Viver mais tempo e não ganhar peso é com uma dieta vegetariana, dizem estudos
A carne pode ser consumida se for de boa qualidade, aponta uma das investigações apresentadas no encontro da Sociedade Americana de Nutrição. (...)

Viver mais tempo e não ganhar peso é com uma dieta vegetariana, dizem estudos
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: A carne pode ser consumida se for de boa qualidade, aponta uma das investigações apresentadas no encontro da Sociedade Americana de Nutrição.
TEXTO: A substituição do consumo de carne e de produtos processados por uma dieta baseada em vegetais de alta qualidade poderá reduzir a mortalidade, evitar o ganho de peso e o risco de doenças cardíacas, sugerem diversos estudos apresentados no Nutrition, um encontro da Sociedade Americana de Nutrição, em Boston, no fim-de-semana. Um estudo feito na Holanda, na universidade Erasmus de Roterdão, com cerca de 6000 adultos mostra que os que substituíram o consumo de proteína animal por vegetal apresentaram um risco reduzido de desenvolvimento de doença coronária. Por outro lado, o consumo de mais proteína animal faz aumentar o risco de doenças do coração. As pessoas foram observadas durante 13 anos. Uma outra pesquisa, também apresentada no mesmo evento, feita na Universidade de São Paulo, Brasil, demonstra que 4500 adultos que consumiram mais proteína vegetal, reduziram a sua probabilidade de obstrução das artérias em 60%, quando comparados com os que consumiam proteína animal. Por sua vez, um outro estudo feito na Universidade George Washington, nos EUA, que incidiu sobre os hábitos alimentares dos norte-americanos de origem sul-asiática e que seguem uma dieta vegetariana, revela que estes correm menos riscos de ter doenças cardíacas e diabetes. Além disso, têm menor índice de massa corporal, de circunferência abdominal, de quantidade de gordura abdominal, de colesterol e de açúcar no sangue em comparação com pessoas do mesmo grupo demográfico que comiam carne. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ainda nesta conferência foi apresentada uma análise de dados, feita em Harvard, sobre o peso de mais de 125 mil adultos, ao longo de quatro anos, e que mostra que as dietas ricas em alimentos vegetais de alta qualidade (como grãos integrais, frutas, verduras e nozes) estão associadas a menor ganho de peso, enquanto um maior consumo de alimentos vegetais não saudáveis (como doces, grãos refinados e batatas fritas) estão associados a um ganho de peso significativamente superior. Aliás, o que se pode concluir, através de um outro estudo da Universidade de Tufts, é que uma dieta saudável também pode reduzir a mortalidade. No estudo foram acompanhados cerca de 30. 000 adultos de diferentes idades, níveis de actividade e rendimentos diferentes e a conclusão a que se chega é que mesmo os que comem carne, se esta for de alta qualidade, não tem efeito sobre as taxas de mortalidade. Portanto pode ser "perigoso" eliminar totalmente a carne, alerta a investigadora Fang Fang Zhang, da Tufts, em Massachusetts. Entre os participantes mais pontuados, logo, mais saudáveis, o consumo combinado de alimentos vegetais e animais de alta qualidade reduziu em 30% o risco de mortalidade por todas as causas. "Não podemos dizer que uma dieta só baseada em vegetais é saudável", sublinha, citada pela Newsweek.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
O vinho e o azeite ficam por cá. E o resto?
Mais calor, menos chuva, secas, fenómenos extremos, imprevisibilidade - as alterações climáticas vão alterar a agricultura em Portugal? Todos os cenários dizem que a região mediterrânica será das mais afectadas. A vinha pode subir para norte. Preparar o futuro tem de começar já. (...)

O vinho e o azeite ficam por cá. E o resto?
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mais calor, menos chuva, secas, fenómenos extremos, imprevisibilidade - as alterações climáticas vão alterar a agricultura em Portugal? Todos os cenários dizem que a região mediterrânica será das mais afectadas. A vinha pode subir para norte. Preparar o futuro tem de começar já.
TEXTO: O fim da pasta? Foi esta a pergunta que a revista Newsweek estampou na capa da sua edição de 17 de Dezembro do ano passado, ilustrada por um ponto de interrogação feito com massinhas. A ideia era alarmante. Um mundo sem esparguete? O que fariam os italianos? E os chineses, sem noodles?Claro que o cenário é exagerado, mas o objectivo do artigo - assinado por Mark Hertsgaard, autor de vários livros, entre os quais Hot: Living Through the Next Fifty Years on Earth (numa tradução livre, Quente: Atravessando os próximos cinquenta anos na Terra) - era chamar a atenção para o impacto que as alterações climáticas previstas terão na agricultura e, consequentemente, na nossa alimentação. O caso da massa tem que ver essencialmente com a produção de trigo, que, a nível mundial, será das mais afectadas, pelo que se prevê que sejam as duas principais consequências das alterações climáticas: o aumento das temperaturas e a diminuição da chuva. Hertsgaard cita projecções dos especialistas que prevêem até 2050 um aumento da frequência de Verões extremamente quentes nos países que constituem a "cintura de trigo" mundial - Estados Unidos, Canadá, Norte da China, Índia, Rússia, Austrália. A consequência pode ser uma quebra na produção de trigo (falamos sobretudo da variedade do trigo duro) entre os 23% e os 27%, de acordo com dados do International Food Policy Research Institute, instituição internacional sedeada em Washington e que se ocupa das questões da fome e da pobreza no mundo. Mas, lembra ainda a Newsweek, há outros produtos que podem estar em risco: o chocolate proveniente de países como o Gana e a Costa do Marfim, em que os novos padrões de chuvas ameaçam a produção de cacau; os morangos, que poderão sofrer com o aumento das temperaturas nas áreas mais frescas do Norte; o café; a cerveja e o vinho; ou alguns tipos de peixe como a truta e o salmão, afectados pela subida da temperatura das águas (ver texto nas páginas 24 e 25). Quando olhamos para os mapas das previsões das alterações climáticas, há uma coisa que salta à vista: a região mediterrânica, nomeadamente a Península Ibérica, é uma das mais afectadas. O que é que isso pode significar para Portugal, e, em particular, para a agricultura? Será que também a nossa alimentação será alterada?A Revista 2 falou com vários especialistas para tentar perceber quais são os cenários mais prováveis para Portugal. E, inevitavelmente, todas as conversas começaram por um ponto prévio: ninguém tem certezas. E só se entrarmos no universo da especulação pura é que poderemos discutir o efeito que as alterações climáticas poderão ter na nossa alimentação futura. Antes de entrarmos na situação portuguesa, vamos só espreitar um trabalho de especulação pura feito pelo diário britânico The Guardian. Como é que uma família se vai alimentar em 2035? Há vários factores que entram na composição do cenário, e um deles são as alterações climáticas. Veja-se o pão. No futuro imaginário, o pão branco é proibido pelo Ministério da Comida, que decretou que a farinha refinada não é autorizada por representar um desperdício de vitaminas e sais minerais. Além disso, com o declínio da área arável na Índia, Sul da Rússia e EUA, o preço do trigo disparara. O cenário do Guardian prevê ainda que em 2035 a carne seja feita em laboratório - chamam aos bifes os frankensteaks (uma espécie de bife Frankenstein). O arroz já só existe na "parte mais rica do mundo", o Sudeste asiático. E o que há em grande quantidade em Inglaterra (o cenário é britânico) é batata, cuja farinha serve para fazer tudo, incluindo massas e até uma imitação de arroz. O peixe é de viveiro e o café e o chá verdadeiros são só para dias de festa. Mas exercícios de futurologia são exactamente isso - e servem sobretudo para, no futuro, os lermos e vermos até que ponto se aproximaram da realidade. Regressemos então àquilo que é possível afirmar, com alguma dose de realismo, neste momento da história da humanidade. O que o Livro Branco para a adaptação às alterações climáticas da União Europeia diz é que "as regiões europeias mais vulneráveis são a Europa meridional, a bacia mediterrânica, as regiões ultraperiféricas e o Árctico". Portugal já tem vindo a aquecer, sobretudo desde a década de 1970. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera registou um aumento da temperatura média anual, uma redução da distância entre a temperatura máxima e a mínima, um aumento do número de dias quentes e das ondas de calor e uma diminuição da precipitação, que tende a concentrar-se mais no Outono. Ao mesmo tempo, o conjunto das áreas susceptíveis à desertificação aumentou de 36% para 58% da superfície continental. Não se sabe ainda quanto vai aumentar a temperatura até ao final do século XXI, mas admite-se que em Portugal esse aumento se situe entre os 2, 5ºC e os 4ºC. "Ninguém tem certezas", começa por dizer José Lima Santos, professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA), em Lisboa, e especialista em questões de agricultura e alimentação. "Mas já parece haver bastantes evidências de que não iremos ficar pelos 2ºC de aquecimento global, mas sim bastante mais acima. Já temos um aumento de cerca de 0, 5ºC ou 0, 6ºC em relação ao ponto de referência que é o período pré-revolução industrial, altura em que o Homem começou a enriquecer excessivamente a atmosfera com a emissão de gases de efeito de estufa. "O problema é que muitos cientistas começam já a admitir um aumento de 4ºC. E, diz Lima Santos, "se até 2ºC os peritos conseguiam prever mais ou menos o que se iria passar, acima dos 2ºC cada um diz uma coisa diferente". É que não se trata apenas de medir os efeitos do aumento do calor ou da redução da precipitação, trata-se de perceber, por exemplo, como é que as correntes atmosféricas e marítimas se irão comportar. No entanto, há um cenário que parece ser o mais provável para Portugal. Lima Santos descreve-o: "As zonas de Portugal que já são mais secas, o interior, sobretudo a sul, mas também o Centro e o Norte, vão-se tornar mais quentes e secas. O litoral vai sofrer algumas alterações, mas menores. O problema é que, nas zonas que já eram mais afectadas por um processo de desertificação, este vai acelerar. " Assim, "o clima que temos hoje no Alentejo central seria projectado para a zona de Coimbra, e o que existe no leste de Espanha passaria para o Alentejo". Isto representa não só condições mais duras para a produção, mas também o previsível aumento de pragas e doenças que vêm com o clima mais quente. Pedro Aguiar Pinto, professor no ISA e coordenador do grupo da agricultura no projecto Alterações Climáticas em Portugal, Cenários, Impactos e Medidas de Adaptação (SIAM, na sigla em inglês), vê as coisas de forma um pouco diferente. "Há teorias que dizem que estamos a viver um ciclo de aquecimento como outros que já aconteceram no passado. Na altura do Robin dos Bosques, por exemplo, havia vinha em Inglaterra. "No livro Portugal a Quente e Frio, as jornalistas Filomena Naves (Diário de Notícias) e Teresa Firmino (PÚBLICO) recordam algumas dessas grandes transformações climáticas que o mundo já sofreu: "Na Idade Média, entre os anos de 950 e 1250, vivia-se o chamado Pequeno Óptimo Climático: o hemisfério Norte foi muito quente e seco, com a Península Ibérica a ter um período bastante ameno. Naqueles tempos [Inglaterra] era cerca de um grau Celsius mais quente do que actualmente. Nessa altura foi possível plantar vinha e produzir vinho em Inglaterra", explicam, citando a tese de Ana Paiva Brandão, engenheira agrónoma da Agroges, empresa de consultoria agrícola em Cascais, e uma das autoras, com Aguiar Pinto, do estudo do SIAM para a agricultura. E, de acordo com o Instituto do Mar e da Atmosfera, Portugal também conheceu ciclos diferentes: se entre 1910 e 1945 houve um aquecimento, entre 1946 e 1975 registou-se um arrefecimento, voltando depois, a partir daí, um novo período de aquecimento. É por isso que Aguiar Pinto diz ter dificuldade em "alinhar com a generalidade da comunidade científica" quando se fala de aquecimento global. "Há um aumento da frequência dos fenómenos extremos [secas e grandes chuvadas]? Não tenho a certeza. Fala-se mais disso, daí a impressão de que acontece mais. " Mas, diz, faltam-nos registos para podermos comparar com um passado mais longínquo. "O nosso horizonte de medição é de desde meados do século XIX até agora. Antes disso, as medições não são fiáveis. "E, perante tanta incerteza, o que podemos esperar para a agricultura em Portugal? A vinha e o olival fazem parte da paisagem portuguesa e são produtos com um peso muito significativo para a economia nacional - representam três quartos do total das culturas permanentes do país, sendo que 43% das explorações agrícolas têm olival e 51% têm vinha. Quais são, então, os cenários?José Silvestre, investigador da Unidade de Investigação em Viticultura e Enologia do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), afirma: "Temos regiões vitivinícolas que já se encontram próximo dos seus limites em termos de resistência à falta de água e às temperaturas elevadas, como no interior Sul do país. Caso não existam medidas de adaptação, é certo que nessas regiões teremos uma quebra importante na produção de vinho. " Prevê, por isso, "uma deslocalização da área da vinha para mais próximo do litoral". Se olharmos para a Europa, então vamos ver a vinha a subir para norte. "Alguns estudos sugerem que o limite da cultura da vinha poderá expandir-se cerca de 180 quilómetros para norte por cada grau de aumento na temperatura média do ar", diz Silvestre. Também o Leste da Europa poderá vir a ter condições mais favoráveis à vinha. Assim, conclui, "será de esperar alguma competição com os países do Norte da Europa, embora com vinho com características diferentes". A boa notícia é que esta tendência será acompanhada, eventualmente, por uma redução da competição com os países do Sul. Quanto à diminuição da chuva, Aguiar Pinto também manifesta dúvidas. "Em Portugal, há um decréscimo da chuva no Verão e um aumento no Inverno. Globalmente não há menos chuva. " E, como prova de que falar de tendências pode ser enganador, compara 2012, "um ano extremamente seco, muito abaixo da média", e 2013, que "está a ser chuvoso, muito acima da média". Precisamente, diz Teresa Avelar - responsável pela coordenação da Estratégia de Adaptação da Agricultura e das Florestas às Alterações Climáticas em Portugal Continental (documento já elaborado e em fase de aprovação) do Ministério da Agricultura, Mar e Ordenamento do Território -, entre as características das alterações climáticas estão a imprevisibilidade e o aumento dos fenómenos extremos. "Os dias de muito calor, os ventos fortes e as secas têm tido uma frequência muito grande nas últimas décadas", e o cenário que se apresenta é de "impactos graves para a agricultura e a floresta". Não estamos a falar de um futuro longínquo. "As alterações climáticas já estão a acontecer e já estamos a ter de as gerir. " Por isso, é preciso agir para prevenir situações mais complicadas. No entanto, os técnicos enfrentam um problema: "O conhecimento está muito no princípio, é fundamental melhorá-lo. "Muito importante para nos prepararmos será "conhecer o património genético existente no país, animal e vegetal", explica Teresa Avelar. "É importante preservá-lo para que possa ser aproveitado em termos de melhoramentos genéticos. "É isso que se está a fazer, por exemplo, no departamento de olivicultura do INIAV, em Elvas. Em cima da uma mesa na sala de António Cordeiro estão uma série de caixinhas com caroços de azeitonas. Todos são diferentes - uns maiores, outros mais pequenos, outros ligeiramente curvos na ponta - e têm sido recolhidos junto de agricultores no âmbito de um projecto que visa precisamente recuperar essa diversidade genética que se estava a perder. Desde o final dos anos 1960 que aqui, nestes campos junto a Elvas, o Estado tem estudado o comportamento das diferentes variedades de olival. As coisas mudaram bastante no país a partir do final da década de 90, início do século XXI, quando surgiu "um interesse crescente pela olivicultura" e um aumento muito significativo do número de olivais. A paisagem, sobretudo no Alentejo, encheu-se de olivais intensivos e superintensivos, e entraram no país algumas variedades estrangeiras, sobretudo vindas de Espanha. E foi precisamente a partir do século XXI que começaram a aparecer programas de melhoramento genético do olival. O que António Cordeiro nos mostra agora é um olival superintensivo que o INIAV plantou para ver como se adaptam as diferentes variedades. Aponta para uma árvore, com muitos ramos virados para baixo - os "lançamentos tombados". É o exemplo de uma variedade que, apesar de ter várias vantagens, não se adapta bem ao regime superintensivo. "Quando der fruto, o peso destes ramos vai ser ainda maior, enquanto esta outra, aqui ao lado, tem os ramos para cima e vai suportar frutos com menor peso", explica. Num superintensivo é importante, por exemplo, perceber que tipo de copa a árvore vai formar para ver se é mais aberto ou fechado e se permite ou não que o sol entre por entre os ramos (se não permitir, não se desenvolvem frutos nos ramos interiores e a produtividade é muito menor). São muitos os factores a ter em conta na avaliação das vantagens e desvantagens de cada variedade. Entramos agora numa estufa para Cordeiro nos mostrar como há variedades que são precoces na floração e como isso pode ser determinante se pensarmos num cenário de alterações climáticas, em que as culturas poderão ter de ser adiantadas ou atrasadas. Há aqui a cobrançosa, a galega, variedades que estão espalhadas por todo o território nacional, mas também outras, menos conhecidas, que são sobretudo variedades regionais. Mas trabalha-se também com variedades espanholas, israelitas, turcas, e outras, para avaliar as qualidades e defeitos de cada uma. "Estas são todas meias-irmãs", diz o investigador, indicando um conjunto de pés que resultam do cruzamento de uma mesma árvore-mãe, galega, e de diferentes "pais", numa polinização livre. Notam-se já pequenas diferenças no formato das folhas, na distância dos entre-nós, que provam que o "pai" teve aqui alguma influência e introduziu um elemento novo. Qual delas no futuro se vai mostrar mais resistente e com maior capacidade de adaptação é o que António Cordeiro espera ver. O mesmo trabalho com vista ao melhoramento genético está a ser feito noutros países, conta. Os espanhóis já conseguiram criar uma nova variedade, a chiquitita, os israelitas criaram duas, os italianos têm estado a tentar mas ainda não apresentaram nenhuma variedade nova que, reunindo características cruzadas de outras variedades, se apresente mais resistente a doenças, pragas e alterações climáticas. A boa notícia, afirma Cordeiro, é que "a oliveira é uma espécie bem adaptada à seca". Quando não há água, ela "adapta-se reduzindo ao mínimo a sua actividade fisiológica" e, quando chove, recupera muito rapidamente. Tendo em conta que o olival em Portugal é essencialmente de sequeiro (embora os superintensivos precisem de rega, que deve ser feita gota a gota), o que há a fazer é apostar em variedades que sejam mais resistentes a essa falta de água. E assim podemos acreditar que o azeite não desaparecerá das nossas mesas. Tal como o vinho, aliás. As preocupações e medidas aqui são bastante semelhantes. "Devemos ter em consideração que estamos a plantar hoje vinhas que vão produzir durante as próximas décadas, logo que irão sofrer os impactos das alterações climáticas", avisa José Silvestre. "Isso deve obrigar a um esforço de reflexão dos viticultores, nomeadamente na escolha de solos com maior capacidade de armazenamento de água, na plantação de porta-enxertos e castas mais resistentes à seca, na escolha das regiões para novas plantações, etc. "Até agora, os estudos incidiram sobretudo sobre a rega da vinha, com um número de castas reduzido. Mais recentemente, conta Silvestre, começou-se a estudar o impacto das alterações climáticas no seu todo. "O trabalho está numa fase inicial e os resultados existentes são para um número reduzido de castas. " Mas Portugal tem "um vasto leque de castas à disposição - estão autorizadas 340, das quais 240 são nacionais. "É um património riquíssimo, que importa valorizar" - e estudar. O INIAV tem a Colecção Ampelográfica Nacional, onde estão plantadas e estudadas cerca de 720 castas, um "património genético que tem despertado o interesse quer de outros países quer de produtores nacionais". Um exemplo curioso dessa colaboração é o que está a ser feito pela Herdade do Esporão, que instalou uma vinha de dez hectares com 180 castas, em que um dos objectivos é precisamente avaliar a capacidade de adaptação das castas às alterações climáticas. Se pensarmos para lá do olival e da vinha, que cenários se prevêem para as outras produções? "As culturas de sequeiro e as zonas de pastagens serão as mais afectadas pelas alterações climáticas", afirma Teresa Avelar. Estamos a falar, portanto, de carne e cereais. Os animais, aliás, correm o risco de ser afectados de duas formas: pela perda de qualidade das pastagens (no caso dos que são criados em regime extensivo) e pela diminuição da disponibilidade de cereais. De qualquer forma, Lima Santos lembra que "os sistemas extensivos produzem pouca carne por hectare, mas fixam carbono" e isso é algo que começa a ser cada vez mais valorizado, inclusivamente em termos de financiamentos comunitários. "Há habitats que são garantidos por sistemas agrícolas extensivos e actualmente a União Europeia paga muitos milhões por isso. "Há, no entanto, diferenças entre o trigo e o milho. "O milho é sempre mais produtivo", diz Francisco Avillez, um dos mais respeitados especialistas em questões de agricultura em Portugal, coordenador científico da empresa de consultoria Agroges. "Mas também é mais exigente do ponto de vista da água. " Por outro lado, acrescenta Ana Paiva Brandão, também da Agroges, "o milho é mais eficiente a fixar o dióxido de carbono [essencial para a fotossíntese], e o trigo não é tão eficiente, pelo que vai beneficiar de uma maior concentração de CO2 na atmosfera", resultante do aquecimento global. A tese de doutoramento de Ana Paiva Brandão (de 2006) centrou-se, em grande parte, no milho e no trigo, e conclui que há uma "tendência geral para a perda de produtividade", embora com comportamentos diferentes em função das zonas. As ondas de calor podem ser fatais para os cereais, e a redução da amplitude térmica significa também menos produtividade, com dificuldades na fase de enchimento do grão. O SIAM II, de 2006 (segunda parte do projecto SIAM, iniciado em 1999), indicavauma redução no milho entre os 11% e os 26%, no trigo entre os 6% e os 22%, e no caso do arroz entre os 55% e os 70%. Enfrentamos então um futuro sem arroz? Ou pelo menos com um grau de dependência externa de arroz muito superior ao actual (sendo Portugal um país de consumidores de arroz)?No território nacional, o arroz faz-se em terrenos alagados e daí ser muito sensível às alterações climáticas. Mais uma vez, tudo vem ter a uma palavra: água. "O arroz precisa de imensa água, por cada quilo produzido gastamos uma quantidade de água brutal", afirma Lima Santos. Mas, também aqui, Pedro Aguiar Pinto tem uma perspectiva diferente: "Hoje o arroz fica limitado ao nível do Mondego. Já se fez no Vouga. Se subir a temperatura, pode-se voltar a fazer no vale do Vouga, ou seja, pode-se subir o limite norte do arroz. " E mesmo para zonas muito secas do interior Sul, Aguiar Pinto tem sugestões: "Podia-se cultivar algodão no Sul de Portugal. " Assim como culturas do Norte de África. "Marrocos sempre produziu trigo. Podíamos ter trigo, tâmaras, amendoim. " De qualquer forma, conclui, "temos água, o Alqueva cheio dá para dois anos". O milho também tem uma grande dependência (embora menor) da água. "A mesma água que gastamos a produzir um hectare de milho, podemos distribuí-la por 20 hectares de trigo, que é menos produtivo mas permite utilizar mais solo. Podemos pensar em substituições de culturas", diz, por seu lado, Lima Santos. Curiosamente, o sorgo, que é o quinto cereal mais importante no mundo, depois do trigo, arroz, milho e cevada, é uma das espécies que têm revelado maior tolerância ao efeito da temperatura. Outra solução, que teria implicações directas na nossa alimentação: poderíamos, continua este especialista, reduzir o consumo de carne. "Usamos o milho e o trigo sobretudo para a alimentação animal e importamos boa parte do trigo. Se consumíssemos uma parte da produção vegetal directamente, talvez não precisássemos de importar alimentos. " Ou seja, é mais eficiente comer o milho directamente do que sob a forma de bife. As melhores notícias, neste panorama, são as que dizem respeito à fruta e aos legumes. "A nossa zona sem geadas, que é hoje uma pequena faixa ao longo do litoral, vai alargar-se muito mais para dentro. Isto significa que uma boa parte do litoral português vai ter menos geadas, o que em termos de hortícolas é uma vantagem que vamos ter de saber aproveitar", continua Lima Santos. Os citrinos, em particular, têm pouca exigência de horas acumuladas de frio, o que significa que não precisam de Invernos muito rigorosos. Isso pode ser bom, e significar uma melhoria na produção tanto de citrinos como de espécies como figueiras e nespereiras. "A nossa saída agrícola são os hortofrutícolas", reforça Aguiar Pinto. "E com as alterações climáticas continua a ser. E até nem precisamos de estufas. Temos uma costa fabulosa, sem geadas todo o ano. Os holandeses conseguem fazê-las mas gastam imenso em aquecimento. Em Portugal, o potencial de produção tem tendência a aumentar. "No entanto, é preciso ter cuidado com os fenómenos extremos, sobretudo com as grandes ventanias e chuvadas que tendem a destruir abrigos e estufas nos hortícolas, e com os efeitos de escaldão na fruticultura. As conclusões dos peritos, a partir dos dados existentes até agora, é a de que se avizinha um cenário preocupante para a zona mediterrânica, mas ainda há muito que se pode fazer para o minimizar. Em primeiro lugar: reter água. "Só com a cultura de regadio é que temos condições de competitividade", garante Pedro Aguiar Pinto. Mas desde que tenham água há várias culturas, nomeadamente o milho, que se adaptam bem ao calor. Quanto às culturas de sequeiro, Francisco Avillez avisa: "Vão precisar de ser apoiadas na fase final em anos em que não chova. "A solução passa por aproveitar o previsível aumento de chuva durante o Inverno para se utilizar essa água, em culturas que tenderão a ser menos de sequeiro e mais de regadio, nos meses mais quentes. "Não conseguimos fazer agricultura sem água e precisamos de água para alimentar os animais. O que fizemos até agora foi apostar em barragens, mas devíamos pensar em coisas de menor dimensão, mais descentralizadas. Nas zonas onde não tivermos água de todo não vai ser possível fazer agricultura, por isso temos de pensar em pôr lá água de outra forma", defende Lima Santos. Outra estratégia - que já é usada pelos agricultores -, referida por todos os especialistas, é a de alteração das épocas de sementeira. "Se continuarmos a semear o milho na mesma altura, vamos ter menor produtividade e gastar mais água", explica Aguiar Pinto. "Devíamos recuar. Se anteciparmos um mês, a produção aumenta e gastamos menos água de rega. " Na sua tese, Ana Paiva Brandão estudou precisamente o efeito desse tipo de ajustamento em culturas como o milho e o trigo nas diferentes regiões. E Teresa Avelar, do MAMAOT, também frisa que esta é uma área que tem de ser muito aprofundada. A outra é a investigação das tais variedades tradicionais que, diz Teresa Avelar, em princípio, "serão menos afectadas pelas oscilações de temperatura e disponibilidade hídrica". "Há que recolher, e ver até que ponto é preciso melhorar ou alterar essas variedades. "Não são só as variedades mas também as práticas tradicionais que devem ser recuperadas, sublinha Avillez. "Abandonámos muito as rotações de culturas, caminhámos no sentido da monocultura, fizemos mal a mecanização, preocupámo-nos pouco com a estrutura do solo. " As plantas geneticamente melhoradas precisam de muitos químicos e com isso foi-se destruindo a fertilidade dos solos. Agora, "o solo tem de passar a ser o centro das nossas preocupações". Para isso, é preciso muito desenvolvimento experimental e apostar numa agricultura de precisão, que permite por exemplo usar a água e os nutrientes apenas onde são necessários. Quanto às variedades tradicionais, "se admitirmos que o que estamos a viver [em termos de alterações climáticas] é um regresso ao que tínhamos há anos, então as variedades tradicionais fazem sentido", segundo Avillez. Muitas variedades tradicionais "terão os genes de resistência às pragas e à secura", acredita Lima Santos. O problema é que "há pouco trabalho sobre os recursos genéticos e as frutas, por exemplo, estão a desaparecer a um ritmo enorme, sem termos sequer um inventário completo". Mas, mais uma vez, faltam-nos certezas. Avillez acredita contudo que "os factores económicos têm tido muito mais peso no abandono das sementes tradicionais" do que as alterações climáticas. Aguiar Pinto concorda: "Hoje o que influencia os projectos agrícolas é o valor da produção. Para a agricultura, o que conta é a política interna - que é muito mais volátil que as alterações climáticas. "Política e pragmatismo. Em Portugal e fora de Portugal. Lima Santos lamenta que nos últimos tempos o mundo fale muito mais em adaptação do que em mitigação das alterações climáticas. Uma mudança que considera "dramática" porque significa assumir que não vamos conseguir travar as alterações climáticas. A notícia de que o Canadá e os EUA vão explorar os xistos betuminosos para extrair petróleo do interior da rocha "dá-nos petróleo e gás natural para mais 200 anos" e isso atrasa todo o processo de combate às alterações climáticas - mais uma vez porque os interesses económicos entraram em jogo, e são muito mais fortes do que as boas intenções. O que é que isso significa em relação ao que os portugueses terão nos seus pratos no futuro? Ninguém arrisca previsões. Teremos vinho, possivelmente mais a norte e talvez com características um pouco diferentes. Azeite também. Muita fruta e legumes. Desejavelmente menos carne. É possível que a batata ganhe terreno ao pão e às massas. "Não temos de ter uma perspectiva de redução da produção. O esforço é para que se continue a produzir o que hoje se produz", diz Teresa Avelar. Mesmo assim, parece ser um daqueles casos em que faz todo o sentido a máxima do italiano Tomasi de Lampedusa, autor de O Leopardo, o livro que Visconti adaptou ao cinema: "Se queremos que tudo permaneça como está, é preciso que tudo mude. "
REFERÊNCIAS:
Apontar e salvar a cultura da flecha e da besta
Nas profundezas das montanhas ao longo da fronteira entre a China e a Birmânia, o aldeão Zhang Lisu (26 anos) afia as flechas da sua besta, preparando-se para uma caçada. Para Zhang e muitos outros Lisu, uma minoria predominantemente cristã que habita a região de fronteira, a besta é uma parte indispensável de uma cultura que remonta a 200 aC. Num país que muitas vezes proíbe a venda de facas de cozinha durante alguns momentos da política nacional, ainda é normal ver esta etnia carregar abertamente a arma em público. Apesar de uma velha proibição de caça, a aplicação da lei permanece negligente e Zhang e os seus ... (etc.)

Apontar e salvar a cultura da flecha e da besta
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
TEXTO: Nas profundezas das montanhas ao longo da fronteira entre a China e a Birmânia, o aldeão Zhang Lisu (26 anos) afia as flechas da sua besta, preparando-se para uma caçada. Para Zhang e muitos outros Lisu, uma minoria predominantemente cristã que habita a região de fronteira, a besta é uma parte indispensável de uma cultura que remonta a 200 aC. Num país que muitas vezes proíbe a venda de facas de cozinha durante alguns momentos da política nacional, ainda é normal ver esta etnia carregar abertamente a arma em público. Apesar de uma velha proibição de caça, a aplicação da lei permanece negligente e Zhang e os seus amigos ainda caçam aves e roedores por desporto — antes da proibição, a caça era grossa e incluía ursos e javalis. À medida que os jovens se mudam para áreas urbanas para trabalhar, os mais velhos temem que a besta esteja em vias de extinção. Por isso há quem promova o tiro como desporto, procurando atrair novos praticantes. "A cultura da besta do nosso povo deve entrar nos Jogos Nacionais da China, nos Jogos Asiáticos e nos Jogos Olímpicos!", sublinha Cha Hairong, presidente da Associação de Bestas da cidade de Liuku, comprometido com a preservação dessa cultura.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei cultura minoria extinção aves
Fóssil de cobra bebé com 99 milhões de anos encontrado na Birmânia
A descoberta de um fóssil "incrivelmente raro" revela que a coluna vertebral destes animais não evoluiu significativamente até aos dias de hoje. (...)

Fóssil de cobra bebé com 99 milhões de anos encontrado na Birmânia
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-07-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: A descoberta de um fóssil "incrivelmente raro" revela que a coluna vertebral destes animais não evoluiu significativamente até aos dias de hoje.
TEXTO: O fóssil de uma cobra bebé, com cerca de 99 milhões de anos, foi encontrado na Birmânia dentro de um pedaço de âmbar. Além de revelar que as serpentes já viviam nas florestas daquela região durante o período Cretácico – entre 145 e 66 milhões de anos atrás – junto de dinossauros, lagartos e insectos voadores, mostra que anatomicamente as cobras não evoluíram muito significativamente até aos dias de hoje. À espécie foi dado o nome Xiaophis myanmarensis, que significa “cobra do amanhecer de Myanmar" (o nome oficial da Birmânia é Myanmar) e é também uma homenagem a Xiao Jia, especialista em âmbar que doou o fóssil ao Instituto Dexu de Paleontologia em Chaozhou, na China. A descoberta foi revelada num artigo científico publicado, nesta quarta-feira, na revista Science Advances e a investigação foi liderada por Lida Xing, principal autor do artigo e paleontólogo da Universidade Chinesa de Geociências, em Pequim. Este é um fóssil “incrivelmente raro”, pois é “o primeiro fóssil de uma cobra bebé alguma vez encontrado”, explicou à BBC News Michael Caldwell, professor de biologia na Universidade de Alberta (Canadá) e co-autor do estudo. A pequena cobra tem menos de cinco centímetros de comprimento - o que poderá ter levado a que no início os cientistas pensassem que poderia ser o fóssil de uma centopeia - mas poderia ter crescido até um metro de comprimento. O esqueleto é composto por 97 vértebras, mais costelas. Porém, falta o crânio do animal que não ficou preservado naquele pedaço de âmbar, explica em comunicado a Academia Chinesa de Ciências que também colaborou no estudo. Apesar de terem a certeza que corresponde a um fóssil de uma cobra em fase de vida inicial, os investigadores não conseguiram perceber se corresponde a um embrião ou a um recém-nascido. O réptil terá ficado preso na resina de uma árvore – “a super-cola do registo fóssil”, diz Caldwell – que secou e se transformou em âmbar. “O âmbar é totalmente único – o que quer que toque nele fica congelado no tempo”, incluindo fragmentos de plantas e insectos que permitiram confirmar que aquela espécie vivia, de facto, num ambiente florestal, explica o especialista à BBC. Este é um detalhe importante, uma vez que “quase todas as outras cobras conhecidas que viveram no Cretácico Superior tinham adaptações aquáticas ou foram encontradas em sedimentos depositados perto de áreas fluviais e costeiras, e não podem ser conclusivamente ligadas a hábitos terrestres”, explicam os investigadores no artigo. Por isso, a nova espécie revela uma “maior diversidade ecológica entre as primeiras cobras do que se pensava anteriormente”, acrescentam. Os restos ósseos desta serpente foram analisados através de tomografias computorizadas e, posteriormente, comparados com as características anatómicas de cobras actuais com algumas semelhanças (como a serpente asiática da espécie Cylindrophis ruffus). Esta pesquisa mostrou que, em quase cem milhões de anos, a coluna vertebral das cobras praticamente não se desenvolveu, o que leva os cientistas a acreditar que as serpentes sobreviveram durante dezenas de milhões de anos num estado de evolução primitivo. Um segundo pedaço de âmbar foi também descoberto, contendo pedaços de pele fossilizados de uma outra cobra que os cientistas afirmam que seria muito maior. As escamas preservam ainda alguns dos padrões originais, no entanto, não foi possível averiguar se este seria um membro da mesma espécie da cobra bebé. Os fósseis de cobra mais antigos do mundo (que incluem uma cobra portuguesa) datam entre 140 e 167 milhões de anos atrás. A espécie mais antiga de que há conhecimento é a Eophis underwoodi, uma pequena serpente de 25 centímetros (que habitava pântanos) proveniente do Reino Unido. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O estudo, levado a cabo por uma equipa internacional (além do Canadá e China, incluiu cientistas dos Estados Unidos e Austrália), revelou a existência de “uma inesperada diversidade de serpentes tanto nos reinos terrestres quanto nos aquáticos” durante o período Cretácico, conclui o artigo. A nova espécie providencia uma “oportunidade sem precedentes para observar aspectos da ontogenia do esqueleto das cobras, fornecendo conhecimentos excepcionais e inesperados sobre a evolução de um dos grupos de animais mais bem-sucedidos e icónicos da natureza”. Texto editado por Nicolau Ferreira
REFERÊNCIAS:
A pintura figurativa mais antiga que se conhece é do Bornéu
Equipa de cientistas da Austrália e da Indonésia considera que a pintura figurativa mais antiga do mundo está numa gruta na ilha de Bornéu. Tem tons laranja-avermelhados e é de um animal. (...)

A pintura figurativa mais antiga que se conhece é do Bornéu
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Equipa de cientistas da Austrália e da Indonésia considera que a pintura figurativa mais antiga do mundo está numa gruta na ilha de Bornéu. Tem tons laranja-avermelhados e é de um animal.
TEXTO: Nas paredes da gruta de Lubang Jeriji Saléh, na ilha de Bornéu, há um painel em tons laranja-avermelhados com três animais pintados. Um deles despertou especial atenção de um grupo de cientistas da Austrália e da Indonésia. Não se sabia bem que animal representava – desconfia-se que fosse uma espécie de bovídeo selvagem –, mas ao analisar-se essa pintura descobriu-se que tem pelo menos 40 mil anos. Por isso, num artigo científico na revista Nature sugere-se que essa é a pintura figurativa mais antiga que se conhece até agora. Em 1994, o espeleólogo Luc-Henri Fage foi o primeiro a observar e anunciar que havia pinturas rupestres nas remotas grutas da península de Sangkulirang-Mangkalihat, na ilha de Bornéu, na parte da Indonésia. Numa das grutas, identificou pinturas nas paredes mais altas e no tecto, assim como desenhos mais escuros nas áreas mais acessíveis. Entretanto, com a ajuda de habitantes locais, foram descobertos outros sítios com pinturas e milhares de representações nessas grutas. Agora, uma equipa de cientistas da Austrália e da Indonésia analisou amostras de algumas representações em seis sítios diferentes dessas grutas através do método de datação por urânio-tório. Nessa análise, a equipa acabou por dividi-las em três fases estilísticas. “Consideramos que a primeira fase de pinturas, que se centra em animais grandes a vermelho e mãos impressas em negativo, começou há entre 40 mil anos e 52 mil anos e, possivelmente, durou até ao Último Máximo Glacial, há cerca de 20 mil anos”, diz Maxime Aubert, da Universidade Griffith (Austrália) e um dos líderes do trabalho. Nesta fase, inclui-se o painel com os três animais pintados com pigmento de óxido de ferro (ocre): dois deles são bovídeos selvagens e o terceiro é provável que também seja. Este último terá no mínimo 40 mil anos e a equipa considera-o a pintura figurativa mais antiga que se conhece até ao momento. “A representação rupestre mais antiga que datámos é uma pintura enorme com um animal que não conseguimos identificar, provavelmente será uma espécie de bovino selvagem que ainda se encontrava nas florestas do Bornéu – a sua idade mínima é cerca de 40 mil anos e é agora a primeira obra figurativa que conhecemos”, diz Maxime Aubert em comunicado, acrescentando que, nessa altura, Bornéu ainda não era uma ilha e que fazia parte do continente asiático. Até agora, a pintura figurativa mais antiga que se conhecia encontrava-se na ilha de Celebes, tinha cerca de 35. 400 anos e também era de um animal, um babirusa fêmea, refere Maxime Aubert, que também já tinha coordenado esse trabalho na ilha de Celebes, publicado em 2014 igualmente na Nature. Na Europa, as pinturas figurativas mais antigas estão na gruta de Chauvet (França) e têm cerca de 35 mil anos, indica Maxime Aubert. Não sendo figurativo, também na gruta de El Castillo (em Espanha) há um disco vermelho com cerca de 40 mil anos e uma mão em negativo com mais de 37 mil anos. Na gruta espanhola de Altamira está um símbolo em forma de maço com mais de 35 mil anos. Na mesma gruta do Bornéu onde está a pintura figurativa, há ainda dois stencils (impressões em negativo) de mãos com cerca de 37. 200 e um terceiro stencil que terá, no máximo, 51. 800 anos. Também em Celebes foram encontrados “stencils” e um deles terá 39. 900 anos. A segunda fase estilística – que começou há cerca de 20 mil anos e não se sabe bem até quando durou – é dominada pela pintura de stencils de mãos em tons escuros de roxo. Muitas destas mãos estão acompanhadas por linhas, travessões, pontos ou pequenos sinais abstractos. “A segunda fase da arte rupestre desenvolveu-se focando-se na representação do mundo humano”, destaca o cientista. Por fim, há uma terceira fase estilística caracterizada por formas humanas ou desenhos geométricos com pigmentos pretos. “Este estilo de arte rupestre é apenas um dos que já tinham sido documentados noutro sítio no Bornéu; encontra-se noutros locais da Indonésia e poderá estar associado com o movimento de agricultores do Neolítico na Ásia na região há cerca de quatro mil anos, ou até mais recentemente”, lê-se no artigo científico. E quem fez as pinturas? “Não sabemos quem fez as pinturas, mas suspeitamos que foram humanos modernos [a nossa espécie]”, responde Maxime Aubert. “Sabemos que os humanos modernos estavam no Bornéu nessa altura. Foram encontrados vestígios deles noutra gruta numa parte do Bornéu que pertence à Malásia datados com 40 mil anos. ” O cientista adianta que não se sabe se as diferentes fases da arte rupestre na ilha de Bornéu foram feitas por grupos de humanos diferentes ou se representam a evolução de uma cultura em particular. Recuando no tempo, Maxime Aubert lembra que os humanos modernos chegaram ao Sudeste asiático, pelo menos, há entre 70 mil e 60 mil anos. “Surpreende-me porque é que não temos arte rupestre datada da primeira chegada dos humanos à região. Talvez porque não se encontrou ou datou ou porque houve diferentes ondas migratórias humanas. Ou ainda porque a datação da primeira chegada dos humanos ao Sudeste asiático está errada ou talvez esteja relacionado com a densidade populacional”, questiona. Devido a estas dúvidas (e mais algumas), o cientista diz que irão ser feitas mais escavações arqueológicas nas grutas do Bornéu. “O que também é interessante é que a arte rupestre poderá ter sido potencialmente exportada do Bornéu para Celebes e posteriormente para a Papuásia e a Austrália”, especula Maxime Aubert. Já as duas últimas fases estilísticas – em que o humano está mais representado – poderão ser um reflexo da chegada de outros grupos de humanos ou de um aumento da população naquela parte da ilha porque tinha condições mais favoráveis para os humanos no início do Último Máximo Glacial. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E qual a relação com a Europa? “A arte figurativa desenvolveu-se no Sudeste asiático ao mesmo tempo do que na Europa. A arte também mudou por volta do mesmo tempo”, refere Maxime Aubert. “Inicialmente, os humanos fizeram pintura figurativa de animais grandes e, mais tarde, começaram a representar o mundo humano. ”Também este ano, um artigo científico na revista Science sugeria que os neandertais (outro grupo de humanos) já pintavam grutas intencionalmente há cerca de 65 mil anos. Desta forma, teriam sido eles a criar as primeiras pinturas rupestres em três grutas em Espanha. No artigo, os autores, que incluíam o arqueólogo português João Zilhão, referiam que a arte rupestre já representava animais, motivos geométricos ou mãos impressas em negativo. “Essas pinturas dos neandertais não são figurativas”, reage Maxime Aubert. “Embora não tenha qualquer problema com a ideia de que os neandertais se dedicaram a actividades simbólicas, questiono esse artigo científico. ” Como tal, Maxime Aubert, juntamente com mais dois cientistas, levantou as suas dúvidas num artigo publicado na revista Journal of Human Evolution. “A nossa maior crítica ao estudo” da equipa de Dirk Hoffmann “relaciona-se com a datação de um tipo de arte parietal identificável há muito tempo assumido como tendo sido criado por humanos modernos”, escreveram. Entretanto, a equipa de Dirk Hoffmann já tinha respondido na Science a críticas de um outro grupo de cientistas, que consideraram “infundadas”.
REFERÊNCIAS:
Étnia Asiático
Três espécies de primatas nocturnos descobertas na ilha de Bornéu
As novas espécies de lóris são nocturnas, têm veneno na boca e são alvo do comércio ilegal para serem animais de estimação. (...)

Três espécies de primatas nocturnos descobertas na ilha de Bornéu
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-12-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: As novas espécies de lóris são nocturnas, têm veneno na boca e são alvo do comércio ilegal para serem animais de estimação.
TEXTO: Uma equipa de cientistas descobriu três novas espécies de primatas nocturnos na ilha de Bornéu, no Sudeste asiático. São lóris, primatas parecidos com os lémures de Madagáscar, mas que habitam aquela região da Ásia. Conhecia-se uma única espécie com duas subespécies em Bornéu. Mas afinal são espécies diferentes. A terceira espécie é um outro grupo que se pensava pertencer à espécie antiga e nem sequer tinha sido individualizada como um grupo diferente. “Historicamente, muitas espécies não foram reconhecidas independentemente e foram agrupadas de um modo errado numa única espécie. Enquanto o número de espécies de primatas duplicou nos últimos 25 anos, algumas espécies nocturnas mantiveram-se desconhecidas para a ciência”, explica Rachel Munds, da Universidade do Missouri, autora do estudo, publicado na revista American Journal of Primatology. A espécie inicial chama-se Nycticebus menagensis, e agora só existe no arquipélago das Filipinas. Considerava-se que este primata vivia nalgumas ilhas das Filipinas e em Bornéu. Mas, depois desta investigação, as duas subespécies de Bornéu ascenderiam ao estatuto de espécie e chamam-se agora Nycticebus bancanus e Nycticebus borneanus. Além disso, o novo grupo identificado em Bornéu ficou com o nome do rio Kayan, chamando-se Nycticebus kayan. Este grupo vive nas zonas montanhosas, no centro-leste da ilha. Boca venenosaAlguns lóris têm padrões na pelagem da cara muito característicos, que permitem definir as espécies. Mas no género dos Nycticebus, que está activo à noite, esses padrões são menos distintivos. Para chegar às novas conclusões, a equipa analisou mais aprofundadamente os padrões coloridos da face, que se parecem com máscaras. Outra característica única destes animais é terem veneno na boca. Estes lóris têm uma glândula junto do cotovelo que segrega toxinas. Os animais habituaram-se a esfregar o líquido nos dentes. Resultado, funciona como uma arma e pode provocar um choque anafilático nas pessoas que são mordidas, além de apodrecer os tecidos à volta do local mordido. Os cientistas pensam que este veneno não será produzido pelos primatas, mas que virá de certos artrópodes da classe das comuns marias-café. Estes artrópodes de Bornéu produzem toxinas e servem de alimento aos lóris. A equipa está preocupada com a conservação das quatro espécies, devido ao seu comércio ilegal como animais de estimação. Quem faz este comércio costuma tirar os dentes da frente dos animais por serem venenosos. Agora, os conservacionistas têm de se preocupar, não com uma, mas com quatro lóris diferentes. “Espécies separadas são mais difíceis de proteger do que uma, já que cada espécie precisa de manter um certo número populacional e ter floresta suficiente como habitat”, explica Rachel Munds.
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Étnia Asiático
O planeta pode estar a perder a coluna vertebral da biodiversidade
A primeira grande avaliação à escala global da taxa de declínio dos vertebrados concluiu que a Terra pode estar a perder a coluna vertebral da biodiversidade. Quase um quinto de todas as espécies de vertebrados tem o estatuto de “quase ameaçadas” no Livro Vermelho da União Internacional para a Conservação da Natureza. Além disso, uma média de 52 espécies de mamíferos, aves e anfíbios sobem todos os anos uma categoria no estatuto de conservação que as aproxima da extinção. (...)

O planeta pode estar a perder a coluna vertebral da biodiversidade
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-10-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: A primeira grande avaliação à escala global da taxa de declínio dos vertebrados concluiu que a Terra pode estar a perder a coluna vertebral da biodiversidade. Quase um quinto de todas as espécies de vertebrados tem o estatuto de “quase ameaçadas” no Livro Vermelho da União Internacional para a Conservação da Natureza. Além disso, uma média de 52 espécies de mamíferos, aves e anfíbios sobem todos os anos uma categoria no estatuto de conservação que as aproxima da extinção.
TEXTO: Estas são algumas das conclusões de uma avaliação do estatuto dos vertebrados a nível mundial, liderada por Michael Hoffmann, da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Estiveram envolvidos 174 cientistas, de 115 instituições e 38 países, que publicam hoje esta investigação na edição online da revista Science. Na mesma edição é também publicada uma análise global de vários estudos sobre biodiversidade, feita por uma equipa de 23 cientistas de nove países, liderada pelo português Henrique Miguel Pereira, do Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e por Paul Leadley, da Universidade Paris-Sul (ver texto “Cientistas propõem criação de um painel para a biodiversidade”). O estudo coordenado por Michael Hoffmann utilizou informação existente no Livro Vermelho sobre 25 mil espécies de vertebrados (mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes), para ver se o seu estatuto de conservação sofreu alterações ao longo do tempo. Em termos de extinção, esse estatuto é classificado segundo as categorias de “pouco preocupante”, “quase ameaçado”, “vulnerável”, “em perigo”, “criticamente em perigo”, “extinto na natureza” ou “extinto”. Ora, 20 por cento dos vertebrados de todo o mundo estão hoje classificados como “quase ameaçados” – incluindo 25 por cento de todos os mamíferos, 13 por cento das aves, 22 dos répteis, 41 dos anfíbios, 33 dos peixes cartilaginosos e 15 dos peixes com ossos. Embora os vertebrados sejam apenas três por cento de todas as espécies da Terra, sublinha um dos vários comunicados de imprensa sobre esta avaliação, eles representam papéis vitais nos seus ecossistemas e têm grande importância cultural e económica para os seres humanos. “A ‘coluna vertebral’ da biodiversidade está a ser erodida”, lamenta o famoso biólogo norte-americano Edward O. Wilson, da Universidade de Harvard, citado num dos comunicados. “Um pequeno passo para cima no Livro Vermelho é um grande passo em direcção à extinção. Esta é apenas uma pequena janela para as perdas globais que actualmente estão a ocorrer. ”Os vertebrados nas regiões tropicais, em particular no Sudoeste asiático, são os que têm conhecido o declínio mais acentuado. A expansão agrícola, o corte de árvores e a caça estão entre as principais causas desse declínio. Nem tudo é mau. A avaliação também sublinha que as perdas e o declínio teriam sido cerca de 20 por cento piores se não tivessem sido postas em prática acções de protecção das espécies em risco. Os esforços de conservação têm sido mais eficazes no combate às espécies invasoras do que na luta contra a perda de habitats ou a caça. E a avaliação realça 64 exemplos de mamíferos, aves e anfíbios que tiveram melhorias graças a acções de conservação, incluindo três espécies que tinham sido dadas como extintas na natureza (o condor da Califórnia e o furão de patas negras, nos Estados Unidos, e o cavalo de Przewalski, na China e Mongólia) e estão em recuperação.
REFERÊNCIAS:
No Vista, o jantar começa num porto de pesca
João Oliveira está a trabalhar um menu do mar e da sustentabilidade no restaurante Vista, em Portimão. A base é o peixe e o marisco; os hidratos de carbono, as gorduras e o açúcar têm vindo a desaparecer. (...)

No Vista, o jantar começa num porto de pesca
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: João Oliveira está a trabalhar um menu do mar e da sustentabilidade no restaurante Vista, em Portimão. A base é o peixe e o marisco; os hidratos de carbono, as gorduras e o açúcar têm vindo a desaparecer.
TEXTO: São cinco da tarde e João Oliveira está sentado numa cadeira de plástico no porto de Portimão à espera de um arrastão que era suposto ter chegado duas horas antes. O que é que um chef que conquistou uma estrela Michelin (para o seu restaurante Vista no Bela Vista Hotel & Spa) faz aqui?Um dos menus que João tem no Vista chama-se “Mar e Sustentabilidade” e não é apenas conversa ou trabalho que se limita à cozinha. O chef interessa-se verdadeiramente por peixe e todos os dias tenta aprender mais, seja com o mestre com quem conversamos no porto, numa espécie de sala de estar improvisada ao ar livre com sofá, grelhador e tudo a que temos direito, seja em pescarias quando tem tempo para isso. Não é fácil, confessa. Uma das coisas que quer fazer é acompanhar o arrastão da empresa Testa e Cunhas numa saída para o mar, mas isso implica embarcar a meio da tarde de um dia e só voltar 24 horas depois — isto se tiver sorte, porque, como acontece hoje, o mestre do arrastão pode decidir não voltar e ficar no mar outras 24 horas para poder trazer mais peixe para terra. E isso é complicado para quem tem que gerir um restaurante que, para além dos jantares fine dining, serve ainda pequenos-almoços e almoços mais leves. O que muitas vezes acontece — como hoje, em que estamos há quase duas horas a apanhar a brisa agradável que sopra no porto e a conversar sobre técnicas de pesca com os pescadores — é João combinar com o mestre e vir à lota buscar os peixes que habitualmente são rejeitados por não terem valor comercial ou simplesmente por serem espécies que nunca foram registadas. “A maior parte desse peixe pode dar para consumo”, explica. “Eles trazem-me, eu vejo o que está registado e aquilo que não está passo para o responsável da empresa para ele ver, junto do IPMA e da Docapesca, o que se pode fazer para que o peixe entre no circuito comercial. Quando isso acontece, podemos comprá-lo e cozinhá-lo no hotel. Se não estiver registado, não pode entrar em lota e não podemos usá-lo. ”Nem sempre na cozinha se conseguem milagres, mas a experiência do chef é que há muitas espécies óptimas, que nós, enquanto consumidores, simplesmente não sabemos como valorizar. E quando faz um menu com a palavra sustentabilidade, o que pretende é isso mesmo: evitar o desperdício de peixe, que é apanhado e deitado novamente ao mar, muitas vezes já morto, porque em terra não se vende. Mesmo o que já possa estar registado, muitas vezes tem um valor comercial tão ridiculamente baixo que não compensa o espaço que ocupa no arrastão. “É uma questão de tempo e de paciência”, prossegue João. “Vamos chegar lá. Estar a mandar muito peixe fora é que não faz sentido nenhum. Há espécies, como o taralhão, que há uns tempos ninguém conhecia e que agora já está a 16, 17 euros o quilo. Desde que esta parceria começou, já conseguimos dois registos [de espécies] e a valorização de outras, como o ferro-de-engomar ou as cintas, um peixe comprido e vermelho, que já vão à lota. ”Poucas horas depois, estamos sentados a uma das mesas do Vista, em frente ao mar da praia da Rocha, rodeados por uma decoração inspirada precisamente no mar e a iniciar o menu “Mar e Sustentabilidade”. Foi há um ano e meio que João Oliveira o começou a trabalhar, mas, explica-nos depois, com o passar do tempo ele foi-se tornando mais “radical”. Um exemplo: excepto se houver um pedido expresso do cliente, não é trazido pão nem manteiga para a mesa. A refeição, composta por 12 pratos (sendo muitos deles bastante pequenos, pelo que, no final, o equilíbrio é perfeito), não tem praticamente hidratos de carbono, todos os pratos são cozinhados com pouca gordura (e, de preferência, vegetal) e as sobremesas são mais frescas do que doces. Quanto aos peixes e mariscos, João, para além das experiências que faz com os menos valorizados ou com menor valor comercial, tenta usar os que estão na época certa e no seu pico máximo de qualidade. Podemos interrogar-nos sobre a relação com a sustentabilidade quando vemos, por exemplo, uma entrada de atum, com rábano e alho negro. O chef explica: “Ontem usámos bonito, hoje chega-nos o sarrajão ou merma. Usamos a variedade que existe no mercado, que já foi capturada ou que está a passar pelo Algarve neste momento. Quando usamos o sarrajão, explicamos que é um miniatum que passa pelo Algarve e que tem certas características. Mas não vou atrás do rabilho, do bluefin ou do yellowfin, uso o que está disponível no mercado. ”Trabalha também, noutra das entradas, as algas como a codium e a alface-do-mar, que pede aos pescadores ou ao seu fornecedor habitual, a Nutrifresco. “Faço uma base com creme de algas, em cima leva um gel de alface-do-mar, e um pó de camarinhas que lhe dá um toque a marisco, mais adocicado. ”O equilíbrio de toda a refeição, e em cada um dos momentos, é uma das grandes preocupações de João Oliveira. O menu está organizado num crescendo de intensidade, em que cada prato marca um avanço, mas vai buscar algum dos sabores dominantes do anterior para garantir a continuidade. A seguir ao atum vem a cavala, com ervilhas (que estão já no final da época), vinagre de lavanda e toques asiáticos — por vezes a cavala pode ser substituída por sarda, dependendo de qual está mais gorda. O importante, sublinha João, é que sejam peixes apanhados em águas mais frias, que são os que desenvolvem mais gordura precisamente para aguentar as temperaturas. O prato da sardinha é uma brincadeira com os sabores mais tradicionais, usando o pimento e o tomate verde da salada algarvia para acompanhar uma “sardinha no pão”, diferente no aspecto mas fiel ao sabor, que serve também para despertar a curiosidade dos estrangeiros. Seguimos com os crustáceos do Algarve com um gaspacho verde, a lula dos Açores em sabores asiáticos, com galaga e coco, a pescada (e a luta para convencer os portugueses a comer um peixe que associam à casa da avó ou ao refeitório da escola, brinca João) com abacate, aipo e lingueirão, o mais intenso salmonete, com couve-flor e mexilhão e, para terminar, o peixe-galo com espinafres, fígados e ovas, um prato de peixe que, pela força dos sabores, quase parece de carne. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Depois de uma pré-sobremesa que homenageia a laranja do Algarve, o menu termina com uma sobremesa de maçã verde, aipo e wasabi, que foi acompanhada pelo Riesling Dócil de Dirk Niepoort (e, a propósito da harmonização, é de destacar o excelente trabalho da equipa de sala chefiada por Tiago Pereira). Deixamos um conselho a quem for ao Vista: este é um menu que começa a ser pensado no mar, que fala da costa portuguesa, das suas rochas, das suas areias, da temperatura das suas águas, da forma como os peixes aí vivem e aí são apanhados. Vale a pena prová-lo como se fosse um mergulho. A Fugas esteve alojada a convite do Bela Vista Hotel & SpaQuando foi construída, em 1918, a Vila Nossa Senhora das Dores erguia-se quase solitária sobre os penhascos da praia da Rocha, em Portimão. O proprietário era António Júdice de Magalhães Barros, ligado à indústria conserveira e casado com Maria da Glória Júdice. Foi em Fevereiro de 1918, faz este ano um século, que se festejou a inauguração do palacete, com a presença do então Presidente da República Sidónio Pais. Durante as décadas seguintes, as festas continuariam a marcar a vida do palacete, que, em 1936, alguns anos depois da morte de Maria da Glória e do afastamento de Magalhães Barros, seria transformado no Hotel Bela Vista pelo empresário Henrique Bívar de Vasconcelos (as iniciais são as mesmas). Nos anos 1930, o Algarve começava a mudar. No Guia de Portugal de 1927, a praia da Rocha é descrita da seguinte forma: “Inteiramente desconhecida no país ainda há três dezenas de anos, só muito recentemente o seu clima e as suas belezas naturais lhe asseguraram a celebridade a que tem jus. ” Na altura, segundo o mesmo guia, essa celebridade significava “ter 600 a 700 banhistas por ano, quase todos algarvios e do Baixo Alentejo, umas cem casas de aluguer com ou sem mobília”, sendo que “no Inverno era apenas frequentada por escassos ingleses”. A década de 40, com a II Guerra Mundial, foi marcante para a história do hotel, que se terá transformado em base para alguns dos espiões que aproveitavam a neutralidade de Portugal para aqui trabalhar. Uma figura a que ainda hoje o hotel presta homenagem é o barão finlandês Carl Gustaf Mannerheim, considerado o pai da Finlândia moderna, da qual foi Presidente entre 1944 e 46, e que passou uma temporada em Portimão devido a problemas de saúde. Hoje, o Bela Vista Hotel & Spa, que pertence à cadeia Relais & Chatêaux, mantém no palacete principal (com 11 quartos) e na Casa Azul (sete quartos) o charme e a memória de um século de história (os painéis de azulejos e os tectos em madeira exótica pintados foram totalmente restaurados de acordo com o original) e ganhou uma piscina e um novo edifício, com 20 quartos e um spa com o exclusivo da marca L’Occitane, aberto a clientes externos, tal como o restaurante Vista, com uma estrela Michelin.
REFERÊNCIAS:
Queiroz: "Costa do Marfim é a selecção africana favorita a chegar às meias-finais"
A Costa do Marfim é o primeiro adversário de Portugal no Mundial deste ano, daqui a menos de um mês, e é, nesta altura, a grande preocupação da selecção portuguesa, até porque o seleccionador português partilha da opinião de quem a considera a selecção africana mais forte. (...)

Queiroz: "Costa do Marfim é a selecção africana favorita a chegar às meias-finais"
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 Animais Pontuação: 12 Africanos Pontuação: 12 | Sentimento 0.083
DATA: 2010-05-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Costa do Marfim é o primeiro adversário de Portugal no Mundial deste ano, daqui a menos de um mês, e é, nesta altura, a grande preocupação da selecção portuguesa, até porque o seleccionador português partilha da opinião de quem a considera a selecção africana mais forte.
TEXTO: “A Costa do Marfim é equipa que todos apostam como sendo a equipa africana favorita número um para poder, pela primeira vez, chegar às meias-finais. Não sou eu que o digo. São todos os analistas”, afirmou Carlos Queiroz, hoje em conferência de imprensa. O plano de preparação da selecção, aliás, reflecte de algum modo essa preocupação. Já tendo defrontando o Brasil em Novembro e a China (uma selecção asiática para se adaptar ao futebol norte-coreano) em Março, os adversários nos três jogos particulares até ao Mundial são todos africanos: Cabo Verde (na segunda-feira), Camarões (1 de Junho) e Moçambique (8 de Junho). Queiroz considerou ainda que os principais favoritos à vitória no Mundial são “os dinossauros do futebol mundial”, referindo-se às selecções que já foram campeãs, como Brasil, Itália, Alemanha e Argentina. Mas também defendeu que este será o “Mundial mais competitivo dos últimos três ou quatro”, com muitas selecções à espreita de quebrar o domínio desse lote restrito de vencedores. “Nessa linha, há uma série de candidatos que vão desafiar os tradicionais”, afirmou Queiroz, acrescentando que compete a Portugal passar a primeira fase para “jogar contra os melhores. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave marfim
Varsóvia: da sereia à palmeira, a arte de renascer
O século XX deixou cicatrizes profundas, mas Varsóvia mostrou ser uma fénix. Caminhamos pela história da cidade, do país, até da Europa, e não saímos incólumes – é impossível. Por estes dias, chamam-lhe a “capital da liberdade”; nós aprendemos o que lhe custou o epíteto. (...)

Varsóvia: da sereia à palmeira, a arte de renascer
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: O século XX deixou cicatrizes profundas, mas Varsóvia mostrou ser uma fénix. Caminhamos pela história da cidade, do país, até da Europa, e não saímos incólumes – é impossível. Por estes dias, chamam-lhe a “capital da liberdade”; nós aprendemos o que lhe custou o epíteto.
TEXTO: Há uma lenda na origem de Varsóvia. São várias as versões da história que tem como protagonista uma sereia – de uma maneira ou de outra, é sempre capturada e acaba sempre devolvida à liberdade, ao rio Vístula. Todas terminam com a syrenka, agradecida, a prometer que voltaria sempre para proteger a aldeia. Que, entretanto, se fez cidade, com a sereia, armada de escudo e espada, como seu símbolo. Está no brasão de armas de Varsóvia, representada em vários locais da cidade e até Picasso se deixou envolver na lenda: desenhou a sua versão dela, com um martelo em vez da espada, na parede da casa de uns amigos varsovianos – eles tinham tanta gente a bater-lhes à porta para ver a obra que acabaram por pintar por cima dela, em 1953. A lenda é-nos apresentada na Praça do Mercado da cidade velha, a estátua mais famosa da sereia bem no centro do quadrilátero de pedra escura irregular, fechado por pitorescos edifícios de várias cores. Parece um centro medieval, mas é na verdade o testemunho mais ostensivo da resiliência de Varsóvia: os números podem divergir ligeiramente, avisa o nosso guia, Jakob Wesolowski, ou melhor, Kuba, (“todos os polacos têm um diminutivo”), porém, 85% da cidade terá sido destruída durante a II Guerra Mundial. “No centro histórico nenhuma casa ficou com telhado. ”Ver as fotografias é perturbador, uma planície de tijolos, destroços, e, por um qualquer capricho, alguns edifícios, isolados, de pé, como que sublinhando a desolação. Chegou a pensar-se transferir a capital (não só pela destruição: dos cerca de 1, 3 milhões de habitantes, restavam uns curtos milhares quando as tropas soviéticas chegaram), mas a decisão do governo comunista do pós-guerra foi a reconstrução. O centro histórico foi reproduzido; no resto, venceu o modelo de cidade moderna, feita de avenidas largas e muitos parques – é uma cidade verde, Varsóvia, e não apenas nas margens do Vístula, para onde, no Verão, todos os caminhos parecem conduzir: enche-se de bares pop-up, mercados e, do lado direito, pode beber-se fora de portas (o único espaço sem restrições, num país que proibiu o consumo de álcool nas vias públicas e depois permitiu que cada cidade definisse um espaço livre). A sereia pode proteger Varsóvia, mas fá-lo por caminhos tortuosos. Deles se encarregará a nossa visita de dar nota. E o tom é logo no painel instalado na Praça do Castelo, porta giratória para a cidade velha: “Warszawa – Stolica Wolnósci, 1918-2018”, Varsóvia, Capital da Liberdade (se durante o dia pode passar despercebido, à noite, aceso, é paragem incontornável para fotos) levanta o véu de uma história turbulenta. Da cidade e do país que este ano celebra apenas os 100 anos da independência (na ressaca da I Guerra Mundial), que afinal é o “renascimento” da independência, que afinal não foi bem independência. . . ; que em 2019 assinala os 80 anos do início da ocupação nazi e da II Guerra Mundial. Antes da II Guerra Mundial, 30% da população polaca pertencia a minorias étnicas e religiosas, Varsóvia era o seu espelho amplificado. “Foi isso que perdemos na guerra”, lamenta Kuba, “uma sociedade multiétnica”. Nada é simples na Polónia, onde o século XX se encarregou de deixar cicatrizes bem fundas e que vemos sub-reptício e óbvio, a querer cair no olvido e a ostentar-se. Se começamos pela Praça Pilsudski não é por acaso: o nosso hotel tem vista para ela, a meio caminho entre a cidade velha e o coração da cidade nova, chamemos-lhe assim. É uma vasta esplanada que dá pista para a história recente da Polónia. O túmulo do soldado desconhecido é a única construção: é o monumento mais importante do país e é também o que resta do antigo palácio, destruído pela ira alemã que se seguiu à Insurreição de Varsóvia (1944). Diante deste, o monumento a João Paulo II. “Em cada cidade, vila, aldeia do país há um”, explica Kuba (“há até um grupo no Facebook com os mais feios”), mas este é especial: foi aqui que João Paulo II rezou a missa para meio milhão de pessoas na sua primeira peregrinação à Polónia, em 1979, ainda a Cortina de Ferro estava corrida – um feito que ainda hoje merece referência e que não poucos associam directamente ao esboroar do “muro”. Desses tempos em que o Pacto de Varsóvia vigorava como contraponto da NATO, impõem-se ainda o teatro e ópera nacionais (a arquitectura realista soviética de inspiração neo-clássica ao serviço da arte e da cultura, agora lado a lado com o aço e vidro de Norman Foster ao serviço de escritórios e lojas de luxo), e o “nosso” hotel, Victoria, que foi uma espécie de arauto do regime comunista para uma modernidade que nos anos de 1970 se media pelo lobby e bar com as janelas envidraçadas. “Era uma montra para os estrangeiros”, conta Kuba. E de praticamente qualquer ponto da praça a vista para o quase omnipresente em Varsóvia (e, metaforicamente, na Polónia) Palácio da Cultura e da Ciência, que se ergue como a longa sombra da história – “a prenda de Estaline” (a lenda conta que o líder da URSS propôs algo do género “agora escolha”: um metro ou o edifício), chamam-lhe os polacos, construído nos anos de 1950, é ainda hoje o edifício mais alto da Polónia (42 andares) e talvez o mais polémico. Visto daqui, pouco mais parece que uma torre de relógio a esgueirar-se acima dos telhados. Mas na sua órbita, aos seus pés, vista desimpedida, é um colosso: as fachadas trabalhadas, as colunas, escadarias e estátuas incorporam elementos clássicos e aliam-se na escala superlativa de um admirável mundo novo, da promessa de uma sociedade mais justa e igualitária. Admire-se ou não a sua arquitectura, o certo é que o seu miradouro é irrecusável: oferece a melhor vista de Varsóvia e, dizem ironicamente os varsovianos, é a única maneira de não o ver. Os habitantes de Varsóvia deixam o mirante para os visitantes e preferem usufruir de tudo o que o palácio oferece no seu interior, desde salas de teatro a bares com música alternativa. Algo que até está no ADN do Palácio da Cultura e Ciência – afinal, foi aqui que, em 1967, aconteceu o primeiro concerto de rock por detrás da Cortina de Ferro. Os Rolling Stones foram os protagonistas de um espectáculo descrito à época como um ovni que aterrara em Varsóvia e que deu origem a várias lendas urbanas. A mais persistente conta que o cachet da banda britânica terá sido pago em vodka, um vagão de vodka, do qual nem terão podido usufruir, uma vez que terá sido recambiado na fronteira britânica. Se a rejeição de tudo o que tinha o selo comunista foi a regra nos anos imediatamente após a queda do regime, parece que a sociedade cada vez mais se reconcilia com esse passado. O mais evidente exemplo é a quantidade de tours por Varsóvia que desenterram as relíquias comunistas. Contudo, também existem outros sinais mais ou menos subtis: o próprio Palácio da Cultura e da Ciência já foi incorporado no marketing da cidade: vêmo-lo em muitos souvenirs, desde os vulgares ímanes a meias; a vodka, associada a esses anos e cujo consumo decaiu de forma acentuada, está de regresso; e os bar mlecznys, “bares de leite”, que nos tempos do pós-guerra e de racionamento de carne serviam refeições à base de produtos lácteos (nutritivos e de baixo custo) voltaram, ultrapassada a vaga de chegada de franchises estrangeiras, com o mesmo conceito de comida barata e caseira. Porém, não se pense que Varsóvia actual tem algo a ver com a cidade cinzenta dos racionamentos – essa fase está ultrapassada e o patinho feio é cada vez mais uma cidade cosmopolita. Até à mesa: se os bares de leite reentraram nos hábitos (com menus variados), quando a ordem é para sair à noite os restaurantes internacionais são indispensáveis para as novas gerações (“os pais continuam a preferir convidar amigos para casa”): a cozinha asiática, “tailandesa, vietnamita e japonesa” e a italiana, “sempre”, são as preferidas. É comum ouvirmos em Varsóvia comparações com Cracóvia – “a rivalidade é muito grande porque Cracóvia foi capital muito tempo” – e muitas delas desaguam na “idade”. “Varsóvia é uma cidade muito moderna”, nota Kuba, que não se cansa de sublinhar que o que vemos ou foi reconstruído ou tem no máximo 200 anos. “É o extremo se compararmos com Cracóvia, onde cada lugar tem 400, 500 anos. ” E se na antiga capital “tudo passa pela cidade velha”, em Varsóvia “o centro deslocou-se para a cidade nova”. Os varsovianos não vão à cidade velha. É precisamente pelo “subúrbio de Cracóvia” que caminhamos até ao centro histórico de Varsóvia. A Krakowskie Przedmiescie é uma das mais antigas avenidas de Varsóvia (século XV) e fazia parte do antigo “Caminho Real”. Podemos percorrê-la em vários modos, destacando, por exemplo, os edifícios “sobreviventes”, como o Palácio Presidencial, que albergou a Deutsche Haus (casino e restaurante da Wermacht), o palácio onde Napoleão conheceu Maria Walewska (agora o Ministério da Cultura), a Igreja de Santa Ana, também conhecida com a “igreja dos estudantes” (ao domingo há uma missa específica para eles) e uma das preferidas para casamentos. É uma das muitas igrejas, algumas com mosteiros ainda em funcionamento, “pequenas aldeias”, que se alinham regularmente nesta rua onde só passam transportes públicos (no Verão, nem estes circulam), em namoro com restaurantes, cafés e lojas várias, sobretudo de souvenirs. E muitas estátuas: numa celebra-se o poeta nacional, Adam Mickiewicz, cuja obra-prima é Senhor Tadeu – “Temos de saber de cor, odiamos”, brinca Kuba. É o poeta nacional da Polónia, mas também da Lituânia e da Bielorrússia, esclarece (do tempo em que a Polónia foi parte, a mais forte, da República das Duas Nações com a Lituânia – o que, pelas fronteiras actuais, incluía os territórios da Biolerrússia e Letónia, e partes significativas da Estónia e Ucrânia). Na verdade, escreveu Lituânia, a minha pátria. . . – “mas em polaco”, sublinha Kuba. Caminhamos por réplicas de quadros de Canaletto (os originais veremos no castelo): fazem uma espécie de crónica visual do final do século XVIII nesta zona da cidade – são tão detalhados que foram usados para a reconstrução desta zona da cidade. E pelos bancos de Chopin: o compositor e pianista é um dos filhos dilectos de Varsóvia que não se cansa de evocá-lo. Nos “seus” bancos, ouvem-se trechos da sua obra, há o seu museu, uma universidade com o seu nome, locais emblemáticos da sua (curta) vida, alguns dos quais nesta órbita. O mais emblemático será a Igreja de Santa Cruz, onde foi baptizado e descansou o coração: Chopin morreu em Paris e se o seu corpo não pôde regressar a Varsóvia, como era sua vontade, veio o coração, numa jornada feita de peripécias várias. Quem quiser conhecer mais Chopin, o Chopin Point é um dos vários locais que na capital oferece concertos. É pequeno, mas Chopin até preferia assim. “Gosto de pensar que ele desfrutaria deste local”, afirma a proprietária, Basia Kotarba. No espaço, que quer mostrar o homem além da música, serve-se (e vende-se) café ao gosto do compositor (“Ele bebia muito café quando vivia aqui. Brincamos dizendo que, depois, em Paris, passou a beber vinho e morreu rápido”), e usam-se algumas das suas obsessões (como o chocolate belga) e preferências (as violetas, por exemplo) para “cozinhar” um menu particularmente guloso (veja-se o chantilly, brownie, leite de coco, violeta e mel que se juntam numa taça). Na mini-soirée a que assistimos, a música vai soando, ora leve, despreocupada, ora carregada, quase fúnebre. “Desperta em mim emoções fortes e dá-me um certo sentido de identidade, porque compôs muitas peças folk, temas polacos tradicionais”, descreve o pianista de 23 anos. Se Chopin gostava muito de café, não é segredo para ninguém o longo romance dos polacos com a vodka – wodka, ou “aguinha”, sinal da propensão dos polacos para os diminutivos. Não são poucos os que reivindicam a Polónia como o berço da bebida destilada e em 2018 Varsóvia abriu o que se afirma ser o primeiro museu da vodka do mundo – e uma das grandes novas atracções da capital. O local é uma antiga destilaria do século XIX, que teve de ser estabelecida para responder a um súbito aumento da procura: o consumo do exército russo estacionado em Varsóvia superava a capacidade de produção das fábricas da cidade e arredores. O museu está integrado num dos mais visíveis esforços de recuperação do antigo património industrial da cidade. A antiga Fábrica Koneser, enorme complexo de tijolos vermelhos característicos de Varsóvia, alberga agora escritórios, bares, restaurantes, lojas e, em breve, chegará um hotel; não muito longe, a Soho Factory foi a pioneira, com o Museu do Néon a servir como bandeira. São exemplos da gentrificação do bairro de Praga, durante séculos uma cidade distinta que mirava Varsóvia do lado direito do rio Vístula. Foi uma das zonas da capital mais poupadas pela destruição da II Guerra Mundial e agora está na moda, com a segunda linha do metro a chegar, as casas a serem renovadas e a serem vendidas por preços altos. Os habitantes de sempre convivem com os recém-chegados, endinheirados, cafés, bares, galerias de arte, lojas conceptuais e centros comerciais surgem por entre o comércio tradicional (e algumas das poucas barbearias resistentes na cidade); os edifícios pré-guerra, tantos em tijolo, muitos em estado de conservação duvidoso, estão lado a lado com os de betão, que também já ganhou o ar acastanhado das coisas gastas. Na Rua Mala, filmou-se o gueto de Varsóvia para o filme O Pianista, as casas sobreviventes, nunca restauradas, parecem apropriadas. “Daqui a três, quatro anos, tudo vai mudar, creio”, reflecte Kuba. “Vão chegar as lojas vintage, os bares, os cafés. ”Porém, ainda se mantêm vivas as tradições e o folclore local, neste bairro-cidade que durante muito tempo foi um dos enclaves preferidos pelos judeus, impedidos de viver dentro das principais cidades. No final do século XVIII uniu-se oficialmente a Varsóvia, contudo os habitantes ainda hoje se sentem “diferentes”: “Quando atravessam o rio continuam a dizer que vão a Varsóvia”, exemplifica Kuba. De regresso a “Varsóvia”, então, seguimos finalmente pela “cidade velha”, Stare Miasto, o terreno fértil para turistas, que ostenta orgulhosamente uma placa no chão com o reconhecimento da UNESCO como Património da Humanidade, exemplo notável de reconstrução, a primeira numa escala tão grande. A Praça do Castelo, o início da Krakowskie Przedmiescie, é a nossa porta, é a porta oficial, aliás, com o rei Sigismundo III no alto da sua coluna. Por aqui, a concentração de músicos de rua é maior e o tijolo vermelho tão característico de Varsóvia ao longo dos séculos anda à solta: mostra-se nos troços muralhas, exibe-se no castelo, que foi obliterado pelos alemães durante a II Guerra Mundial. “Os alemães fizeram questão, foi um símbolo da destruição da independência”, avalia Kuba, descrevendo a meticulosa colocação de bombas de 70 em 70 centímetros. A reconstrução não se deu na ressaca da guerra, ao contrário do que aconteceu em redor, mas apenas na década de 1980, com donativos populares. “O governo comunista quis deixar em ruínas como símbolo da velha ordem”, explica. Agora, guarda alguns tesouros artísticos (e não só) e, mais importante na psique nacional, porventura, volta a simbolizar um país independente. Entramos em território “medieval”, ruelas e pedras, umas e outras desalinhadas. A verdadeira máquina do tempo varsoviana é uma sucessão de edifícios em arco-íris indisciplinado, com gárgulas que nos vigiam os passos, os rés-do-chão não raras vezes ocupadas por comércio – cafés e sítios de waffles e crepes, bares rústicos onde a cerveja também pode ser servida quente (a par do vinho), lojas pequenas (com abundância de souvenirs, mas não só) e algumas joalharias (âmbar a brilhar nas montras, não fosse a Polónia um dos maiores produtores mundiais), decoração invariavelmente acolhedora com um toque retro, até chegarmos à Praça do Mercado ocupada por esplanadas dos muitos restaurantes que aqui competem pelos melhores pieroggi ou sopas zurek. A Catedral de Varsóvia, ou Catedral de São João Baptista, sobressai pela dissonância – não foi reconstruída no estilo original – e preserva a memória da sua destruição com as lagartas do tanque carregado com explosivos que foi lançado contra ela incrustadas numa parede exterior. Da cidade velha à cidade nova é um passo curto entre a cidade reconstruída e a cidade renascida. Na cidade renascida – os varsovianos diriam duas vezes: da II Guerra Mundial e do período comunista – constrói-se o que será o prédio mais alto da União Europeia e o arquitecto Daniel Liebskind desenhou o edifício com os apartamentos mais caros da Polónia. As lojas de marcas polacas destacam-se orgulhosamente, como a Empik, “tipo Fnac”, a Reserved, “chamam-lhe a H&M polaca”, e pelo meio apontam-se as antigas lojas comunistas – as marcas de luxo, como a Gucci, a Louis Vuitton, YSL, estão no Vitkac, que os varsovianos chamam “caixão”, pela cor negra (espelhada). Entre prédios com cicatrizes que parecem saídos da era industrial, passamos por edifícios barrocos e neo-clássicos, polidos, e na órbita da Praça das Três Cruzes se a neoclássica igreja de São Alexandre atrai imediatamente a vista, é a história que já não se vê que prende a atenção. A ironia: onde hoje vemos um concessionário da Ferrari e o Centro para a Banca e a Finança foi o quartel-general do Partido Comunista polaco - a “heresia” prossegue com mais lojas de luxo e bares de cocktails. Este é um mundo novo em Varsóvia, não só porque estamos na Rua Nowy Swiat (literalmente Novo Mundo), uma das preferidas dos locais para ver e ser visto: por entre um homogéneo conjunto neo-clássico (a rua foi totalmente arrasada durante a II Guerra Mundial), lojas, bares, restaurantes e a antiga casa do escritor Joseph Conrad. Na intersecção com a avenida Jerozolimskie, na rotunda que tem o nome do general De Gaulle (que, enquanto jovem, terá sido um frequentador de um café aqui na zona – donuts eram a sua escolha), uma visão inesperada: uma palmeira. Não é verdadeira, é uma declaração artística. A “palmeira” era para ter sido uma instalação breve a representar a invisibilidade do nome da avenida Jerozolimskie, Jerusalém, e do vazio da comunidade judaica em Varsóvia, mas desde 2002 que permanece no local. Depois de se estranhar, entranhou-se nos varsovianos e é comum usarem-na como ponto de encontro. É agora também um símbolo da cidade, ainda que não oficial. Da sereia à palmeira, vemos um pouco do que Varsóvia andou para aqui chegar. Se Praga é um dos guetos de Varsóvia cinematográficos, do verdadeiro já nada resta excepto uns poucos vestígios quase engolidos pela nova cidade - é como se fosse uma não-cidade dentro da cidade. No início da II Guerra Mundial, Varsóvia era a segunda cidade do mundo (só atrás de Nova Iorque) com maior população judia, 42%, quase 400 mil habitantes. Uma parte considerável da classe média e baixa, falantes de ídiche, concentravam-se na chamada zona norte de Varsóvia, onde em Novembro de 1940 os alemães estabeleceram o gueto, o maior da Europa: 3 km2 para 400 mil pessoas. No primeiro ano, 90 mil morreram de fome e de doença; a partir de 1942 começaram a ser enviados para o campo de extermínio de Treblinka, o mais próximo de Varsóvia. Os que ficavam, trabalhavam nas fábricas para os alemães – em 1943 aconteceu a primeira insurreição do gueto. “Sabiam que não tinham hipóteses de ganhar, mas queriam mostrar a resistência. Durou três semanas. ”Sete décadas passadas, em 2013, abriu o Museu da História dos Judeus Polacos (POLIN), a acompanhar o recrudescimento do interesse pelo passado judeu da Polónia e a mostrar a vontade das autoridades de atrair mais visitantes que se interessam pela história dos judeus e da II Guerra Mundial. O museu ergue-se num pequeno parque em pleno bairro residencial, no coração do antigo gueto, que se dissipou numa geografia que agora parece imaginária ou de uma realidade paralela. Sem guia, é difícil chegar aos vestígios que permanecem (e nós já havíamos passado pela experiência), dadas as poucas indicações nas ruas. Há alguns monumentos e memoriais – por exemplo, na antiga Umschlagplatz, onde os judeus eram metidos em comboios para Treblinka (quatro paredes de granito numa esquina – as flores no monumento são comuns, sobretudo no período entre Setembro e Outubro, quando muitos estudantes israelitas, finalistas do ensino secundário, cumprem a tradição de vir à Polónia) –, permanece uma sinagoga, Nozyków (há mais duas sinagogas e um cemitério judeu fora do “gueto”). Contudo, para chegar ao único troço original que resta, temos de entrar em pátios (a partir da Rua Zlota, 62) típicos da arquitectura de Varsóvia pré-II Guerra Mundial, em torno dos quais os prédios se erguiam, para encontrar o resto do muro de 3, 5 metros de altura. É um retalho nas entranhas de um quarteirão: alguns tijolos foram retirados, enviados para museus (como o de Houston e o Yad Yashem, lê-se em placas) e o espaço vazio está preenchido com algumas pedras na tradição judaica dos cemitérios: no dia em que visitamos, uma solitária rosa vermelha sobressai. Na Varsóvia pré-II Guerra Mundial, viviam 350 mil judeus; quando a guerra terminou restavam 18. 000, hoje serão dois mil. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Museu da História dos Judeus Polacos (POLIN)São mil anos de história dos judeus na Polónia que se contam no edifício simples, coberto de vidro – só a entrada se destaca, aponta Kuba, só com curvas. Sem linhas rectas e sem explicações: “Há quem diga que parece o Mar Vermelho a abrir-se para a fugas dos judeus do Egipto, outros afirmam representar a paisagem de Israel, e há os que defendem que é o passado e o futuro dos judeus, tendo no centro o buraco negro do Holocausto. " O Holocausto ocupa um espaço considerável (vejam-se as fotos da “normalidade” apregoada pelo Reich em contraponto com páginas de diários de habitantes do gueto), mas até lá acompanhamos a evolução dos judeus na sociedade polaca onde, não estando totalmente a salvo do anti-semitismo, conquistaram mais liberdades sociais e religiosas do que em qualquer outra parte da Europa. No olho fica a réplica da sinagoga de Gwozdziec, destruída. Museu da Insurreição de VarsóviaO acontecimento ainda hoje é reverenciado no país: a cada dia 1 de Agosto, às 17h, tudo e todos param, as sirenes tocam, para assinalar o feito de 1944, que é recordado em vários monumentos na cidade. Foi o início da revolta que teria como objectivo distrair os alemães e ajudar o exército soviético, que já estava próximo de Varsóvia. O que deveria ter durado poucos dias acabou numa maratona de 63 dias e a capitulação – a “vingança” alemã foi feita de ira e fogo, com a destruição de Varsóvia por esquadrões de demolições. No museu interactivo ouvimos e vemos esses dias de terrível esperança – logo à entrada, uma enorme coluna de ferro, uma espécie de obelisco, é uma janela directa para os primeiros dias: nos buracos de balas, escutamos os ruídos da cidade da altura, bombas a cair, sirenes de alarme, e orações. Museu da VodkaRecém-aberto, o museu ocupa cinco salas de exposição, que se percorrem depois de vermos um filme sobre a evolução do produto. Da matéria-prima, passando por antiga maquinaria e os desafios da entrada na UE, destaque para o repositório de garrafas de várias décadas que são um paradigma da evolução da estética e para a última sala onde aprendemos as tradições de brindes no país. Pelo meio percebemos que a vodka foi um estilo de vida ao longo de vários séculos na Polónia, os nobres bebiam-na diariamente – “comer é coisa de camponeses, beber é coisa de nobres” – e durante a dinastia saxónica tornou-se um acto oficial. No final, há uma prova de vodka. Castelo de VarsóviaDatado do século XIV, o castelo foi residência real, da presidência e sede do Parlamento. Reconstruído e reaberto em 1984, nele podem visitar-se os aposentos privados dos monarcas e alguns espaços sociais. Muito do acervo não é original – com notáveis excepções, como as obras que Canaletto pintou, entre 1767 e 1780, das ruas de Varsóvia por encomenda real –, é uma reconstituição com mobiliário de época, muito dele vindo da URSS. Na Galeria de Pintura, Escultura e Artes Decorativas, destacam-se duas obras de Rembrandt. Como irA TAP realiza voos directos entre Lisboa e o aeroporto de Varsóvia, Fredéric Chopin. A Ryanair voa directamente para o aeroporto de Mazóvia-Varsóvia, Modlin, a partir de Lisboa e Porto. Onde dormirHotel Sofitel Victoria Królewska 11, SiteOnde comerU Barssa Rynek Starego Miasta, 14 SiteStara Szafa Ulica Ludna 10 SiteZapiecek Ulica Nowy Swiat 64 SiteA Fugas viajou a convite do Turismo da Polónia
REFERÊNCIAS: