Índia prepara-se para lançar a sua primeira missão à Lua
A Índia deverá lançar esta quarta-feira a sua primeira missão, não tripulada, à Lua. Esta iniciativa pretende demonstrar que o país pode ser uma potência espacial asiática, concorrente da China e Japão. O lançamento da sonda lunar indiana Chandrayaan-1, a bordo do foguetão PSLV (Polar Satellite Launch Vehicle), está programado para as 06h20 (01h50 em Lisboa) do centro espacial Satish Dhawan, em Sriharikota, uma península na fronteira entre os estados meridionais de Tamil Nadu e Andhra Pradesh, cem quilómetros a Norte de Madras. “Tudo se está a desenrolar como o previsto”, garantiu M. Y. S. Prasad, director do cen... (etc.)

Índia prepara-se para lançar a sua primeira missão à Lua
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.25
DATA: 2008-10-21 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20081021130903/http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1346754
TEXTO: A Índia deverá lançar esta quarta-feira a sua primeira missão, não tripulada, à Lua. Esta iniciativa pretende demonstrar que o país pode ser uma potência espacial asiática, concorrente da China e Japão. O lançamento da sonda lunar indiana Chandrayaan-1, a bordo do foguetão PSLV (Polar Satellite Launch Vehicle), está programado para as 06h20 (01h50 em Lisboa) do centro espacial Satish Dhawan, em Sriharikota, uma península na fronteira entre os estados meridionais de Tamil Nadu e Andhra Pradesh, cem quilómetros a Norte de Madras. “Tudo se está a desenrolar como o previsto”, garantiu M. Y. S. Prasad, director do centro espacial. A missão terá três etapas: a descolagem do foguetão, a colocação em órbita da sonda lunar a 385 mil quilómetros da Terra e uma série de experiências e observações em redor da Lua durante dois anos, nomeadamente a presença de água, minerais e substâncias químicas. Este programa, com um orçamento de 80 milhões de dólares (59 milhões de euros), será seguido por um outro em 2012, talvez mesmo a partir de 2010, anunciaram a Organização indiana de Investigação Espacial (ISRO) e o ministro da Ciência Kapil Sibal. Nova Deli quer realizar 60 missões espaciais até 2013 e tentar enviar um ser humano para o espaço. Se Chandrayaan-1 for um sucesso, “a próxima etapa será enviar uma missão tripulada à Lua, para a qual já começaram os ensaios”, declarou G. K. Menon, antigo director do ISRO. As grandes potências asiáticas – Japão, China e Índia – estão empenhadas numa corrida à conquista da Lua, onde querem fazer uma plataforma de exploração do espaço e do planeta Marte. A Índia ambiciona fazer parte do clube restrito de países capazes de lançar satélites para fins comerciais. Os Estados Unidos, Rússia, China, Ucrânia e Agência Espacial Europeia partilham esse mercado. Em Abril, a indústria espacial indiana conseguiu colocar em órbita, ao mesmo tempo e com apenas um lançador, dez satélites, oito dos quais estrangeiros. O programa espacial indiano arrancou em 1963 mas, até há pouco tempo, limitava-se ao lançamento dos seus próprios satélites. O primeiro remonta a 1980.
REFERÊNCIAS:
Tempo Abril
Quadro de Magritte roubado em pleno dia
Dois homens de tipo "asiático" roubaram ontem de manhã e em dois minutos um quadro do famoso pintor surrealista belga René Magritte, com um valor estimado entre 750 mil e três milhões de euros. O quadro, intitulado Olympia, de 1948 e representando uma mulher nua reclinada com uma concha em cima da barriga, estava exposto num pequeno museu instalado na casa de Bruxelas em que o pintor viveu mais tempo - entre 1930 e 1954 - e onde pintou grande parte das suas obras. Este museu, independente - e concorrente - do grande museu Magritte inaugurado igualmente em Bruxelas em Junho deste ano, tem a particularidade de só a... (etc.)

Quadro de Magritte roubado em pleno dia
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.062
DATA: 2009-09-26 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20090926091624/http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1402359
TEXTO: Dois homens de tipo "asiático" roubaram ontem de manhã e em dois minutos um quadro do famoso pintor surrealista belga René Magritte, com um valor estimado entre 750 mil e três milhões de euros. O quadro, intitulado Olympia, de 1948 e representando uma mulher nua reclinada com uma concha em cima da barriga, estava exposto num pequeno museu instalado na casa de Bruxelas em que o pintor viveu mais tempo - entre 1930 e 1954 - e onde pintou grande parte das suas obras. Este museu, independente - e concorrente - do grande museu Magritte inaugurado igualmente em Bruxelas em Junho deste ano, tem a particularidade de só aceitar visitas por reserva prévia e com hora marcada. De acordo com os relatos das testemunhas e da polícia, os dois ladrões "de tipo asiático", falando um francês e o outro inglês, apresentaram-se ontem de manhã no museu logo após a abertura, às 10 horas locais. Não tendo hora marcada, pediram para visitar o museu ao mesmo tempo que os dois turistas japoneses presentes. Mal entraram, um deles sacou da pistola e obrigou os turistas e os três empregados presentes a deitar-se no chão do jardim da casa, enquanto o outro galgava a parede de vidro de um metro e meio que separa o público do quadro para o apanhar. Segundo a polícia, os dois ladrões, que operaram de "cara destapada", fugiram de carro sem ter disparado qualquer tiro. Nenhum dos presentes foi ferido, mas todos reconheceram estar em estado de choque. René Magritte, que viveu entre 1898 e 1967, é um dos pintores mais relevantes do movimento surrealista. A sua obra é conhecida sobretudo pelas telas que reproduzem o céu de Bruxelas sobre vários motivos - incluindo uma pomba de asas abertas -, homens de fato escuro suspensos no ar, o homem de maçã verde na cara ou o cachimbo sob o título "isto não é um cachimbo". Para o Olympia, o quadro mais valioso do pequeno museu e cujo modelo foi a sua mulher, Georgette Magritte, o pintor inspirou-se numa tela de Edouard Manet, lembra a agência France Presse.
REFERÊNCIAS:
O que talvez não saiba dos 28 desportos olímpicos
Os Jogos Olímpicos vão distribuir medalhas em 41 modalidades, bem mais do que os desportos que serão praticados no Rio 2016. Aqui pode ficar a conhecer algumas curiosidades que talvez desconhecesse sobre os 28 desportos olímpicos. (...)

O que talvez não saiba dos 28 desportos olímpicos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os Jogos Olímpicos vão distribuir medalhas em 41 modalidades, bem mais do que os desportos que serão praticados no Rio 2016. Aqui pode ficar a conhecer algumas curiosidades que talvez desconhecesse sobre os 28 desportos olímpicos.
TEXTO: O andebol surgiu nas Olimpíadas em 1936, em Berlim, ainda no formato 11 contra 11, num campo relvado. Após um longo período de ausência, regressou novamente na Alemanha, nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. Este regresso trouxe o actual formato de 7 contra 7, em recinto fechado. Neste desporto, os jogadores canhotos preferem jogar do lado direito e os destros do lado esquerdo. Desta forma, a mão dominante fica com melhor ângulo relativamente à baliza, facilitando o remate e a marcação de golos. No andebol, nenhum jogador pode entrar na área de baliza, onde só está o guarda-redes, de forma a obter alguma vantagem. Se o fizer, será atribuída posse de bola à equipa adversária, com possibilidade de punição técnica. Nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, Usain Bolt tornou-se o primeiro atleta detentor dos recordes do mundo dos 100, 200 e 4x100 metros. A sua alcunha é “Lightning Bolt” e é um dos atletas mais mediáticos do desporto mundial. Bolt tornou-se o primeiro atleta, na história do atletismo, a vencer seis medalhas de ouro em provas de velocidade, tornando-se bicampeão nas três provas que venceu. No Rio, em 2016, o jamaicano pode conquistar o ouro pela terceira vez consecutiva, nas mesmas três provas. Em 2010, foram proibidas as falsas partidas nas corridas de velocidade. Assim, um atleta que saia antes do tiro de partida é desqualificado e a partida é repetida. Nos Jogos Olímpicos da antiguidade, havia uma prova que consistia em correr de um lado ao outro do estádio. A prova chamava-se, precisamente, "estádio". No salto em comprimento, um atleta não pode pisar a tábua de impulsão. O bordo da tábua é feito de plasticina – material moldável e sensível ao “pisão” –, para que a marca deixada pelo atleta seja visível e, dessa forma, o salto seja considerado nulo. Um volante de badminton pesa cerca de cinco gramas e, geralmente, é feito de penas de ganso. Este desporto chegou à Europa no século XIX, trazido por militares britânicos que viram este jogo (mas sem rede a dividir o campo) na Índia. O nome tem origem na propriedade dos Duques de Beaufort, em Badminton House, local onde começou a ser praticado. O badminton é o desporto de raquete mais rápido do mundo e os volantes podem atingir os 400km/h. Apesar de mais de 50 países já terem participado no torneio olímpico de badminton, apenas China, Coreia do Sul, Indonésia, Dinamarca, Malásia, Grã-Bretanha, Japão, Países Baixos, Índia e Rússia venceram medalhas. O badminton estreou-se nas Olimpíadas apenas em 1992, em Barcelona, sendo que apenas em Atlanta 96 foram introduzidos os pares mistos e a disputas por medalhas de bronze. Uma das equipas desportivas mais icónicas da história do desporto mundial – a “Dream Team” – é a equipa dos Estados Unidos da América que se sagrou campeã olímpica de basquetebol, em 1992. Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird, Scottie Pippen, Karl Malone, David Robinson ou Charles Barkley fizeram parte dessa equipa. O chinês Yao Ming, com 2, 29m, é o atleta mais alto que já participou nos Jogos Olímpicos. Em cada posse de bola, as equipas têm 24 segundos para lançar ao cesto. É considerado lançamento quando a bola entra no cesto ou toca no aro. Ao contrário do futebol, do andebol e dos desportos colectivos mais mediáticos, no basquetebol, quanto maior for a distância ao cesto, mais pontos a equipa marca. Podem ser contabilizados lançamentos a valer 1, 2 ou 3 pontos. A história do boxe remonta aos Jogos Olímpicos da Grécia antiga. O boxe moderno, com regras mais próximas das actuais, surgiu no século XIX. Os Jogos de Londres, em 2012, ficaram marcados como os primeiros em que a categoria feminina foi introduzida nesta modalidade. Os Estados Unidos da América são o país com mais medalhas olímpicas nesta modalidade. Muhammad Ali, falecido em Junho de 2016, é a principal figura deste desporto e chegou a ser campeão olímpico – ainda sob o nome Cassius Clay –, em Roma, no ano de 1960. E no voo para Itália, Ali, com medo de andar de avião, levou consigo um paraquedas. Não se sabe se o trouxe de volta, mas sabe-se que trouxe uma medalha de ouro. As provas de canoagem de velocidade estrearam-se nos Jogos Olímpicos em Berlim, no ano de 1936. Entre Moscovo 1980 e Atenas 2004, a alemã Birgit Fischer conquistou 12 medalhas nesta modalidade (oito de ouro). Os países europeus são, tradicionalmente, os mais fortes nesta modalidade. Dos dez países mais medalhados na canoagem, sete são europeus. Esta modalidade tem duas vertentes: uma “radical” e uma de velocidade. Na primeira – o slalom –, os canoístas descem um rio, tendo de ultrapassar correntes e ondas, enquanto contornam as portas que delimitam o percurso. É uma das provas mais exigentes a nível físico. Já a prova de velocidade é disputada em águas calmas, apelando a técnica, velocidade e coordenação nos movimentos de remo. Peter Sagan é uma das grandes figuras do pelotão internacional de ciclismo de estrada. Apesar disso, nestes Jogos, o eslovaco vai participar na competição de BTT (montanha), modalidade na qual começou o seu percurso como ciclista. Uma curiosidade em torno desta modalidade remete para as diferenças para a prova de estrada. O circuito de montanha não pode ter mais do que 15% de terreno plano e as bicicletas são bastante diferentes das de estrada: são mais resistentes, têm mais e melhores amortecedores e têm pneus mais largos. Tudo para conseguir amortecer o impacto dos saltos e dos terrenos irregulares e montanhosos. A prova de ciclismo de pista esteve presente em todas as edições dos Jogos Olímpicos, com excepção das Olimpíadas de Estocolmo, em 1912. Uma característica das bicicletas de pista é a ausência de travões. Os ciclistas apenas desaceleram – deixando de pedalar –, não travam. A esgrima é um dos cinco desportos presentes em todas as edições dos Jogos Olímpicos da Era Moderna (desde 1986, em Atenas). Os outros são ciclismo, atletismo, natação e ginástica. Este desporto foi um dos praticados pelo barão Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. O equipamento que os atletas utilizam (máscara, calças compridas, casaco e luva) é à prova de perfuração, para não haver riscos na utilização das espadas. A competição de futebol, ao contrário das outras modalidades, não se disputará apenas no Rio de Janeiro, a cidade anfitriã destes Jogos Olímpicos. Belo Horizonte, Salvador, São Paulo e a capital Brasília também receberão o futebol olímpico. A competição de futebol dos Jogos não está incluída no calendário oficial da FIFA, o que dá aos clubes a possibilidade de recusar “emprestar” os jogadores às selecções presentes nas Olimpíadas. Este facto tem gerado alguma polémica, com alguns treinadores de selecções olímpicas a mostrarem o seu desagrado. Uma das grandes figuras dos Jogos Olímpicos da Era Moderna é Nadia Comaneci. Em 1976, nos Jogos de Montreal, a ginasta romena recebeu a primeira nota 10 da história, recebendo dos jurados um “perfect 10”, que, de início, foi apenas um medíocre “1, 00”, deixando o público de respiração cortada. O placard electrónico só estava preparado para colocar três algarismos, mas Nadia Comaneci, aos 14 anos, acabava de receber um 10, 00. Na ginástica rítmica, os exercícios ocorrem no solo e com música, quase como um musical. No Rio, esta disciplina terá quatro adereços: bola, arco, fita e maças. Os países europeus são os que têm maior tradição nesta modalidade – prova disso são as ginastas russas que, desde 2000, são as únicas a subir ao lugar mais alto do pódio. No entanto, o primeiro ouro olímpico foi para o Canadá, em Los Angeles 1984. O trampolim é a mais recente das disciplinas de ginástica no programa olímpico. Estreou-se apenas em Sidney 2000. Há 112 anos que o golfe não faz parte dos Jogos Olímpicos. Os 18 buracos que estarão na competição do Rio 2016 foram desenhados pelo arquitecto americano Gil Hanse. E a influência dos Estados Unidos não fica por aqui. Das 12 medalhas de ouro já entregues aos atletas, nove foram ganhas por atletas em representação dos Estados Unidos. Na última vez em que esta modalidade esteve nos Jogos, em St. Louis, 74 dos 77 golfistas eram americanos. Em 2008, nos Jogos de Pequim, uma atleta da Tailândia apresentou-se a grande nível. Venceu o ouro na categoria -53kg, mas, quem estava no pavilhão, não pôde ler o seu nome. O nome da tailandesa Prapawadee Jaroenrattanatarakoon não coube no placard electrónico. Diga-se, ainda, que este nome nem é o nome de nascimento da atleta. A mudança foi-lhe sugerida por uma cartomante, em 2007, que lhe garantiu que, se mudasse de nome, teria mais hipóteses de conseguir o ouro olímpico. Acerca da força destes atletas, fica um dado curioso: no conjunto das duas fases da competição – arranque (levantar a barra) e arremesso (quando a barra é erguida) –, os atletas suportam até três vezes o peso do seu corpo. Considerando que a categoria para atletas mais pesados é para acima de 105kg, é só fazer as contas. . . Nesta modalidade, cavaleiro e cavalo devem manter harmonia e sintonia permanentes. Nos Jogos, esta modalidade terá três disciplinas: ensino, saltos e concurso completo. Na prova de ensino, o objectivo é que o cavalo e o cavaleiro atinjam a perfeita harmonia, executando um percurso com movimentos como caminhada, trote ou galope. Na competição de saltos, ambos devem superar obstáculos como lagos, muros ou barras. Se, noutras modalidades, a beleza e elegância dos movimentos são aspectos essenciais, na disciplina de saltos, não é avaliada a forma como o cavalo salta. Interessa apenas que o cavalo conclua o salto, sem derrubar o obstáculo. Os Estados Unidos e o Canadá são os únicos países não-europeus com medalhas no ensino. Como as competições são desgastantes, os cavalos recebem massagens, sessões de fisioterapia e acupunctura entre as provas. O hóquei em campo é o único desporto colectivo que já viu países de todos os continentes conquistarem medalhas. A selecção masculina da Índia dominou as Olimpíadas entre 1928 e 1956, ao passo que, em 1980, em Moscovo, a equipa feminina do Zimbabwe conquistou o ouro. Este desporto é uma mistura de futebol com hóquei em patins. A base é semelhante a este último, mas joga-se num campo relvado, com balizas nas extremidades e jogam 11 contra 11, tal como no futebol. O Judo - que em japonês significa “o caminho para a elasticidade” – é um desporto que foi criado por volta da década de 1880 pelo japonês Jigoro Kano, que misturou diversas artes marciais – em particular do ju-jitsu – eliminando os ataques mais perigosos e desenhando regras em seu redor. A sua primeira escola, ou “dojo”, abriu em 1882. A primeira participação nas Olimpíadas de 1964 em Tóquio para os homens, e apenas em 1992 em Barcelona para as mulheres, sendo criadas sete categorias de peso distintas nas quais os atletas podem competir. O holandês Anton Geesink provou que um judoca habilidoso é capaz de vencer um oponente de qualquer tamanho, ao vencer o então três vezes campeão nipónico Kaminaga Akio em Tóquio 1964. Em 2012, Wojdan Shaherkani tornou-se, aos 16 