro da Grécia, trabalhar com empresas estrangeiras, diz. Estima-se que mais de 550 mil pessoas tenham emigrado desde o início da crise. Hoje, 21% da população tem mais de 65 anos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Como é que um país envelhecido, com uma fuga das pessoas em idade activa, e cujo crescimento económico é baseado no turismo, vai conseguir ter excedentes orçamentais ano após ano até 2060? Bruno Tersago não vê como. E sublinha: “Nunca nenhum país do mundo fez o que está a ser pedido à Grécia – nem a Alemanha”. Alex procura uma imagem para ilustrar o problema. “É como se começássemos um jogo de futebol com o marcador não a zeros, mas logo a perder 2-0”. A situação é tão desfavorável que “só com um milagre”, diz. E depois há o tempo. “Para a economia recuperar vão ser precisas décadas. Mas a vida das pessoas não vai esperar décadas. A vida das pessoas é agora. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Morreu Bernardo Bertolucci, o último imperador do cinema italiano
O Último Tango em Paris talvez seja o seu título mais "célebre", se o escândalo for a bitola. Quanto a Óscares, há os nove O Último Imperador. Mas a obra-prima será A Tragédia de um Homem Ridículo (1981), filme em que se confrontava com a Itália desses anos. Esses títulos mostram o calibre de um percurso: do cinema lírico sobre a experiência pessoal à mega-produção de prestígio. (...)

Morreu Bernardo Bertolucci, o último imperador do cinema italiano
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Último Tango em Paris talvez seja o seu título mais "célebre", se o escândalo for a bitola. Quanto a Óscares, há os nove O Último Imperador. Mas a obra-prima será A Tragédia de um Homem Ridículo (1981), filme em que se confrontava com a Itália desses anos. Esses títulos mostram o calibre de um percurso: do cinema lírico sobre a experiência pessoal à mega-produção de prestígio.
TEXTO: Bernardo Bertolucci morreu de cancro esta segunda-feira, em Roma, aos 77 anos. O jornal La Repubblica, que avançou esta manhã a notícia, despede-se do realizador com um addio logo no título do obituário dedicado “ao último mestre do cinema italiano”. O Último Tango em Paris (1972) talvez seja o seu título mais "célebre", se o escândalo e suas sequelas forem a bitola. Quanto a Óscares, houve O Último Imperador (1987): nove recebidos, entre os quais os de Melhor Filme e de Melhor Realizador. Mas a sua obra-prima talvez seja A Tragédia de um Homem Ridículo (1981), em que se confrontava com a "fealdade" da Itália desses anos. Vistos retrospectivamente, esses títulos mostram o calibre de um percurso: cineasta, poeta, documentarista, produtor, Bernardo Bertolucci tornou-se símbolo de um cinema internacional, passou do cinema sobre a experiência pessoal à mega-produção de prestígio. Desaparecidos Pasolini (1975), Visconti (1976), Rossellini (1979), Fellini (1993) ou Antonioni (2007), Bernardo Bertolucci era possivelmente o último realizador italiano com uma projecção verdadeiramente mundial. Filho do poeta Attilio Bertolucci, os seus primeiros filmes, estreados no princípio dos anos 60, foram fundamentais para a percepção pública de um "novo cinema" italiano, nascido sob os auspícios da nouvelle vague e estabelecendo um relacionamento complexo com a norma do cinema italiano, quer o do "grandes mestres" quer o cinema popular. Títulos como La Comare Secca (1962) ou Antes da Revolução (1964), feitos antes de cumprir 24 anos, sinalizaram o lançamento fulgurante de uma nova sensibilidade no cinema italiano, a par com os filmes de Marco Bellocchio (apenas dois anos mais velho do que Bertolucci), e sob a égide intelectual e artística de Pier Paolo Pasolini (a principal referência dos dois, Bernardo e Marco). Prima della Rivoluzione (1964)Nascido em 1941 em Parma, começou a sua carreira no cinema aos 20 anos como assistente de Pasolini – em Accattone, de 1961. Na primeira vez que se viram, Bernardo confundira Pier Paolo com um ladrão – ele batera à porta da casa de Attilio, de quem era amigo, e Bernardo sentiu-se assaltado pela "violência" que via naquele corpo. Era uma das coisas bonitas narradas no documentário Bertolucci on Bertolucci, de Luca Guadagnino e Walter Fasano, realizado em 2013, que consistia basicamente no espectáculo do corpo e do pensamento de Bernardo, ele, um amoroso da psicanálise, a narrar-se, a interpretar-se e aos seus 50 anos de cinema. Começara por ser poeta aos seis anos, para imitar o pai, como dizia. Depois, trocou a poesia pelos filmes, e assim o foi matando simbolicamente. Política e psicanálise, Marx e Freud: a dieta dos interesses do jovem Bernardo Bertolucci era muito daquela época, e muito de Bernardo são as conversas sobre pais e filhos, em filmes como A Estratégia da Aranha (1970), La Luna (1979) ou Eu e Tu (2012). Pegue-se em Antes da Revolução (1964) e em A Tragédia de um Homem Ridículo (1981). O primeiro mostrava o burguês Bertolucci a querer fazer corpo com o que para ele era a hipótese de futuro: o proletariado. Logo no genérico inicial: “Quem não viveu os anos anteriores à revolução não sabe o que é a alegria de viver”. A Tragédia de Um Homem Ridículo, de 1981Mas já era um requiem. Que A Tragédia de um Homem Ridículo confirmaria a chumbo, sem doçura. A conversa sobre pais e filhos acabava. Ugo Tognazzi interpretava um industrial que ficava sem o filho, raptado por uma brigada terrorista, mas o filho e os raptores teriam sido cúmplices para extorquir dinheiro ao industrial. Era o “filme italiano sobre Itália” que Bertolucci queria fazer, filme impenetrável, parecia calar-se, o que deixou os espectadores da altura sem norte. Bertolucci também considerou que chegara a algo de terminal. Não conseguindo encarar mais a fealdade de Itália, como ele dizia, partiria à procura "da beleza", na China ou em Marrocos, em O Último Imperador ou Um Chá no Deserto (1990), este adaptando Paul Bowles, com os quais deixou beliscar a reputação: a revolução dava lugar à decoração. Mas já antes, em O Conformista (1970), com Jean-Louis Trintignant, adaptando Moravia e investigando a "normalidade" do fascismo, dera um primeiro sinal de que procurava a grandiosidade e o impacto, na produção e no público a conquistar. Inaugurava-se com esse filme, exibido há pouco entre nós no âmbito do LEFFEST, o seu período de maior celebridade. Tal como boa parte da sua geração, claro, Bertolucci tinha sido também amoroso de Godard, com quem se zangou por alturas do revolucionário ano de 1968 e a quem, como uma nova declaração de amor para além de todas as turbulências, deu o Leão de Ouro de Veneza, na primeira vez que foi júri da competição, por Prénom Carmen (1983), filme in memoriam small movies (quem viu o recentemente estreado Godard, o Temível, de Michel Hazanavicius, teve, por fraquinho que fosse o filme, um vislumbre da tempestuosa zanga entre os dois: em O Conformista, o número de telefone e a morada do professor universitário anti-mussoliniano, refugiado em Paris, cuja confiança é suposto a personagem de Jean-Louis Trintignant conquistar correspondem ao que eram então as coordenadas da casa parisiense de Godard). O Conformista, de 1970Esses anos 70 inaugurados por O Conformista foram também os anos de O Último Tango em Paris (1972), o frisson com as acrobacias sexuais de Marlon Brando e Maria Schneider, sucesso de escândalo que ainda não deixou de ecoar (pelo que Schneider contou, anos depois, sobre episódios da rodagem); foram os anos de 1900 (1976), épico sobre as primeiras décadas do século XX italiano, resumido a um confronto entre forças progressistas e forças reaccionárias, o socialismo e o fascismo, num filme com vedetas do cinema americano (Robert de Niro, Donald Sutherland); e foram ainda os anos de La Luna (1979), onde uma actriz americana (Jill Clayburgh) interpretava a figura da "mãe" sobre a qual o filho projectava – ainda a reverberação psicanalítica – os seus fantasmas incestuosos. Este período encerra-se em 1981 com o referido A Tragédia de um Homem Ridículo, ecos dos "anos de chumbo" italianos, em diálogo com a sensação de falência moral da sociedade (como dizia o realizador Mario Monicelli a propósito do seu tremendo Un Borghese Piccolo Piccolo, realizado poucos anos antes, que "matava" a "comédia à italiana": "Os italianos tinham-se tornado infilmáveis por perda irreversível das suas características positivas"). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Depois de A Tragédia de um Homem Ridículo há então um hiato (marcado por um documentário de despedida a Enrico Berlinguer, em 1984, também espécie de requiem pelo comunismo italiano). Quando Bertolucci volta, vem já vestido de "cineasta internacional", indumentária que não voltaria a abandonar – é sobretudo tremendamente decepcionante O Pequeno Buda (1993). Depois de um último filme de produção e elenco totalmente internacionais – Beleza Roubada (1996) –, em que se sente um realizador a perseguir "temas" mas a fazê-lo de forma descaracterizada, levanta o pé do acelerador: apenas duas longas-metragens em 20 anos, Os Sonhadores (2003), evocação distanciada, romântica e desencantada em simultâneo, daquele período que circundou o Maio de 1968; e um surpreendentemente discreto e intimista fecho de obra, Eu e Tu (2012), história de dois meio-irmãos a descobrirem-se um ao outro enquanto se escondem na cave da casa da família, entre muitos ecos (em auto-citação ou auto-paródia expressas, de Antes da Revolução e até O Último Tango em Paris) e uma canção com a voz de David Bowie a narrar em italiano a história de um ragazzo solo e de uma ragazza sola. Dependia há anos de uma cadeira de rodas, depois de ter sido operado a uma hérnia discal. Num dos seus últimos filmes, Sapatos Vermelhos, curta feita para a encomenda dos 70 anos do Festival de Veneza, Future Reloaded, e que era um pequeno clarão, era assim que o víamos, na batalha diária para circular pelo Transtevere romano.
REFERÊNCIAS:
A arte e a cultura são as armas de Asma para combater o radicalismo islâmico
Asma Kaouech é uma activista tunisina e o trabalho que desenvolve junto de jovens em risco de radicalização pode ter um forte impacto dentro e fora do seu país. Em 2017, recebeu a Bolsa Sakharov para participar no último programa de capacitação na área dos direitos humanos promovido pelo Parlamento Europeu. (...)

A arte e a cultura são as armas de Asma para combater o radicalismo islâmico
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Asma Kaouech é uma activista tunisina e o trabalho que desenvolve junto de jovens em risco de radicalização pode ter um forte impacto dentro e fora do seu país. Em 2017, recebeu a Bolsa Sakharov para participar no último programa de capacitação na área dos direitos humanos promovido pelo Parlamento Europeu.
TEXTO: Usar a arte e a cultura para travar o avanço do radicalismo islâmico: é esta a estratégia da jovem tunisina Asma Kaouech para envolver jovens marginalizados, pela pobreza e pela interioridade, na vida cívica de um país ainda em democratização após a revolta popular que ditou o fim da ditadura de Zine el-Abidine Ben Ali em 2011. O seu trabalho como directora executiva da organização não-governamental (ONG) Fanni Raghman Anni – que à letra significa “A minha arte apesar de mim” – já a levou às aldeias mais recônditas e aos bairros mais problemáticos da periferia da capital tunisina. “A nossa principal missão é defender os direitos humanos e os valores da cidadania, através de formas inovadoras e alternativas”, descreve Asma. O que basicamente implica usar a performance, o teatro de rua, a música ou as artes plásticas para encorajar a criatividade e o pensamento crítico. O alvo está escolhido. São jovens em risco de radicalização para que, ao invés de aderirem a grupos extremistas violentos, possam antes ser promotores e valores cívicos e democráticos junto das suas comunidades. O projecto, apoiado financeiramente pela União Europeia e pelas Nações Unidas, permitiu até agora a organização de dez acampamentos de arte e juventude, envolvendo cerca de 400 jovens, onde a par de aulas de pintura ou teatro, são dinamizados workshops sobre direitos humanos, cidadania ou o estado de direito. No final, cada participante é chamado a conceber uma performance ou um trabalho artístico que reflicta o seu percurso pessoal e a sua visão do extremismo violento. São iniciativas que podem fazer a diferença e ter um efeito multiplicador num país onde a crise económica voltou a provocar manifestações, em Janeiro deste ano, e onde a taxa de desemprego entre jovens com curso superior ascende a 30%, sendo mais alta ainda em zonas do interior. Por outro lado, e apesar de ter sido alvo de violentos ataques terroristas desde 2015, a Tunísia é também o país de onde saíram mais pessoas para engrossar as fileiras do Estado Islâmico. “Temos mais de 6000 jovens tunisinos que são jihadistas no exterior recrutados pelo ISIS”, nota também Asma. “E o governo não tem nenhuma estratégia ou política clara” para lidar com o seu eventual regresso. O trabalho desta ONG visa então preencher esse vazio “e reforçar a resiliência das comunidades”, tornando-as menos receptivas a uma retórica extremista. Apesar de ter apenas 26 anos, Asma colabora com a associação desde a sua fundação como movimento cultural e artístico há sete anos. E para esta jovem jurista, o activismo não foi uma escolha. “Acho que preferia ter sido bailarina, era mais fácil”, brinca. Mas quando a revolução eclodiu em 2011, “nós, os jovens, sentimos que esta era a altura de assumir a responsabilidade”. A ONG Fanni Raghman Anni tem ainda dinamizado produções artísticas de música e teatro por toda a Tunísia sempre com os direitos humanos como mote e a criatividade como estratégia. Os seus associados têm também colaborado em projectos de ajuda humanitária em campos de refugiados no Líbano, Turquia e Jordânia. Mas o futuro traz novos desafios. O regresso à vida política de alguns membros do antigo governo de Ben Ali ou o avanço de partidos islamistas, “que não respeitam os valores democráticos, mesmo que digam que sim”, não deixam Asma dormir descansada. Por outro lado, alerta a activista, o governo tunisino tem usado a burocracia e a aplicação de taxas administrativas para “reduzir a liberdade de expressão da sociedade civil tunisina” e limitar a capacidade de decisão dos seus dirigentes. “Se eu não pagar a taxa, posso ir parar à cadeia por um ano”, ilustra Asma. Em 2017, Asma foi escolhida entre mais de mil candidatos, para receber a Bolsa Sakharov e participar num programa de capacitação de activistas promovido pelo Parlamento Europeu. Da experiência enquanto bolseira, realça a oportunidade de conhecer e influenciar a visão de decisores europeus, mas também de contactar com activistas de todo o mundo. “É uma oportunidade para os defensores de direitos humanos de todo o mundo partilharem a sua experiência a nível europeu e foi o que eu fiz, ”, explica. O que poderia a União Europeia fazer mais para apoiar projectos e organizações como esta? “Conseguimos trabalhar sem o apoio financeiro da União Europeia (UE)”, esclarece, desde logo. O que pode fazer a diferença, realça, é a capacidade de a Europa colocar temas na agenda e fazer com que os decisores ouçam a mensagem. “Se a UE organizar uma conferência na Tunísia sobre combate à corrupção e convidar o primeiro-ministro, ele vai estar presente. Mas se formos nós a organizá-la, ele não comparece”, exemplifica. Asma insta ainda a UE a criar mecanismos de responsabilização de governos e partidos políticos, nomeadamente na área cultural, assim como a desenvolver projectos que potenciem a troca de experiências e boas práticas entre ONG a trabalhar na área dos direitos humanos. “Podem ser iniciativas simples, mas sustentam a mudança de forma profunda”, garante. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Do seu lado, o empenho está assegurado. E Asma é apenas uma activista num país que conta com mais de 10 000 ONG. “Temos uma sociedade civil das mais fortes do mundo”, diz, orgulhosa. Essa mesma sociedade civil que, através de quatro organizações, recebeu o Prémio Nobel da Paz em 2015 pelo seu papel na transição democrática do país. E uma coisa parece certa: a Tunísia não irá regredir para uma situação semelhante à do anterior regime liderado por Ben Ali que se arrastou por 23 anos. “As pessoas agora têm consciência dos seus direitos”, justifica Asma. “E há outra coisa muito importante: liberdade de expressão”, nota ainda. Seja através dos meios de comunicação tradicionais ou das redes sociais, de onde partiu o primeiro grito de revolta em 2011, a corrupção e a injustiça não ficarão na sombra. “Há muitas formas, hoje em dia, de continuar esta luta”. E promete: “Somos a nova geração da Tunísia. Começámos a revolução e vamos continuá-la. ”
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Entidades UE
Kremlin tenta calar Navalni com subtileza ao mandar o irmão para a prisão
Blogger e opositor de Vladimir Putin foi detido e mandado para casa, por tentar participar em protesto contra a condenação a três anos e meio de prisão - no seu caso, pena suspensa - num processo que lança suspeitas sobre a empresa francesa Yves Rocher. (...)

Kremlin tenta calar Navalni com subtileza ao mandar o irmão para a prisão
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento -0.1
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Blogger e opositor de Vladimir Putin foi detido e mandado para casa, por tentar participar em protesto contra a condenação a três anos e meio de prisão - no seu caso, pena suspensa - num processo que lança suspeitas sobre a empresa francesa Yves Rocher.
TEXTO: Alexei Navalni, o opositor mais temido pelo Kremlin, foi detido pela polícia quando tentava chegar à praça de Moscovo onde se realizava uma manifestação para protestar contra a sentença a três anos de prisão por fraude a que ele e o seu irmão mais novo foram condenados esta manhã. Ele ficou com pena suspensa, mas Oleg foi mesmo para a prisão, numa decisão vista como uma forma de chantagem para o manter calado e controlado. Navalni foi detido e levado para casa – e não para a prisão. “Não tem importância nenhuma prenderem-me. Não posso fazer nada que vocês não possam”, escreveu o blogger no Twitter, já dentro do carro da polícia que o levou para longe da manifestação. Embora tenha uma pulseira electrónica, Navalni anunciou que ia violar a prisão domiciliária e ia à manifestação na praça Manezhnaia. Tirou uma selfie, no Metro, e colocou-a no Twitter. “Sim, prisão domiciliária, mas hoje quero mesmo estar convosco. Por isso vou. #Manezhka”, escreveu. Mais de 18 mil pessoas tinham dito, no Facebook, que iriam à manifestação na praça perto do Kremlin. Mas terão sido bastante menos. Nesta altura, muita gente sai de Moscovo, para as festas do fim do ano. As estimativas nas redes sociais diziam que rondavam apenas alguns milhares de pessoas. Na praça, havia grupos anti-manifestação, com bandeiras vermelhas e fitas laranja e negro de São George, um símbolo dos nacionalistas russos e pró-Kremlin. Os apoiantes de Navalni gritavam “Libertem Navalni” e “Rússia livre”. Cantaram “No Putin, no war”, ao ritmo de No Woman, No Cry, de Bob Marley. Também lançaram insultos ao Presidente russo, Vladimir Putin. A polícia deteve mais de uma centena de manifestantes e depois começou a empurrar as pessoas para dentro do metropolitano. Punição“Não têm vergonha do que estão a fazer? Por que estão a pô-lo na prisão? Para me punir ainda mais?”, gritou Alexei Navalni, chocado de ter sido lida a sentença que ditava o envio imediato do irmão para uma colónia penal. A sentença parece uma tão subtil como cruel forma de manter Alexei Navalni calado e sem actividade política. “O Governo não está só a prender os opositores políticos – estamos habituados a isso. Desta vez estão a destruir e a torturar as famílias de quem se opõe a eles”, afirmou no tribunal, quando o seu irmão foi levado para a prisão. Tornando o irmão Oleg um refém, não transformam em mártir o advogado e blogger que se tornou notado por investigar e denunciar na Internet a corrupção das elites e dos empresários próximos do Kremlin, com palavras cruas. Porque Navalni é um adversário temido: o seu carisma e dotes oratórios tornaram-no a figura mais forte da oposição nas manifestações populares de 2011. Embora esse movimento de protesto não tenha avançado, o Kremlin hesita na forma como o tratar. Prendê-lo transformá-lo-ia num símbolo – como o milionário Mikhail Khodorkovski, que passou dez anos na prisão. O mais eficaz seria simplesmente silenciá-lo – essa parece ser a opção seguida. Os irmãos Navalni foram julgados num processo que transpira irregularidades: foram acusados de terem cobrado abusivamente 27 milhões de rublos (400 mil euros) à empresa de cosméticos francesa Yves Rocher, através de um contrato para distribuir os seus produtos entre 2008 e 2012. Esta sobrefacturação teria sido possível graças ao emprego de Oleg Navalni nos correios russos. Foi o ex-director da Yves Rocher em Vostok, Bruno Leproux, quem assinou o contrato com a empresa dos irmãos Navalni, a Glavpodpiska, e foi também ele quem solicitou a abertura de uma investigação sobre os preços que cobrava, desencadeando o processo. Mas não se sabe o que levou a Yves Rocher a fazer esta queixa. O que a empresa francesa assegura é que as suas próprias auditorias concluíram que os preços da Glavpodpiska eram afinal abaixo dos praticados pelo mercado e que não tinha sofrido prejuízo algum. O director financeiro da Yves Rocher testemunhou em tribunal que voltaria a assinar hoje um contrato igual. Há, por isso, muitas suspeitas de que a Yves Rocher, ou o então director de Vostok, tenha sido pressionado ou se tenha deixado manipular pelas autoridades russas, interessadas em calar Navalni. “Não sei quais os meios de pressão que terão sido usados, mas terá sido importante implicar uma empresa estrangeira. Isso dava ao processo uma solidez aparente”, disse ao Le Monde Serguei Guriev, economista russo refugiado em Paris. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. PUB
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Partidos LIVRE
Há cada vez mais gente a negar o genocídio de Srebrenica e o Canadá quer tornar isso ilegal
Há criminosos de guerra a reintegrar a vida política e políticos que desmentem factos com pouco mais de 20 anos e muitas provas. Para 74% dos sérvios da Bósnia, Radovan Karadzic, condenado pelo TPIJ por "crimes sistemáticos contra bósnios muçulmanos e croatas", é um herói. (...)

Há cada vez mais gente a negar o genocídio de Srebrenica e o Canadá quer tornar isso ilegal
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.175
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há criminosos de guerra a reintegrar a vida política e políticos que desmentem factos com pouco mais de 20 anos e muitas provas. Para 74% dos sérvios da Bósnia, Radovan Karadzic, condenado pelo TPIJ por "crimes sistemáticos contra bósnios muçulmanos e croatas", é um herói.
TEXTO: Sempre houve negacionistas, mas a negação do genocídio de Srebrenica, reconhecido por dois tribunais internacionais, costumava estar limitada a determinados círculos académicos sérvios e a partidos pequenos e pouco conhecidos. Agora, diz o investigador Hikmet Karcic, nascido em Sarajevo, “tornou-se mais mainstream”. Fora dos Balcãs e nos Balcãs. Segundo uma sondagem recente, 66% dos sérvios da República Srpska (RS) negam o genocídio e 74% consideram Radovan Karadzic um herói: antigo presidente da então autoproclamada RS (uma das duas entidades da actual Bósnia-Herzegovina), foi condenado em 2016 pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ) por “crimes organizados e sistemáticos contra bósnios muçulmanos e bósnios croatas”. Como muitos outros, Karadzic fala de Srebrenica como “um mito”. Em Novembro, a primeira-ministra sérvia, Ana Brnabic, afirmou à emissora alemã Deutsche Welle que o massacre de Srebrenica não foi um genocídio. O entrevistador não esperava a resposta de Brnabic mas poucos bósnios terão ficado muito surpreendidos. Meses antes, Milorad Dodik, o ultranacionalista que presidia à RS e agora é o líder da presidência tripartida da Bósnia-Herzegovina (constituída por um bósnio e um croata eleitos pela Federação da Bósnia-Herzegovina mais um sérvio eleito pela República Srpska), decidiu revogar uma decisão do Governo da RS de 2004 – a aprovação de um relatório que significou o primeiro e único reconhecimento por parte dos sérvios da Bósnia da dimensão da maior atrocidade cometida na Europa depois da II Guerra. Quando ainda era só presidente da RS, Dodik também decidiu proibir que as escolas ensinassem sobre o genocídio e o cerco das forças sérvias bósnias a Sarajevo – um cerco que durou quase quatro anos e fez perto de 14 mil mortos, para além de ter provocado milhares e milhares de refugiados. “Isto não é correcto e não será ensinado aqui”, afirmou. Hikmet Karcic, que investiga genocídios, nota em declarações à Al-Jazira que também se tornou mainstream “entre certos círculos da esquerda ocidental [negar o genocídio de Srebrenica], o que é consistente com o seu apoio a [Slobodan] Milosevic [ex-Presidente da Sérvia]” nos anos 1990. “Actualmente, a islamobofia está a crescer e está cada vez mais relacionada com a negação do genocídio, com a sua relativização e, em alguns casos, até com a sua justificação”. Quinta-feira, um tribunal federal suíço anulou uma condenação de discriminação racial a um homem não identificado que tinha publicado artigos que negavam o genocídio dos muçulmanos bósnios. Os juízes consideraram que “não havia incitação à violência ou ao ódio” nos textos e que a condenação do autor violava a sua liberdade de expressão. A Suíça é um dos nove países na Europa que proibiram a negação do genocídio de Srebrenica. Parlamento Europeu, antigos responsáveis do TPIJ e o conselheiro especial da ONU para a Prevenção do Genocídio, todos têm manifestado a sua preocupação pela actual reescrita da história acompanhada da reabilitação pública de condenados por crimes de guerra na Sérvia. Há duas semanas, o procurador Serge Brammertz disse ao Conselho de Segurança da ONU que “passos positivos estão a ser minados por comentários levianos de responsáveis que negam o que já foi estabelecido para lá de todas as dúvidas nos tribunais, e descrevem como heróis homens que cometeram as mais sérias violações da lei internacional”. Desde 2012, quando o Presidente Aleksander Vucic e o seu Partido Progressista chegaram ao poder, as autoridades sérvias têm recebido como heróis nacionais criminosos de guerra entretanto libertado e contribuído para que voltem a integrar a vida pública e política. No início de Dezembro, a associação de veteranos da República Srpska enviou um pedido a Dodik para nomear como ministro da Defesa da Bósnia Milan Jolovic, comandante da unidade paramilitar “Lobos do Drina” que participou no ataque ao enclave onde milhares se julgavam protegidos por capacetes azuis das Nações Unidas. Por tudo isto, o Instituto de Investigação sobre Genocídio do Canadá (IRGC) lançou uma petição online que pode ser assinada até 10 de Janeiro e que depois será enviada ao Governo, pedindo que se aprove uma lei a criminalizar a negação do genocídio de Srebrenica. O país já adoptou duas resoluções que reconhecem o que aconteceu naqueles dias como um genocídio. Emir Ramic, director do IRGC, lembra que a primeira levou cinco anos por ter sido rejeitada pelo Partido Conservador, sob pressão de sérvios e russos. “Negar o genocídio de Srebrenica é muito perigoso. Temos de aprender com a história, reconhecer [o que aconteceu ali] e chamá-lo pelo seu nome”, defende Ramic. “Os direitos humanos estão sob ataque em todo o mundo”, sublinha o académico nascido na Bósnia, e é por isso que o Canadá daria “uma grande contribuição” no combate ao negacionismo se o criminalizasse, sustenta. “Os bósnios muçulmanos são o único povo na Europa que sobreviveu à agressão e ao genocídio [desde o Holocausto] e está exposto a uma discriminação inaceitável, não só na terra mãe como na diáspora”, acusa, citado pela Al-Jazira. A petição pode ser assinada no site do Parlamento canadiano e é patrocinada pelo deputado Brian Masse, do Novo Partido Democrático (social-democrata). Masse justifica a necessidade da lei com a “negação do Holocausto, do Ruanda e de Srebrenica”. “É muito doloroso para as vítimas e para as famílias dos sobreviventes continuarem a lutar por algo que se baseia em factos. A iniciativa vai ajudar a prevenir a negação e a criar consciência para que nunca nada disto seja esquecido. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Em Julho de 1995, mais de 8372 bósnios muçulmanos em Srebrenica, principalmente homens e rapazes, foram assassinados a sangue frio pelo Exército e as Forças Polícias da República Srpska”, lê-se na petição. O relatório de 2004, que Dodik considera “não pertinente, muito selectivo, errado, sem provas, parcial”, contém os nomes de 7806 vítimas. Mais de 6500 estão enterradas no Cemitério de Potocari e todos os anos mais algumas são identificadas e enterradas – este ano 36 juntaram-se aos que lá se encontram. Theodore Mero, que presidia ao TPIJ, afirmou também em 2004 que “as forças sérvias bósnias cometeram genocídio ao tentarem eliminar uma parte dos bósnios muçulmanos”. Em particular, “visaram a extinção dos 40 mil bósnios muçulmanos que viviam em Srebrenica, um grupo que era emblemático do conjunto dos bósnios muçulmanos”.
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Entidades ONU
Como se detecta um nariz de Pinóquio através da termografia
Modelo de termografia para detectar mentiras foi aprimorado por cientistas em Espanha. Verificou-se que é 10% mais rigoroso do que o polígrafo. (...)

Como se detecta um nariz de Pinóquio através da termografia
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Modelo de termografia para detectar mentiras foi aprimorado por cientistas em Espanha. Verificou-se que é 10% mais rigoroso do que o polígrafo.
TEXTO: Todos conhecemos as (des)aventuras de Pinóquio, o boneco de madeira que quando mente vê o seu nariz crescer. A história originalmente escrita pelo italiano Carlo Collodi não é assim tão disparatada. Através da utilização da termografia, têm vindo a observar-se que, quando uma pessoa mente, o seu nariz – embora não cresça – muda de temperatura. Uma equipa de investigadores de Espanha voltou a testar o designado “efeito Pinóquio” em laboratório e concluiu que a mentira faz com que a temperatura do nariz desça entre 0, 6 e 1, 2 graus Celsius. A termografia é uma técnica que se baseia na temperatura corporal e foi criada durante a Segunda Guerra Mundial para detectar o inimigo. Costuma aplicar-se na indústria, na construção de edifícios ou na medicina. Ao longo do tempo, a termografia também tem sido aplicada na psicologia. Por volta de 2002, começou a aplicar-se na detecção de mentiras, diz-nos Emilio Gómez Milán, da Universidade de Granada (Espanha) e um dos autores de um estudo sobre o tema na revista Journal of Investigative Psychology and Offender Profiling. “Contudo, [o filósofo e psicólogo] William James nos seus Princípios da Psicologia mencionou experiências mentais sobre a termografia em 1890”, acrescenta. Actualmente, além da equipa de Emilio Gómez Milán, há grupos de cientistas na Itália e nos Estados Unidos que procuram detectar mentiras através da termografia, mas com teorias diferentes e centradas em regiões da pele distintas. Relativamente à equipa espanhola, ficámos a conhecer os resultados dos seus estudos em termografia em 2012. Alejandro Moliné apresentava então uma tese de doutoramento, supervisionada por Emilio Gómez Milán, que referia que quando fazíamos um grande esforço mental, a temperatura do nariz descia. Mas quando temos um ataque de ansiedade, a temperatura da nossa cara tendia a aumentar. Portanto, a temperatura da ponta do nariz e da zona do músculo orbital sobe ou a desce consoante o nosso estado de espírito. E quando mentimos, o que acontece exactamente? “Quando planeamos uma mentira, frequentemente a temperatura da cara aumenta. Mas durante a execução da mentira, a extremidade do nariz fica com uma temperatura mais baixa e a testa com uma temperatura mais elevada. ”Agora, a equipa desenvolveu o mesmo modelo com algumas melhorias a nível da precisão. Para se usar este sistema (ainda em laboratório), é necessária uma câmara térmica de alta resolução e um programa informático. Desta forma, os cientistas vão detectar as mudanças da temperatura da pele através de radiação infravermelha (que não é visível). Durante a investigação, foram feitas quatro experiências com 60 estudantes de psicologia sobre os marcadores térmicos do medo, da ansiedade ou da mentira. Centremo-nos nesta última experiência. Numa das tarefas, o grupo experimental tinha de fazer uma chamada telefónica de três ou quatro minutos para uma pessoa próxima e de contar uma mentira. Por exemplo, os participantes disseram que tinham visto uma celebridade ou que viram um acidente de carro. Já os participantes do grupo de controlo fizeram um telefonema em que descreviam a outra pessoa aquilo que estavam a ver no ecrã de um computador, ou seja, não mentiram. Por exemplo, contaram que estavam a ver um acidente rodoviário. “Em ambos os casos, as circunstâncias fizeram os participantes sentir-se ansiosos, mas o grupo experimental vivenciou o chamado ‘efeito de Pinóquio’ no nariz e o efeito do esforço mental na testa, o que permitiu monitorizar a mentira”, explica Emilio Gómez Milán num comunicado da Universidade de Granada. Durante as experiências, observou-se o que acontecia com a temperatura do nariz e da testa enquanto os indivíduos estavam a mentir. “Quando mentimos, a temperatura da extremidade do nariz desce entre 0, 6 e 1, 2 graus Celsius, enquanto a da testa sobe entre 0, 6 e 1, 5 graus. Quanto maior for a diferença na temperatura entre as regiões faciais, maior será a probabilidade de a pessoa estar a mentir”, indica o investigador. Emilio Gómez Milán explica que isto acontece porque – quando alguém mente – fica-se mais ansioso e a temperatura do nariz altera-se. Além disso, como tem de se planear a mentira, a atenção concentra-se na zona da testa e a temperatura aumenta. “Como tem de se pensar a mentira, a temperatura da testa aumenta. Mas, ao mesmo tempo, sentimo-nos ansiosos, o que provoca a descida da temperatura do nariz”, frisa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Comparada com o polígrafo, a termografia tem uma precisão maior, menos falsos alarmes e é menos invasiva”, diz o cientista sobre as vantagens deste sistema. “Ao mesmo tempo, podemos ter em conta mais componentes: excitação elevada, esforço mental e a teoria da mente. O polígrafo apenas tem em conta a excitação elevada. ” No comunicado, a equipa aponta que este sistema tem uma precisão de mais de 80% (mais 10% do que o polígrafo). No futuro, a equipa gostaria de ver este sistema aplicado em entrevistas da polícia, nos aeroportos ou em campos de refugiados. “O ideal seria combinar ambos os métodos – a entrevista estratégica [feitas pela polícia] e a termografia –, levando o nosso sistema para esquadras da polícia, aeroportos e campos de refugiados. Desta forma, poderia ser possível detectar se um criminoso está a mentir ou saber as verdadeiras intenções das pessoas que atravessam a fronteira entre dois países”, refere Emilio Gómez Milán, acrescentando que, até lá, há um longo caminho de investigação pela frente.
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Palavras-chave guerra ataque medo estudo ansiedade
Jonathan Uliel Saldanha quer dançar com o outro sem filtros
Porto, Lisboa, Açores, França, Uganda. Performances, concertos, exposições, novos discos. Jonathan teve um 2018 hiperactivo. Não é novo nisto, mas nunca recebeu tanta atenção como agora. Para 2019, novidades não faltam. (...)

Jonathan Uliel Saldanha quer dançar com o outro sem filtros
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.037
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Porto, Lisboa, Açores, França, Uganda. Performances, concertos, exposições, novos discos. Jonathan teve um 2018 hiperactivo. Não é novo nisto, mas nunca recebeu tanta atenção como agora. Para 2019, novidades não faltam.
TEXTO: Quando Jonathan Uliel Saldanha estreou a peça SØMA, em Novembro, alguém lhe disse que tinha aterrado um ovni na Culturgest Lisboa. Nada que o tenha surpreendido. “As pessoas nunca souberam muito bem o que fazer comigo, mas isso agrada-me. Acho que o trabalho tem de viver pelo seu discurso. ” Entre a música e a exploração do som e da voz enquanto matéria, entre a performance e a instalação, entre o vídeo e o gesto, o trabalho de Jonathan Uliel Saldanha é de difícil classificação, cheio de interstícios, vibrações, quebras de linguagem – e também por isso altamente entusiasmante, singular e revelador de mecanismos que parecem viver e sobreviver além de nós, mas que ao mesmo tempo dizem muito sobre o tempo presente. Foi assim com o vórtice telúrico e animista de Sancta Viscera Tua, em 2014, na Igreja de Santa Clara, Porto, tomada por um coro de cem pessoas, dez performers e um ensemble de músicos. Foi assim com o teatro em queda livre de O Poço, em 2017, no Rivoli, em que havia um buraco negro em vez do palco e uma paisagem em permanente movimento e ressonância. Antes, nos anos zero, houve todo um trabalho subterrâneo feito com o colectivo Soopa, que deixou uma marca indelével no tecido musical e criativo do Porto. Resumindo: Jonathan Uliel Saldanha, 39 anos, não é novo nisto. Talvez continue a não encaixar, talvez as pessoas continuem a não saber muito bem o que fazer com ele, mas a verdade é que nunca recebeu tanta atenção como agora. “Sinto, de facto, que há mais interesse naquilo que faço. ” Fora do Porto, fora de Portugal (a partir do próximo ano integra a plataforma internacional SHAPE, gerida por uma união de festivais europeus de música e artes audiovisuais, como o Unsound), mas também, e muito, dentro da cidade onde se fez criador – um Porto que, para ele, pouco tem a ver com aquilo que era. “Vi o Porto em três momentos: quando cresci nos arrabaldes do Bairro do Cerco, contexto mega cruel e sem futuro; durante os anos da Soopa, a organizar coisas a partir de um vazio contextual; e agora uma cidade cheia de possibilidades e quase irreconhecível. ”Este ano, além de ter estreado SØMA na Culturgest – em Janeiro será apresentada no Rivoli, no 87. º aniversário do teatro –, editou Beheaded Totem, o excelente segundo álbum da sua banda de há dez anos, os HHY & The Macumbas. Integrou a comitiva de artistas portugueses que Tiago Guedes, director do Teatro Municipal do Porto, levou ao festival DañsFabrik, em Brest, França. Compôs um concerto de raiz com a artista americana Moor Mother no festival Curtas Vila do Conde, e esteve em residência artística no Uganda. Uns dias antes da conversa com o Ípsilon, estava a ver vídeos de baleias na RTP Açores – tudo por causa da sua participação em Geometria Sónica, projecto expositivo, de investigação e produção, que está a ocupar o Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, em São Miguel, até Março de 2019. “Há uma série de coisas que estão a acontecer todas ao mesmo tempo”, diz-nos, enquanto abre o jogo sobre o próximo ano. Tem agendada a estreia de uma peça de percussão e luz no Festival DDD – Dias da Dança, vai colaborar com a coreógrafa Vera Mantero na criação de uma performance e, em Abril, na bienal BoCA, apresenta uma peça coral que vem na sequência de um convite de Nuno Crespo, director da Escola das Artes da Universidade Católica do Porto (e crítico de arte do PÚBLICO), onde também vai ter uma exposição. Esta não será nem a primeira nem a segunda peça coral de Jonathan, mas será diferente. Quer “expandir” a sua exploração da pré-linguagem e dos “vários níveis da disfunção da linguagem" para “outros sítios”. “O grupo vai interpretar uma peça cujos dados estão na superfície de uma escultura. À medida que eu vou tocando e manipulando esse objecto, eles vão descodificando uma série de possibilidades de interpretação sonora”, explica. Em SØMA, “um trabalho sobre linguagem e perda de pontos conectores”, Jonathan colaborou com quatro adolescentes surdos que, em cena, traduziam um filme em gestos. Para esta nova criação, junta-se a um grupo coral de cegos, “outra brecha de linguagem”. Não há aqui qualquer tipo de exotismo, nem Jonathan considera que o trabalho seja diferente por isso. “Nunca trabalhei propriamente em contextos de teatro ou com música que venha de um paradigma académico. O que me interessa, ao trabalhar com pessoas, são as ideias envolvidas e a força que as pessoas têm em produzir algo com intensidade e com uma honestidade que as implique. E isso é completamente transversal. ”Mais do que bons intérpretes, ou com currículo reconhecido, interessam-lhe “pessoas com espessuras”. Pode dizer-se que esse é um dos elementos aglutinadores da produção artística multiforme de Jonathan Uliel Saldanha – apesar de sabermos que estamos a entrar numa conversa um bocado complicada para ele. Se, por um lado, acredita que não se guia por “temáticas agregadoras”, por outro sabe que há “indícios” que acabam por conectar e contaminar as suas diferentes criações. “É difícil. Acho que é algo que vou ter de responder ao longo da minha vida. Mas sim, os meus trabalhos tocam em elementos como a opacidade, a linguagem, estes grandes buracos negros de nexo, a representação do outro, o invisível, o indizível”, observa. “Tudo isso me interessa, mas também a dimensão mais animista da matéria, a vibração enquanto operador físico e uma espécie de obsessão com a paisagem. ”Nesse sentido, fazer O Poço (eleito pelo Ípsilon como um dos melhores espectáculos de dança de 2017) foi um passo significativo para arrumar uma série de coisas na cabeça de Jonathan. “Sinto que voltei a olhar para questões altamente plásticas, para a dimensão da superfície da pele. Tive vontade de ver a superfície, de ver motas a acelerar, sentir o cheiro da gasolina e do plástico, ver as cores a rebentar nos olhos”, diz. Esse processo ajudou a conferir às criações seguintes uma “dimensão mais objectiva”. “O Oxidation Machine, que fiz no Palais de Tokyo [Paris] no ano passado, já estava pintado dessa energia de O Poço, com sons que atravessam o espaço, sons que têm uma gravidade, um peso, que sentes claramente no corpo, como quando vais a um club e o sistema de som é bom. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Esta ligação mais visceral ao som, esta procura de uma vibração que habite o corpo, é também aquilo que lhe interessa na música. Por isso chama os HHY & The Macumbas de “laboratório de ritmo”. “Vinha de um contexto em que tocava tabla [instrumento de percussão indiano], mas ao mesmo tempo sempre me interessou a música de dança, o dub, vários tipos de percussão. Macumbas é essa operação prática do ritmo. ” A residência artística em Kampala, no Uganda, no âmbito do festival de música Nyege Nyege, onde os HHY & The Macumbas tocaram, foi para Jonathan uma “oportunidade brutal” para aprofundar a sua investigação das culturas e dos patrimónios rítmicos. Além de ter ajudado a construir um estúdio de gravação mal aterrou em Kampala, esteve durante várias semanas a trabalhar com o mestre-percussionista Omutaba. “Começámos por desenvolver uma linguagem rítmica que partia de algumas ideias que eu trazia de Portugal, e depois o que ele fez foi filtrar isso através da sua biblioteca interminável de ritmos. Ritmos de várias zonas do Uganda. E assim fomos construindo uma linguagem sincrética. ” Por lá, Jonathan colaborou também com outros músicos. Entre eles, uma trompetista que dirige uma orquestra de órfãos do gueto de Ggaba; a Uganda Prison Brass Band, dos guardas-prisionais de Kampala; e uma série de MCs, alguns deles refugiados do Congo e do Quénia – neste caso, os resultados vão sair em 2019 pela muito recomendável editora Hakuna Kulala. Foi uma estadia “super intensa”. Afinal, não é todos os dias que se encontra no meio da rua, às quatro da manhã, “um camião com um soundsystem montado, a tocar dub”. “Estás sempre rodeado de som, mesmo à séria. Senti que a música de clube que estava ali a ser feita tem tudo a ver com o que me interessa. Não é nada simpática, nem indiferente. É visceral, dura, para a frente. ” De certa forma, essa experiência acelerou a co-criação do colectivo e editora Trrror, dedicado ao dancehall, reggaeton, funk brasileiro e música feita nas periferias, e que se estreou no início de Dezembro com um live-set no (renovado) Pérola Negra, no Porto. “Ainda parece que são músicas que não são levadas muito a sério”, comenta Jonathan. Ele não quer cinismo, nem ironia. Tudo menos isso. “Já chega. Eu quero dançar com pessoas que não conheço, quero dialogar com o outro, e aí África foi tábula rasa”, diz. “O problema é quando se tem muitos filtros. Aquela sensação de que se sabe muito, de que tudo é indexável. Isso retira a presença. ”E é essa presença que mais lhe importa agora. “Estou num momento em que estou receptivo ao tempo real. ” Sempre teve um panteão de influências, do filme Stalker, de Andrei Tarkovsky, aos livros de J. G. Ballard, mas hoje pouco pensa nelas. “Agora as referências passam por coisas menos referenciáveis. Interessa-me tanto, plasticamente, uma feira popular como uma galeria. ”
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Congo procura virar a página no meio da violência e de um surto de ébola
Joseph Kabila vai abandonar o poder ao fim de 18 anos, numas presidenciais marcadas por confrontos e decisões polémica da autoridade eleitoral. Eleições na República Democrática do Congo realizam-se no domingo. (...)

Congo procura virar a página no meio da violência e de um surto de ébola
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Joseph Kabila vai abandonar o poder ao fim de 18 anos, numas presidenciais marcadas por confrontos e decisões polémica da autoridade eleitoral. Eleições na República Democrática do Congo realizam-se no domingo.
TEXTO: A República Democrática do Congo vai a votos no próximo domingo, numa eleição há muito adiada e que pode resultar na primeira transferência democrática de poder no país da África Central, desde a independência da Bélgica em 1960. Ao fim de 18 anos, o Presidente Joseph Kabila vai abandonar o cargo que herdou do seu pai, quando este foi assassinado. E dois anos depois de o seu mandato constitucional ter expirado. As eleições foram sucessivamente adiadas nos últimos dois anos e têm sido marcadas por protestos violentos em vários pontos do país. As cidades de Beni e de Butembo foram impedidas de participar na votação até Março, por causa da propagação do surto de ébola no Leste do Congo. A decisão originou confrontos entre manifestantes e as autoridades, que esta quinta-feira utilizaram balas verdadeiras e gás lacrimogéneo para os dispersar. E em Yumbi, a oeste, um conflito étnico violento já tirou a vida a mais de cem pessoas nas últimas semanas e levou igualmente à exclusão da cidade da votação de domingo. As cidades em causa são reconhecidos bastiões de oposição a Kabila, pelo que os candidatos adversários acusam a Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) de estar a orquestrar um plano para beneficiar o candidato escolhido pelo Presidente, Emmanuel Ramazani Shadary. Qual a importância destas eleições?Os congoleses esperam que a eleição possa ajudar a virar a página de uma história violenta – ou, pelo menos, iniciar uma reviravolta. Iniciadas em 1960, com a deposição do líder da independência Patrice Lumumba, apoiada pela Bélgica e pelos Estados Unidos, todas as transferências de poder no país chegaram através da força das armas. Incluindo a derrota do autocrata Mobutu Sese Seko em 1997, após 32 anos no poder, e o assassínio do seu sucessor, Laurent-Desire Kabila, em 2001. Duas guerras regionais entre 1996 e 2003, desencadeadas em parte pelo genocídio de 1994 no vizinho Ruanda, sugaram meia dúzia de exércitos regionais, que resultaram em milhões de mortes. Desde então, o Congo continua a ser um lugar violento e a luta entre o Governo e as milícias rebeldes levou centenas de milhares de refugiados a fugirem através das fronteiras. Quando o mandato de Kabila expirou, em 2016, provocando protestos violentos e o agravamento da violência por parte das milícias, poderes regionais como Angola ou Ruanda pressionaram o Presidente a renunciar o cargo. E para os investidores?O Congo é o maior produtor mundial de cobalto, um componente-chave nas baterias de carros eléctricos e telemóveis. É também o principal extractor de cobre em África e um importante produtor de ouro. Isso faz com que estas eleições sejam particularmente importantes para as empresas mineiras, como a Glencore, a Randgold e a China Molybdenum, que estão em disputa com o Governo devido a um novo regulamento do código de mineração aprovado este ano, que aumentou os impostos e outros pagamentos ao Estado. O candidato favorito de Kabila, Shadary, vai muito possivelmente continuar a batalha recente com os investidores estrangeiros. Os seus principais adversários não fizeram muitos comentários sobre o assunto. Quem vai vencer?São 21 candidatos na corrida à presidência, mas apenas três são considerados sérios candidatos. Shadary, ex-Ministro do Interior, era pouco conhecido antes de Kabila o ter escolhido, em Agosto, para concorrer. O ex-ministro do Interior conta com o forte apoio de instituições do governo e um considerável orçamento de campanha. Mas enfrenta uma oposição dividida, que concordou no mês passado em apoiar o ex-gerente da ExxonMobil, Martin Fayulu, como seu candidato, apenas para Felix Tshisekedi, o presidente do maior partido de oposição do Congo, desistir. Uma rara sondagem de opinião nacional realizada em Outubro mostrou que Tshisekedi estava na frente com 36%, 16% para Shadary e 8% para Fayulu. Os eleitores vão também eleger representantes para as assembleias provinciais e nacionais. O que pode correr mal?Muita coisa. Os actos violentos das últimas semanas, com manifestações e conflitos que se tornarão mortíferos e um incêndio que destruiu milhares de máquinas de voto foram oportunos lembretes do quão rápido as coisas podem correr mal. A contestação dos resultados de eleições anteriores em 2006 e 2011 provocaram violentas manifestações e há vários indícios de que a derrota dos candidatos possa dar azo a novos protestos. O Congo é o maior país da África Subsariana e tem uma população de cerca de 80 milhões de pessoas (o último censo oficial realizou-se em 1984). A falta de estradas em vastas extensões das regiões de floresta do interior do país, os ataques de dúzias de grupos de milícias na zona oriental e um agravamento do surto de ébola, significam que a comissão eleitoral subfinanciada CENI enfrenta uma árdua tarefa. A decisão do Governo em recusar a ajuda internacional, ao afirmar que iria comprometer a soberania nacional, também não ajudou. O CENI vai utilizar máquinas de votação electrónicas pela primeira vez, que geraram enorme controvérsia. Os candidatos da oposição afirmam que estas máquinas são vulneráveis à manipulação de votos e podem ficar comprometidas pelo pouco fiável sistema de abastecimento energético do país. Que desafios irá enfrentar o novo Presidente?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O próximo Presidente não vai ter mãos a medir. Quase 13 milhões de congoleses não têm o suficiente para comer, as milícias continuam a massacrar civis na zona Leste, e o surto de ébola, que já é o segundo mais mortal da história, não deve ser erradicado até meados de 2019. Há ainda a questão do que Kabila fará depois de deixar a presidência. Se Shadary vencer, os analistas dizem que poderia continuar a interferir, mesmo estando fora de cena. Se um candidato da oposição vencer, terá que lidar com instituições repletas de seguidores de Kabila. Reuters
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência exclusão ajuda assassínio