O casamento faz bem ao coração, sugere artigo científico
De acordo com um artigo de revisão, as pessoas casadas têm menos probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares. (...)

O casamento faz bem ao coração, sugere artigo científico
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.7
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: De acordo com um artigo de revisão, as pessoas casadas têm menos probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares.
TEXTO: As pessoas casadas podem ter menos probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares ou morrer de um ataque cardíaco ou AVC, sugere um artigo de revisão. Os investigadores examinaram dados de 34 estudos que incluíam mais de dois milhões de pessoas. No geral, descobriram que em comparação com pessoas casadas, adultos que eram divorciados, viúvos ou nunca casados tinham mais 42% de hipótese de desenvolver doenças cardiovasculares e 16% mais propensos a desenvolver uma doenças das artérias coronárias. Pessoas solteiras também tinham mais 43% de hipótese de morrer de doenças cardíacas e mais 55% de probabilidade de morrer de AVC, relatam os investigadores na revista Heart. Todos os estudos da presente análise foram publicados entre 1963 e 2015 e incluíam pessoas com idades entre os 42 e 77 anos, da Europa, América do Norte, Médio Oriente e Ásia. Embora o estudo não tenha sido uma experiência controlada para provar se ou como o casamento pode ajudar a melhorar a saúde cardíaca, há muitas razões para este estado civil ter um efeito protector, incluindo o facto de as pessoas terem uma maior estabilidade financeira e apoio social, justifica o investigador principal, Mamas Mamas, da Universidade de Keele no Reino Unido. "Por exemplo, é bem sabido que os doentes são mais propensos a tomar medicamentos importantes após um acidente como um ataque cardíaco ou um AVC, se forem casados, talvez por causa da pressão conjugal", diz Mamas por e-mail, citado pela Reuters. "Da mesma forma, são mais propensos a participar na reabilitação, que melhora os resultados após AVCs ou ataques cardíacos. "Ter um parceiro por perto também pode ajudar os pacientes a reconhecer sintomas precoces de doenças cardíacas ou o início de um ataque cardíaco, acrescenta o investigador. O divórcio foi associado com mais 33% de hipótese de morte por doença cardíaca coronária e mais do dobro do risco de morte por AVC, conclui o estudo. Os homens e as mulheres que se divorciaram também eram 35% mais propensos a desenvolver doenças cardíacas do que pessoas casadas. Enquanto isso, as viúvas tinham mais 16% de hipótese de ter um AVC do que os as casadas, mas não pareciam ter um maior risco de ataques cardíacos. Embora investigações anteriores tenham ligado o casamento a melhores resultados para doentes com problemas cardíacos, o estudo actual oferece novas provas do risco para pessoas solteiras por diferentes razões, diz Brian Chin, investigador na área da psicologia da Universidade Carnegie Mellon, na Pensilvânia, que não esteve envolvido no estudo. "Dado que o trabalho anterior sugeria que os benefícios do casamento para a saúde são significativamente mais fortes para os homens do que para as mulheres, é especialmente surpreendente que este estudo não tenha encontrado diferenças entre homens e mulheres", diz Chin por e-mail. As relações de género ainda pode desempenhar um papel nos diferentes resultados para os doentes casados e não casados, escreve no editorial Stefania Basili, da Universidade Sapienza de Roma, acompanhada por alguns colegas. "Uma leque amplo de factores comportamentais, processos psicossociais e factores pessoais e culturais podem criar, suprimir ou amplificar as diferenças biológicas subjacentes nas doenças cardiovasculares", escrevem. As limitações do estudo incluem a falta de dados sobre casais do mesmo sexo ou a qualidade das relações conjugais, observam os pesquisadores. É possível que pessoas solteiras não cuidem tão bem da saúde do coração quanto indivíduos casados, diz Mamas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Independentemente do estado civil, as pessoas podem reduzir o risco com um estilo de vida saudável, não fumando e fazendo exames físicos regulares, acrescenta Mamas. O exercício também é importante. "Costumo aconselhar os casais a fazerem exercício físico juntos, porque assim têm mais probabilidade de ganharem o hábito", acrescenta Mamas. "Vão ao ginásio, corram ou pedalem juntos – fazer actividade juntos fortalece a relação e melhora a saúde cardiovascular de ambos os parceiros", termina.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte homens ataque social doença sexo género estudo mulheres casamento divórcio
Vícios públicos, privadas virtudes
Um filme menor de um cineasta contudo interessante, Eva vive de um curioso jogo de espelhos e palcos – e de uma Isabelle Huppert espantosa mesmo que sem surpresas. (...)

Vícios públicos, privadas virtudes
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um filme menor de um cineasta contudo interessante, Eva vive de um curioso jogo de espelhos e palcos – e de uma Isabelle Huppert espantosa mesmo que sem surpresas.
TEXTO: Caso curioso, este de Benoît Jacquot, cineasta de enorme inteligência que, ao longo dos últimos filmes, parece estar a carburar “abaixo das suas possibilidades” mas nunca nos leva a dar o tempo por mal empregue. Acontece de novo com este Eva, adaptação de um romance policial de James Hadley Chase onde o cineasta prolonga a exploração dos jogos de poder e sedução do dito “sexo fraco” que víramos, por exemplo, em Adeus, Minha Rainha (2012) ou Diário de uma Criada de Quarto (2015). Eva, a personagem que dá título ao filme, é uma call girl de luxo em Annecy que mantém as suas “virtudes privadas” absolutamente separados dos seus “vícios públicos” — uma mulher de duas caras que embate de frente com um homem também ele de duas caras, um antigo call-boy parisiense que se torna num dramaturgo de sucesso à conta de uma peça que roubou e apresentou como se fosse sua. Um encontro de máscaras, de imposturas — mas se ela sabe quem é e o que quer, ele é um homem que não sabe quem é e que canibaliza os outros para se inventar. Realização:Benoît Jacquot Actor(es):Isabelle Huppert, Gaspard Ulliel, Julia Roy, Marc BarbéEm grande parte devido à presença de Isabelle Huppert no papel principal, capaz de “transformar” a atmosfera com um olhar, um movimento, um tom de voz, Eva gere-se sempre numa corda-bamba algo insolente entre a comédia screwball e o thriller psicológico, mais interessante quando Jacquot joga com o subtexto teatral da história. As suas personagens estão permanentemente “em cena”, todo o filme se ancora no modo como os limites do “palco” (que, aqui, é também a vida) são respeitados ou transgredidos. Mas se Huppert é perfeita no papel (mesmo que seja o tipo de mulher que ela já faz com as duas pernas atrás das costas), também é verdade que a sua presença e o próprio tom de Eva convocam uma injusta comparação com o Ela de Paul Verhoeven que o filme de Jacquot não pode sequer aguentar. E, perante o instrumento afinado que é a actriz, Gaspard Ulliel é surpreendentemente anémico, carinha laroca incapaz de aceder à turbulência interior que supostamente move a sua personagem. Ficamos com uma senhora actriz e uma série de boas ideias de cinema. E com mais um filme menor de um cineasta que já fez melhor.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher rainha homem sexo
Tudo sobre a minha irmã
Benoît Jacquot e Isabelle Huppert são, dizem, eles, irmãos de cinema. Eva, a sua sexta colaboração, falso film noir à volta do conceito de identidade, chega esta semana às salas. (...)

Tudo sobre a minha irmã
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Benoît Jacquot e Isabelle Huppert são, dizem, eles, irmãos de cinema. Eva, a sua sexta colaboração, falso film noir à volta do conceito de identidade, chega esta semana às salas.
TEXTO: Numa sala discreta do hotel Adlon, em Berlim, o realizador Benoît Jacquot, sentado em frente a um pequeno grupo de jornalistas, fala da sua cumplicidade de longa data com a actriz Isabelle Huppert. Uma cumplicidade que é, também, diz ele, uma fidelidade – “uma fidelidade verdadeira, baseada na estima que temos um pelo outro, e pela proximidade que temos a todos os níveis. A Isabelle é para mim – e creio que ela dirá o mesmo – uma irmã de cinema. ”Pouco tempo mais tarde, noutra sala do Adlon, perante um outro grupo de jornalistas, uma Isabelle Huppert bem disposta, afável, divertida, pega nas palavras de Jacquot como se tivesse sido ela a dizê-las. “Sim, o Benoît é meu irmão de cinema, ” confirma. “De certo modo, pertencemos a uma mesma família. Sinto-me muito próxima dele, ao ponto de não precisarmos de. . . ” Faz uma pausa. “Nunca discordamos. Confio nele, e ele confia em mim. É como com Claude Chabrol, ou Paul Verhoeven, ou Michael Haneke – com eles, é uma relação que vai, até, para lá da confiança. ”O pretexto para tantas efusões mútuas? Eva, que esteve a concurso no festival, e que chega esta semana às salas portuguesas. É a sexta colaboração entre a actriz e o realizador, após Villa Amalia (2009), La Fausse suivante (2000), Pas de scandale (1999), L’école de la chair (1998) e As Asas da Pomba (1981). Na década decorrida desde Villa Amalia, Huppert ascendeu ao estatuto de melhor actriz do mundo, rodando com Hong Sang-soo, Brilhante Mendoza, Claire Denis, Mia Hansen-Løve ou Catherine Breillat, e que culminou na sua nomeação para o Óscar por Ela, de Paul Verhoeven. (Ainda há pouco a vimos em Madame Hyde, de Serge Bozon, que lhe valeu o prémio de melhor actriz em Locarno. ). No interim, Jacquot (n. 1947), o autor de Sade (2000) e senhor de um percurso discreto mas altamente pessoal pelo cinema francês, assinava Adeus, Minha Rainha (2012), 3 Corações (2014) ou Diário de uma Criada de Quarto (2015), com Léa Seydoux no papel que Jeanne Moreau desempenhara na versão de Luís Buñuel. Um filme menor de um cineasta contudo interessante, Eva vive de um curioso jogo de espelhos e palcos – e de uma Isabelle Huppert espantosa mesmo que sem surpresas. É por aqui que se faz uma de várias pontes possíveis entre os percursos de Huppert e Jacquot e Eva: o novo filme adapta um romance negro de James Hadley Chase, Eve, já levado ao cinema em 1962, com Jeanne Moreau no papel principal, sob a direcção de Joseph Losey – que dirigiu Huppert no seu penúltimo filme, Uma Estranha Mulher (1982), dois anos antes de morrer. Mas tanto Jacquot como Huppert mantiveram o filme de Losey à distância ao preparar Eva. A actriz afirma não o ter visto, talvez para não sentir a sombra de Moreau a pairar sobre a sua visão da personagem. “Em todo o caso, não é um dos filmes mais recordados de Losey, nem dos seus melhores”, defende Jacquot. “Vi-o há muito tempo e nunca mais o revi, mas sei que não é dos meus Losey preferidos, mesmo gostando muito do cineasta. ” (A ironia é que Eva, recebido com frieza e até alguma desilusão em Berlim, também não ficará como um dos grandes filmes de Jacquot. )Já em contrapartida o livro de Chase, escritor cuja obra o realizador considera portadora de uma “perturbação, de uma escuridão bastante festiva, de uma ambiguidade constante”, foi directamente convocado pela sua vedeta. “É verdade que o livro me andou a perseguir durante anos, mas não o reli antes do filme, ” sorri Jacquot. “Foi o meu co-argumentista, Gilles Taurand, quem o leu, e trabalhámos o guião a partir da experiência de leitura dele e das minhas recordações. Só voltei ao livro durante a rodagem, e a pedido da Isabelle – porque ela achava que havia coisas interessantes que iriam enriquecer a personagem e que tínhamos deixado de fora”. Eva, então. Como sugere o nome bíblico, uma mulher fatal, um fruto proibido. Uma call girl de luxo na província francesa que se cruza um dia com Bertrand (Gaspard Ulliel, o Yves Saint-Laurent de Bertrand Bonello), dramaturgo que acaba de ter um grande sucesso com a sua primeira peça. Algo interpela Bertrand nesta mulher que não revela o seu verdadeiro nome aos clientes (Eva é “nome de palco”), que vive de “fingir” ser outra pessoa, de assumir outras identidades. Talvez porque Bertrand é, também ele, um “impostor”: ele também foi prostituto, até ao momento em que um cliente lhe morre à frente, deixando em cima da mesa o manuscrito inédito e acabado de uma peça, que ele roubou e fez passar como sua. Eva e Bertrand vivem ambos uma mentira, mas de modos diferentes. Huppert: “Bertrand sente-se atraído por Eva porque ela é uma espécie de 'duplo' dele, mas completamente diferente. Ele sente-se fascinado pela capacidade que ela tem de ser forte, por ela ser tão diferente dele, não ter uma vida intelectual. Ela é puro instinto. A relação que criam acaba por ser muito tóxica. ”E também muito teatral. Não é por acaso que o texto que Bertrand roubou é uma peça; que a relação com Eva começa durante a digressão da peça, num momento em que ele luta com a necessidade de escrever algo novo; que cada cena do filme tem qualquer coisa de pequena encenação perante uma audiência. Jacquot, que tem trabalhado como encenador de teatro e de ópera, assume essa dimensão de representação ao longo do filme. “É algo que me interessa muito, ” diz, “criar com estes actores, nestas situações, uma realidade permanentemente afectada pela improbabilidade, pela dúvida, pelo desdobramento, uma realidade que está sempre em confronto com a sua própria negação e irrealidade. O princípio do filme é que toda a gente tem duas caras. ”E Huppert deixou essa dimensão também seduzi-la no papel. “Ser prostituta é como usar um fato em cena, ” lança. “Não digo que seja exactamente como uma actriz; a ideia da máscara não é sempre usar uma máscara visível, bem pelo contrário. Mas eu não definiria Eva como 'dúplice'. Ela não é obviamente manipuladora nem cínica, é alguém de dividido e de certa maneira frágil. É uma história sobre a identidade, sobre quem somos realmente, e também sobre duvidar de nós próprios. Bertrand constrói a sua vida sobre uma mentira, sabe que roubou algo e que a sua vida mudou à conta disso. Mas talvez todos nós construamos uma vida sobre uma mentira. Quem sabe?”Escusado será dizer que não há em Eva personagens simpáticas ou felizes. “Detesto as personagens simpáticas no cinema!” ri-se Jacquot. “Isso não me interessa, é uma ficção. Todos sabemos que as personagens de bad boys são romanesca e cinematograficamente mais interessantes, é um lugar-comum. Cary Grant interessa-me mais que James Stewart. . . ” E Huppert tem feito carreira com personagens que desafiam a lógica das catalogações. “São a ambiguidade e a complexidade que me interessam nos papéis, porque nunca estabelecem limites, ” explica a actriz. “Pelo contrário, são uma abertura, uma possibilidade de levar a personagem em muitas direcções. Mas sabe, são os papéis que vêm ter comigo, não sou eu que os vou buscar…” Sorri. “Não sei porque é que mos propõem, mas tenho consciência de ser percepcionada desse modo. Independentemente da complexidade ou da ambiguidade ou da perversidade, o que me interessa é relacionar isso com os sentimentos dos espectadores. Quando fazemos um filme esperamos a certa altura tocar as pessoas, falar com elas, fazê-las pensar sobre si próprias. É esse o prazer de fazer um filme. O cinema é a ferramenta ideal para revelar essa ambiguidade, essa complexidade. Os cineastas que foram mais importantes para mim – quer seja Michael Haneke, ou Benoît, ou Claude Chabrol – souberam sempre guardar a distância certa das histórias e das personagens para não se tornarem excessivamente sentimentais. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Regressam a cumplicidade e a confiança que ligam Huppert a Jacquot, que a fazem incluí-lo no seu “círculo íntimo” de cineastas a quem nunca se diz não. Quem mais faz parte desse círculo?, pergunta-lhe uma jornalista. “Michael Haneke. Hong Sang-soo, sempre que ele quiser. ” Faz um aparte entre risos: “De qualquer maneira, os filmes dele também nunca me tiram muito tempo! E, definitivamente, Serge Bozon. ” E alguém com quem ainda não tenha rodado? “Há dois realizadores com quem ainda não rodei e quero muito: Andrei Zvyagintsev e Paul Thomas Anderson. ”É por estas e por outras que Benoît Jacquot diz – regressando à fidelidade – que Huppert é uma das grandes actrizes (assim mesmo, com ponto final e tudo): “Para mim, e ao longo das décadas que levamos a trabalhar juntos, ela continua a ser exactamente a mesma pessoa. Tem a mesma perspectiva sobre a representação, os mesmos interessantes, as mesmas frustrações, e continua a ser exactamente a mesma. E tenho certeza que a Isabelle é a actriz francesa a ter, mais do que uma carreira, uma obra, ao mesmo nível que falamos da obra de um cineasta ou de um escritor. Desde a Jeanne Moreau, precisamente. ” Pausa. “E talvez ao mesmo nível da Catherine Deneuve. Mas não há mais nenhuma. Só estas três. ”E Isabelle Huppert, diz o quê? “A única coisa que me mete medo é fazer um filme estúpido com um realizador estúpido. ” Ri-se.
REFERÊNCIAS:
A feira das ladras
A versão girl power de Ocean’s Eleven é gelado de marca branca que engana o paladar em vez da luxúria artesanal do original de Soderbergh. (...)

A feira das ladras
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: A versão girl power de Ocean’s Eleven é gelado de marca branca que engana o paladar em vez da luxúria artesanal do original de Soderbergh.
TEXTO: O facto de ter havido duas sequelas inferiores e de agora surgir esta versão inteiramente feminina não fará nunca esquecer a perfeição do Ocean’s Eleven que Steven Soderbergh dirigiu em 2001. Esse remake de um filme menor do Rat Pack de Sinatra & cª, infinitamente superior ao original, era a cristalização purificada da essência do heist movie, e uma demonstração de virtuosismo estilístico escondida por trás do grande espectáculo popular. Escusado será dizer, nem Ocean’s Twelve nem Ocean’s Thirteen (mesmo que assinados por Soderbergh) são recordados com o mesmo carinho. E se no papel poderia haver algo de subversivamente contemporâneo na ideia de uma variação inteiramente feminina sobre o tema, em que os 11 homens profissionais do crime de George Clooney são convertidos em oito mulheres profissionais do crime sob a liderança de Sandra Bullock, Ocean’s Eight só muito a espaços cumpre essa subversão. Realização: Gary Ross Actor(es): Sandra Bullock, Cate Blanchett, Anne Hathaway, Dakota Fanning, Sarah Paulson, Matt Damon, Helena Bonham Carter, Hailey Baldwin, Katie Holmes, RihannaEssencialmente, este é um remake do filme de 2001 que se limita a trocar o sexo: quem sai da prisão é Bullock (cuja Debbie Ocean é a irmã de Clooney), e o seu golpe impossível (roubar uma jóia valiosa durante a gala do Metropolitan Art Museum de Nova Iorque) envolve igualmente uma relação passada (Richard Armitage em vez de Julia Roberts). Ora, Gary Ross (Pleasantville, Os Jogos da Fome), por muito que tente, não é Soderbergh (aqui apenas produtor). Falta a Ocean’s Eight a leveza, a precisão, o virtuosismo, em suma, o swing dos originais, substituído por um profissionalismo eficaz mas francamente anónimo que não é capaz sequer de aproveitar o elenco em ouro que tem à frente. Onde Soderbergh foi capaz de explicar com duas cenas toda uma personagem (e tinha muitas mais do que aqui), de criar um grupo que respirava como um todo, Ross não consegue mais do que apontamentos que desaproveitam o talento reunido (raramente teremos visto Cate Blanchett tão apagada) ou as encerram em gavetas (o número de excêntrica que há muito conhecemos a Helena Bonham Carter). O que se salva, então, deste entretenimento de verão? Anne Hathaway, numa extraordinária performance cómica que a confirma actriz sistematicamente subaproveitada pela Hollywood contemporânea, roubando completamente o filme; e James Corden que, entrando apenas já no último acto, lhe dá uma fervilhante injecção de energia. Ocean’s Eight é melhor por eles fazerem parte do filme, mas onde antes tínhamos gelado de luxo, Ross fica-se pelo gelado de marca branca que engana o paladar mas não é a mesma coisa. Soderbergh habituou-nos mal, agora paciência.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime homens prisão fome sexo mulheres feminina
Um grande actor é aquele que mata as personagens: Isabelle Huppert explicada aos extraterrestres
A disponibilidade para a catástrofe — violação, masoquismo, assassinato... — na busca da grande vida que nunca chega. Eis Isabelle Huppert, a “personagem” flaubertiana de uma crítica de cinema, Murielle Joudet, no seu belíssimo (ensaio? ficção?) Isabelle Huppert — Vivre ne nous regarde pas. (...)

Um grande actor é aquele que mata as personagens: Isabelle Huppert explicada aos extraterrestres
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.8
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: A disponibilidade para a catástrofe — violação, masoquismo, assassinato... — na busca da grande vida que nunca chega. Eis Isabelle Huppert, a “personagem” flaubertiana de uma crítica de cinema, Murielle Joudet, no seu belíssimo (ensaio? ficção?) Isabelle Huppert — Vivre ne nous regarde pas.
TEXTO: Foi por uma fotografia, uma em que o cineasta Michael Cimino leva nos braços o corpo de Isabelle Huppert, aparentemente fazendo de morta, na rodagem de Heaven’s Gate, que começámos esta conversa. Nessa única foto de um livro, e logo nas suas primeiras páginas, está o fil rouge que percorre Isabelle Huppert – Vivre ne nous regarde pas, editado em França pela Capricci: a disponibilidade sacrificial de um corpo, ausentar-se dele para melhor o dar aos outros. Ainda por cima há Gustave Flaubert em citação: “Quant à nous vivre ne nous regarde pas: ce qu’il faut chercher, c’est de ne pas souffrir”. Fomos por aí, em conversa com Murielle Joudet, crítica de cinema (Le Monde, Les Inrockuptibles, Chronicart), autora deste ensaio, belíssimo delírio, espécie de biografia de uma “personagem” que desde cedo afirmou a sua dissidência em relação à família, à França, à realidade, e quis escapar – fomos por aí, pela vontade de fugir ao real para o intensificar, fomos pelo “bovarismo” de Huppert, sempre Emma Bovary à sua maneira, menos melancólica e mais action woman, muito antes da Bovary com Chabrol em 1991 (já era isso em Violette Nozière, de 1978, também de Chabrol, em que matava os pais). A disponibilidade para as catástrofes nessa busca da grande vida que nunca chega, uma dissociação que, na perspectiva de Murielle Joudet e nesta sua versão do feminino, faz de Huppert uma heroína romântica, está com o corpo da actriz desde o início, antes dos papéis principais. Por exemplo, quando, por causa de Les Valseuses (Bertrand Blier, 1974) ou Dupont Lajoie (Yves Boisset, 1975), e porque se oferecia a quem passava na França que mal respirava no pós-Maio de 68, inspirava já as “pulsões sádicas e sacrificiais” dos realizadores, mal começara e já era “a actriz mais violada do cinema francês”. Violação, masoquismo, assassinato: entre La Dentellière/Uma Rapariga Frágil (Claude Goretta, 1978), primeiro papel principal, e Madame Hyde (Serge Bozon), último título escalpelizado no livro, Huppert foi banida, presa, condenada. Como escreve a autora, à imagem de uma felicidade demasiado convencional Huppert contrapôs aquilo a que chamaram “a sua plenitude infeliz”. Falha não porque lhe falte algo, falha porque é habitada pelo excesso. A partir de A Pianista (Michael Haneke, 2001), desata a fazer danças e desconstruções abstractas à volta desses “seus” temas, verdadeira “politica de actor”. Ela, de Paul Verhoeven (2016), é já um momento extático de consciência de si e do seu património. Madame Hyde é a história de uma metamorfose, a de uma professora catastrófica que se transforma em criatura fosforescente. Nas páginas de Isabelle Huppert – Vivre ne nous regarde pas dá-se também uma metamorfose, uma luta, e no final “Isabelle Huppert”, que aqui é uma fantasia, ganha, impõe-se às contingências dos filmes, das personagens e dos realizadores. Vivre ne nous regarde pas é também uma ficção de Murielle Joudet. Conversa com a autora, na semana de estreia do último filme da actriz, Eva, de Benoît Jacquot. Esta ideia de que um primeiro papel principal para uma actriz – no caso, Uma Rapariga Frágil/La Dentellière (1977), de Claude Goretta – é “como uma visita ao médico” é forte. Como se fosse necessário uma disponibilidade sacrificial do corpo do actor: não apenas exibi-lo, mas ausentar-se dele para melhor o dar aos outros. Há aquela foto em que Michael Cimino, na rodagem de As Portas do Paraíso (1980), carrega Huppert nos braços, morta, em princípio. Queria começar por essa escolha, e pela presença/ausência do corpo de uma actriz que se diz ser “cerebral”. É mesmo isso: é preciso oferecermo-nos ao cinema, mas primeiro temos de saber se o cinema nos quer. Coloco como proposta que todo o actor tem um filme na sua carreira que foi um pouco como “visita ao médico”, o momento em que o cinema se assegura de que está ali um actor. Porque muitas vezes os actores estão dispostos a todos os sacrifícios mas o cinema rejeita-os. Digamos que antes de se tornar, efectivamente, cerebral, Isabelle Huppert passou por um estado “animal” ou pelo menos totalmente sacrificial: é um pouco o motivo que percorre o livro que desenvolvo mostrando a omnipresença da violação na sua carreira e desde o início. Como se o cinema a tivesse escolhido mas essa escolha se repercutisse nela, forçosamente, com um carácter punitivo. Essa dimensão sadomasoquista nunca a deixaria. A minha editora pedia-me uma ilustração para abrir o livro. Pensei numa imagem de Huppert no filme de [Catherine] Breillat [Abus de Faiblesse, 2013] em que ela está caída no chão mas não estavam de acordo. Depois apareceu-me esta foto maravilhosa de Cimino que levanta Isabelle Huppert, ela vestida de branco, não se sabe porque é que ele fez isso mas todo o livro está já nessa imagem: o corpo levantado, exposto, a virgindade, a violência. E quando olhamos com maior atenção, damo-nos conta que Huppert tem um revólver na mão. Ela faz de morta mas continua vigilante. . . Pede emprestado a Flaubert o título do seu livro, Vivre ne nous regarde pas. À sua maneira, a carreira de Isabelle Huppert sempre preparou, em várias versões do bovarismo, o encontro Madame Bovary/Chabrol. No filme de Chabrol [1991] ela faz, de facto, à sua maneira: uma versão nada melancólica e mais agressiva, como mulher de acção. Mas sinto que o filme de Chabrol chegou tarde demais e com menos mistério do que outros em que Huppert já era Madame Bovary. Emma estava já em Violette Nozière [1979]…Estou de acordo consigo: Madame Bovary é um momento charneira na carreira de Isabelle Huppert, e ao mesmo tempo podemos preferir-lhe Violette Nozière ou ainda Une affaire de femmes [Claude Chabrol, 1988], que adoro, e que é uma versão disfarçada, reformulada, de Bovary. Pode-se dizer que a Bovary de Chabrol é talvez demasiado fiel, literal, é o próprio texto, e que há mais loucura e o mesmo bovarismo em outros filmes da sua filmografia que funcionam como interpretações. Então: “vivre ne nous regarde pas”. Como é que devemos interpretar o seu sentido e aquilo que diz sobre a "personagem" Huppert? Leio e penso, de novo, em Violette Nozière, naquela sequência em que lhe dizem que vai ser guilhotinada e há o gesto imprevisível: leva a mão ao pescoço, perdeu o colar. Isso diz tudo sobre a personagem: o social, o político, a moral, tudo ao lado, Violette sozinha no seu mundo. É isso o “vivre ne nous regarde pas”, uma caminhada individualista, uma demissão daquilo a que chamamos realidade e que se torna algo de apenas facultativo?Penei até encontrar o título do livro e depois dei-me conta que tinha essa citação de Flaubert em destaque e que bastava encontrar o título ali, que estava em frente aos meus olhos desde o início e que era perfeito, definitivo, incontornável. Penso que toda a sua força vem do seu mistério e que as pessoas podem ali projectar o que quiserem: tanto coisas sobre a actriz como coisas pessoais. Tenho amigos que compreendem imediatamente onde quero chegar com o título e outros que o acham pouco edificante. Para resumir, a ideia era sugerir que o que a vida lhe oferece não lhe chega e que as mulheres que ela encarna tentam escapar-lhe por todos os meios, mesmo que se queimem, porque frequentemente dão-se muito mal. Compreende-se facilmente que essa hipótese diz respeito também à mulher, mas eu não a conheço e não trilho a pista biográfica, portanto é apenas uma hipótese vaga. Há então uma dimensão romântica na personagem Huppert. . . Claro! Um romantismo ferido, contrariado. Ela sonha com um grande amor, com a paixão amorosa e com a grande vida que nunca chega. Penso que o romantismo é sempre uma vontade de fugir ao real para o intensificar, para fazer dele um sonho. Ela é evidentemente muito romântica mas num mundo que não o é. A sua filmografia não conta nunca um romantismo logrado, mas o momento da colisão, do choque entre o sonho romântico e uma realidade brutal e entendiante à qual nunca se escapa. Temos falado da “personagem” Huppert. Falamos de quem? No livro é sempre difícil de determinar se “Isabelle Huppert” designa uma pessoa ou uma personagem – a sua, o seu fantasma, a construção de Murielle Joudet. Penso que nunca me coloquei essa questão enquanto escrevia. Não queria saber de quem é que falava: da actriz? Das personagens que ela encarna? Da mulher? De mim? É evidentemente uma enorme construção, um grande delírio. Imagine que até tinha colado em frente à minha secretária uma nota que dizia que o livro devia falar de Isabelle Huppert, das mulheres mas igualmente de mim. Nunca perdi de vista essas três dimensões. Penso que Huppert me serviu para eu falar sobre o feminino como o entendo. Talvez que haja uma resposta à questão nesta citação de uma entrevista à actriz: “Eu sou como sou, é a personagem que se vai transformar em mim e não sou eu que me transformo na personagem”. Há uma luta no processo de encarnação. Sinto que essa luta está em progressão no livro. A partir de um momento – e isso acontece depois das páginas sobre A Pianista [Michael Haneke, 2001] – “Isabelle Huppert” impõe-se aos nomes das personagens dos diferentes filmes. Que tudo termime com Madame Hyde [Serge Bozon, 2017], filme sobre uma metamorfose, parece-me perfeito para a “ficção” que também é o seu livro. É mesmo isso, não tinha pensado nesses termos mas fico feliz que o formule assim. Huppert acaba por ganhar essa luta com a personagem. Ela destrói-a, não resta senão ela no ecrã. Isso vale para todos os grandes actores. Se calhar um grande actor é aquele que mata as personagensA que género pertence o livro? É um ensaio? É a biogragfia da personagem com que uma actriz se vem impondo às contingências dos diferentes filmes e realizadores? É um livro sobre Murielle Joudet?É uma biografia imaginária, uma série de hipóteses, uma obra crítica que aplica a política dos actores tal como foi exercida por Luc Moullet na sua obra com o mesmo nome. Nesse sentido é uma aproximação muito francesa ao actor. Espero também que não seja apenas um livro de cinema, mas que escape a isso, que ele toque outra coisa para além da fibra cinéfila do leitor. Um dos aspectos intrigantes do caso Huppert é que nunca há convictas explicações sobre os actos das personagens. Porque elas se descobrem ao mesmo tempo que o espectador. Nunca temos a impressão que ela – “ela” é aqui quer a actriz quer a personagem – saiba muito sobre si mesma ou que saiba mais do que o espectador. Não há nexos de causalidade entre os factos da vida e os comportamentos. Mesmo se eles aparecema na narrativa – em La Dentellière, Violette Nozière, A Pianiste, Ela [Paul Verhoeven, 2016] – não “explicam” tudo. O que abre um vazio, uma perturbação. É verdade que um cineasta como Chabrol resiste a fazer convergir os actos das suas personagens em direcção a uma explicação definitiva. Pode-se pensar que Huppert [em Violette Nozière] é uma revoltada ou apenas uma louca. É o facto de o sentido permanecer suspenso que torna os filmes poderosos e as heroínas apaixonantes. É verdade também que nunca se sabe de que é que a cena seguinte será feita, e ao mesmo tempo sentimos que é Huppert, e não o cineasta, que decidirá da sequência dos acontecimentos. Penso que isso tem a ver com a forma como Huppert gosta de provocar catástrofes ou acontecimentos totalmente aberrantes, como se decidisse ir pela esquerda quando o cineasta lhe disse para ir pela direita. Evoco um pouco essa ideia no livro quando digo que a partir de certo momento os cineastas só estão ali para lhe encontrar um espaço onde ela possa fazer o quer ela quiser. E ao mesmo tempo eles tornam-se incapazes de ir em seu socorro quando ela precisa deles. Não há explicações mas há a presença da infância – naqueles filmes citados e ainda em A Cerimónia [Chabrol, 1995], onde a cumplicidade entre Huppert e Bonnaire se torna cada vez mais infantil. Podemos ser tentados a encontrar na infância das personagens a explicação para os seus gestos de adulta. De novo: não é suficiente. Mas que proximidade é essa entre a personagem Huppert e a infância?Penso que a sua loucura a aproxima da infância. A sua inconsciência também, o facto de agir sem cálculo, por vezes apenas pela pura vontade e sem se perguntar sobre o resultado ou sobre o que é que as pessoas vão pensar sobre ela. As suas personagens não têm consideração alguma pelo olhar dos outros, é isso que acaba por as perder. . . Dedica um capítiulo ao “combate” entre Huppert/Adjani no filme de Téchiné [As Irmãs Brontë, 1979] . Hoje sabemos o que aconteceu à carreira de uma e de outra, mas não consigo impedir-me de pensar que esse futuro estava já naquelas imagens, em que se vê uma actriz que se “devitaliza” – expressão sua -, que se gasta, e outra que se revigora e que parece ser a testemunha perversa do aniquilamento da outra. Foi fatídico nesse encontro. Sim Les Soeurs Brontë é fascinante porque encena esse combate passando por ser um filme sobre uma relação muito forte entre irmãs. É o que o torna importante na filmografia das duas actrizes, é também um belo filme independentemente dessa questão. E no fundo há muitos poucos filmes nas carreiras de Huppert e de Adjani que filmem esse tipo de luta. Elas raramente aparecem em duo com uma rival. No caso de Huppert há 8 Mulheres (François Ozon, 2001) ou A Cerimónia, mesmo se sentimos verdadeira cumplicidade com Sandrine Bonnaire, a partilha da mesma fúria. A Pianista, concorda, é um momento culminante e um ponto de viragem. Não porque algo tenha mudado radicalmente mas porque depois desse filme o jogo da actriz começou a exercitar a sua própria desconstrução, uma consciência aguda de si. Como se se olhasse. É por isso aliás que o burlesco irrompe em alguns filmes. Não é Ela, de Verhoeven, uma espécie de retrato de actriz a reagir às situações da sua personagem, o que dá ao filme o tom de um action movie contemplativo?Sim, na filmografia de Huppert há um depois de A Pianista, filme a partir do qual Huppert se vai encenar numa sucessão de mini-performances. Saímos totalmente do realismo, entramos progressivamente numa espécie de fantástico nu: Abus de faiblesse, Tip Top (Serge Bozon), Madame Hyde, In another Country (Hong Sang-soo) ou ainda Ela. O jogo começa a tornar-se consciente de si mesmo e os filmes sublinham os principais motivos da sua carreira: a violação, o sadomasoquismo, o sonho de uma outra vida, o exílio. Mas menos para os interpretar do que para os dançar, do que para os tornar irreais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Se La Dentellière era um retrato de rapariga – pintura ainda “clássica” – Madame Hyde desmultiplica e automomiza os gestos, tem uma energia cubista. Bozon dizia que os gestos de Huppert são inventados a partir de um deserto de significações – por exemplo, naquele de Madame Hyde em que a professora levanta a mão sobre um aluno, gesto que não está preso a uma codificação de sentidos, há violência mas há também transmissão de saber. O que Bozon diz de Isabelle Huppert é muito belo, a ideia de que os seus gestos não vêm de um quotidiano mas têm sempre qualquer coisa de nu ou de estranho. Ele encontrou nela o corpo que correspondia ao seu cinema. Penso que com o tempo Huppert conseguiu “limpar” os seus gestos, não foi imediato. É um trabalho inconsciente e de longo fôlego que faz com que se desligue e liberte absolutamente do realismo. Os filmes contemporâneos que tentam que ela interprete coisas muito realistas são sempre algo falhados. As suas descrições de Huppert nas cerimónias dos prémios são narrativas de decepção. Já a entrevistou, já a encontrou?Nunca a encontrei nem quero. Sabia que ao escrever o livro e se ela o lesse ela não me ia cair nos braços. Agora que terminei o livro tenho a impressão de ter terminado o assunto com ela. Tenho mais paixão do que admiração por ela. E é como o sentido do título: o corpo profano da actriz, a mulher de todos os dias, não me interessa. Para mim o verdadeiro encontro foi passar dois anos com ela e com os seus filmes. Para mim a sua verdade está nos filmes por isso vejo os filmes – os que estão próximos dela certamente vão-me contradizer. Para além do mais não sei se teríamos muita coisa a dizer uma à outra mas eu tinha muitas coisas a dizer sobre ela. Há um filme/papel de Huppert que lhe interessa mais?Se me pusesses a quetsão sobre Deneuve, responderia imediatamente. O caso de Huppert é muito mais complicado porque tem menos filmes emblemáticos ou muito populares, o que é estranho. Em relação ao meu trabalho, penso que Une affaire de femmes, Abus de Faiblesse e Ela foram os mais marcantes e inspiradores. Se tivesse que explicar Huppert a um extraterrestre mostraria esses três filmes.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência mulher social violação género espécie mulheres corpo assassinato rapariga animal morta infantil
José Saramago e António Lobo Antunes celebrados na Feira do Livro de Guadalajara
De 24 de Novembro a 2 de Dezembro, Portugal será o país convidado da maior feira do livro da América Latina. Ali levará uma embaixada de mais de 40 escritores de diversas gerações e diferentes géneros literários, além de exposições, teatro, bailado, música, cinema e gastronomia. (...)

José Saramago e António Lobo Antunes celebrados na Feira do Livro de Guadalajara
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.524
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: De 24 de Novembro a 2 de Dezembro, Portugal será o país convidado da maior feira do livro da América Latina. Ali levará uma embaixada de mais de 40 escritores de diversas gerações e diferentes géneros literários, além de exposições, teatro, bailado, música, cinema e gastronomia.
TEXTO: Os 20 anos da atribuição do Prémio Nobel a José Saramago vão ser celebrados na maior feira do livro da América Latina, a Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL), no México, cuja próxima edição, de 24 de Novembro a 2 de Dezembro, terá Portugal como país convidado, num projecto comissariado por Manuela Júdice que ali levará uma embaixada de mais de 40 escritores. A editora espanhola Alfaguara anunciou à direcção da feira mexicana que disponibilizará para a ocasião um inédito do Nobel português que morreu em 2010, extraído de um caderno de José Saramago. A directora da FIL, Marisol Schulz, não tinha mais informações além desta que revelou na conferência de imprensa de apresentação da programação portuguesa, que decorreu esta segunda-feira no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa. No final da conferência, Pilar del Río, que se encontrava na plateia, não quis comentar, para deixar que sejam os editores de Saramago a fazer o anúncio deste inédito em breve. Esta homenagem ao Nobel português, que está a ser preparada pela feira de Guadalajara, incidirá sobre a participação política do escritor em momentos particulares da História do México. “Em particular sobre a ida de José Saramago ao México para dar as boas-vindas ao movimento zapatista e sobre a sua participação a favor dos direitos humanos”, explicou ao PÚBLICO Marisol Schulz. Durante anos, Saramago tentou que Portugal fosse protagonista da FIL, uma feira cujo intenso programa inclui conferências, visitas a escolas, lançamentos, sessões de leitura e encontros com leitores. “Por razões diversas nunca pôde ser, e justamente no ano em que se comemora o 20. º aniversário da entrega do Nobel a José Saramago isso finalmente acontece. É realmente emocionante”, disse aos jornalistas Pilar del Río a "presidenta" da Fundação Saramago no final da conferência. Outro dos autores portugueses celebrados em Guadalajara será António Lobo Antunes. A maior sala da FIL, que tem capacidade para 500 pessoas, receberá o único português galardoado com o Prémio Juan Rulfo atribuído ao autor de Até Que as Pedras Se Tornem Mais Leves Que a Água em 2008. Quando se comemoram os dez anos da atribuição deste prémio pela FIL, António Lobo Antunes, Prémio Camões 2007, regressa a Guadalajara – integrado na comitiva portuguesa mas também convidado pela própria feira, onde estará em diálogo com a jornalista e escritora colombiana Laura Restrepo no Auditório Juan Rulfo. De resto, haverá mais dois autores portugueses em Guadalajara a pedido da própria FIL. Um deles é Nuno Júdice, marido da comissária da participação portuguesa, que a FIL convidou directamente para encerrar o Salão de Poesia desta edição, em que participarão também os poetas Manuel Alegre, Filipa Leal e Ana Luísa Amaral. “Quando lhe foi feito o convite, Nuno Júdice disse que não queria ir por ser eu a comissária. Mais tarde acabou por aceitar com a condição de ser ele a pagar a viagem, para não gastar dinheiro à organização”, explicou Manuela Júdice ao PÚBLICO no final da apresentação. “A FIL fez questão que ele fosse, é o único português vivo que tem o Prémio Reina Sofía de Poesía Ibero-Americana e o Premio de Poesía Poetas del Mundo Latino Víctor Sandoval. ” Também Manuel Alegre, Prémio Camões em 2017, estará em Gualajara a convite da feira, onde abrirá o Salão de Poesia. Entre os autores incluídos na embaixada a Guadalajara, há outros galardoados com o maior prémio de literatura especialmente destinado a autores de língua portuguesa: Mia Couto, Hélia Correia e Germano Almeida. Da FIL, Manuela Júdice recebeu uma lista de 50 nomes de autores portugueses que a direcção da feira gostaria de ver em Guadalajara. E também uma lista de critérios: prevalência da ficção narrativa (conto, crónica e romance policial) e um equilíbrio entre homens e mulheres e entre autores premiados e não premiados. Em todas as áreas houve convites que, por razões privadas ou de saúde, os escritores não puderam aceitar. A comissária começou por escolher os autores relacionados com o género policial (como Francisco José Viegas ou Miguel Miranda), depois os da crónica (como Ricardo Araújo Pereira, que com sucesso já esteve entre os convidados da Feira do Livro de Bogotá), em seguida os do romance, área em que procurou diversidade de idades e de géneros, chegando a uma selecção entre os quais estão Lídia Jorge, Dulce Maria Cardoso, João Tordo, José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares, Afonso Cruz, Valter Hugo Mãe, Ana Margarida de Carvalho, Alexandra Lucas Coelho, Rui Cardoso Martins, Isabela Figueiredo, Isabel Rio Novo, João de Melo, José Eduardo Agualusa, Ondjaki, Rui Zink, Teolinda Gersão ou João Pinto Coelho. Para o fim ficou a poesia, sabendo que já tinha os dois convidados extra da feira, como nomes iniciais. Procurou encontrar autores que estivessem traduzidos (como Filipa Leal e Inês Fonseca Santos), ou incluídos numa antologia (como Maria do Rosário Pedreira, António Carlos Cortês e João Luís Barreto Guimarães, que também tem Mediterrâneo publicado no México), mas também autores que não estivessem traduzidos (como Vasco Gato, que é também tradutor do espanhol, ou Margarida Vale de Gato). Foram escolhidos ainda Rui Cóias, Pedro Mexia, os académicos Jeronimo Pizarro e Carlos Reis ou Adélia Carvalho e António Jorge Gonçalves. “A FIL é por um lado uma feira de profissionais do livro e por outro lado um grande festival cultural onde há mais de 3000 actividades que inundam a cidade. Não ocorrem só no centro de congressos onde se realiza a feira, acontecem por todo o lado, toda a cidade vive a feira”, explica Marisol Schulz ao PÚBLICO. “Também é uma grande venda de livros, uma exposição de 400 mil títulos. É um dos maiores festivais literários do mundo, com 800 escritores. ” A directora acha o programa português “completo”, “fantástico, com uma força tremenda”, e acredita que os mexicanos “vão descobrir um Portugal” que não conhecem. “No México vai conhecer-se o Portugal ‘verdadeiro’, e isso dá-me muita emoção”. Também se soube esta segunda-feira que o Pavilhão de Portugal terá 1168 metros quadrados e é da autoria do Atelier Santa Rita e Associados. "Quem entra na feira tem, obrigatoriamente, de o ver ou atravessar”, disse Manuela Júdice. “É um espaço muito aberto”. O ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, acrescentou que o pavilhão “mostrará a riqueza do nosso património, do nosso turismo, da nossa música” e lembrou que haverá também conferências “onde a nossa ciência irá também fazer o intercâmbio com instituições científicas de lá”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Já no final da apresentação, salientou as exposições escolhidas para integrar a embaixada, que considerou “magníficas”. Entre elas estarão O Que Dizem as Paredes - Almada Negreiros e a Pintura Mural, com curadoria de Mariana Pinto dos Santos, “uma exposição de [tapeçarias de] Almada Negreiros em contraponto com os frescos de [Gabriel] Orozco, extraordinários que estão na instituição Cabañas”, e ainda Ana Hatherly e o Barroco: num jardim feito de tinta, com curadoria de Paulo Pires do Vale, e Variações sobre uma Tradição: dos lenços de amor aos bordados com poesia, curadoria de António da Ponte. João Botelho será o realizador convidado no evento, como o realizador português vivo que mais adaptações de obras literárias fez, mas o programa de cinema inclui uma mostra de 12 longa-metragens baseadas em livros de autores portugueses e ainda sete curtas-metragens da nova geração de cineastas. Haverá também teatro, com a apresentação das peças By Heart, de Tiago Rodrigues, e Consentim(iento), uma produção Cassefaz que põe em diálogo escritos do Padre António Vieira e do Frei Bartolomeu de Las Casas. A dança portuguesa será representada pelo espectáculo Lídia, de Paulo Ribeiro, da Companhia Nacional de Bailado. Ao longo dos nove dias da feira haverá espectáculos musicais diários. O orçamento da participação portuguesa, sublinharam os responsáveis na conferência de imprensa, ficou abaixo do inicialmente previsto: pensava-se que a operação poderia custar 2, 5 milhões de euros mas todo o programa foi construído na base de um orçamento de 1 milhão e 800 mil euros, disse Manuela Júdice. Desse montante, 340 mil euros são contribuições de privados, de mecenato. “Nós fomos poupadinhos, realmente começámos por uma estimativa elevada para não termos surpresas desagradáveis”, disse o ministro da Cultura que a seguir elogiou a comissária pela sua "determinação", pela sua "força enorme" e por ter sido "incansável".
REFERÊNCIAS:
Portugal de Lés-a-Lés fez vinte anos e está aí para as curvas
Mais, mais e mais. A vigésima edição do maior evento de mototurismo da Europa, que este ano ligou Faro a Felgueiras, passando por Montalegre, voltou a bater recordes: foi a que teve mais gente, a mais internacional, a mais longa e talvez a mais espectacular de sempre. Agora, mais só para o ano. (...)

Portugal de Lés-a-Lés fez vinte anos e está aí para as curvas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mais, mais e mais. A vigésima edição do maior evento de mototurismo da Europa, que este ano ligou Faro a Felgueiras, passando por Montalegre, voltou a bater recordes: foi a que teve mais gente, a mais internacional, a mais longa e talvez a mais espectacular de sempre. Agora, mais só para o ano.
TEXTO: Um é operário de construção civil, o outro também e o terceiro é pintor, na construção civil. Chamam-se, respectivamente, Carlos Manuel, Carlos Manuel e Carlos Manuel. Têm motos de alta cilindrada de matrícula helvética e mais coisas em comum, como a opinião de que este 20. º Portugal Lés-a-Lés (LaL), que de 30 de Maio a 2 de Junho ligou Faro a Felgueiras, após subir a Montalegre, “valeu por toda a saison na Suíça”. Que é como quem diz que estes quatro dias de passeio em Portugal dão tanto gozo a quem gosta de andar de moto como os meses todos em que se reactiva o seguro e o registo da moto que, na Suíça, os rigores do Inverno obrigam a suspender e depositar. Agora, num breve repouso na esplanada do bucólico parque do Torrão da Veiga, na aldeia raiana de Salto, em Montalegre, estes homens entre os 42 e os 48 anos repetem uma ideia que se ouve a toda a hora aos elementos da caravana que vivem no estrangeiro: nos seus países não há nada de comparável. Carlos Manuel, Carlos Manuel e Carlos Manuel elogiam as paisagens suíças, os cols [estradas ou troços referenciados para mototurismo] da Suíça e países vizinhos que partilham os Alpes, mas asseguram que as autoridades helvéticas jamais permitiriam que se juntasse uma caravana com mais de 1900 motos como a LaL deste ano — mais de 2100 pessoas, um recorde —, que fosse ao tipo de sítios a que esta vai e em que os participantes andassem com esta descontracção, assim tão à vontade…Nascido em 1999, na ideia de elementos de motoclubes que se lembraram de ligar, em 24 horas, um extremo de Portugal a outro — nessa 1. ª edição, Rio de Onor e Sagres —, o Portugal de Lés-a-Lés é hoje organizado pela secção de mototurismo da Federação de Motociclismo de Portugal (FMP). Alguns dos cerca de cem pioneiros de 1999 nunca falharam uma edição e até há pelo menos um que continua a participar com a mesma moto. A duração do evento também tem vindo a aumentar, as duas últimas edições tiveram quatro dias: além dos três dias de etapas regulares, há um primeiro dia dedicado às verificações técnicas, à entrega dos road-books (cheios de informações culturais, curiosidades e humor) e àquilo a que, Ernesto Brochado, da FPM — um pioneiro, organizador e speaker do LaL, — insiste que é preciso chamar “passeio de abertura”. Rejeita-se o termo “prólogo”, pelas conotações desportivas que se pretende afastar. De facto, o LaL existe para quem gosta muito de andar de moto, sem medo das distâncias, mas também de apreciar a paisagem, de descobrir coisas novas do país. E não raro ouvem-se exclamações do género “mas como é que eu não sabia que isto existia em Portugal”. O LaL parte sempre no local onde acabou no ano anterior. A 19. ª edição acabou em Faro, por isso foi neste distrito que decorreu o passeio de abertura da 20. ª edição. São poucos quilómetros, para que possam ser feitos por quem chega do outro extremo do país a meio do próprio dia, se necessário. E o mais que se vê são abraços de reencontros, que o LaL também é o tipo de evento onde é muito fácil fazer novos amigos. Parque do Ludo, junto à ribeira de São Lourenço, salinas e ilha de Faro foram alguns dos pontos por onde a caravana andou no primeiro dia. Seguiu-se a visita ao Palácio de Estoi, agora propriedade da Câmara de Faro, presidida por Rogério Bacalhau, apenas um dos vários autarcas-motards que fazem questão de participar no LaL. Por uma estrada estreita, de mau piso, com muitas motos nos dois sentidos, mas com uma vista fantástica sobre Faro, a ria Formosa, as praias e sobre tudo, chegou-se a um dos pontos altos do dia, sem trocadilhos: o Cerro de São Miguel, com o seu marco geodésico a 411 metros de altitude — o Fóia, em Monchique, está 902 metros acima do mar, mas o Cerro de São Miguel está mesmo aqui e é um miradouro sobre as praias. A visita ao moinho de marés do Centro de Educação Ambiental de Marim, no Parque Natural da Ria Formosa, e romagem obrigatória à impressionante sede do Moto Clube de Faro, a “catedral”, já deram direito ao jantar e festa no jardim Manuel Bívar, no centro de Faro — o local onde a 17 de Junho do ano passado muitos festejaram a conclusão do 19. ª edição, sem desconfiar das notícias terríveis das vítimas mortais dos incêndios que haviam de sobressaltar o país por essa noite adentro. Uma memória, aliás, muito presente na edição deste ano, pelo percurso escolhido. Foram apenas 65 quilómetros à volta de Faro, mas chegaram para deixar já encantados um russo que, com a sua companheira ucraniana, confraterniza com um amigo americano e outro alemão. Roman Iglin é o presidente da federação de mototurismo da região russa de Belgorod e faz parte de um grupo de convidados da FMP. Em 2015 participou numa viagem intercontinental a comemorar a vitória russa na II Guerra Mundial e a promover a paz. “Na Rússia temos concentrações, mas nenhum evento do género do LaL. Fazem-se viagens até ao lago Baical, por exemplo, mas são distâncias de 2200 quilómetros, são viagens de Iron Butt [“Rabo de ferro”, resistência], e não de turismo. A primeira etapa, entre Faro e Portalegre, levou a caravana por estradas belíssimas, como a EN124, e era para incluir uma passagem a vau que não se concretizou por falta de colaboração da Ribeira de Carreira, que tratou os motards com uma secura extrema. Cumpriu-se, sim, um pacífico assalto a Mértola pela íngreme calçada que lhe serve de varanda sobre o Guadiana. Foi aqui, à beira-rio, que se comeram os queijos e enchidos servidos pelos elementos do Moto Clube Os Falcões das Muralhas. São os chamados “oásis”. A inscrição dá direito a ir comendo nestes pontos onde há petiscos e vários tipos de bebidas, que a organização, os motoclubes, as autarquias e os patrocinadores vão oferecendo. Nos últimos anos, com a dimensão da comitiva, deixou de ser possível pôr toda a gente a almoçar, a horas de almoço, num mesmo sítio. Assim, hoje vai-se comendo, ao longo do dia. Há, sim, jantar oferecido em mercados ou pavilhões dos municípios onde acabam as etapas. De qualquer modo, o LaL não é um festa pantagruélica. Este ano, quem não gostasse de rancho e embarcasse em três dias de declinações do conceito ao jantar estava mal. A verdade é que são muitas as pessoas que esgotam restaurantes por onde passa o LaL — e essa também é uma contribuição importante do evento para a economia dos concelhos que atravessa. E a organização também disponibiliza espaços onde pode estender um colchão e um saco-cama a quem já não conseguiu marcar hotel a uma distância aceitável ou pura e simplesmente não quis. É que a inscrição aumentou 25 euros, este ano, está agora nos 175 euros, e será sempre preciso somar-lhes o custo do combustível, dos restaurantes se for caso disso, e da viagem de ida ou de regresso. Puxado? “Temos que ter uma organização cada vez maior, damos de comer às pessoas e a verdade é que ainda cobramos menos do que outros eventos do género”, contrapõe Ernesto Brochado. As agências de viagens já fazem pacotes para o LaL, com preços que variam muito, como varia também a categoria dos hotéis. O percurso da próxima edição do LaL torna-se assim uma espécie de segredo de Estado, com significado económico. Costuma ser apresentado em Fevereiro e gera uma corrida compreensível que inflaciona o custo dos serviços hoteleiros. Ao longo de todo o LaL os motoclubes continuam a ser actores decisivos. Às vezes são literalmente actores, recriando cenários que ora são mais fiéis à história, ora são mais fiéis à borga, por vezes com trajes a rigor e personagens muito bem interpretadas. Também são muitas vezes os elementos dos motoclubes que “picam”, em pontos não revelados do percurso, as tarjetas que os participantes recebem no início do LaL, para trazerem ao pescoço. As tarjetas têm campos nos quais os controladores fazem um furo, com alicates de validação, a certificar que o participante passou efectivamente por ali, cumprindo o percurso prescrito. Há quem tenha muito gosto em chegar ao fim com a tarjeta com os furos todos e quem não leve isso muito a sério. Mas é frequente, nos locais de paragem, ouvir-se os motociclistas perguntarem “pica-se aqui”, “onde é que se pica?”À tarde o percurso incluía como opção a visita até ao Pulo do Lobo. Não foi nada que a organização acabasse por incentivar — afinal, era um total de 35 quilómetros a mais, numa estrada estreita e lenta, com a parte final em terra e pedra – mas cerca de metade foi mesmo ao Pulo do lobo, quis aproveitar a oportunidade de chegar com as motos bem perto da queda de água, na garganta que estrangula o Guadiana. Em destaque nesta primeira etapa esteve também a subida a Évora-Monte — cenário da convenção que pôs fim à guerra entre liberais e absolutistas — quer pela beleza da paisagem a toda a volta do castelo, quer por ter sido o sítio onde foi mais evidente a existência de muito mais motos do que espaço. Na generalidade dos sítios, a organização conseguiu o milagre de assegurar grande rotatividade, para que a partida de muitos permitisse o estacionamento de tantos. Filipe Nascimento, a quem chamam Pim-Pim, é um dos elementos mais conhecidos da caravana. Este jovem de Faro é paraplégico e participou, tal como no ano passado, numa Vespa com side car. O road-book desta 20. ª edição continha mesmo uma indicação que lhe era exclusivamente destinada. A propósito de uma passagem pelo centro histórico de Monforte, chamava assim a atenção para um local mais apertado: “Pim-Pim, o teu side car não passa”. Desgraçadamente, o aviso foi escusado. Ainda na serra algarvia, a Vespa de Pim-Pim, que vinha sendo reforçada nos últimos dias, levando mesmo nova embraiagem na véspera da partida, entregou a alma ao Criador, com um pistão a abrir um buraco no motor! Grande tristeza, Pim-Pim e o seu veículo lá tiveram de voltar de reboque, a meio da manhã, para Faro. Mas ninguém estava preparado para uma desistência e, com o auxílio de amigos, como noutras situações, Pim-Pim foi a casa buscar o jipe e acabou por acompanhar assim a caravana. Até Felgueiras, pois claro. A seguir a Monforte, e de novo como opção, os participantes foram alertados para a proximidade das ruínas romanas de Torre de Palma. E o LaL foi-se aproximando de Portalegre, a meta desta primeira etapa, trocando gradualmente as rectas e planícies do baixo Alentejo pelas curvas refrescantes da serra da São Mamede, com uma entrada épica em Portalegre, descendo desde o miradouro da Fonte dos Amores, a 628 metros de altitude. E completaram-se em Portalegre os 430 quilómetros da 1. ª etapa. Para o primeiro dia de Junho estava reservada a segunda etapa deste 20. º Portugal de Lés-a-Lés, que dava direito a um aviso aos participantes. A distância a percorrer não parecia nada do outro mundo, eram 392 quilómetros, mas a etapa era muito longa, em termos de tempo de condução — 12 horas. Com uma caravana tão grande, a única forma de garantir que ninguém se atropela é fazer os veículos mais lentos começarem a partir à frente, e bem cedo. Foi o que se fez com o grande contingente de “cinquentinhas”, motos com 50 cc de cilindrada, que este ano vieram de Santo Estêvão, no Ribatejo, e que concluíram o LaL em grande estilo. E também com o grupo das vespas de Faro, por exemplo, com o plátano do Rossio de Portalegre, uma das árvores mais conhecidas do país, pela sua dimensão e vetusta idade de 180 anos, a testemunhar as primeiras partidas, do palanque, logo às seis da manhã. Ui!O primeiro “oásis” com café do dia, no castelo de Amieira do Tejo, oferece a oportunidade de quem quiser — e querem sempre muitos — conversar com o ex-ciclista Cândido Barbosa. “Em 2010 terminei a carreira, em 2011 fiz o LaL pela primeira vez e até agora não falhei nenhum. São os meus três dias, que reservo na agenda. Só se houver um contratempo sério, de saúde ou profissional, é que não virei”, conta o “Foguete de Rebordosa”, que não chegou a vencer a Volta a Portugal, mas que se fartou de vencer etapas. Esta 2. ª etapa do LaL prosseguiu com um troço em terra batida, com a passagem pela ponte romana de Albarrol, sobre a ribeira de Figueiró, e — heresia no LaL, que não pisa auto-estradas nem sequer IP — um pouco de IP2, a caminho da barragem do Fratel, sobre o Tejo, para logo a seguir percorrer a barragem de Pracana, sobre o rio Ocreza. Com a entrada no Pinhal Interior revela-se a tragédia dos fogos do ano passado. Este concelho de Mação foi um dos mais afectados mas foi também um daqueles que a FMP ajudou a reflorestar, com 120 sobreiros e 280 azinheiras. Álvaro é uma aldeia que já fica no concelho de Oleiros. As chamas de 2017 andaram mesmo pelas ruas principais, destruindo algumas casas. Mas esta aldeia de xisto, ainda que rebocada a branco, não deixou de ser um postal impressionante, com o seu miradouro estendido sobre a enorme bacia que a barragem do Cabril (pouco adiante, já no IC8, junto a Pedrógão Grande) encheu por aqui. Álvaro tem uma estrada a descer até à água, numa curva larga cheia de recantos magníficos, e é daqueles sítios do LaL onde, logo à chegada, prometemos voltar. No “oásis” montado no jardim do centro da Pampilhosa da Serra, Rita Martins, de 39 anos, aguarda na fila para o almoço com o namorado. Não é pendura, conduz a sua própria moto. “A organização disse-me que haverá dez ou doze mulheres a conduzir, realmente é pena não haver mais”, comenta esta gerente de uma unidade hoteleira de Cascais, que faz moto-ralis. Ela e o namorado têm capacetes pintados à mão por Nuno Draws, um artista neste campo, que mostram o logótipo do Lés-a-Lés, mapas, uma bússola e coisas deles. A barragem de Santa Luzia é outro daqueles lugares de beleza perturbante. Fantástica a descida até àquele ponto que leva o road-book a interpelar-nos: “Sentes-te minorca?” É claro que sim. Estamos aos pés do paredão de 76 metros que retém o rio Unhais, numa garganta utilizada pelos praticantes de escalada. Esta segunda etapa apresentou aos participantes Fajão, outra aldeia de xisto-presépio, digna de postal, tal como a mais conhecida Piódão, e antes de acabar aos pés da Senhora dos Remédios, em Lamego, fê-los passar por Mangualde — com a sua praia artificial que muitos visitaram debaixo de chuva intensa, o Parque Botânico Arbutus do Demo em Vila Nova de Paiva, uma reconversão dos antigos viveiros da Junta Autónoma de Estradas. Por falar em botânica, o road-book convidava, com muita pertinência, a reparar como as zonas ardidas percorridas eram quase exclusivamente de eucalipto e pinhal e como os locais de floresta autóctone estavam preservados. A chegada a Lamego, outra cidade cujo presidente da câmara, Ângelo Moura, é motard, e totalista do LaL, não aconteceu sem que se tivesse feito um belo troço ao longo do mítico rio Paiva, que muitos viram com uma bela luz já de fim de tarde, num dia em que, não estando frio, também não parecia sequer de Primavera. Também não havia de ser o frio a intimidar o brasileiro Fábio de Carvalho, de 58 anos, cujos emblemas cosidos no blusão formam um autêntico atlas, com destaque para as viagens a locais de temperaturas bem baixas. Mas fez mesmo isso tudo que está no blusão?“Fiz, graças a Deus. Há dois anos fui até Ushuaia, no extremo sul da América do Sul. É bárbaro, muito bacana, atravessa toda a Patagónia! No ano passado saí de São Paulo e fui a Prudhoe Bay, no norte do Alasca e de lá fomos até Miami. Foram 38 mil quilómetros, uma viagem de sonho”, diz. “Eu já viajei pela Europa e pela América, mas esse LaL, para mim, está sendo fabuloso, espectacular! Porque é um clima de passeio, conhece-se Portugal pelo interior. Eu adoro Portugal, estou a viver agora no Porto, as pessoas recebem bem, as aldeias são lindas, a comida é óptima, o grupo é bom, a organização… Estou fascinado! Pretendo, se Deus quiser, passar a fazer todos os anos. Já estou avisando meus amigos no Brasil que gostam de andar de moto: ‘para o ano vimos todos’”. Fábio de Carvalho fala assim já no dia da terceira e derradeira etapa, no alto do Marão, numa manhã cheia de sol que transformou a chuva da véspera na memória adocicada de “uma coisa de 15 minutos, que até teve graça!”Para chegar aqui, a caravana já andou a namorar o Douro e as cerejeiras de Penajóia, “onde nasce a primeira cereja da Europa”, e de Resende, onde a câmara ofereceu aos participantes no LaL uma caixa com cerejas deliciosas. Há motos estacionadas por todo o lado e um guarda em stress, que descarrega num conterrâneo reformado, que também tenta estacionar a sua. “Não pode ser aí, Zé! Parece que queres entrar na farmácia com a mota!” E o conterrâneo, que tenta encaixar a mota naquela parte do passeio não por comodidade mas por não vislumbrar alternativa, atira ao amigo que ele bem podia… ir fazer outra coisa. Na caravana do LaL há figuras públicas — políticos, desportistas, actores — convidados pela ligação ao mototurismo, do qual se tornaram embaixadores. Mas nenhum é tão popular como o actor Vítor Norte, que atrai todo o tipo de gente a pedir a foto, o autógrafo, a conversa. Se o LaL precisasse de bússola, tinha aqui o seu Norte magnético. Não é esta situação especial que o impede de fazer o LaL com prazer, há sete anos consecutivos: “Dá para fazer nas calmas, tenho uma equipa extraordinária. As pessoas conhecem-me, mas é sempre um prazer ser reconhecido. Eu gosto das pessoas, faço o possível por ser agradável. ”Vítor Norte só faz mototurismo no Lal. “Guardo-me para aqui, mas no dia-a-dia o meu transporte é a mota. Aliás, quando às vezes vou buscar o carro ele não tem bateria. No LaL encontro centenas de amigos, e é sempre uma alegria. Jantamos juntos e paramos no caminho. Portugal é muito bonito e vamos a sítios que as pessoas que normalmente não saem das estradas nacionais não conhecem. ”Já a enfiar o capacete para deixar Resende, e começar a primeira das seis subidas e descidas a serras do dia, o holandês Max Hoekzama, de 53 anos, diz que costuma fazer passeios pelos Países Baixos com dois ou três amigos, mas que por lá há muitas concentrações, mas “não eventos de mototurismo abertos a todos e com esta dimensão”. Diz que está a adorar o LaL, e que só lamenta que, “para alguns, pareça ser uma corrida”. Mas este cozinheiro de profissão, num estabelecimento prisional, ressalva que, “num grupo tão grande, encontra-se necessariamente de tudo, incluindo quem ande com velocidade a mais”. Na subida ao Marão, o road-book chama a atenção para a quantidade de carvalhos e bidoeiros partidos pelo peso do sincelo (gelo acumulado nos ramos), como se um gigante se tivesse deitado sobre eles. Depois do Alvão, almoço volante em terrenos da Casa da Tojeira, uma unidade de turismo rural que também produz vinho verde em Cabeceiras de Basto, e subida a mais uma serra, agora a do Barroso, com paisagens para lavar a alma, pelo meio de prados muito verdes, carvalhais, aldeias belíssimas (como Vilarinho Seco) e formações rochosas curiosas, como o Nariz do Mundo, que dá o nome ao conhecido restaurante, ou os Cornos das Alturas [do Barroso]. A barragem do Alto Rabagão ou de Pisões, com a pitoresca península que deixou a aldeia de Vilarinho dos Negrões no meio da água, são outras paisagens que obrigam os motards a encostar, para fotografar ou, pura e simplesmente contemplar, que chegados aqui já perceberam que há sensações que gadget algum poderá registar. Ainda vem por aí a loucura da subida ao Castelo de Montalegre, onde o Moto Clube Os Conquistadores montou uma superprodução inspirada nas famosas sextas-feiras 13 e nas bruxas do Padre Fontes, com gente com a cabeça debaixo do braço a receber os motociclistas, homens a serem cozinhados em caldeirões, vampiros e diabos à solta. Já se vê gente cansada, a esticar-se na relva do interior e exterior do castelo, mas ainda vêm aí mais vales, rios, pontes, barragens e depois da serra do Larouco é o momento de subir à da Cabreira, para ver (quem chegou a horas e encontrou bois dispostos a isso) chegas de bois em Vieira do Minho, e atravessar o curioso vale do rio Ferro, entre Fafe e Felgueiras. Já passa bem da hora de jantar, ninguém repara muito em horas, e Ernesto Brochado continua no palanque, em Felgueiras, numa maratona de seis horas, a saudar os participantes que concluíram o 20. º LaL. Filipe Nascimento ficou sem moto, mas é chamado a passar pelo pórtico também, porque a sua persistência e as relações de camaradagem que se estabelecem à sua volta são também uma das imagens de marca do evento. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O espanhol Virgilio Wanden-Berghen, mais conhecido por Lin, é um dos fundadores da famosa concentração dos Pinguins, de Valhadolid, que, em resultado de uma cisão de motoclubes, deu origem ao actual La Leyenda Contínua, em Cantalejo, Segóvia. Compreensivelmente, é a colaboração geral e boa relação entre os motoclubes portugueses que mais o impressiona no LaL. “Há pouco tempo que estes passeios com mais de um dia apareceram em Espanha. O Punta a Punta vai para o terceiro ano, mas é só para uma marca; a Rota dos Penitentes tem dez anos, mas é para fazer 1600 quilómetros em três dias, nos Pirenéus. Não há a parte turística. Está bem fazer quilómetros, mas também há que ver, há que comer, e apreciar a paisagem”, defende. E isso é praticamente tudo o que se pode avançar, para já, sobre a edição do Portugal de Lés-a-Lés de 2019. Há-de partir de Felgueiras, com passeio de abertura pelo vale do rio Ferro, e há-de acabar noutra ponta do país, ou depois de ter passado por lá.
REFERÊNCIAS:
S+arck, o “pão líquido” de Philippe
A cerveja orgânica criada pelo reputado designer foi lançada há um ano. Uma “aventura pessoal”, a que Philippe Starck se atirou por “diversão” e pelo desafio de tornar a bebida “mais inteligente”, “saudável” e “elegante”, conta agora à Fugas. Em Portugal, está à venda no Hotel Sublime Comporta. (...)

S+arck, o “pão líquido” de Philippe
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: A cerveja orgânica criada pelo reputado designer foi lançada há um ano. Uma “aventura pessoal”, a que Philippe Starck se atirou por “diversão” e pelo desafio de tornar a bebida “mais inteligente”, “saudável” e “elegante”, conta agora à Fugas. Em Portugal, está à venda no Hotel Sublime Comporta.
TEXTO: É um dos designers mais reputados do mundo, com um portefólio que abarca milhares de projectos, desde peças de mobiliário ao icónico espremedor de citrinos, passando pelo desenho de hotéis, carros, barcos, aviões. Depois de quatro anos a trabalhar na receita em parceria com a Brasserie d'Olt, Philippe Starck lançou há um ano a sua primeira cerveja. Uma “aventura pessoal”, a que se atirou por “diversão” e pelo desafio de tornar a bebida mais popular do mundo “mais inteligente”, “saudável” e “elegante”. “Tive esta ideia quase só por diversão. Só porque seria interessante criar uma cerveja, porque [a bebida] não é nada: é água, umas sementes e pronto. É uma pequena magia. Um pão líquido”, conta agora o criador à Fugas, à margem de uma apresentação do festival LUMINA em Cascais. Philippe Starck, que vive em Portugal há cerca de cinco anos, presidiu ao júri do concurso de design para a Iluminação do Percurso de Luz da próxima edição do festival (21-23 de Setembro) e acabava de anunciar a proposta vencedora (Cascais Floating Refraction, de Pedro Martins e Vitor Silva). Entre os discursos e as fotografias, circulavam copos e garrafas de S+arck, com o líquido dourado a sobressair entre a transparência minimalista do recipiente, também criado pelo designer francês. Quando nos sentamos brevemente na esplanada para falar da cerveja, Starck começa por voltar atrás no tempo para explicar como chegou até aqui. Desfia uma sucessão de projectos alimentares – a marca de comida orgânica OAO, lançada no final dos anos 1990; o azeite orgânico LA; e os champanhes criados em parceria com a Maison Roederer – para nos contar que, afinal, o que sempre quis foi aproximar as suas criações o mais possível do corpo humano. “Toda a minha vida criei objectos que são externos às pessoas: cadeiras, candeeiros, arquitectura, aviões, motas. Está tudo fora, mas o meu sonho sempre foi chegar o mais próximo possível de nós”, afirma. “Por isso fiz alguns perfumes, que já tocam na pele. Mas, para chegar mais perto, eu queria entrar [no corpo humano]. ” Daí a produção recente de azeite e de champanhe (este ano vai lançar um rosé sem açúcar e, no próximo, um sem açúcar e orgânico). E agora uma cerveja. Mais do que uma visão clara sobre aromas ou especificidades de produção, Starck tinha um “conceito abstracto” para aquilo que deveria defini-la: “Modernidade, elegância, leveza, amargura”, enumera. O que lhe interessava era o desafio de “pegar num produto popular, a bebida número um no mundo [em termos de quantidades consumidas], e torná-lo mais inteligente; aumentar a qualidade”. E produzi-lo de forma orgânica. Porque, para o designer, uma das personalidades internacionais que mais tem alertado para os problemas ambientais e para a importância de uma alimentação saudável, “tudo tem de ser orgânico”. No caso da S+arck, o malte vem de uma quinta de produção biológica, enquanto a água é captada directamente das nascentes que correm junto à cervejeira Brasserie d'Olt, localizada em Saint-Geniez-d'Olt, no Sul de França. A receita é ainda composta por três tipos de lúpulo com aromas frutados – citrinos, ananás e frutas exóticas. O resultado é uma cerveja lager, de estilo Indian Pale Ale (IPA), leve e frutada, com um travo amargo e notas suaves a madeira. Não tem aditivos, corantes ou conservantes, nem passou por processos de filtragem ou de pasteurização, ficando-se pelos 5, 2% de álcool. “Mais do que ser orgânica, é a soma dos pequenos pormenores que faz a diferença”, defende Starck quando falamos sobre o processo de fabrico, inteiramente artesanal. “Quando se muda a cerveja de um tanque para outro, normalmente faz-se em tubos [com uma curva] de 90º. Os nossos são 'arredondados' para não danificar a cerveja nem alterar as moléculas”, exemplifica. Também não são utilizados mecanismos eléctricos para bombear o líquido de um tanque para outro – “é sempre por gravidade”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Durante quatro anos, o designer trabalhou na receita com Sébastien Blaquière e a sua equipa da Brasserie d'Olt, fundada em 1998. "Fizemos o blend, misturámos, testámos e, depois, foi refinar, refinar, refinar. " Só depois, recorda, desenhou a garrafa de vidro, "também num estilo muito moderno e elegante" para "dar oportunidade às mulheres de beberem cerveja". "A cerveja não é elegante o suficiente para as mulheres por causa das garrafas", defende. "Mas esta é muito clean, leve, branca. " Se no copo a espuma que se cria denuncia o conteúdo, na garrafa facilmente a podemos tomar por um sumo ou uma água aromatizada. Desde finais de Maio do ano passado que a S+arck se encontra à venda numa selecção restrita de espaços, a grande maioria hotéis e restaurantes gourmet. Em Portugal, para já, está apenas disponível no Sublime Hotel Comporta. Mas também é possível encomendar um conjunto de três garrafas (33cl) através do site da cervejeira – custa 12€ (mais portes). Tal como aconteceu com as linhas de perfume e de champagne, Philippe Starck acredita que vai produzir novas cervejas. "Não há urgência, mas deveremos continuar", assume, para, um momento depois, soltar um "não sei, não é o meu trabalho". E remata: "O meu trabalho é a experiência. Não sou um designer, sou um explorador. E infelizmente para mim e para a minha família, tenho sempre uma nova ideia e faço-a. Pode demorar muito tempo, às vezes custa uma fortuna, mas faço sempre a experiência. "
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Palavras-chave mulheres corpo
Bernard Hinault apela a boicote se Froome estiver no pelotão
Antigo pentacampeão do Tour encorajou os restantes ciclistas a não correrem na prova. Um teste antidoping positivo do britânico em 2017 está na origem da controvérsia. (...)

Bernard Hinault apela a boicote se Froome estiver no pelotão
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Antigo pentacampeão do Tour encorajou os restantes ciclistas a não correrem na prova. Um teste antidoping positivo do britânico em 2017 está na origem da controvérsia.
TEXTO: Bernard Hinault, o homem que dominou o ciclismo mundial entre 1978 e 1986 — com cinco vitórias na Volta à França nesse período de oito anos— pede aos ciclistas que não participem nesta que é a prova-rainha do ciclismo internacional, caso Chris Froome, vencedor em 2017, faça parte do alinhamento. “Ele não devia fazer parte do Tour. O pelotão deveria pôr um travão e dizer que não começam a corrida se ele estiver presente”, afirmou o ex-ciclista aos órgãos de comunicação social britânicos, aludindo ao facto de Froome estar a braços com uma análise positiva de doping. Em Dezembro de 2017, o jornal britânico The Guardian e o diário Le Monde, de França, revelaram o resultado de um teste de urina de Froome, recolhido após a 18. ª etapa do Tour. Essa análise mostrou valores altos de uma substância chamada salbutamol — usada para tratar doentes asmáticos. O salbutamol funciona como um estimulante do aparelho respiratório, estando presente em alguns fármacos de classe A (estimulantes) e classe C (agentes anabolizantes). O corredor britânico acusou o dobro do valor permitido pela Agência Mundial Antidoping (WADA, na sigla inglesa) para essa substância. Froome, vencedor da Volta à França por quatro vezes disse, na altura em que o resultado do teste se tornou público, que a presença dessa substância na urina se devia à equipa médica da Team Sky: “A minha asma piorou na Volta à Espanha, pelo que segui os conselhos do médico da equipa para aumentar as minhas doses de salbutamol. Como sempre, tomei as maiores precauções para garantir que não excedia as doses permitidas”. A próxima edição da Volta à França tem início marcado para 7 de Julho. Antes disso, Chris Froome tem de esperar pela decisão da União Ciclista Internacional (UCI), instituição que tutela a modalidade. Hinault, antigo campeão francês, também fez questão de deixar um recado ao regulador mundial: “Os trabalhadores da UCI deviam ter dito ‘tu foste apanhado, portanto não irás correr’”. Mesmo antes de voltar à estrada, a sombra do doping volta a cair sobre o Tour. Lance Armstrong perdeu os sete títulos conquistados entre 1998 e 2005. Alberto Contador, outra das figuras do pelotão mundial e da prova francesa, foi suspenso em 2012 por um período de dois anos, pelo Tribunal Arbitral do Desporto. Na edição deste ano, há a hipótese de o ciclista britânico não poder defender o título de 2017. Se for considerado culpado, Froome arrisca ser suspenso de todas as provas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave tribunal rainha homem social
Aqui não há gente pior nem melhor
Tanta Gente, Mariana e As Palavras Poupadas são os livros que inauguram a publicação da obra completa de Maria Judite de Carvalho. Contêm já os elementos que irão definir um trabalho tão elegante quanto desafiador. (...)

Aqui não há gente pior nem melhor
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.32
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Tanta Gente, Mariana e As Palavras Poupadas são os livros que inauguram a publicação da obra completa de Maria Judite de Carvalho. Contêm já os elementos que irão definir um trabalho tão elegante quanto desafiador.
TEXTO: Há episódios que ajudam a perceber o tempo em que determinada obra ou determinado autor aparecem e os estragos ou as ameaças ao estabelecido que representam. Este foi recordado por Baptista-Bastos no dia da morte de Urbano Tavares Rodrigues, em 2013, e testemunha o carácter disruptivo dos textos de Maria Judite de Carvalho numa altura em que tinha publicado pouco mais do que Tanta Gente, Mariana e As Palavras Contadas. Num texto para a revista Ler, em 2015, descrevo-o: “Conta-se que um dia o escritor Urbano Tavares Rodrigues ao descer o Chiado entrou na pastelaria Bénard e, lá dentro, deu um soco ao crítico Manuel Múrias depois de este ter escrito uma crítica feroz na qual sugeria que, em vez de escrever, Maria Judite de Carvalho deveria ficar em casa a fazer filhos. ”Ao circunscrever a sua literatura a pouco mais do que o universo doméstico, a discreta Maria Judite de Carvalho fazia-o de forma revolucionária para a época. No texto que serve de prefácio ao volume com que a Minotauro agora inicia a reedição da sua obra, Urbano Tavares Rodrigues escreve com o entusiasmo que se lhe reconhece sempre que apresentava um novo autor: “Tanta Gente, Mariana foi uma espécie de bomba, sem excessos verbais, que caiu sobre o marasmo da sociedade portuguesa do final dos anos cinquenta, com uma ironia dolorosa, por vezes ácida, denunciando as frustrações e contidas mágoas da mulher portuguesa entregue aos caprichos masculinos e aos ‘brandos costumes’ da hipócrita moral salazarista. ”Ao contrário do que o perfil de Maria Judite de Carvalho poderia sugerir, não estamos diante de seres conformados. As suas mulheres não eram vazias. Pelo contrário, ganhavam autonomia e singularidade dentro do anonimato a que pareciam confinadas. Ela revelava-as, rebeldes, angustiadas, perversas, na multidão da cidade em que habitavam. Como Mariana, a protagonista do seu conto de estreia. “O especialista perguntou-me se tinha família. Respondi-lhe que não. Pareceu ligeiramente desapontado, como se a minha situação de pessoa só fosse afinal o pormenor mais grave de tudo o que ali se ia passar e dizer, a primeira pedra no caminho fácil do meu caso. Olhava para mim com as análises na mão. Mesmo ninguém?. . . ”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É só o começo de Tanta Gente, Mariana (1959), o conto mais conhecido desta escritora que começou a publicar aos 31 anos e que, apesar de todos os prémios que conquistou em quatro décadas de escrita, não saiu de um nicho de admiradores. É o retrato de uma jovem mulher solitária num casarão soturno da cidade de Lisboa que viaja através da memória depois de saber que está mortalmente doente. Os primeiros traços do retrato aproximam-se da biografia da própria Maria Judite, que cresceu órfã num ambiente muito semelhante, e que chegou a confessar que havia naquela história muitos elementos pessoais. Foi das confissões mais íntimas que fez ao longo de uma vida de 76 anos em que preferiu manter-se na sombra e dar todo o protagonismo às suas personagens, criadas graças ao seu enorme poder de observação do quotidiano, um poder que só tinha porque escolheu, ela própria, ficar no papel de observadora. Sabia como ser Arminda a olhar pela janela todos os homens que via passar na rua e a confundi-los com um só homem, o da sua obsessão, como em A Menina Arminda, outro dos contos que compõem este primeiro volume da obras completas de Maria Judite de Carvalho. Ou como a Graça de As Palavras Poupadas (1961), o segundo livro deste primeiro volume, vencedor do Prémio Camilo Castelo Branco, há-de olhar para aquele homem “desbotado, obsequioso, mesureiro” que “abre a porta de vidro, imobiliza-a com o pé (é automática) – ‘Cuidado com o degrau, Madame’ –, curva-se um pouco para a deixar passar. " Ela olha e vê: "Tem o grande embrulho redondo, toscamente feito com papel pardo, muito encostado ao peito, protegido pela mão peluda, de unhas largas, uma das quais, a do indicador, está queimada pelo cigarro. ”Olhares como estes são exemplo da ironia que existe por trás do semblante sereno, que aprendeu a dissimulação quando ela é precisa; que sabe de todos os pactos, os mais convenientes à sociedade; que se refugia no íntimo e lhe descobre o turbilhão. De quem escreve com a convicção de que não há gente pior nem gente melhor, e de que a moral não entra aqui a não ser como elemento literário. Sublinhe-se, mais uma vez, que estamos no início dos anos 1960 em Portugal e Maria Judite de Carvalho escrevia assim em As Palavras Poupadas. “A verdade é que nem todas as mulheres eram capazes de se sacrificar e resistir às tentações que a vida lhes semeava pelo caminho. E isso não queria dizer que fossem piores do que as outras. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte homens mulher homem espécie mulheres