anos, a primeira mulher da Arábia Saudita a representar o seu país nos Jogos, tendo competido de véu. Numa primeira fase, todos os judocas tinham de competir de branco, de forma a manter a tradição. Contudo, com vista a facilitar a distinção entre os atletas, o azul foi introduzido. Japão e França são os países com maior número de medalhas olímpicas na modalidade, sendo a nipónica Kaori Matsumoto e o gaulês Teddy Riner, os actuais campeões. Com a excepção das provas do atletismo, as lutas são consideradas as modalidades mais antigas do mundo do desporto. Na Era Moderna, as lutas apenas não estiveram presentes em 1900. Na edição de 1904 em Saint-Louis nos EUA, a modalidade livre apenas contou com disputas entre atletas norte-americanos. As mulheres entrariam nos combates precisamente um século depois, em Atenas, sendo que a ucraniana Irini Merleni tornou-se a primeira campeã. Para que tal sucedesse, em 2000 o programa teve de ser alterado das dez categorias de peso para oito. Japão e China possuem nove das 12 medalhas de ouro disputadas pelas mulheres desde a sua génese na capital grega. Até à data, Kristjan Palusalu é o único a ter conquistado a medalha de ouro tanto no estilo livre como na luta greco-romana. Em Estocolmo 1912 o embate entre o russo Martin Klein e o finlandês Alfred Asikainen durou 11 horas. Klein venceu, mas o cansaço foi tal que desistiu do combate decisivo na final. Um desporto que remonta aos tempos da Idade da Pedra, foi introduzido como competição no início do século XIX, quando a Sociedade de Natação Nacional da Grã-Bretanha começou a juntar atletas. Com base no movimento executado nos nativos sul-americanos, o “crawl”, ou estilo livre, foi adoptado como prova em conjunto com o estilo “bruços”. As competições de costas foram adicionadas em 1904. Em 1908 a competição praticava-se já em piscinas olímpicas, dado que a edição de Paris oito anos antes decorreu no rio Sena. Em meados da década de 1940, os nadadores perceberam que seriam mais rápidos se levantassem os braços sobre a cabeça, uma prática que foi abolida no estilo, mas que permitiu a criação da “mariposa”, que surgiu oficialmente em Melbourne 1956. Eric Moussambani tornou-se um ícone da modalidade ao disputar os 100m livres, apenas seis meses depois de aprender a nadar. Os EUA são recordistas na competição, com destaque para Michael Phelps, ainda hoje o atleta mais medalhado da história, com 22, sendo 18 de ouro. O pentatlo moderno sofreu alterações em relação à versão praticada na Antiguidade. A corrida, salto, lançamento do dardo, lançamento do disco e luta livre deram lugar à prova combinada de tiro, esgrima, natação e hipismo. Foi introduzido pelo “pai” dos Jogos Olímpicos, Pierre de Coubertin, que acreditava que as modalidades inerentes ao pentatlo moderno testariam “as qualidades morais de um homem bem como os seus recursos físicos e habilidades, produzindo, assim, um atleta completo”. Até a Atlanta 1996, a prova era praticada ao longo de quatro dias, sendo que hoje decorre num único dia. Antes de Londres a corrida era a primeira etapa, tendo sido combinada com o tiro na última etapa da competição. 2012 ficou também marcado pela introdução das pistolas a laser, por razões de segurança e de preservação do meio ambiente. Ao contrário do hipismo – onde os cavaleiros escolhem os cavalos – no pentatlo os animais são atribuídos através de um sorteio. O húngaro Andras Balczo é o atleta do pentatlo com maior sucesso nos Jogos Olímpicos, com três medalhas de ouro (uma individual e duas em equipa) e duas de prata (uma individual e uma por equipa). O râguebi surgiu na década de 1820, quando uma criança da Rugby School em Inglaterra pegou numa bola de futebol com as mãos e correu disparado com ela em direcção à linha do golo. O râguebi de 7 marcará a sua estreia no Rio 2016. A versão para 15 jogadores foi disputada quatro vezes: Paris 1900, Londres 1908, Antuérpia 1920 e Paris 1924. Ainda que disputado por equipas de sete, o desporto será jogado em campos com as mesmas medidas da versão original, o que provocará uma grande resistência física por parte dos seus atletas. Tanto no torneio masculino quanto no feminino estarão representadas 12 equipas. O remo tem origens nas antigas civilizações do Egipto, Grécia e Roma, em que funcionava com método de transporte. A sua adaptação para o desporto terá ocorrido em Inglaterra, em 1828 com a primeira corrida entre as universidades de Cambridge e Oxford, tradição que se mantém até aos dias de hoje. Nas edições da Era Moderna, o remo apenas não esteve presença em Atenas 1896, visto que uma tempestade impediu a realização da competição, marcando a sua estreia oficial em Paris quatro anos depois. Dada a exigência física da prova, um remador olímpico tem de consumir, em média, 6000 calorias por dia durante os treinos, chegando a percorrer, por ano, 10. 000 km. Para evitar excesso de peso, os remadores costumam ser baixos e relativamente leves, mas foi estabelecido um mínimo de 50kg para as mulheres e 55 para os homens. Steve Redgrave é considerado o melhor remador da história. Campeão do mundo por seis vezes venceu cinco medalhas de ouro em tantas edições das Olimpíadas. Nas mulheres, a campeã é Elisabeta Lipa, que conquistou cinco medalhas entre 1984 e 2004. O tiro com arco é inspirado nas actividades de guerra e de caça nos primórdios da Civilização, tendo ganho popularidade enquanto modalidade a partir do século XVI, em Inglaterra. Estreou-se em Paris 1900 enquanto desporto olímpico, sendo dos primeiros a permitir a participação feminina, quatro anos depois em Saint Louis. 80 anos depois, a neozelandesa Neroli Fairhall fez história ao ser a primeira atleta paraplégica a competir nos Jogos Olímpicos, dado que os Paraolímpicos só surgiram em Roma, em 1960. O tiro com arco esteve ausente durante 52 anos, entre 1920 e 1972. O arqueiro mais condecorado dos Jogos Olímpicos é o belga Hubert Van Innis que, entre 1900 e 1920, obteve nove medalhas, seis de ouro e três de prata. Numa das cerimónias de abertura mais icónicas da história, o espanhol Antonio Rebollo acendeu a tocha olímpica ao disparar uma flecha com a ponta incandescente em Barcelona 1992. Pierre de Coubertin pode ser considerado o grande responsável pela inclusão da modalidade nos Jogos Olímpicos. Campeão francês de tiro com pistola, adicionou a prova logo na primeira edição da Era Moderna, em Atenas 1896. Nos dias que correm, os óculos utilizados na competição – além da segurança – possuem uma tecnologia que coloca o alvo em contraste com o resto do ambiente envolvente, permitindo ainda um maior controlo da respiração para que haja estabilidade no momento do disparo. Paralelamente, os praticantes usam técnicas de relaxamento e de abrandamento da respiração para metade, de forma a garantir um disparo preciso. Gerard Ouelette pode ter tido uma performance perfeita em Melbourne 1956 (60 tiros no centro do alvo, obtendo 600 pontos), mas Karoly Takacs é um exemplo de combate às adversidades. Parte integrante da equipa húngara que se sagrou campeã mundial em 1938, Takacs perdeu a mão direita na sequência de uma explosão desencadeada por uma granada. Dez anos volvidos, aprendeu a disparar com a esquerda, tendo conquistado duas medalhas de ouro na categoria tiro rápido. O “caminho das mãos e dos pés” – significado da palavra em coreano – é um desporto de combate que, ainda que tenha sido disputada em Seoul 1988 e Barcelona 1992, apenas em Sydney 2000 passou a distribuir medalhas. O domínio na modalidade pertence aos sul-coreanos, que conquistaram 10 em 32 medalhas de ouro possíveis, seguindo-se a China com oito. O afegão Rohullah Nikpah fez história em 2008, ao conquistar a primeira medalha (bronze) da história para o seu país, repetindo o feito em Londres. Nos Olímpicos de 2012, a arena de luta foi reduzida, sendo introduzido um novo sistema de pontuação. Com esta alteração, oito países conquistaram as oito possíveis medalhas de ouro. No século XII, muito antes de surgirem as raquetes, o ténis era praticado com as mãos e praticado contra as paredes. Presente em todas as edições da Era Moderna. A estreia feminina decorreu apenas em Paris, mas com um enorme estatuto: a britânica Charlotte Cooper ganhou a medalha de ouro e tornou-se a primeira mulher olímpica da história, em todos os desportos. O britânico John Boland viajou para Atenas 1896 apenas como espectador, mas foi convencido por Dionysios Kasdaglis a participar no torneio. O tenista grego ter-se-á arrependido do convite, já que Boland o derrotou na final. Jennifer Capriati é a mais jovem campeã olímpica do ténis: tinha 16 anos e 132 dias quando venceu o torneio em Barcelona 1992. As irmãs Venus e Serena Williams são as únicas atletas profissionais do ténis a conquistar quatro medalhas olímpicas, todas de ouro. Roger Federer, um dos maiores tenistas da história e recordista em torneios do Grand Slam, nunca obteve o primeiro lugar. Em Londres 2012, foi derrotado pelo britânico Andy Murray na final. O ténis de mesa terá surgido na década de 1880, quando a classe-alta de Inglaterra o praticava, após a hora de jantar, como alternativa ao ténis tradicional disputado em relvados. Ao contrário do ténis tradicional, o ténis de mesa surgiu primeiramente nos Jogos Paraolímpicos em 1960 (Roma) e quase 30 anos depois em Seoul (1988). Até aos dias de hoje, o sueco Jan-Ove Waldner é o único atleta não asiático a conquistar uma medalha de outro na competição. Com os avanços tecnológicos, numa mistura entre raquetes de borracha com cabos de madeira e de fibras de carbono e bolas ocas de celulóide, os esféricos podem atingir velocidades superiores a 150km/h. Vulgarmente conhecido como “pingue-pongue” – devido à adopção de uma empresa norte-americana que cobra o uso da marca – a comunidade desportiva refere-se ao desporto como “ténis de mesa”. O triatlo apareceu nos EUA como uma alternativa de treino aos atletas de alta competição. A primeira prova oficial deu-se em San Diego, em 1974, ano em a prova consistia em 500m de natação, 8km de ciclismo e 10km de corrida. As provas são sempre acompanhadas de emoção. Apenas por uma vez – nas oito competições já realizadas (estreou-se em 2000) - a diferença entre o primeiro e segundo classificados foi superior a 13 segundos. Ainda que a competição não seja eliminatória, os atletas podem ser eliminados do evento se criarem situações perigosas aos adversários. A Austrália é o pais recordista com cinco medalhas, mas é do Canadá que surge o primeiro e único campeão a subir ao pódio mais do que uma vez: Simon Whitfield conquistou o ouro em Sydney 2000 e a prata em Pequim 2008. Já em Londres 2012 foi estabelecido o melhor tempo da história, por intermédio do britânico Alistair Brownlee, que subiu ao pódio com o irmão Jonathan que levou o bronze. As primeiras corridas começaram nos EUA, quando o sindicato do clube de vela de Nova Iorque construíram uma embarcação de 30 metros – apelidado de América – navegou para Inglaterra, onde conquistaria a “Hundred Guineas Cup”. 132 anos mais tarde, os americanos seriam destronados pela Austrália como vencedores da prova. O Rei Carlos II de Inglaterra era um grande fã dos barcos à vela, tendo transformado o “jachtship”, uma embarcação mercantil holandesa, num barco de competição. A primeira participação olímpica deveria ter ocorrido em Atenas 1896, mas o mau tempo na capital grega impediu a realização da prova, que teria a sua estreia em Paris quatro anos depois. As mulheres eram parte integrante da modalidade desde Londres 1908, tendo ganho o direito de competir numa prova independente apenas em Seoul 1988. Durante as regatas, existem regras específicas para ultrapassar os adversários, que estão sujeitas da direcção do vento que os barcos recebem. O basquetebol e o voleibol foram ambos inventados na Springfield College of Massachusetts, com alguns anos de diferença. Em 1895, William G. Morgan, após assistir à criação do basquetebol, decidiu inventar um desporto semelhante, mas que fosse menos agressivo para os mais velhos, inicialmente apelidado de “Mintonette”. No entanto, um professor local após notar que a bola “voleava”, permitiu a alteração para a designação que hoje é conhecida. O Estádio do Maracanã detém o recorde de maior assistência na história, ao juntar 95 mil pessoas para o embate entre o Brasil e a União Soviética. A União Soviética é a equipa com mais medalhas, mas pertence à equipa feminina de Cuba o feito inédito de conquistar a medalha de ouro em três edições consecutivas (1992, 1996 e 2000). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. José Roberto Guimarães é o único tricampeão olímpico brasileiro. O treinador venceu a modalidade nos Jogos Olímpicos de 1992 com a equipa masculina brasileira, e com a feminina tanto em 2008 como em 2012. Corrigido dia 12/08/2016, rectificando as origens do judo.
REFERÊNCIAS:
Dilma, Serra e Marina têm 15 anos e estudam na Paulista
Dilma pode ser um menino de poupa? E Marina um mulato muito vivo? E Serra uma menina de gravata? Numa escola histórica de São Paulo, pode. (...)

Dilma, Serra e Marina têm 15 anos e estudam na Paulista
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.1
DATA: 2010-09-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dilma pode ser um menino de poupa? E Marina um mulato muito vivo? E Serra uma menina de gravata? Numa escola histórica de São Paulo, pode.
TEXTO: À esquerda um arranha-céus, à direita um arranha-céus, no meio isto: um casarão com cem anos. É o número 227 da Avenida Paulista, onde o metro quadrado há-de ser dos mais caros do Brasil. E eis esta resistente de um piso só, a Escola Rodrigues Alves, bela escola pública, memória do fervor republicano. Enquanto aqui à volta moram e trabalham os ricos, nesta escola estudam os filhos dos zeladores, das recepcionistas, das enfermeiras que trabalham no hospital em frente. Meninos de classe média-baixa rodeados de classe alta. E com as turmas do 8. º ano - o último do ensino fundamental, entre os 14 e os 15 anos - a professora de Português Priscilla Obrecht tem estado a trabalhar a matéria do momento: a eleição. Ao longo de semanas, os alunos estudaram os candidatos, os programas, os assuntos. E hoje vão fazer um debate, como na televisão. O PÚBLICO é o convidado, trazido por Priscilla. Aqui vem ela, cheia de dossiers, no corredor centenário. Madeiras, vitrais, eco. "Mas o outro edifício não é assim, não. . . ", vai avisando. No casarão estão as turmas dos pequenos, e no anexo estão os mais velhos. É um espaço bem batido pelo uso, sem charme de restauro, uma verdadeira escola pública brasileira: carteiras riscadas, recreio de cimento, alunos brancos, mulatos, negros, asiáticos. Percorremos corredores, com colegas de Priscilla a aparecer. Vão todas votar em Marina Silva, a candidata do Partido Verde que só tem subido nas sondagens. "Já viu os candidatos exdrúxulos que a gente tem? Tiririca [um comediante]. . . Mulher Pêra, Mulher Melancia [garotas de revista]. . . "7h15 da manhã, aula aqui é cedo. E o 8. º C já está todo na sala, mesas em volta, preparadas para o grande debate. Cada candidato tem um papel à frente com o nome, e uma equipa de assessores, o que significa que toda a turma participa. Espectadores só Priscilla e o PÚBLICO (ah, sim, e aquele par de meninas alheadas, lá atrás). Os candidatos apresentam-se. Género: "Eu sou o João Pedro. Sou a Dilma, do PT. " Um rapazinho de poupa com gel. Ou:"Bom dia, sou o Luís. Sou a candidata Marina Silva, do PV. " Um mulato com jeito de quem vai ganhar o debate. Ou ainda:"Eu sou Rafael. Sou o José Serra, e o meu partido é o PSDB. " Um cabeludo tímido, voz num fio. Depois há os candidatos a governador de São Paulo, nomes que não são tão familiares aos leitores portugueses - Geraldo Alckmin (PSDB), Aloizio Mercadante (PT), Celso Russomanno (PP), Paulo Skaf (PSB) ou Luís Carlos Prates, conhecido como "O Mancha" (PSTU) - mas significam a disputa pelo maior estado do Brasil, 40 milhões de pessoas. Vários estão representados nesta sala. "Marina, começa com a pergunta", diz Priscilla, apontado para Luís, o mulato bem-seguro. "Dilma Rousseff", começa ele. "Há 18 milhões de pessoas em fila de espera para o programa Minha Casa Minha Vida. O que você pretende fazer em relação a isso?"Dilma, o rapazinho da poupa, volta-se para trás e conferencia com os assessores. Resposta: "Manter a calma. " É a idade antes da política. A sala ri. Educação, saúde, ambienteO candidato a governador Skaf pergunta agora ao actual governador Alckmin (que provavelmente vai ser reeleito) se manterá a progressão continuada nas escolas, quando "tem muita gente no 8. º ano que não sabe ler nem escrever". "É que aqui em São Paulo até ao 8. º ano os alunos não reprovam, a progressão continuada é isso", explica Priscilla. Resposta do governador Alckmin: "Essa questão de passar alunos que não sabem ler e escrever é coisa séria. Eu vou aumentar o período escolar. "José Serra, candidato a presidente do mesmo partido, vem em seu socorro. "Nós vamos reforçar a ajuda aos alunos", diz, repetindo as palavras que a sua assessora de rabo-de-cavalo lhe bichana ao ouvido.
REFERÊNCIAS:
A viagem do sr. Olhos Grandes ao Japão
Uma semana dá para uma vida inteira a ter vontade de voltar. Vamos por Tóquio, Quioto, Hiroxima, pela natureza de Hakone, pela beleza da ilha de Miyajima, por vislumbres de Osaka. Uma viagem íntima sob o encanto do Japão. (...)

A viagem do sr. Olhos Grandes ao Japão
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma semana dá para uma vida inteira a ter vontade de voltar. Vamos por Tóquio, Quioto, Hiroxima, pela natureza de Hakone, pela beleza da ilha de Miyajima, por vislumbres de Osaka. Uma viagem íntima sob o encanto do Japão.
TEXTO: Fiz sushi e meditação, recebi uma lição de vida em Hiroxima, lições de filosofia de um artista, conversei com meninas que pareciam desenhos animados, vi Godzillas e robots a dançar, neóns do tamanho do mundo, gritos de karaoke, pus umas orelhas de coelho. Andei por ruas com milhões, ruelas e bares para seis convivas, cruzei o país em comboios-bala, parei o tempo em jardins zen, flutuei em templos e edifícios, fui rebaptizado como Sr. Olhos Grandes, fiz amigos. Eu vi plantar um clone de uma cerejeira com 400 anos. Tenho que voltar para ver a minha árvore. E se de repente um viajante aterrar em Tóquio por volta do meio-dia vindo doutra ponta do mundo, trazendo no corpo umas 20 horas de voos e aeroportos e um salto de oito horas no seu fuso horário natural? O que fazer? Descansar? Era o que faltava. A minha guia, no seu português aprendido no grande bairro japonês fora do Japão (o da Liberdade, em São Paulo), treme no sorriso e no relógio, que o tempo aqui é mesmo regulado ao segundo. É chegar ao hotel, arregalar os olhos para a cidadela que é a minha casa por duas noites, um dos grandes hotéis da cidade com as suas torres – que afinal são apenas mais duas nesta área de Shinjuku dominada por prédios de tirar o fôlego –, perder-me logo entre elevadores e pisos e os 1500 quartos. Tenho 20 minutos para mudar de roupa, descansar, tomar duche. Preparados?Um pé na rua e Tóquio abalroa-nos de imediato. A exuberância da megametrópole é impactante a cada passo por este bairro onde está a mais movimentada estação de comboios do mundo, uma aventura por si própria – junte-lhe o imenso metropolitano e temos o caos instalado (na nossa cabeça). Os olhos fogem-me para os céus, arranham os prédios, caem-me no chão à procura de espaço para o corpo. “Tóquio vem do futuro”, li algures. Seguimos pelas ruas de Shibuya, por Harajuku, olimpos das compras, tento sobreviver à corrente humana que pulsa pela capital japonesa. É complicado e o jet-lag só complica mais. Mas consigo seguir Naomi para o nosso encontro com umas das maiores embaixadoras do Japão no primeiro “templo” de muitos desta viagem. Este é especial e a religião é outra: chama-se KiddyLand e conheço muito boa gente que passaria de bom grado o resto da semana aqui. São seis andares sob o mote “paraíso dos brinquedos”. Há bonecada, japonesa e americana e etc. , para todos os gostos, mas Hello Kitty é omnipotente e omnipresente. A birra aérea faz-me resistir à sedução da gatinha-menina e fujo da loja a sete pés, cruzando fãs da bonecada, piso a piso, que se exaltam a cada novo personagem, a cada nova roupagem, a cada nova Kitty, até com o Charlie Brown (tenho selfies que provam isto tudo). Como hei-de aprender rapidamente, atrás das grandes avenidas sobrepovoadas há sempre algures, nos interstícios do gigantismo do betão – enquanto um “Big in Japan” continua a tocar-me em loop na cabeça –, umas ruelas para respirar fundo antes de voltar a mergulhar na multidão. “Por aqui, por aqui”, vai-me dizendo a minha nova amiga Makiko, jornalista e auxiliadora de visitantes lost in translation (sim, para a lenda da viagem, ela será a Scarlett deste filme). “Por aqui há uma ruazinha com uma esplanada onde se pode beber um cafezinho e fumar” – atenção fumadores: Tóquio é praticamente toda proibido-fumar, bairros inteiros, em todas as ruas; é preciso encontrar a smoking area ou ir a um bar ou restaurante com espaço de fumos. Cá fora, lá vamos nós, num desfile de prédios de “arquitectura zen”, como me diz Makiko, “uma tendência linda muito actual”, tipo minimal high tech meets zen. São belos, de facto. Além fica Omotesando, zona de modas, grandes marcas, galerias, forças gourmet. A meio da tarde, exércitos de trabalhadores deslizam os fatos mais afinados que me já foram dados a ver e fazem caminho neste caos ordenado, por entre grupos de jovens onde cada subcultura é marcada por uma identidade tão única quanto colectiva – feita de símbolos, roupas e bonequinhos, tatuagens, cortes e cores de cabelo do arco-da-velha. Eles sabem os passos todos, eu é que ando sempre a embater nesta cacofonia, como se estivesse num videogame qualquer, o pacman provavelmente, a tentar sobreviver no labirinto até conseguir devorar tudo o que me seja possível devorar, até devorar o Japão. A calma só vai chegar com uma aula de sushi com o sr. Sushizanmai, na escola Kiyomura Juku – na zona de Tsukiji, onde fica o mais espantoso e movimentado mercado de peixe. Entro com Naomi, Makiko e Junko (também da rede de apoio a jornalistas a precisar de ajuda como eu) para Tsukiji, zona onde está o grande mercado de peixe local e um dos maiores do mundo – eram horas impróprias para visitas nem a agenda o permitiu, mas numa próxima viagem é obrigatório. Ora que melhor zona que esta para um rapaz sem jeito para a cozinha nem gosto especial pelo sushi se tornar um sushimaster pronto-a-servir? Bem-vindos às cozinhas da Kiyomura Juku, a escola gerida por um afamado restaurante, Sushizanmai. E seguem-se mais peixes fatiados (carapau, atum, salmão), para dispor em camadas sobre bolinhas de arroz (nigiri sushi, sublinhe-se). E no fim, enquanto toda a sala – chefe, alunos de um lado para o outro, guias – se riem do meu muito jeito, comemos todos aquele opíparo manjar. E assim nasceu um novo fã de sushi, eu próprio, porque o meu estava uma delícia. Quem diria que o sushi pode saber a orgulho?A noite cai sobre Tóquio e a cidade começa a vociferar em neóns, embora, obviamente, a capital japonesa até dispense a escuridão para acendê-los. É todo o santo dia. Milhões deles, uma poesia visual que nos invade. Ando a catrapiscar entre gigantescos anúncios e ainda hoje sonho com desenhos de luzes, bonecos e caracteres japoneses. Naomi e Makiko vão-me guiando por este caleidoscópio que deixa qualquer português rendido pelo choque contínuo. “E por que anda tanta gente de máscara na boca e nariz?”. “Oh, uns é porque estão gripados, outros porque não querem gripar”. O certo é que é opção de muitos e refira-se que, para a dimensão, Tóquio até tem uma qualidade de ar satisfatória, segundo as medições oficiais. Vamos por Ginza, coração vibrante da riqueza japonesa, sítio fino, milhões pelas ruas, como sempre, os prédios a faiscarem de neóns. Vamos num entra-e-sai de lojas e damos por nós no Dover Street Market, grandes armazéns que albergam luxos de Prada a Vuitton e que são também uma instalação artística. Há ali uma escultura dum grilo gigante a olhar-se no espelho que me vidra. Há vendas e exposições, artes e a fina nata da vanguarda da elite japonesa cool e com muitos ienes na carteira. Para não sentir palpitações, é melhor desviar o olhar dos preços nas etiquetas, é melhor descer à cadeia japonesa Uniqlo, mais em conta, ou subir ao último piso. “É um segredo”, diz-me Makiko. No topo, a céu aberto, um jardim nos ares com um santuário xintoísta, Tenku Jinja, que, embora na localização mais moderna da cidade segue todo os preceitos tradicionais. Um sossego com vista para o desassossego de Tóquio. Respira fundo, desce de novo à terra. Cá em baixo, entramos no fabuloso e exclusivíssimo supermercado, de onde entre cogumelos a centenas de euros e vegetais que nunca os meus olhos tinham visto a preços idem, ibidem, surge uma prendinha doce para mim. Makiko compra-me uma fatia de kasutera, melhor dizendo castella, melhor dizendo o pão-de-ló japonês que deve tudo ao pão-de-ló levado pelos portugueses. E por acaso aqui pela zona fica um dos restaurantes preferidos de Makiko, sim é português (há muitos mais pela cidade e país) e chama-se Manuel (há mais Manuéis ou um Caravela) e até tem fados. Querem melhor final feliz para a primeira noite?Está bem. Entramos no colossal prédio da Nissan, o Nissan Crossing, onde brilham exemplos extraordinários da indústria automóvel japonesa. Algures por um dos pisos, uma diversão maravilhosa: um portal de realidade virtual permite-me, com os óculos especiais, conduzir um Nissan pelas curvas de Monza. Quem diria que o jet-lag faria de mim tão bom condutor?Depois desta adrenalina e de novo mergulho na noite de Tóquio, enquanto os meus 14 milhões de vizinhos parecem ainda estar todos na rua, conduzo-me até ao meu hotel-cidadela. Entre HelloKittys, sushis, hightechs, neóns, a imparável vida desta cidade, a minha cabeça é um farol. Foi longo o primeiro dia, naturalmente, e termina comigo a olhar das janelas do meu quarto no 33º andar para a vizinhança da frente, um portento do poder local. É o prédio do governo metropolitano. Sobe a 243 metros e duas torres. Num longo dia de corridas para o passado e para o futuro, eis aqui os sinais do futuro que se segue. A decoração deste titã são apenas dois cartazes onde se lê Tóquio 2020, sob anéis olímpicos. O futuro está à porta. Reerguida das cinzas, destruída pelas bombas da 2ª Guerra Mundial, esta cidade, toda ela novíssima, é deslumbrante nas suas idiossincrasias. E por que nós portugueses nos vamos dando tão bem com os japoneses, pergunto-me? Desconheço a resposta, mas com mais língua ou menos língua (o inglês é, ao contrário do que se possa pensar, pouco frequente), há um qualquer elo secular. Será porque chegamos ao Japão já lá vão quase cinco séculos? Está bem que foi particularmente para cristianizar e negociar (foco: espingardas), é um facto. Mas há uma relação qualquer de afecto aqui, garanto-vos, e isto deixou heranças na língua, na gastronomia, na cultura. “Porque toda esta gente do Japão é naturalmente muito bem inclinada e conversável”, já escrevia Fernão Mendes Pinto na sua seminal Peregrinação (lembra-te de fazer sempre uma vénia bem inclinada a cada cumprimento e despedida) – só é pena a maioria falar naturalmente japonês. Mas o segundo dia é passado pela mão de Masatoshi Watanabe, que fala português, espanhol e catalão e aprendeu isto tudo na também minha Barcelona. Isto vem a propósito daqueles momentos inesquecíveis que cada um de nós tem nas suas viagens. Sabem aquela de um português e de um japonês num comboio-bala a uns 300km/hora (sendo que o extraordinário Shinkansen pode acelerar ainda mais) pelo Japão fora a cantarem o hino da Catalunha num catalão quase perfeito? Pois. É o que vai acontecer mais logo. Por agora, Luís e Watanabe vão pela Tóquio mais tradicional, pelos vestígios do que sobrou. O programa aqui é mais convencional, com obrigatória e abençoada paragem nos jardins do Palácio Imperial (que só se pode espreitar em ocasiões especiais), onde reside a família imperial, outrora o castelo da era Edo, tempo do poder dos shoguns até estes serem superados pelo imperador, na altura em que a antiga capital, Quioto, foi trocada pela nova, Tóquio, em meados do séc. XIX. Além, as cerejeiras em série, que na Primavera são um espectáculo sakura por si só. Aqui, um parque imenso, pulmão de Tóquio, por onde espiamos pontes, jardins e jardineiros, sumptuosas portas de entrada, casas de guardas – e até, por entre a folhagem, nós e demais turistas nos entretemos a ver à distância os agentes em vestes tradicionais nos seus treinos marciais, no caso, kendo, quis-nos parecer pelo tak-tak tak-tak das espadas de madeira. É um passeio demorado e prazenteiro que abre o apetite, por isso, para interligar a História imperial e actual, vamos agora por Nagatacho, no centro político do país - zona do Parlamento e da residência do primeiro-ministro - e por muito do imaginário do Japão à mesa. Porque saltamos logo a seguir para um restaurante de cinema, o Kurosawa. Sim, precisamente como o grande Akira, que tanto Japão deu ao mundo nos seus filmes – e que no meu caso é muito do meu olhar para este país. Sapatos à porta (como em todos os locais que usam tatami, o tapete japonês), casa rústica de madeira que parece saída das películas, salinhas quase íntimas, este Kurosawa, ligado à família e equipa do realizador, presta homenagem ao mestre, confesso apaixonado pela gastronomia. Ora aqui, cercados por grupos de profissionais a almoçar (por acaso nem dei por turistas, “vêm aqui muitos políticos e famosos”, segreda-me Watanabe), passados corredores decorados com posters e memorabilia de filmes do criador (olha os Sete Samurais, o Ran, o Yojimbo) é tempo para deleite, soba (massa japonesa), shabu shabu (um cozido, porco, vaca), sopa de miso ou muito especialmente de tempura, mais uma herança lusa, tipo peixinhos da horta, aqui em edições vegetais ou de mariscos. Duas bolas de perfeito gelado de chá verde selam o filme do almoço, um chá serve de brinde ao sr. Kurosawa que à saída deste cenário me observa com um semisorriso de fotografia e óculos escuros e a quem rapto um envelope com uma dúzia de belos postais com imagens de storyboards dos seus clássicos. A sua bênção, mestre. A tarde será passada noutra estranha mistura de tempos, da religião ao universo anime (a animação japonesa que mudou para sempre a nossa infância e a forma como vemos o Japão), melhor espelho duas faces do Japão é difícil. Bem tentaram os portugueses e particularmente São Francisco Xavier no séc. XVI, convencer os japoneses que o cristianismo é que era. O budismo e o xintoísmo venceram mas a pregação do jesuíta deixou marcas. A ilha do sol nascente, um dos poucos países asiáticos a escapar ao colonialismo europeu – o que lhe terá dado força anímica, bélica e espiritual para tornar-se uma força colonizadora e imperialista – optou cedo pelo budismo e pelo seu particular culto do xintoísmo, embora inicialmente tenha recebido bem e guardado boas memórias e ensinamentos de Xavier e companhia – “São Francisco de Xavier é ainda hoje em dia mais conhecido no Japão que o Cristiano Ronaldo”, hão-de garantir-me, se bem que, na minha viagem, o jesuíta tenha perdido com o futebolista 2-0 o jogo da fama: zero referências para Xavier, um belo par de anúncios de Ronaldo. As duas religiões dominantes convivem no dia-a-dia, beberam e bebem uma da outra. O xintoísmo é uma crença animista praticada no país desde a Antiguidade, uma devoção à Natureza, aos antepassados, a muitos (muitos) deuses, que abarca o tudo e o todo – lembremos aqui que este moderníssimo país superindustrializado com mais de 127 milhões de pessoas, um dos maiores e com maior densidade populacional do mundo, é sistematicamente afectado por catástrofe naturais, por terramotos e tufões. O budismo japonês, repartido por várias correntes e seitas, convive diariamente com a prática xintoísta, “o caminho dos deuses”, tanto nas casas, como nas ruas, como nos templos das duas fés, que frequentemente são vizinhos. Deuses e espíritos são kami. E kami pode ser qualquer coisa (“temos oito milhões de deuses”, diz-me Watanabe). É no centro dessa união de fés que estamos agora, em Asakusa, bairro tradicional onde ainda se sente o passado e afluem milhares de turistas. Porque aqui está o imponente templo budista Sensoji, o mais antigo da capital, que remonta ao séc. VII. Toda a gente quer fotografar-se na bela porta de Kaminarimon, um ícone com os seus pilares decorados, divindades e gigantesca lanterna vermelha. Às portas do templo e do pagode, reconstruídos após a Segunda Guerra Mundial, crentes e visitantes aglomeram-se pela velha rua comercial de Nakamise, centro de peregrinação dos fiéis dos souvenirs e dos petiscos – há-os para todos os gostos e vale a pena também dar um salto às lojas das redondezas por Shin-Nakamise e Kappabashi. Ali pelo caminho, um painel de Omikuji dita-nos o destino: é meter uma moedinha, abanar um tubo, receber um número, retirar da respectiva gaveta o papelinho. A mim, sai-me uma “sorte regular” e fico a saber que “se for um bom guerreiro, poderia conquistar e controlar um país inteiro com apenas uma flecha” (espero que seja uma metáfora, que o teclado é mais forte que a flecha). E que “é boa altura para começar uma viagem”. Se a sorte lhe sair má, faça um nó com o papelinho e deixe-o ali amarrado, “para imobilizar os maus espíritos”. Eu trouxe a minha, que os deuses sabem muito. E sabem até conviver: mesmo ao lado do templo, por onde agora vejo a brincar um menino japonês vestido de Super-Homem (os EUA estão por todo lado), está o santuário xintoísta de Asakusa, muito mais calmo e sóbrio nos seus mais de três séculos. Passeiam-se grupos de meninas em quimonos coloridos, vistosos, floridos, visão rara nos dias de hoje. “Turistas”, explica-me Watanabe, “quase todos os que vires de quimono são turistas que alugam a fatiota para se divertirem e fotografarem, os quimonos dos locais são muito discretos e de cores sóbrias”. Outro Japão espera-nos em Akihabara, bairro feérico para onde se encaminham todos os nerds, fãs das tecnologias e electrónica, todos os otakus – que centram a sua vida no culto obsessivo de algo, especialmente da manga e do anime. Ainda para mais muitos deles vestidos como os personagens que veneram. Meninas vestidas de heroínas anime, meninos à dragon ball, é um sem-fim de animação. Esta é a Cidade Eléctrica. Prédios com neóns? Aqui há neóns com prédios. Rolam vídeos, sopram desenhos animados, rodopiam antropomorfias e efeitos especiais. Luzes, câmaras, animação! Os meus olhos fazem zappings imparáveis. Cumprimento o Super-Mário, espreito a Sega, bancas de revistas, faíscam salas de videojogos, máquinas, lojas de gadgets e toda a panóplia tecnológica imaginável. “É o paraíso da fantasia”, resume Watanabe. Ora para habitar tanta faiscante fantasia, onde nos poderemos sentar? Talvez num dos muitos cafés-fantasia do bairro, como o Maidreamin Heaven's Gate, onde tudo fofinho, querido, cute, moe moe, e as meninas se vestem de criadas “inocentes”. Cá fora, a cidade parece-me agora saída do Blade Runner. Para logo a seguir, parecer-me dos tempos dos samurais, mal entramos no Sengoku Buyuden, um izakaya (a taberna japonesa), por Shinjuku. O que é natural, é mesmo um restaurante que homenageia os guerreiros, entre armaduras e reservados com pinturas que imitam as dos seus castelos e retiros. É neste cenário de filmes (mesmo) que relaxamos entre sashimis e espetadas (eu vi ali carne de cavalo na ementa?). Umas cervejas e uns sakes preparam-nos para o acontecimento seguinte, que bem vamos precisar de uns copos. Sentemo-nos numa “terra dos sonhos”, num “paraíso da inocência”, no Maidreamin Heaven's Gate, portal onde entras num desenho animado. Ah, e as maids, que parecem todas ter 10 ou 12 anos (são maiores de 18, isso é certo), vestem-se de criadas antigas à francesa, dir-se-ia, com ligeiros retoques anime. As comidas e bebidas parecem todas ter sabores e decorações infantis. O corrupio de gente e barulho por Kabukicho, tradicional bairro da luz vermelha de Shinjuku, é uma obra de arte e hoje em dia centro de atracção para turistas, hipsters, viciados em doses várias da má vida (infelizmente, não tivemos agenda para inspeccionar os verdadeiros red ligth spots…). Por ali, um ovni cintila numa musiqueta repetida à exaustão e em luzes popcirco. É o Robot Restaurant que, apesar do nome, é afamado pelo dito show e não pela comida (aliás nem comemos), top das atracções para turistas pelo seu espectáculo maluco com robots, bailarinos e músicos. A parede da entrada cintila, barafusta, mostra já robôs, efeitos de luzes e visuais. Na casa à frente vai-se buscar os bilhetes reservados (a “bom” preço: cerca de 70 euros, comprados online). Entra-se então para o prédio deste projecto que terá custado milhões e milhões de euros – fala-se em mais de 100 milhões, faz parte da lenda –, partilhado com outras atracções e bares mais, quis-nos parecer, “aluzvermelhados”. Dentro do Robot Restaurant, a festa continua numa sala, montra-aperitivo do que aí vem: toda ela brilha em espelhos e espécies de vitrais com dragões e raparigas. É quase preciso pôr os óculos de sol. Há shows a cada hora e quase cem por cento são turistas – o meu guia apontou uns três ou quatro japoneses numas centenas de pessoas. Quando é dado o sinal, a clientela começa a descer escadas e mais escadas até atingir uma cave gigantesca onde o palco é uma passagem central e os espectadores ficam encadeirados dos dois lados, com paredes-vídeo a lançarem miríades de imagens. Compreendam-nos, acabamos de levar com uma droga forte e ninguém consegue raciocinar. “É capaz de ser o melhor pior espectáculo do mundo”, digo eu, que sou um poeta. “É isso! Sim! Sim!”. Riem-se e vão à sua vida, ainda cambaleando pela rua, soltando um último grito: “Mas quanto mais bebíamos melhor ia ficando o show!”. Depois disto, por favor, dêem-me um sake ou um whisky japonês (do melhor do mundo) num qualquer barzinho das ruelas da Golden Gai (cidade dourada, por sinal), dois dedos de conversa (pode ser no Kodoji, bar de fotógrafos) e estou arrumado. Esta Tóquio é uma confusão maravilhosa e um jogo de cintura contínuo entre a alta tecnologia e a tradição enraizada nos corpos. Enquanto sigo Makiko que, no seu vestido vermelho, rola a sua bicicleta por ruelas e pela noite, sei bem que esta Tóquio de filme ainda me vai dar insónias. E saudades. No Kodoji, vizinho de centenas de espacinhos íntimos e semelhantes pelas ruelas e becos da noctívaga Gai, entro seguindo Makiko por corredores e escadas estreitinhas. É um dos bares mais pequenos do mundo numa das maiores cidades do mundo. Devem caber umas seis pessoas bem contadas. Mas as suas estantes, balcão, pessoas e paredes, tornam-no um dos maiores bares do mundo. Porque é o bar duma comunidade de fotógrafos e nas paredes está uma exposição de fotografias de Natureza por outro Japão. Ao balcão está Aya Okabe. Por sinal, claro está, fotógrafa. E que lançou um livro com uma capa que não me sai dos olhos, “Appare”, onde um rapaz seminu (de calções de sumo, uns mawashi) segura uma grande melancia nas mãos enquanto uma árvore cresce atrás dele. Durante toda esta semana outonal é o calor que impera neste nosso Japão. Depois de Tóquio, precisamos de paz e frescura. E a escolha é Hakone, no parque natural de Fuji-Hakone-Izu, caldeira em monte vulcânico (nota: activo, hoje calmo, há notificações diárias). De vez em quando vislumbro o vizinho Monte Fuji, mas hoje está enevoado e só o pressinto, ainda assim, de vez em quando, catrapisco esse deus natural. O romântico comboio Romance Car (é mesmo romântico, bendito) leva-nos pelo campo – acompanhados de muitos grupos de senhoras idosas a papaguear, afinal vamos para as termas – até à verdura montanhosa de Hakone em hora e meia. E deixa-nos à beira do rio Haya-kawa, onde me perco a ver uma garça pesqueira nas pedras a tentar apanhar um peixinho na corrente. Parece o rapaz do Karate Kid em posição de ataque. Temos montanhas, grande lago, fontes termais a pulular por toda a região, complexos hoteleiros baseados nas águas, ryokans (os tradicionais albergues para dormir em futons), banhos públicos, bons ares (tirando o cheirinho a enxofre, particularmente no vale vulcânico, beleza infernal e fumarenta). Um descanso. Vivida a lufa-lufa toquiota, acredite, vai saber muito bem pelo menos um dia de paz em Hakone. Ora a nossa serena agenda passa por passeio de autocarrozinho a serpentar curvas acima até à Hamamatsuya (Hakone-machi), área de artesãos e seus ateliers, onde está uma metáfora da região: marchetaria, artesanato de origem demarcada. A primeira paragem dá-nos a calma da oficina do sr. Ichiro, onde brilham caixas e caixinhas secretas com muitos segredos…A arte chama-se Yosegi Zaiku, uma arte de trabalhar a madeira com embutidos, mosaicos em madeira inacreditáveis incluindo – para mim, a atracção maior – aquelas famosas caixinhas secretas, cada uma com o seu segredo para abrir, tipo cubo mágico (pequena, a minha custou 50 euros). Trouxe uma que por mais que tente ainda estou por conseguir abri-la, e eu que vi e ouvi o artesão, o mestre Ichiro Ishikawa, descendente já em sétima geração da mesma família a dominar a arte, a explicar-me, cercado de pedacinhos e folhas de madeira, tudo sobre a arte e os segredos das caixas, obras que demoram meses e meses de paciência. Ah, turista!Ainda com o som da madeira a ecoar nos tímpanos, vamos embalados pela brisa e pelo arvoredo, spirited away, animados até à origem do curso do rio, o lago Ashinoko, na parte ocidental da caldeira do vulcão. Espera-nos um cruzeiro breve em barco turístico que cruza o lago. O cruzeiro imita um veleiro (em kitsch puro) algo entre descobridores e piratas – há estátuas de capitães e à Barba Negra por aqui, os turistas disparam selfies como se fossem a Mona Lisa. Mas há que dizer que as vistas do lago – mesmo que agora em cenário enublado –, margens verdes e montanhas, templos e casinhas, são admiráveis. Chegados à margem, o ideal seria apanhar o teleférico, que vemos ali pelos ares, para arregalar ainda mais os olhos. Mas está em manutenção. Vamos de autocarro até avistarmos o vale vulcânico de Owakudani. Aposto que em dia limpo a paisagem é ainda mais impressionante. Num dia como hoje, sob um céu de chumbo, cortina de nuvens, fumos vulcânicos a escalarem o vale, só nos resta a imaginação até onde a vista alcança, a dois palmos de distância. E provar os, esses sim, estranhos ovos negros (kuro tamago) locais. São cozidos nos fornos do vulcão e têm direito a um teleférico que os carrega até às “cozinhas”, proibidas para seres humanos. Caixas vão pelos ares, desaparecem nas nuvens e nos fumos e voltam tempos depois com os ovos cozidos e pretos. Ovos das furnas, digamos. O enxofre q. b. fará bem à saúde? É que dizem que comer os ovos dá-nos sete anos extra de vida. Já vos direi um dia destes. Isto é toda uma arte por si própria. A próxima – a que chegamos no delicioso comboio de montanha – Hakone Tozan, vai de Hakone-Yumoto a Gora num passeio cénico – é mais convencional e mescla artes de jardins com as da Natureza e com as da mão humana. No Hakone Open Air Museum integram-se a céu aberto mais de uma centena de grandes esculturas, de Miró a Rodin e Henry Moore, incluindo uma galeria de Picasso. Vais passeando e surge-te uma Vénus, uma gigantona miróana, um ícaro a subir aos céus por entre as árvores, um rosto tamanho casa caído num jardim. Toda uma experiência orgânica nascida graças a um controverso Balsemão/Berardo japonês, o sr. Shikanai, já falecido, milionário que fundou o gigantesco grupo media Fuji Sankei e se tornou um megacoleccionador de arte. O passeio é visceralmente gratificante. “Todos os dias passeio hora e meia logo de manhãzinha, por trabalho e prazer. Todos os dias descubro uma perspectiva, algo novo e admirável”, sorri-me Tsujii Yuri, responsável do museu – o grupo tem outro espaço ao ar livre em Nagano e outro museu em Tóquio. “A colecção é muito grande”, diz-me Tsujii. Acredito. Aqui mesmo em Hakone, a cada temporada muda a Natureza (a região esgota para ver as cores outonais ou primaveris) e podem mudar também obras e exposições. Com o museu a fechar, ao lusco-fusco, há algo de fantasmagórico e belo em tudo isto. À noite, adormeço num quarto com grandes janelões que só deixam ver árvores. Ao longe oiço as águas correrem. Uma bonança que antecipa a chegada àquela que é a (minha) meca desta odisseia japonesa, a eterna Quioto. Confissão íntima: sempre sonhei ver Quioto. Por isso é com uma alegria infantil que salto do comboio-bala e me sinto em casa. Coisas do mundo, dos homens e dos deuses – e, não em vão, estou certo, o que vivi em Quioto ainda vai criar asas no futuro. Antiga capital, Quioto (perdoem o cliché) tem um charme irresistível, entre o zen global, os templos e natureza, os bairros de dimensão humana. Esse charme, e importância histórica e artística mundiais, tê-la-á salvo de danos maiores na 2GM. Os nossos primeiros passos na cidade são para a modernidade (no caso, o cool hotel New Miyako). Os seguintes são para a intemporalidade. No bairro de Kamigyo-ku, pelas ruas estreitinhas, casinhas baixas, ambiente de aldeiazinha, catrefada de fios a cortar os céus, oficinas e frutarias, mercearias e lojinhas, há um Japão que vive na Tondaya, velha casa e património, onde se pode entrar pela História adentro e fazer parte de actividades icónicas, como a venerada cerimónia de chá. Sacralizados pela cerimónia, estamos prontos para cirandar pela Quioto eterna, abençoada pelas águas e cercada por montanhas, que começa a mostrar a sua exuberância natural de telas outonais, um avermelhado ali, uma folhagem a amareceler ali. Hai. Em cada canto parece haver uma nova beleza e um Património da Humanidade – e em cada canto há um turista, fazemos todos parte da multidão, Ainda assim, tirando as grandes atracções, dos templos idílicos aos jardins zen, nem é muito difícil encontrar recantos pacatos. Na Tondaya, Ayano, 23 anos, recebe-nos no seu quimono segunda pele. Tondaya é uma casa tradicional, por gerações criadora de quimonos, hoje Património Cultural Nacional. Construída no séc. XIX é um primor de salas e tatamis, jardins zen e poços, santuários budista e xintoísta, materiais e madeiras nobres, pedra e bambu, majestosa sobriedade. Como é o caso, apesar de concorrido, do Castelo de Nijo, epicentro da cidade tão grande que permite escapar, aqui e ali, às massas. É que Quioto é a cidade mais popular do Japão para os turistas, com mais de 50 milhões de visitantes anuais para uma cidade de milhão e meio de habitantes. Sendo que, aliás, a política de crescimento do turismo local é promessa lapidar dos governantes, em particular do presidente da câmara. Parecia um dia de Verão do séc. XVII, quando andávamos a passear por este complexo nascido nesse mítico período dos senhores da guerra: foi a residência do primeiro shogun do período Edo, depois palácio imperial, sempre uma das mostras mais belas dos tempos feudais. Do Castelo de Nijo, verde mundo, séculos de história nos contemplam em 28 hectares. Passadas as suas muralhas de pedra e os seus imponentes portões, admira-se o palácio de Ninomaru, feito de cinco edifícios separados, em cipreste, interligados por rangentes corredores a que chamam “soalho rouxinol” e que têm a sua melodia – portas deslizantes, tectos e paredes de decorações e pinturas que são obras-primas. Conquistam-se os seus infindáveis jardins e lago, catrapisca-se o icónico vestígio do palácio de Honmaru, contornam-se o lago e os infindáveis jardins de miríades de folhagens e árvores, de pinheiros a ameixeiras e ginkgo e centenas de cerejeiras (sempresempre as cerejeiras). E até se podem de súbito avistar monges e figuras de poder a passearem-se por Nijo, cruzando os tempos. Estávamos nós a deambular quando percebemos que num jardim estavam reunidos autoridades locais, monges e sacerdotes, figuras presumivelmente importantes (e jornalistas). No centro, uma covinha e um monte de terra, com pás à espera, uma mesinha para um qualquer ritual, um microfone. “Vão plantar um clone de uma árvore histórica”, descobre-me Watabe. Retrato do Japão: em 1598, o daimô Hideyoshi, senhor feudal que uniu o país mas que também é reflexo de uma época de disputas e sague, plantou uma cerejeira essencial no templo budista de Daigo-ji. Morreria pouco depois, tendo sido sucedido por um inimigo da família, o shogun Ieyasu. Hideyoshi é o homem que fundou o castelo de Nijo, onde estamos. Se Nijo é uma das maiores atracções da cidade, a seguinte é até o seu ícone. Duas palavras: Pavilhão Dourado. É o monumento que se segue e o postal mais célebre de Quioto, esplendor de beleza originador de obsessões como a que Yukio Mishima – um homem com outras tantas obsessões e ideais que o levariam ao mais célebre e marcante dos suicídios, o harakiri dos samurais – compôs para um monge budista no livro com o nome do monumento. Este Kinkakuji (ou Rokuonji) é templo zen renascido, coberto a folha dourada, com uma fénix dourada a coroá-lo, circundado por um lago-espelho, envolto por exuberantes jardins e caminhos. Os elementos unem-se para a harmonia; os olhos, a alma, o corpo, rendem-se à beleza. Retiro do shogun Yoshimitsu, vindo do séc. XIV, como acontece pela História e por muitos monumentos do país, ardeu e voltou a ser reconstruído (e outra vez e outra vez), sendo que cada piso tem um estilo arquitectónico próprio. O que estamos a ver data de trabalhos da década de 1950. Quem diria, hein? Faltam as palavras, há que ver para crer, enquanto olhamos para as estátuas eternas dos seus poderes, Buda e Yoshimitsu. O neto deste último, Yoshimasa, noutra época conturbada, inspirou-se no avô e deu-nos outra formosura que veremos só amanhã (mas que merece entrar já na história), o Ginkaku-ji, que por contraponto, além de ficar na parte leste da cidade, no sopé do monte Tsukimachi (algo como monte de esperar a Lua), é o Pavilhão Prateado. Agora repare-se que o Ginkaku-ji – apesar de oferecer belas vistas para a cidade e garantir passeios por jardins que são uma lição histórica de arquitectura de paisagem – não tem prata nenhuma. Surge-nos assim, a meio da tarde, entre o castanho acinzentado, com um cone de areia construído há séculos como pináculo para o luar. É que é precisamente a lua, no caso, a artista maior: o pavilhão resplandece em fulgurante prateado quando o satélite sobe pelo monte e lança a sua luz sobre Ginkaku-ji. Falta-nos a lua (há que voltar, já sei) mas facilmente apreendemos o poder, o mistério e arte de tudo isto. No recinto está também um essencial salão de chá: é considerado o auge da perfeição de tais espaços e as suas medidas, linhas, desenho e tudo o mais são o padrão para as salas cerimoniais. Por aqui e ali, vou espiando muitos turistas, até casalinhos de mão dada, vestidos de quimono tradicional. E pelas ruas, de vez em quando, uma senhora japonesa mostra, indiferente, a elegância viva do traje. O quimono é um mundo e uma arte, por isso mesmo é o mote da nossa próxima paragem, onde nos aguardam surpresas e inesperados afectos. Venha daí a Arashiyama, nos arredores da urbe, ambiente de vila protegida pela montanha homónima, cenário idílico em redor do rio Katsura, cruzado por uma icónica ponte de madeira, Togetsukyo (algo como ponte para a lua). Ele é floresta, é água, é templos – o zen Tenryuji fica aqui, tal como a floresta de bambu de Sagano, locais imperdíveis que iremos perder em nome do imprevisto – é calma. E casas tradicionais, aquelas obras-primas de madeira e delicadeza, como a de Yusai Okuda, pintor e mestre de uma redescoberta arte de pintar quimonos, tecidos e telas, um artista que já representou o Japão até numa célebre exposição no Louvre de Paris. Descendente de gerações de especialistas no tingir de tecidos, Yusai Okuda, respeitando o xintoísmo de que vive imbuído, foi mais longe que os seus antepassados. Com 66 anos, magrinho, estatura mediana, só vos digo que é imponente na quietude da sua voz, no conhecimento, na filosofia e no humor que invade a sala através das nuvens dos nossos cigarros. A sua arte explica-se em segundos, mas é preciso ver, as palavras naufragam: basicamente, as obras pintadas e tingidas de Yusai parecem de uma determinada cor mas estão vivas e mudam conforme a luz. Dois dias para Quioto é nada, isto precisava de uma vida. Mas vá, tenho um dia mais, vou imaginando que atrás do tempo tempo vem, hei-de voltar com tempo. E, agora, tenho uma guia em inglês que me dará uma lição contínua de História em movimento, arte, quotidiano e detalhes da cidade e do país. Com Hiroko Kara, faço o percurso do turista tradicional local por alguns dos sítios indispensáveis no mapa leste de Quioto. Depois do naturalismo de Yusai à noite, a manhã começa prazenteira e budista no templo de Nanzenji, protegido pelas florestas da montanha de Higashiyama, tendo à porta os pilares de um curioso aqueduto moderno (bom, do séc. XIX). Este é um coração zen do rito Rinzai, complexo de templos e jardins, desde o séc. XIII. Como sempre, guerras e martírios destruíram partes, entretanto reconstruídas. Chegamos cedinho, felizmente há pouca gente, que o que vamos ver dispensa multidões. Passado o grande portal de Sanmon, é deambular. Templos, salas e pinturas são admiráveis mas a minha meca é numa espécie de clímax espiritual: cheguei aos jardins zen dos meus sonhos. As palavras tomam forma de árvores, pedra, água, musgo, terra, gravilha a ondular, a Natureza humana e divina em substância de jardins zen, repletos de simbolismo e perspectivas. Hiroko Kara sabe tudo sobre isto e coloca-me nos sítios exactos para a visão precisa. Ondulo os olhos pelos detalhes e continuo a encantar-me ao som repetitivo de uma cana de bambu que ora bate na bica de uma fonte e se enche de água ora descai, cheia, e se esvazia batendo na pedra. Ploc, silêncio, ploc. E repete. Isto é sagrado, isto é ciência. O passeio leva-nos depois por Okazaki, e logo a começar por um contraponto xintoísta, o santuário Heian (o antigo nome de Quioto). Tem pouco mais de um século mas é um achado, dedicado às almas do primeiro e último imperadores na cidade (Kammu, Komei). Passas o enorme portal torii e abre-se espaço por todo o lado. É dia de passeio para muitas famílias, que trazem aos deuses os seus filhos, vestidos de forma tradicional. Sim, é fofinho. E real e religioso. Respeitamos os ritos e, após uma passagem pelo vizinho (e moderno) Miyako Messe, com o Centro de Artesanato de Quioto – que é museu e loja e vale mesmo a pena para ter de uma vez só uma ideia de tudo o que estas mãos fazem, da caligrafia à madeira –, mudamos de filosofia. Vamos de passeio pelo Passeio do Filósofo, em Higashiyama, por entre cerejeiras (na Primavera isto é, garante-me Hiroko, uma beleza) e pelas margens do canal. O caminho chama-se assim porque era usado para meditar-a-andar pelo filósofo Nishida Kitaro, um dos mais importantes pensadores do séc. XX japonês, um homem que analisava as filosofias ocidentais e orientais para encontrar caminhos. Esse entrecruzamento é vivido por mim e por muitos turistas (ocidentais, sim, muitos), que agora repisamos os passos de Kitaro por este belo cenário tornado atracção turística. Portanto, logicamente, pontuado por lojas em série. O sítio mais pacífico da zona está mesmo a dois passos e é um passeio particular: um cemitério revela-se por entre o arvoredo da montanha, num respeito de pedra e símbolos. Para ganhar forças logo a seguir, udon: uns noodles rápidos e deliciosos ao balcão de um sítio de referência e de bom agouro, o restaurante Omen, especialista em massas. Depois, para sobremesa, cruzamos Quioto para doçuras especiais. E portuguesas. À tarde, ainda teremos tempo para mais passeios, pelo Pavilhão Prateado e pelo templo de Kiyomizu-dera, um apuro budista em vários edifícios num complexo que remonta ao séc. VIII e se eleva em madeira por entre as árvores e jardins, cataratas e santuários, onde se vislumbram águas com poderes para dar sorte e vida. As vistas desde Kiyomizu-dera, assinale-se, são belíssimas. Em volta, ruas cheias até ao tutano de lojas e turistas. É seguir pelas ladeiras e escadinhas de Ninenzaka e Sannenzaka. Ali abaixo, vemos os riquexós puxados por rapazes com corpos de aço, hoje em dia ímanes turísticos. “Ei, isso não cansa?”, pergunto eu a Yuta Sado, 32 anos, ar de 20, desportivo fato ergonómico e botas Tabi nos pés, botas em que o dedo grande do pé está separados dos outros (nota mental: pôr na lista de compras um par destes engenhosos cascos). “Não, habituas-te, até dá saúde”. “Mas há-de chegar uma idade que já não dá…”. “Pelo contrário”, contrapõe ele, férreo, “é para sempre”. Ainda assim, o que ele preferia ser era guia turístico, o que de certo modo já é, convenhamos, dá é mais corpo ao manifesto. Uma fuga doce deixou-me o dia mais luso: fugi ao programa japonês para ir a Portugal. Porque ali pelo centro fica outro reino, o da pastelaria Castella do Paulo. Juro que nem queria acreditar, mas quando o pastelinho entrou quase todo de uma vez só na minha boca rendi-me: é bom, bom, bom, é pastel de nata, é suave, cremoso e estaladiço, é português, é delicioso, derrete-se na boca em Quioto como se em Portugal. Verdade seja dita que pastéis de nata à portuguesa há muitos pelo Japão, até há mais casas de mote luso pelo país mas, desculpem-me, esta é especial. Esta nasceu em Lisboa, onde acabaria por fechar portas e mudar-se de armas e bagagens, de donos e doçarias, para Quioto. Quando chego à pastelaria e vejo a bandeira portuguesa a ondular por cima da porta por entre dois candeeiros de rua dos nossos, não resisto, confesso, a sentir aquele orgulho. Que se há-de fazer? Nós somos assim – e ainda mais no Japão, onde Portugal faz parte da História e da lenda, até com algumas boas recordações. Daqui é um salto até outro bairro mitológico, Gion, a terra das gueixas. Estas muitas vezes incompreendidas artistas do entretenimento continuam de saúde, muito graças, actualmente, ao turismo (e a obras como Memórias de uma Gueixa, que mantém a lenda viva e trazem aqui milhares e a cenários como o templo de Fushimi Inari Taisha). “Actualmente, há umas 200 gueixas – geiko – e 70 aprendizes, as maiko”, conta-me Hiroko. Espiamos pelas janelas as casas tradicionais de madeira, as casas de chá, os espaços das vidas das gueixas, as suas escolas, ruelas e travessas que albergam um fascínio irresistível. Variações das artes do entretenimento e de outras tradições japonesas estão todas no espectáculo que nos espera, no Gion Corner, sala de espectáculos a que acorrem maioritariamente os turistas para, por uma hora, apreciarem sete (sete!) quadros artísticos. Aos meus olhos, uma cerimónia do chá, uma sessão de harpa koto, até de arranjo de flores (kado), música dos tempos da corte Gagaku, teatro cómico vetusto (kyogen), a dança elegante kyo-mai das gueixas de Gion, o teatro de bonecas (bunraku). Uma hora de imersão rápida. Ideal para aperitivo do jantar, um luxo num banquete sagrado chamado Kaiseki, com direito à visita de uma futura gueixa. Enquanto volto a acelerar no comboio-bala, agora rumo a Hiroxima, é inevitável que as memórias dolorosas da bomba nos acompanhem. Para distrair-me a mente, compro mangas (gigantes, centenas de páginas cada revista), dos quais, naturalmente, não percebo uma palavra, mas vou admirando lutadores de sumos, paixões pueris, aventuras de animais, labirintos urbanos e deuses enquanto o Japão moderno se pinta numa tela a alta velocidade na minha janela. Chove em Hiroxima quando chego com a minha guia, Yasuko Noguchi. É um dia cinzento e lacrimejante. Houve que me perguntasse, já em Portugal, se a cidade não estava ainda “meio destruída”. Realmente o Japão é muito longe. A resposta é, pouco niponicamente, um rotundo não. É uma cidade viva e vibrante. Visito-a pela memória mas sinto-lhe essa vida a cada passo. Nada se esquece mas a vida continua, apesar desses letais momentos de há sete décadas, quando a cidade e Nagasaki sofreram bombardeamentos atómicos na 2GM. Chegamos até a tempo de uma celebração mundial de vida e sobrevivência: o almoço. Primeira paragem, Okonomimura, um prédio que é um paraíso do okonomiyaki, estilo tradicional de comida rápida em pequenos recantos e onde a mesa central para todos é uma chapa quente na qual o chefe faz uma espécie de deliciosas panquecas, com vegetais, ovo frito, massas e o que mais vier à rede. Este é um almoço até baptismal, porque foi aqui que fui repabtizado graças à simpatia esfuziante da dona (e dos restantes clientes): Me-me san, algo como Senhor Olhos Grandes. A madrinha foi a senhora Hisashi, que, aos 82 anos, com o marido, dá comida e boa disposição ao seu pequeno restaurante que não passa de uma mesa-chapa-quente redonda e que tem o nome do filho, notoriamente o orgulho da família, Hiro Chan, “é professor! professor!”. A mãe olha para mim e vai daí: “Olhem para esta cara linda, de bebé grande, olhem para estes olhos, grandes, grandes, lindos, me-me san, senhor olhos grandes”, traduziu-me a minha guia, rindo-se a bom rir, juntamente com os demais comensais (aliás todo o almoço foi uma festa familiar). Há que dizer que comparando com os cidadãos japoneses (e com praticamente todo o resto do mundo) os meus olhos são grandes. Agora, Me-me san forever. Se esperávamos só melancolias em Hiroxima, estávamos muito enganados. Houve tempo até para mais alegrias, entre passeio bucólico pelos jardins e “castelo” reconstruído como museu, em brincadeiras com samurais em versão pop a actuar para as fotos, a cruzar a cidade de eléctrico e a ver templos e museus, a entrar num hotel-cápsula e a ver os prédios high-tech ou a saborear a boa vida nesta cidade no delta do rio Ota, cruzada veneziamente por canais, bebendo uma cerveja numa esplanada ribeirinha. Ao jantar, mesmo, numa outra casa tradicional, uma izakaya, a saborear a especialidade de uma carne de vaca Wagyu (uma das mais celebradas do mundo), por nós grelhada em chapa e a sorrir perante a surpresa de na carta haver um vinho alentejano, um Porco Tinto de seu nome, com que brindamos ao caos que é o mundo e a vida em geral. Sim, o nosso dia nesta Hiroxima levantada do chão, embora cinzento e chuvoso, não é feito de guerra. É feito de paz. Mas, sim, o passeio central do dia, esse foi mais doloroso. Fomos pelos locais atómicos, epicentro de todas as visitas. Pelos espaços da memória, pela ponte em T que serviu de alvo à bomba – que matou mais de 80 mil pessoas com sequelas e mais mortes por anos fora de muitos mais milhares. Pelo espaços e vistas da Cúpula da Bomba Atómica, Genbaku, antigo pavilhão de feiras e exposições comerciais que, embora descarnado, se manteve de pé após a bomba, com a sua cúpula esvaziada a erguer-se nos céus, o único e maior prédio a ficar de pé na zona. Todos os que estavam dentro dele morreram, a estrutura ficou. Como um corpo derretido cujo esqueleto permanece altivo. Por todo o território do Memorial e Museu da Paz, onde a cada passo, estátua, monumento, sino, chama ardente, somos lembrados do martírio mas também da esperança de que não volte a acontecer. Pela cidade, cada passo nosso traz essa memória. E o medo nuclear continua bem presente, como sabemos – até por acidente, como o recente caso da central nuclear de Fukushima veio lembrar ao Japão e ao mundo. “Frágil, sinto-me frágil. Nós achamos sempre que somos fortes, parece que é sempre tudo para sempre. Mas depois isto acontece e tudo acaba, tudo desaparece. A beleza é destruída de repente. O ser humano não é muito forte. Acabei de sair do museu e o que sinto é isso, fragilidade. Temos que nos unir para que isto nunca mais aconteça no mundo. (Rina Arai, 16 anos)Big in Japan? Não, sinto-me muito pequeno enquanto oiço Rina. Ela, como nós, acaba de sair do Museu e Memorial da Paz, as expressões do rosto da minha guia japonesa denotam uma mescla de surpresa e emoção. Eu observo as duas enquanto as minhas perguntas são traduzidas para japonês e as respostas chegam daquele pequeno corpo em fato colegial que só deixa o movimento das mãos, do pescoço e do rosto pesado ao ar livre. É com um nó na garganta que a minha tradutora me entrega as frases de Rina e é com o mesmo nó na garganta que as oiço e aponto. Rina, 16 anos, estudante do secundário em Kasukabe – a quase mil quilómetros daqui, perto de Tóquio -, acaba de fazer uma visita de estudo com os seus colegas ao enorme complexo que regista, reconstrói e mostra, imagem a imagem, o apocalipse nuclear de Hiroxima a 6 de Agosto de 1945, cidade-mártir com direito a uma entrada fatal na História como a primeira cidade do mundo a ser arrasada por uma bomba atómica. “Frágil, sinto-me frágil. Nós achamos sempre que somos fortes, parece que é sempre tudo para sempre. Mas depois isto acontece e tudo acaba, tudo desaparece. A beleza é destruída de repente. O ser humano não é muito forte. Acabei de sair do museu e o que sinto é isso, fragilidade. Temos que nos unir para que isto nunca mais aconteça no mundo. Manhã cedo, dia a clarear, um comboio e um ferry vão pôr-nos em menos de hora e meia algures no Mar Interior do Japão, mar que separa três das ilhas japonesas. Aqui ficamos na paz dos anjos, em Miyajima – na verdade, oficialmente é Itsukushima, mas toda a gente a conhece pelo outro nome, que significa a ilha do santuário. A bela vista desde o barco explica logo porquê: uma gigante porta, torii, resplandece ao sol no meio das águas, onde, lá atrás, parece flutuar um santuário (ilusão mas realista: é palafita). Não é uma porta qualquer, é sagrada e, acima de tudo é um dos postais ilustrados de referência do país. À chegada, alguns dos seus melhores anfitriões vêm logo receber-nos ao cais. Os veados. Dezenas e dezenas de veados vivem livremente pela peregrinante ilha. Quem é que consegue resistir a isto?Pode dormir-se na ilha em cenário romântico, saborear as especialidades (enguias e ostras, entre elas), passear pelos campos e montanha, fazer a volta dos santuários, que são muitos. Do portal de toda a ilha, o santuário Itsukushima, ao templo budista de Daisho-in, um espaço repleto de vida, onde até se pode aprender a meditar. Pensamento: meditar abre o apetite. Com espaço para uma paragem posterior numa banquinha com pastéis de enguias, rumamos pelas ruas repletas de lojas e restaurantes seguindo as ostras, acepipe local afamado. No Yakigaki-no-Hayashi, devoro estes moluscos que sempre odiei. E, desta feita adorei. Deliciosas, suaves, vinham no prato com uma miniatura da porta sagrada da ilha. Abençoadas ostras. A nossa peregrinação, com direito a festinhas a cada veado que vejo, aflui no grande santuário. Xintoísta, ali está ele a flutuar e até nós parecemos caminhar pelas águas ao longo desta enorme construção em madeira sobre estacas. Os caminhos estão molhados, sinal de que a maré já por ali passou hoje. Há quem tire selfies ininterruptamente e há quem reze recatadamente numa cerimónia privada com um sacerdote. Ao fundo, no meio das águas, a omnipresente porta. Ali ao lado, eu faço as minhas próprias rezas, calças arregaçadas até aos joelhos, vou pela areia e entro pelo mar adentro. Uma viagem é sempre um novo baptismo, certo?É com pena de não ficar a relaxar pela ilha – onde a noite, dizem-me, é peculiarmente pacífica e meditativa – que partimos para o ponto final da aventura japonesa. Osaka acolhe-nos com a mesma trepidação de Tóquio. Confesso que não fazia ideia mas com mais de 2, 5 milhões numa área urbana (a segunda maior, depois da capital) de 20 milhões, é natural que isto volte a faiscar gente e neóns por todo o lado. Na foz do rio Yodo, a cidade parece-me o ponto ideal para o fim, embora, tendo chegado ao anoitecer, já só dê mesmo para vislumbrar luzes e vibrações nocturnas. Passeamos pelo centro do entretenimento, pela área de Namba (Minami), por avenidas que cruzam canais e mais prédios-néon, ruelas da boa e da má vida, admiramos a fachada do velho teatro Shochikuza – um templo do teatro kabuki, arte obrigatória para admirar em próxima visita, enervamo-nos num prédio de centenas de máquinas de jogo tipo slot machines (mas com umas bolinhas que redundam em 10 euros perdidos numa festarola ruidosa), paramos numa tasca para comer petiscos como se não houvesse amanhã (a menos de um euro cada, um sem-fim de variações de tempuras, vegetais e peixinhos, camarões e companhia) bem regados de cerveja. Para sentir toda a Osaka, metrópole da arquitectura contemporânea, agora iluminada como árvore de Natal ao longo da baía, vamos fazer as despedidas num ícone especial, que daqui a poucas horas, pela madrugada, começa o calvário do regresso, que se prolongará por quase 24h, com direito às 8h de, neste caso, regresso ao passado. Vamos despedir-nos via Jardim Flutuante. O Floating Garden Observatory do Umeda Sky Building (na área de Umeda, precisamente) é uma obra extraordinária num dos edifícios mais extraordinários do mundo. São duas torres envidraçadas de 40 andares, ligadas por pontes e nos topos por uma plataforma, que sobem a 173 metros sobre o coração económico de Osaka, projectado por um dos grandes arquitectos do país, Hiroshi Hara. O seu jardim flutuante panorâmico permite-nos, por um chão de pedrinhas e luzes fosforescentes, com recantos para fotografias amorosas e perfeitas, circular em redor do topo como se caminhássemos pelos ares. Aos nossos olhos, é Osaka by night 360º até aonde a vista alcança. Daqui parece que vemos toda a cidade. Para mim, um horizonte sobrepontuado de luzes de onde parece que vejo todo o meu Japão com estes olhos grandes que o céu há-de comer. (…)Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. p. s. – «Chieko descobriu as violetas que floresciam no velho tronco de carvalho. “Floriram também este ano. ” Com estas palavras foi ao encontro da doce Primavera. (Yasunari Kawabata, Kyoto [1962])», citação de abertura do novíssimo livro de valter hugo mãe, “Homens Imprudentemente Poéticos”, passado no Japão. E por nipónica coincidência o livro que comecei a ler assim que voltei desta viagem. É um livro onde não surge a palavra Não. "A palavra Não sublinha um traço impróprio no Japão, porque difere da relação cerimoniosa que estabelecem uns com os outros. Os japoneses evitam dizer por norma Não e optam por uma expressão para essa negativa que, traduzida à letra, terá o significado de "isso é difícil", disse o escritor esta semana a João Céu e Silva, no DN, descobridor da particularidade literária. "Essa negativa intermédia que os japoneses usam acaba por ser a solicitação do entendimento do outro sem que a conversa atinja o seu limite. Coisa que entre nós acontece muitas vezes, levando com o Não o diálogo ao limite". (Lembro que os “não” citados neste artigo chegaram praticamente todos via tradução). No Público, um vídeo leva-nos ao Japão, e a uma "floresta dos suicídos", central para o livro, com valter hugo. Sim, é o livro que aconselho, a quem chegou até aqui, para continuar a viagem. A Fugas viajou a convite do Turismo do Japão, Japan National Tourism Organization - (o organismo não tem gabinete em Portugal: está sob a alçada de Paris – info@tourisme-japon. fr)O nosso voo foi feito via Lisboa – Londres – Tóquio (British Airways 2h35 + 11h35), Osaka-Tóquio-Paris-Lisboa (JAL - Japan Airlines 1h+12h35, Air France 2h30). Mas há muitas variações (de preços a companhias e horários – lembre-se da diferença horária, GMT +8h/9h) à escolha, embora, infelizmente, nenhum voo directo de Portugal. As companhias oferecem rotas variadas e preços entre cerca de 600 e 800 euros (pesquisa base para Tóquio na Primavera), da British à Air France/KLM, Lufthansa, ANA ou JAL, da Turkish (via Istambul) à Emirates (via Dubai). O motor skyscanner. com pode ajudar. Nas agências, um programa de sete noites pelo país custa a partir de 2000/2500 euros. É à escolha: à volta da Primavera, para o deslumbre das ameixeiras (segunda quinzena Fevereiro) e especialmente cerejeiras (sakura) e do desabrochar da Natureza (a arte da contemplação chama-se hanami)? No Outono pelas belas tonalidades da vegetação e folhagem, (admirar a paisagem outonal também tem nome: momijigari)? Ou prefere as neves? Qualquer altura é boa, não se esqueça de verificar os calendários de festividades. Em Junho, chuvas (calor e muita humidade). De Julho a Outubro pode ser época de tufões em algumas áreas. Keio Plaza Hotel: cidadela de 1500 quartos luxuosa perto da estação de Shinjuku, um mundo e com restauração e pequeno-almoço de primeira. 2-2-1 Nishi-Shinjuku, Shinjuku-Ku. 160-8330 - Tóquio. Tel:+81 3 3344 0111. Preços: desde cerca de 250 euros. www. keioplaza. comRestaurante Kurosawa: 2-7-9 Nagatacho, Chiyoda-ku. 104-0045 – Tóquio. (estação: Tameike-Sanno). Tel: +81 3 35449638. Preços: 5000. www. 9638. net/nagata/eng_osakaOutras informaçõesMoeda: 1 euro = 113, 29 ienes (JPY)Preços indicativos (em ienes)Café: 100/150 (mas pode ir a 400) Cerveja: 500 Pequeno-almoço: 350/500 Almoço: entre 700/1000 a 2000 Jantar: 3000/4000 Hotelaria: em Tóquio 7000/10000, Quioto é mais caro, Hiroxima 5000/6000. Um hostel ficará em redor dos 20/30 euros. Metro: 160 a 210 (conforme cidade) Passe um dia: 600 Comboio bala (Shinkansen): Hiroxima-Quioto 2000, Tokyo-Osaka: 14000 Passe para transportes em Hakone: 4000 (Hakone free pass - http://www. odakyu. jp/english) Tabaco: 450 Táxi: 500/700 (2-3 km) Do aeroporto (Tóquio): autocarro 3000, Táxi 30000 Museus: 500/2000Sites e guiasO país é um manancial de atracções a cada passo e a diversidade é garantida. Além dos parcos exemplos vividos no texto, há muito mais. Nestes sites pode recolher muitas ideias e informações. Lonely Planet, Rough Guides ou Frommers têm também bons guias de viagens. Embaixada de Portugal Turismo do Japão: JNTO, (JNTO em português Brasil), dicas oficiais para um Japão mais económico Guia: Japan Travel Guia: Japan Guide Tóquio - site oficial Quioto - site oficial, Quioto Travel - guia, Inside Quioto - guia Hiroxima - site oficial Hakone - site oficial Osaka - site oficialTrês livros para companhiaO Japão é um lugar estranho. (Wrong about Japan). Peter Carey (2005), trad. Carlos Vaz Marques. Col. Literatura de Viagem, ed. Tinta da China (2010). Lost Japan Last Glimpse of Beautiful Japan. Alex Kerr (1993), ed. Lonely Planet / Penguin Books (2015). Sushi Bar – Nós e os japoneses. Eduardo Kol de Carvalho. Ed. Tágide (2005)10 Expressões japonesasBom dia – Ohayoo (gozai masu) Boa tarde – Kon nitiwa Boa noite – Konbanwa Adeus – Sayonara Obrigado – Arigatoo (ou sumimassen), doomo arigatoo Sim – Hai Não – Iie Com licença – Sumimassen Desculpe – Gomen nassai (ou sumimassen, domoo sumimassen) Por favor - Onegai shimasu10 CostumesSapatos: descalçar em qualquer sítio com tatami (boas meias sempre, portanto) Reverência: inclinar cabeça (“15 graus”, segundo meu amigo Hiro) em cada cumprimento e despedida e várias vezes se for preciso Táxis: largue a porta do táxi, ela abre e fecha automaticamente e é controlada pelo motorista Filas: Nem se atreva a furar ou posicionar mal na fila, incluindo no metro ou comboio (escolha a porta, ponha-se na bicha) Filas em andamento: nas escadas rolantes atenção: ponha-se à direita em Tóquio, à esquerda em Osaka Fumar: apenas nos locais com dístico smoking área, nem pense deitar um cigarro para o chão Comida: se lhe oferecerem comida, prove sempre, nem que seja um bocadinho Cartões-de-visita: se os tem, leve-os, é uma obsessão nacional: receba-os com as duas mãos, detenha-se a lê-los, entregue o seu com as duas mãos Pagar:ponha o dinheiro nas bandejinhas indicadas, não fica bem entregar em mão Condução: é à esquerda, à esquerda!AgradecimentosEste trabalho deve muito ao auxílio à preparação de Ikuko Nagao (Turismo do Japão); a Makiko Segawa e Junko Yamada (JFJN); à paciência e desenvoltura (e traduções) dos guias Naomi Kimura, Masatoshi Watanabe, Hiroko Kara e Yasuko Noguchi; e, muito especialmente, ao apoio (antes, durante e depois), de Carla B. Ribeiro, Susana Veiga e Hironori Ando.
REFERÊNCIAS:
Cannes 2015: o regresso de Todd Haynes, Gus Van Sant e Nanni Moretti
Mais títulos vão ser anunciados, nos próximos dias, para as várias secções da Selecção Oficial. Portugueses? Até ao lavar dos cestos é vindima, diz ao PÚBLICO Luís Urbano, o produtor de As Mil e uma Noites, de Miguel Gomes. (...)

Cannes 2015: o regresso de Todd Haynes, Gus Van Sant e Nanni Moretti
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-04-25 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150425174655/http://www.publico.pt/1692576
SUMÁRIO: Mais títulos vão ser anunciados, nos próximos dias, para as várias secções da Selecção Oficial. Portugueses? Até ao lavar dos cestos é vindima, diz ao PÚBLICO Luís Urbano, o produtor de As Mil e uma Noites, de Miguel Gomes.
TEXTO: Com “noventa por cento” do elenco da próxima edição de Cannes fixada, e ainda com títulos a negociar para as várias secções da selecção oficial, Thierry Frémaux, delegado-geral do festival, acaba de anunciar em Paris Jacques Audiard, Matteo Garrone, Todd Haynes, Hou Hsiao Hsien, Nanni Moretti ou Gus Van Sant para o concurso, Woody Allen e a nova animação da Pixar, Inside Out, fora de concurso, os romenos Corneliu Porumboiu e Radu Muntean na secção Un Certain Regard. . . Faltam ainda títulos, que virão a público nos próximos dias. Por isso mesmo. . . e portugueses? “Até ao lavar dos cestos é vindima”, diz ao PÚBLICO Luís Urbano, produtor de As Mil e uma Noites, o filme de mais de seis horas e em três capítulos de Miguel Gomes. A abertura, a 13 de Maio, será feita, como já anunciado, com La Tête haute, de Emmanuelle Bercot, filme que tem Catherine Deneuve e Benoît Magimel, mas a que faltam os condimentos habituais do “filme de abertura” para servirem o tapete vermelho (a propósito: a direcção do festival promete "desacelerar" a prática “ridícula”, no tapete, do selfie, essa “photo de lui même avec lui même”). Segundo Frémaux foi uma decisão muito vincada começar com esse filme e não, por exemplo, com Mad Max: Fury Road, de George Miller, com Tom Hardy, ou Irrational Man, de Woody Allen, com Joaquin Phoenix (que estão fora de concurso): para mostrar que Cannes pode perfeitamente abrir com um título que tem os condimentos da competição, os seus códigos e temáticas – neste caso, a delinquência juvenil, a educação. É a segunda colaboração de Deneuve com a cineasta, depois de Elle s’en Va, em 2013. “Belle année française”, segundo Frémaux, foi complicado escolher, houve títulos que ficaram de fora – o novo de Arnaud Desplechin, Trois Souvenirs de ma jeunesse, poderá ser repescado. Vai ser então o regresso de Jacques Audiard à competição (Un héros très discret, com Mathieu Kassovitz, Un Prophète, com Tahar Rahim, De Rouille et d’os, com Marion Cotillard, foram presenças anteriores), que desta vez traz um filme sem vedetas, Erran, a aventura de um guerrilheiro Tamil em França, onde trabalha como porteiro; ainda Maïwenn (Prémio do Júri em Cannes 2011, com Polisse), agora com Mon Roi, que tem como actriz principal Emmanuelle Bérco, a realizadora do filme de abertura, La Loi du Marché, de Stéphane Brizé, com Vincent Lindon, e Marguerite et Julien de Valerie Donzelli e Macbeth do australiano Justin Kurzel, com Michael Fassbender e Marion Cotillard. A propósito de regressos, dois vendedores da Palma de Ouro poderão habilitar-se a entrar para o clube dos duplamente premiados com o galardão máximo: Nanni Moretti, com Mia Madre (ainda as dúvidas criativas de um cineasta em crise), Gus Vant Sant com The Sea of Trees, sobre o encontro entre um americano que se quer suicidar (Matthew McConaughey) e um, igualmente perdido, japonês (Ken Wanatabe), os dois na base do Monte Fuji. E se se fala em regresso, ei-lo, Todd Haynes, prémio da melhor contribuição artística a Velvet Goldmine na já longínqua edição de Cannes 1998, compete com Carol, com Cate Blanchett e Rooney Mara. É história de amor entre duas mulheres na Nova Iorque dos anos 50. Moretti não é o único italiano, a ofensiva é intimidante: Il racconto dei racconti, de Matteo Garrone, e La giovinezza, de Paolo Sorrentino, filme sobre a velhice (como A Grande Beleza era um filme sobre a fealdade) com Michael Caine, Jane Fonda, Harvey Keitel. E eis os asiáticos: The assassin do taiwanês Hou Hsiao-Hsien (filme de artes marciais - ou a forma como Hou interpreta o género, tal como Wong Kar-wai o interpretou em Ashes of Time, e tal como no caso do cineasta de Hong Kong a produção arrastou-se por vários anos, com interrupções por problemas orçamentais); Mountains May Depart de Jia Zhangke (a China contemporânea, de novo, depois de A Touch of Sin); Notre Petite Soeur de Hirokazu Kore-Eda. The Lobsters de Yorgos Lanthimos, Le fils de Saul de Laszlo Nemes, Louder Than Bombs de Joachim Trier (Oslo, August 31st), com Isabelle Huppert, Sicario de Denis Villeneuve, completam a lista dos 16 títulos anunciados - a selecção poderá chegar aos 20 nos próximos dias. Vão ser apreciados por um júri presidido pelos irmãos Joel e Ethan Coen e nos próximos dias serão também anunciados os restantes jurados. O grego Lanthimos, o realizador do intrigante Alpeis (2011), com o seu grupo de personagens profissionais em fazerem-se passar por quem já morreu para ajudar ao luto dos familiares, foi destacado por Frémaux: The Lobsters será um dos casos misteriosos do certame ("o género de filmes em que não se compreende tudo”); agora os humanos são transformados em animais.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave humanos educação género mulheres japonês luto
E a vida continua, melancolicamente, sem Abbas Kiarostami
O seu último filme, 24 Frames, foi apresentado postumamente no festival para a celebração da 70.ª edição. Thierry Frémaux, o delegado-geral, anunciou gestos de homenagem em Cannes às vítimas do ataque terrorista de Manchester. (...)

E a vida continua, melancolicamente, sem Abbas Kiarostami
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-05-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: O seu último filme, 24 Frames, foi apresentado postumamente no festival para a celebração da 70.ª edição. Thierry Frémaux, o delegado-geral, anunciou gestos de homenagem em Cannes às vítimas do ataque terrorista de Manchester.
TEXTO: “O que ele nos deixou foi isto” — que Thierry Frémaux apresentou como um filme em sketches —, “ao partir ainda abriu pistas e portas, que é o que fazem os artistas. ” Este chamou-se Abbas Kiarostami (1940-2016), o festival de Cannes chamou-o, postumamente, para a celebração da 70. ª edição, apresentando o seu último filme, 24 Frames. No dia seguinte ao ataque na sala do concerto de Ariana Grande em Manchester, o delegado-geral do festival, Thierry Frémaux, anunciando gestos de homenagem às vítimas e seus familiares (o habitual fogo-de-artifício nocturno não iria acontecer; minuto de silêncio na passerelle), terminou com “e a vida continua”, pedido de empréstimo ao filme de 1992 de Kiarostami. Tem de continuar a vida, a liberdade e partilha — Cannes também vai continuar. Não é uma facilidade de citação, é verdade que 24 Frames é isso, começou logo a ser isso. Numa declaração do cineasta sobre o seu projecto, ele dizia que uma vez que os pintores e os fotógrafos só capturam uma imagem e nada do que acontecera antes ou depois dela, decidira utilizar as fotos que tirara nos últimos anos, acrescentando o que imaginara que tinha acontecido antes ou depois do imobilizado. São 24 “cenas”, duas horas de filme, realismo imaginado, fabricado e animado, como se uma natureza-morta desenrolasse, sem precisar de autorização humana, a sua vida própria — é a melancolia que vai tomando conta da experiência de assistir a 24 Frames, de detectar vestígios dos homens (por exemplo, nas janelas de casas e de carros que enquadram e contemplam a neve, o mar, os animais, as vacas, os antílopes, os pombos), mas a narrativa a prosseguir apesar deles, apesar dos tiros que ecoam na neve, dos carros que ameaçam a reunião das aves. . . novas possibilidades de história, portanto. Faz todo o sentido o termo “sketch” empregue por Frémaux para este objecto, porque apesar de o cruzamento de materiais exibir a sua natureza de objecto compósito de cinema, fotografia e instalação, a sua determinação é imaginar histórias. E a vida continua, melancolicamente, sem Abbas Kiarostami. Última imagem que ele nos deixou: um The End ao som de Love Never Dies, de Andrew Lloyd Weber. Para a 70. ª edição, outros amigos foram chamados para celebração, reunião do património do festival, Thierry Frémaux e Cia. propõem ainda dois episódios da nova série com que David Lynch regressa a Twin Peaks (e é um regresso ao festival porque Twin Peaks – Os Últimos Dias de Laura Palmer, o filme que Lynch realizou como prequela à série de 1990-1991, teve aqui, na edição de 1992, a sua primeira pateada); Carne y arena, uma curta-metragem, sete minutos realizados por Alejandro González Iñárritu e fotografados por Emmanuel Lubezki, marcando a entrada da realidade virtual no festival e provando, segundo o delegado-geral quando apresentou a programação, que “é uma arte e não apenas uma técnica” — serve de antestreia a uma instalação que mais tarde vai ser apresentada na Fundação Prada, em Milão; ainda, Top of the Lake – China Girl, dois episódios da série da neozelandesa Jane Campion, a única realizadora a ter recebido a Palma de Ouro — o corpo, não de Laura Palmer, mas de uma rapariga asiática dá à costa, em Bondi Beach.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens ataque carne corpo rapariga morta aves
Akram Khan dança com o pai na cabeça
O coreógrafo e bailarino mostra Desh sexta e sábado no Centro Cultural de Belém. Um espectáculo de deslumbramento mútuo – Khan aceitar ligar-se às suas raízes bangladeshianas, nós pasmamos com uma peça que é, em simultâneo, a cicatrização da relação com o seu pai. (...)

Akram Khan dança com o pai na cabeça
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: O coreógrafo e bailarino mostra Desh sexta e sábado no Centro Cultural de Belém. Um espectáculo de deslumbramento mútuo – Khan aceitar ligar-se às suas raízes bangladeshianas, nós pasmamos com uma peça que é, em simultâneo, a cicatrização da relação com o seu pai.
TEXTO: Logo numa das primeiras cenas, muito antes de se ver perante um elefante ou de trepar a uma cadeira gigantesca, Akram Khan, sozinho em palco, dança com vestígios das danças tradicionais que a mãe lhe ensinou em criança, mas dança, antes de mais, com a figura ausente do seu pai, com a recusa em ser um espelho deste. A cada dois passos, Akram deixa o braço direito ficar para trás, como se alguém lho agarrasse e prendesse, para em seguida sacudir essa presença. “Essa cena representa o estar aprisionado por uma identidade que nos é imposta”, comenta o coreógrafo e bailarino inglês, acerca da herança da cultura bangladeshiana dos seus pais e da forma como a aborda em Desh, solo cuja digressão, passados três anos, termina este fim-de-semana no Centro Cultural de Belém. Não são, por isso, apenas as reflexões identitárias, políticas e ecologistas que se imprimem no corpo de Akram Khan em Desh. Em parte, admite, esta “é uma peça acerca da fragilidade dos pais”. E esse lado, de confronto e de resistência em subjugar-se a uma cultura à qual Akram não sentia pertencer, de recusa desse modelo parental de um emigrado tentando desesperadamente não trair as suas raízes, é aquele que mais se tem transformado desde a estreia da peça em Setembro de 2011, no Curve Theatre, em Leicester. “Só quando nos tornamos igualmente pais é que percebemos a relação com o nosso próprio pai”, admite. “E eu tornei-me pai em 2013, pelo que essa é a grande alteração psicológica desde a estreia. Acho que o Desh é muito sobre o meu pai e sobre o Bangladesh, sobre uma parte da minha identidade da qual fugi durante muito tempo. ”Khan afasta, no entanto, qualquer tentação de leitura psicanalítica ou terapêutica. A relação com o pai, aliás, continua atravessada pela mesma frustração. Mas é de tal forma essencial na composição da peça que o cozinheiro bangladechiano emigrado para Inglaterra e orgulhoso proprietário do seu restaurante (o pai) é trazido para dentro de Desh, tornando a purgação mais clara e efectiva. Aproveitando a observação casual de um amigo que, no decurso de um ensaio, lhe apontou uma pequena cova na cabeça que lembrava um nariz, Akram resolveu desenhar com um marcador, no cocuruto, uma boca e dois olhos para convocar essa personagem do cozinheiro que lhe dizia, por exemplo, “os estúpidos sotaques não fazem de ti um deles”. “Quando se é adolescente”, insiste Khan, “todos queremos ser outros, quaisquer outros menos os nossos pais. E eu não queria nada ser como o meu pai – nem sabia o que isso significava na altura, mas não queria ser bangladeshiano. Queria ser como o Michael Jackson ou o Bruce Lee, e então imitava sotaques diferentes, de forma tosca. Houve uma fase em que me imaginava um tipo do norte de Inglaterra e imitava o sotaque. Quanto mais o fazia, mais frustrado o meu pai ficava. Mas parece-me que é quase sempre assim a relação entre pai e filho. ”Michael Jackson era, na altura, um símbolo autonómico e emancipatório para Akram. Equivalia à adopção inequívoca de uma cultura quotidiana totalmente distante do legado que o pai tentava passar-lhe à força e era a sua contribuição pessoal para o “ambiente muito caótico” em que cresceu. “De um lado”, recorda, “tinha a minha mãe a tocar discos de tipos como o Tom Jones, porque ela trabalhava na fábrica de discos da Decca. Ele, na mesma sala, tocava bandas sonoras de filmes de Bollywood. E eu punha-me a ouvir Michael Jackson no rádio. Num certo sentido, isso abriu-me o espírito. ”Vénia a Noor HossainFoi a poetisa e romancista Karthika Nair quem primeiro lhe propôs criar uma peça sobre as suas origens. Entre a provocação e a cisão continuada com o mundo de casa, Khan respondeu-lhe que isso significaria fazer uma peça sobre Londres. Perante a insistência de Nair em aceitar olhar mais para trás, tentou furtar-se ainda, alegando que nada sabia sobre o Bangladeche. “Bom, talvez esteja na altura de saberes”, respondeu-lhe a poetisa. Foi o que fez. Juntamente com a sua equipa, o coreógrafo desembarcou no Bangladesh, embora pela primeira vez sem ter como destino um casamento ou um funeral e passar o tempo com a família, e sem ter a sua perspectiva sobre o país sistematicamente moldada pelo filtro paterno. “Fomos para ver como o país vive e passámos dez dias a conhecer activistas, políticos, pescadores, agricultores, crianças de rua, mulheres que tinham sido abusadas, artistas – de realizadores a escritores e a fotógrafos. ”Uma das cenas de Desh directamente resultantes da viagem ao Bangladeche coloca Akram Khan esquivando-se a luzes brancas que cruzam o chão do palco, acompanhadas pelo som de buzinas que anunciam uma marcha imparável. Em Daca, como em várias outras cidades asiáticas, chegar de um lado ao outro da rua pode ser coisa para demorar horas e fazer temer pela vida, exigindo uma destreza quase inconsciente para fintar um trânsito torrencial. “Foi um momento muito intenso para nós porque foi um pesadelo”, recorda o coreógrafo. “Não há regras. Se seguirmos regras, acabaremos por ter um acidente. O trânsito vem em 360 graus. Ao voltarmos a Leicester essa cena saiu muito naturalmente, não teve de ser muito coreografada. ”É certo que a fabricação da personagem “pai” em palco resultou da identificação da geografia (levemente) acidentada da sua cabeça, mas Akram Khan andava já de marcador preto na mão, inspirado pela figura emblemática de Noor Hossain. Morto aos 26 anos pela polícia bangladeshiana, em 1987, Hossain foi elevado a mártir em todo o território, tornando-se uma inspiração para todo o movimento pró-democracia. Ao ver fotografias do activista com os slogans “Fora com a autocracia”, “Libertem a democracia” escritos no torso, Khan quis importar igualmente essa imagem para Desh, encontrando depois uma forma enviesada de a evocar, não deixando de se vergar perante um episódio de automática ignição emocional para os bangladeshianos. Com a sua imagem do Bangladesh a transformar-se durante a intensa estada, Akram Khan voltou a Inglaterra certo de que a sua relação com o país dos seus antepassados tornara-se não mais forte, mas seguramente mais clara. “Ajudou-me a compreender um pouco melhor o meu pai, com quem tinha e ainda tenho uma relação muito complicada. E permitiu-me um pouco mais de clareza, uma vez que as emoções nunca são claras. Em certos aspectos, a peça funciona como cicatrização emocional. ”O deslumbramento de olhar para o Bangladesh pela primeira vez com os próprios olhos deixá-lo-ia debaixo de um estado encantatório que apenas consegue comparar com a perspectiva de uma criança no seu dia-a-dia, lidando com um mundo construído para a escala dos adultos. Em palco, quando o vemos frente a um elefante ou uma selva nascidos de um trabalho de animação com que interage em segmentos comoventes, ou sentado numa cadeira desproporcionada para o seu corpo, “é um conceito quase Alice no País das Maravilhas” que assume estar a seguir. Afinal, Desh é, antes de mais, essa tentativa belissimamente contraditória de Akram Khan procurar estabelecer uma relação com uma cultura que sempre lhe quiseram transmitir, mas de forma livre, desobrigada, quase às escondidas. E, por isso, sem pressões, maravilha-se com o país que reivindicou a independência do Paquistão no momento em que não quis aceitar a substituição da língua bengali pelo urdu; cuja relação com a natureza é constante – “a situação em que me encontro mais próximo da natureza”, diz Khan, “é quando vou ao supermercado comprar peixe”; e uma cultura tão rica que, em Desh, o coreógrafo dialoga com a voz da sua sobrinha, instando-a a aproximar-se da cultura bengali, ao invés de tanto se entusiasmar com Lady Gaga. Tal como o seu pai fez consigo.
REFERÊNCIAS:
O nosso eterno cavalheiro do rock’n’roll
Soube muito cedo o que queria ser e o punk mostrou-lhe como o conseguir. Sonhador de pés na terra, estrela no palco e cavalheiro fora dele, Zé Pedro foi o guitarrista e a alma dos Xutos & Pontapés. Morreu aos 61 anos. (...)

O nosso eterno cavalheiro do rock’n’roll
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-12-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Soube muito cedo o que queria ser e o punk mostrou-lhe como o conseguir. Sonhador de pés na terra, estrela no palco e cavalheiro fora dele, Zé Pedro foi o guitarrista e a alma dos Xutos & Pontapés. Morreu aos 61 anos.
TEXTO: Zé Pedro, 61 anos, fundador dos Xutos & Pontapés e ícone do rock n' roll nacional, morreu nesta quinta-feira. Doente hepático, tinha feito um transplante de fígado em 2011 e estava doente há vários meses. Subiu ao palco pela última vez a 4 de Novembro, num espectáculo esgotado no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, o último da digressão Mar de Outono. O velório realiza-se sexta-feira, a partir das 16h, no antigo Museu dos Coches (e não nos Jerónimos como foi inicialmente anunciado). A missa de corpo presente será no sábado, às 13h30 (meia hora mais cedo do que inicialmente previsto), no mosteiro dos Jerónimos. Parte da infância passou-a em Timor-Leste, na montanhosa Maubisse. O pai, Pedro João dos Santos Reis, oficial do Exército, fora destacado para o país asiático, então colónia portuguesa, e com ele viajara quase toda a vasta família – não pôde seguir viagem a irmã recém-nascida, quinta criança de uma família que será de sete, cinco raparigas, dois rapazes e Zé Pedro como o mano mais velho. Partiram de Portugal no final de 1960 e iniciaram viagem de regresso no Verão de 1963. Zé Pedro recordava-se bem da vida livre timorense, pés descalços sobre a terra em correrias nos pátios e entre a vegetação. Houve um episódio em particular que foi contando ao longo dos tempos. Tinha seis anos e, no regresso de Timor, madrugada alta, veria Hong Kong erguendo-se ao longe, toda luz na escuridão, com néones denunciando vida agitada, urbana. A visão deixou marca profunda. “Foi a primeira vez que reparei na electricidade. Era como se estivesse a descobrir a civilização”, diria em várias entrevistas. O fascínio pela magia das luzes manifestou-se cedo e seria, a ela, à electricidade canalizada em rock'n'roll, que devotaria a sua vida. “Pensas que eu sou um caso isolado/ Não sou o único a olhar o céu/ A ver os sonhos partirem/ À espera que algo aconteça”, escreveria décadas depois, na letra de uma das canções tornadas hino da banda que foi o seu sonho (cumprido). Viajante na infância – de Lisboa para Tomar, de Tomar para Timor, de Timor para Lisboa, daí para a Guiné-Bissau nas férias de Verão, para visitar o pai, e Lisboa novamente, mais propriamente o bairro dos Olivais –, faria dessa deambulação constante modo de vida. Foi cidadão que queria ser do mundo partindo em interrail, na adolescência, para descobrir outras realidades e para testemunhar em carne e osso os sons e a agitação que as revistas e capas de discos sugeriam. Mais tarde, estudioso e eterno apaixonado pela música popular urbana, escolheria as cidades a visitar com o mapa das digressões das suas bandas preferidas na mão. Ainda assim, ou também por causa disso, Zé Pedro tornar-se-ia indistinto do país que o viu nascer e cuja evolução nas últimas quatro décadas testemunhou e documentou, através dos seus Xutos & Pontapés. País para cuja evolução, reformulemos, contribuiu, através de uma banda que se tornou referência máxima do rock em português e um verdadeiro marco cultural. No caderno em que registava a infância dos filhos, a mãe, Olga Helena Ricardo Castro Amaro dos Santos Reis, criou uma entrada para o dia 24 de Novembro de 1957. “O Zé Pedro dançou sozinho”, citou Helena Reis, irmã do músico, na biografia que lhe dedicou, Não Sou o Único (Editorial Presença, 2007). “Tínhamos o rádio aceso e estávamos entretidos a conversar; quando demos por ele, estava a dançar muito convencido”. Não há referência a que tenha iniciado a “actuação” com apresentação tornada icónica em mil palcos deste país – “Boa noite, aqui Xutos & Pontapés!”. Mas, de certa forma, e olhando retrospectivamente, essa apresentação já tinha que estar algures no corpo do rapaz nascido a 13 de Setembro de 1956, registado pela mãe como nascido no dia seguinte para afastar o azar. O grito de guerra do palco já estaria a germinar na criança que procurava ter sempre um rádio por perto, que ouvia o pai deliciar-se com o jazz que consumia avidamente, que descobriu o rock'n'roll e, nele, o que queria fazer da vida, enquanto ensaiava posições de guitarra nas réguas em T que as irmãs usavam no colégio. Já tocava uns acordes quando, “eureka!”, descobriu que não precisava de ser um virtuoso para subir a um palco – assim lho mostraram os Ramones e o punk. Bastava saber o que queria e atirar-se de cabeça para que o que queria se tornasse realidade. Zé Pedro, guitarrista e co-fundador dos Xutos & Pontapés, ícone da música portuguesa, estrela arredia a tiques de estrelato, sempre próxima e disponível, morreu aos 61 anos. Habitualmente, figuras públicas da sua dimensão são sentidas pelo público como alguém próximo, como um amigo ou um familiar. Essa ilusão de proximidade, criada pela presença mediática, na televisão, nos palcos, nos jornais e revistas, e pela presença real, através do palco, de um encontro fortuito numa rua, num bar, num clube (Zé Pedro gostava dos concertos e gostava da noite, e o país é pequeno), parecia ser, no caso específico de Zé Pedro, mais que mero simulacro. Nascido José Pedro Amaro dos Santos Reis no Hospital da Estrela, em Lisboa, tinha em palco o carisma das estrelas rock'n'roll, movendo-se no corpo esguio ao sabor dos acordes simples em que se funda o som da sua banda, e tinha, fora dele, uma genuinidade cativante e calorosa. Como costumava dizer: “Eu tenho sempre tempo para falar de rock'n'roll”. E fazia-o com os companheiros de banda, com camaradas músicos, com técnicos de som e de palco, com anónimos, novos e velhos, que o abordavam na rua para trocar dois dedos de conversa. Zé Pedro tinha sempre tempo. Para a maioria dos portugueses, considerando como muito provável que 90% da população tenha ao longo da vida assistido a pelo menos um concerto dos Xutos, Zé Pedro seria realmente alguém próximo com quem já se trocaram algumas palavras, alguém que acompanhou o que somos e fomos sendo desde o final dos anos 1970, período em que os Xutos irromperam na cena musical em concerto modesto, mas que causou estrondo. Alunos do Apolo, Janeiro de 1979: seis minutos durou o primeiro concerto dos punks Xutos & Pontapés, quando os seus membros estavam longe, muito longe, de sonhar que seriam um dia os primeiros rockers portugueses tornados comendadores da nação, cortesia do então Presidente da República Jorge Sampaio, em 2004. A abertura e empatia perante o outro era uma das marcas distintivas de Zé Pedro. Outra, o prazer pela música, inabalável ano após ano, e guia de todas as suas acções até ao fim. Em 2001, quando uma hemorragia no esófago o deixou às portas da morte – “os médicos disseram-me que se tivesse entrado [no hospital] duas horas depois, não me safava”, contou –, saiu do internamento, ainda naturalmente fragilizado, e poucas semanas demorou até subir a palco novamente. Devia-o à sua banda, a toda a equipa que a rodeava e que tinha nos Xutos o seu ganha-pão, e ao público que esperava vê-lo e que já comprara bilhetes. No último 4 de Novembro, subiu ao palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para o último concerto da digressão de 2017. A seu lado, os companheiros de sempre, Tim, Kalú, João Cabeleira e Gui. Perante si, os fãs que cresceram ao longo dos anos até se tornarem muitos, muitos milhares. Começaram por ser um pequeno grupo, uns punks da Amadora que, num concerto dos inícios, em 1979, invadiu o palco onde tocavam os Xutos em aprovação da música e do gesto artístico. Aconteceu no Liceu D. Pedro V, quando Zé Leonel, o primeiro vocalista dos Xutos, vitimado por um cancro no fígado em 2011, partiu em palco um gravador que teimava em não funcionar como devia e atirou os pedaços para a plateia – os pedaços foram devolvidos, o palco invadido. Aqueles punks suburbanos que, contava Zé Pedro, adoptaram a banda como sua, seguindo-a concerto a concerto a partir daí (naquela primeira noite, propuseram logo aos Xutos irem juntos partir umas vitrines à privilegiada Avenida de Roma, para consumar a relação), foram os primeiros. Hoje, como naquele Coliseu lisboeta lotado, o público e os fãs dos Xutos & Pontapés são um grupo transversal a faixas etárias, classes sociais e geografias. São de todos e são para todos. Foi por eles que Zé Pedro continuou, mesmo debilitado pela doença hepática que o obrigou, em 2011, a um transplante de fígado, a actuar todas as noites de mais uma digressão dos Xutos & Pontapés. Por eles, pela banda que será sempre a sua, e por si mesmo. Em Conta-me Histórias, biografia da banda assinada por Ana Cristina Ferrão, Zé Pedro recorda a estreia da banda na supracitada actuação nos Alunos do Apolo, integrada numa comemoração dos 25 anos do rock’n’roll. “A assistência que tinha estado a ouvir, a noite toda, o Rock around the clock e outras coisas similares, ficou estática. Quando acabámos não se ouviu nem uma palma, nem um assobio. Não se ouviu nada. Eles não devem ter percebido absolutamente nada e a verdade é que nós também não”. Foram cerca de cinco canções em seis minutos. Foi o início da história conhecida. Pode ter sido curto, pode ter sido um caos, pode não se ter ouvido sequer um aplauso, mas Zé Pedro não teve dúvidas quanto ao que sentira. “Tinha sido muito excitante. Marcámos logo o próximo ensaio”. Em entrevista a Ana Sousa Dias, publicada no Diário de Notícias em 2016, apresentou a sua definição de rock'n'roll. “O rock'n'roll é um estado de espírito, e uma pessoa ou sente ou não sente. Não é preciso ser músico para se sentir, tem que ver com aventura. Pode ter que ver com uns certos limites na vida, mas tem, acima de tudo, que ver com a realização pessoal de uma vida mexida”. A sua foi, verdadeiramente, uma vida mexida, realizada. Em 1969, os pais compraram uma televisão para a família assistir em directo ao grande acontecimento do ano, a chegada do Homem à Lua. Zé Pedro viu Neil Armstrong dar o grande passo, mas a televisão mostrou-lhe outra coisa, um concerto dos Deep Purple, banda que mais tarde encaixaria na categoria de dinossauros, mas que, naquela altura, funcionou como um despertar. A partir daquele momento, começou a procurar as novidades discográficas, a encomendar a imprensa musical que lhe mostrasse o novo que se ia fazendo no cenário musical. Dois anos depois, os pais levavam-no a ver o seu primeiro concerto. Momento histórico: Zé Pedro foi um dos felizardos que, no primeiro Cascais Jazz Festival, assistiu à actuação de Miles Davis. Fascinou-o aquele homem, quase alienígena, certamente alienígena no Portugal de então, na sua roupa colorida, tronco dobrado sobre a trompete e olhar escondido atrás de grandes óculos escuros. Mas assistir ao concerto teve um efeito secundário. Chegar àquele patamar musical parecia tarefa impossível. “Deixei de ter aquele apetite de ser músico depois de vê-lo: ‘Eh pá! Isto dá muito trabalho, chegar aos calcanhares de uma coisa como esta’”, recordou a Ana Sousa Dias. Ainda não havia os Ramones, ainda não havia o punk rock. Ele ainda não tinha ouvido os primeiros e testemunhado a revolução cultural do segundo para exclamar: “Isto consigo e quero fazer”. Sente-se a electricidade no ar, o entusiasmo, no limite da euforia, que rodeava o momento. Ouve-se o clamor do público e percebe-se como esse clamor contagia o palco. Os versos são, várias vezes, em várias canções, cantados por todos, pelo vocalista e pelos milhares que lotaram o Pavilhão d’Os Belenenses nos dias 29, 30 e 31 de Julho de 1988. Os Xutos & Pontapés viviam o seu primeiro auge de popularidade, ascendendo de banda de culto a verdadeiro fenómeno, alicerçados em canções como Remar remar, Homem do leme, Contentores, À minha maneira, A minha casinha ou Para ti Maria, e nos álbuns Cerco, Circo de Feras e 88. O sucesso devia-se tanto ao protagonismo ganho pelas canções quanto à incansável ética de trabalho: os Xutos & Pontapés haviam resistido à saída do primeiro vocalista, Zé Leonel, haviam acolhido novo guitarrista, Francis, viram-no partir para que chegasse aquele que parece pertencer à banda desde sempre, João Cabeleira. Conseguiram-no guiados pela vontade indomável de Zé Pedro, líder sereno mas decidido, tocando onde e quando os quisessem, para 50 pessoas, para cem ou para cinco mil, tocando sempre. “Assumiram que o rock nunca foi um estilo de música mas sim uma atitude e, quer se queira quer não, um estilo de vida”, escrevia Fernando Magalhães no PÚBLICO em 1999, cumpriam os Xutos & Pontapés vinte anos de carreira. Escrevia mais: “Remar remar, Homem do leme, Circo de feras, Contentores, Quero mais, Não sou o único ou Longa se torna a espera são palavras de ordem para quem se alimenta de palavras de revolta, servidas por melodias cuja força e simplicidade formam uma condensação perfeita da fúria, do espanto, da dúvida e da loucura de quem avança sem olhar para trás. Um segredo que se encontra exposto desde o início no próprio nome do grupo”. No Pavilhão d’Os Belenenses, em 1988, nos concertos que resultarão em Xutos Ao Vivo, Tim cederá o protagonismo ao companheiro de estrada e Zé Pedro cantará Submissão em voz crua e ritmo acelerado, punk mais punk não há. Zé Pedro cantará: “Deixei a escola e fui trabalhar/ Mas é pior do que andar a estudar/ oito horas por dia é muito a aturar/ é tanto tempo, tempo que nem dá p’ra pensar”. Há muito tinham desaparecido os receios de há 17 anos, quando assistira pela primeira vez a um concerto e vira o imponente Miles Davis em palco. Eram nove naquele 7. º andar direito, nos Olivais. Os pais, as duas irmãs mais velhas e as três irmãs e o irmão que chegaram depois dele. Núcleo familiar forte, muito unido e sem sinais de conflitos geracionais. Nos anos 1980, muito solicitado para comentar o fosso entre a geração dos pais e a sua, diria vezes sem conta a jornalistas que nada tinha a dizer sobre esse assunto. Que gostava muito da família, que se dava muito bem com os pais, explicava. A mãe, de resto, não só apoiava a carreira musical do filho como marcou regularmente presença nos concertos até à sua morte, tinha Zé Pedro 27 anos, chegando a ser a responsável pela maquilhagem com que a banda subia a palco. Foi a partir do bairro lisboeta dos Olivais que o adolescente Zé Pedro começou a ver mais, a descobrir mais. Tinha 15, 16 anos quando sentiu pela primeira vez o que era a vida na estrada, acompanhando uma banda local, os Ficha Tripla, até um concerto no Algarve. Ao mesmo tempo, ia contactando com a geração do rock português anterior à sua, a dos Petrus Castrus e dos Objectivo, e prestava atenção ao que fazia Filipe Mendes, o grande guitarrista de Chinchillas ou Heavy Band, o bem conhecido Phil Mendrix dos Irmãos Catita. Demasiado irrequieto e desinteressado na escola – olhando para esses anos, descrevia-se como “speed-freak rebelde” –, foi-se sentindo atraído para a acção política que começa a fervilhar imediatamente antes, durante e logo após o 25 de Abril. Semanas antes da Revolução foi, nos Olivais, um dos membros fundadores de um misterioso CRIME – Comité Revolucionário para a Independência da Malta da Encarnação. Interessava-lhe a agitação e acção directa, não tanto a burocracia das reuniões – na política como na música, portanto. Antes de pegar na guitarra em palco, divulgava música na imprensa, escrevendo crítica musical no Diário de Lisboa (o tio, Ruella Ramos, era o director) e colaborando ocasionalmente com a Rádio Comercial. Foi, por exemplo, o primeiro a escrever em Portugal sobre Horses, o histórico disco de estreia de Patti Smith. O momento decisivo chegaria em viagem. A história é bem conhecida. Verão de 1977 e Zé Pedro em interrail pela Europa. Em Amesterdão, decide inverter marcha. Algures numa vilória francesa aconteceria algo que ele não podia perder. Em Mont de Marsan, Sul de França, realizava-se um festival por onde passaram os Clash, os The Damned ou os Police. Na sua conta de Facebook, em Junho de 2017, Zé Pedro partilhou fotos do festival, com bandas e público a conviver unidos nos alfinetes espetados e nas t-shirts esburacadas. “Nesse momento, a minha vida mudaria para sempre”, escreveu num dos posts. Alex Cortez, baixista dos Rádio Macau, guardou bem nítida na memória a primeira vez que viu Zé Pedro, então alcunhado Podrezinho por influência de Johnny Rotten, o vocalista dos Sex Pistols. Foi num 1º de Maio, assim recordado em Conta-me Histórias: “Ele usava um impermeável amarelo cheio de badges de grupos punk da altura e eu lembro-me de achar aquele personagem curioso, no meio dos trabalhadores que davam vivas à Revolução”. Um ano e meio depois de Mont de Marsan, Pedro Ayres Magalhães, com quem Zé Pedro firmara um pacto assinado a sangue em mortalhas coladas – ainda haveriam de ser grandes na música, ditava –, diz ao jovem guitarrista: “Tomem conta do rock’n’roll, que nós temos que ir para outro lado”. Era o último concerto dos fugazes Faíscas, de quem Zé Pedro era manager, e o da estreia dos Xutos & Pontapés. Pedro Ayres Magalhães foi – para a criação dos Corpo Diplomático, dos Heróis do Mar, dos Madredeus. E os Xutos & Pontapés foram também – tomar conta do rock’n’roll. Zé Pedro atravessou toda a celebrada história que se seguiu com a elegância e frontalidade que revelou desde o início. Enquanto guitarrista, tinha a virtude da simplicidade, indo directo ao assunto através de riffs crus e sequências de acordes eficazes – a âncora em que se suportaram as canções da sua banda. Francis, guitarrista dos Xutos & Pontapés entre 1981 e 1983, dizia-o em Conta-me Histórias: “Sendo um guitarrista limitado, tem um balanço desgraçado, ele em ritmo é fabuloso. É ele e o Kalu na bateria. A guitarra do Zé Pedro não é uma guitarra de encher chouriços: a guitarra dele é importante”. Enquanto figura pública, prezou a transparência, sem falsos moralismos. O carisma de estrela em palco, do alfinete espetado na boca às t-shirts apertadas e rasgadas, imagem dos primórdios, aos casacos, sobretudo e pulsos cobertos de pulseiras de metal, qual mestre rock’n’roll, de tempos mais recentes, não tinha equivalência, fora dele, numa pose distante, inatingível. Era um verdadeiro cavalheiro, tão à-vontade com os seus – os músicos, os roadies, os agentes da indústria – como com os admiradores anónimos na rua ou com figuras de relevo na política como Manuela Eanes, fã assumida, ou Jorge Sampaio, o Presidente que agraciou os Xutos com a ordem de comendadores da nação. “Pessoas que gostam do que estão a fazer querem ir o mais longe possível”, disse em 2016 a Ana Sousa Dias. “No meu caso, como músico, acima de tudo, há uma honestidade total em relação à vida que levo. Assumo o que faço e isso é transportado comigo. A andar na rua, a ir às compras, seja o que for, eu também sou o Zé Pedro dos Xutos & Pontapés”. Assim foi. O prazer pela música, pela vida que lhe está associada, foi uma constante. Não só no apoio e no entusiasmo de verdadeiro fã que foi mostrando por bandas das gerações que lhe sucederam, como os Censurados, os Lulu Blind de Tó Trips, que chegou a produzir, os Linda Martini, os Pontos Negros ou os Capitão Fausto. Não só na criação de bandas paralelas aos Xutos & Pontapés, como o Palma’s Gang de revisita rock’n’roll ao cancioneiro de Jorge Palma, os destrambelhados Os Cavacos ou, mais recentemente, Os Maduros e os Ladrões do Tempo. Sempre atento, rodeado de revistas, de DVD, CD e vinil, divulgou música das mais diversas formas: na rádio, em programas que passaram por diversas emissoras; na televisão, através de Viva o Vídeo, onde, ao lado de Xana e de Henrique Amaro, revelou em primeira mão em Portugal o emergente panorama grunge, por exemplo; enquanto DJ, actividade que manteve nas duas últimas décadas; ou no clube Johnny Guitar que co-fundou e, que nos anos 1990, foi o grande centro criativo musical lisboeta, digníssimo sucessor do Rock Rendez Vous onde os Xutos haviam feito boa parte da sua história inicial. Com o passar dos anos, viu como a sua banda cresceu até se tornar verdadeira instituição nacional, saltando dos clubes para os pavilhões, daí para os Coliseus, para o Pavilhão Atlântico, para os eventos de massas que são os festivais de Verão. Nas corridas Portugal fora, em inúmeras digressões, viu as auto-estradas cortarem o país, viu como os fãs de ontem continuavam presentes enquanto novos, por nascer quando os Xutos deram os primeiros passos, se juntavam em coro com a banda. Em 2003, cumpriu um sonho antigo ao tocar na primeira parte do concerto dos Rolling Stones no Estádio Cidade de Coimbra – “Foram a banda que me levou a ser músico e que me levou a tocar guitarra”, contou em Não Sou o Único. Nos anos 1980, ultrapassou um período de dependência da heroína do qual sempre falou com desassombro, sem falsos dramatismos e sem moralidade de pacotilha. Em 2001, foi internado de urgência e viu a morte de perto – mal teve alta, preparou o regresso aos palcos, que não demorou mais que umas curtas semanas. Em 2011, a persistência dos problemas hepáticos – sofria de hepatite C –, obrigou-o a um transplante de fígado e, também nessa altura, não demorou a regressar a palco – podia lá faltar ao concerto no Optimus Alive, onde iria partilhar palco com Iggy Pop & The Stooges. Em 2013, casou com Cristina Avides Moreira. Em 2014, os Xutos & Pontapés editaram o seu 13º álbum de estúdio, Puro. Este ano, quando apenas os mais próximos estavam cientes do seu estado de saúde, fez questão de subir a palco em todas as datas da digressão, com excepção de Toronto (e por imposição dos companheiros). Lembramo-nos de algo que dissera em Conta-me Histórias: “As tournées matam um bocado. Mas o que é giro é que a gente conseguiu passar por muita coisa e ainda ficamos loucos só de pensar em ir para a estrada”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Fragilizado, naturalmente menos comunicativo, tocou noite após noite. Depois da noite de despedida da digressão, emitiu um comunicado. “Como sabem, tenho andado na luta da vida com alguns problemas de saúde… Tentei e tento dar sempre o melhor de mim”, começou por escrever, revelando que iniciaria no dia seguinte um novo tratamento. “Garanto que é para ganhar. Eu sei lutar e acredito”, despediu-se. Zé Pedro ganhou. Zé Pedro, 61 anos, uma vida de rock’n’roll tatuada na paisagem e na memória de um país.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Prelúdio ao início da dança
Emmanuelle Huynh trabalhou sobre a ideia de um tempo em suspensão. (...)

Prelúdio ao início da dança
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Emmanuelle Huynh trabalhou sobre a ideia de um tempo em suspensão.
TEXTO: Tôzai. . . ! é o grito que, desde os bastidores, anuncia o momento inicial do bunkaru (teatro de marionetas japonês, cuja tradição popular remonta ao século XVII), e o movimento de abertura da cortina, arrastada “de oriente a ocidente” por um personagem invisível, enrolado no próprio tecido. O título da peça de Emmanuelle Huynh (França, 1963) resume o gatilho da obra e um dos seus temas criativos recorrentes: o fascínio pela cultura performativa nipónica ancestral (o teatro nô, bunkaru e kabuki) que, resistindo às atribulações do país, conhece hoje derivações que reactualizam os seus dispositivos de narração. Huynh trabalhou sobre a ideia de um tempo em suspensão: a misteriosa transição cerimonial entre “o antes” e “o início” do espectáculo. Uma cortina cinza atravessa o meio do palco durante o primeiro terço da peça; ainda o público se acomodava, e uma intérprete, de calças de treino pretas e camiseta parda casuais, parece perscrutar a cena; o seu movimento, alimenta-se do texto poético narrado em off por uma meia-voz masculina. A luz decai sobre as duas mulheres e três homens que lhe sucederão: a indumentária neutra, rompida por apontamentos coloridos, brilhos ou transparências, acentua as distintas morfologias dos corpos e seus registos gestuais. O longo prólogo, dizia a folha de sala, inspirava-se no protocolar sambaso, figura do bunkaru: a vistosa performance preliminar visa purificar a atmosfera de espíritos nocivos, energizar a actuação de bons auspícios. Coreografia:Emmanuelle Huynh (2014)Lisboa, Grande Auditório da Culturgest, 21h30Sala a um terçoA cortina é, em Tôzai…!, a personagem central. Alusão à grande pálpebra vertical que, no bunkaru sucessivamente cobre e descobre a acção teatral, abrindo profundidades no palco e as camadas do tempo narrativo. O desafio de Huynh era construir uma dança que operasse nesse limbo, entre “o que ainda não é” e o que ”já é”; descolar do seu território referencial e estendê-lo a todo o acto teatral, onde a cortina (real, simbólica) marca o espaço/tempo que distingue a representação (função tendencialmente desempenhada pela luminotecnia nas práticas performativas de hoje). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas a peça não define estratégias claras para ocupar esse lugar volátil, impreciso. Cede a trazer outros referentes que conflituam com a moldura preambular onde se queria instalar. O movimento dos bailarinos evolui para outros imaginários da dança: há, nos braços, esboços de ondulações de cisne, poses helénicas de inspiração modernista, posturas de artes marciais e sugestões animalescas do teatro asiático, meneios casuais ou o formalismo aleatório da dança pós-moderna; envereda-se, ocasionalmente, por instantes de paroxismo. As identidades performativas são, quiçá, demasiado marcadas, e a banda sonora (difusa, no limiar audível), de sonidos electrónicos, ressonâncias de shamisen tradicionais, ecos de passos e vozeares indistintos, convoca espaços paralelos, outras viagens mentais. Se pouco sobrevive do referencial de partida, tal não se seria questionável se Tôzai…! lograsse levar-nos, de modo meramente sensorial ou abstracto, até às subtilezas do espaço/tempo intercalar que quer habitar. A leitura da peça fica algo refém do discurso conceptual da Huynh. O registo errático envolve-nos, todavia, numa serenidade delicada, de sabor oriental que, nos seus melhores momentos, quase materializa o tempo suspenso, fina ansiedade e presságio, antes do espectáculo começar.
REFERÊNCIAS: