FITEI abre com reflexão sobre a memória em tempo de perda
Longe é o espectáculo de abertura do FITEI e propõe uma reflexão sobre o lugar que os mortos ocupam na memória de quem fica. A peça tem encenação de Raquel S. e estreia-se esta terça-feira no Teatro Municipal do Campo Alegre, no Porto. (...)

FITEI abre com reflexão sobre a memória em tempo de perda
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Longe é o espectáculo de abertura do FITEI e propõe uma reflexão sobre o lugar que os mortos ocupam na memória de quem fica. A peça tem encenação de Raquel S. e estreia-se esta terça-feira no Teatro Municipal do Campo Alegre, no Porto.
TEXTO: O que é que acontece na nossa cabeça quando perdemos uma pessoa próxima? Para onde vão os traços do seu rosto, os maneirismos do seu corpo e o timbre da sua voz? Raquel S. partiu de questões como estas para trabalhar o processo que ocorre no cérebro no pós-luto e a forma como se retém ou descarta determinada informação. O resultado é Longe, uma co-produção entre a Noitarder – Associação Cultural e o Teatro Municipal do Porto, que abre esta terça-feira o Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI) e que fica em cena no Campo Alegre até quarta. “No fundo, trata-se de duas perdas. A perda física da pessoa que não podemos voltar a ver e o medo de esquecermos a imagem que temos dela”, conta a encenadora ao PÚBLICO. Esta é a primeira encenação de Raquel S. em contexto profissional — encenou e dirigiu anteriormente o Teatro Universitário do Porto (TUP) e participou noutras produções —, mas está ancorada na vasta pesquisa dramatúrgica que sempre pautou o seu trabalho. Para construir o espectáculo, recorreu à leitura de diários de luto, obras de autores como Edgar Allan Poe, Herberto Helder ou Joan Didion, e a literatura científica da autoria de nomes da ciência e neurociência como Marie Curie ou Sigmund Freud. Nem a filosofia, a sua área de formação, ficou de fora. “Desde que comecei a trabalhar em teatro, tinha esta vontade de criar um espectáculo que pudesse incorporar o movimento de pensamento filosófico e a forma como as questões nos fazem ou não avançar, multiplicando-lhes o sentido”, explica. Entre os autores estudados está o francês Roland Barthes que, “mesmo estando situado no limiar do pensamento, tem um lado pessoal muito vincado na sua escrita que torna a leitura assombrosa”. As inquietações que levaram à criação de Longe não são de agora. Foram várias as histórias que Raquel S. acumulou antes de ter oportunidade de se debruçar sobre o tema. Posteriormente, conduziu uma série de entrevistas com pessoas que tinham sofrido a morte de alguém e com as quais partilhava diferentes níveis de intimidade. “Pedi-lhes para descrever a cara da pessoa que lhes morreu, como é que eram as sobrancelhas, a boca, o queixo e tentei recolher algumas recordações nítidas”, conta. No decorrer das conversas, Raquel S. apercebeu-se que havia uma grande disponibilidade por parte dos entrevistados para falar sobre um tema tido como difícil e sensível e tratado com certo pudor. “As pessoas diziam coisas como: ‘Ah, lembrei-me que [a minha mãe] tinha um sinal. . . já me tinha esquecido. ” Foi através desta pesquisa aprofundada que chegou à história de uma rapariga que, quando nasceu, era muito parecida com uma tia que tinha morrido ou à memória de uma menina de quatro anos que ia abraçada ao pai, enquanto este guiava depressa na mota onde seguiam. Depois da recolha de conteúdos para o texto, a encenadora inspirou-se nos processos neurológicos e neuropsicológicos para estruturar a peça. “O nosso cérebro não guarda as coisas todas juntas. Para aceder a uma memória, são activadas várias áreas, o que pode tornar difícil recuperar informação e ordená-la de forma coerente”, afirma Raquel. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O funcionamento do cérebro, que “muitas vezes injecta emoção nas memórias para que as possamos guardar”, é falível por natureza e feito de avanços e retrocessos, tal e qual como o monólogo atípico interpretado por Margarida Gonçalves. Tendo como pano de fundo um cenário minimalista, que procura criar um ambiente o mais abstracto possível, a peça começa por ser uma espécie de teatro-conferência em que a memória é abordada numa perspectiva teórica. Aos poucos vai mudando de registo e recorre a alguns desvios, correcções e parênteses para dar voz às histórias de perda. “A linguagem também é um lugar de falha, porque nós tentámos usá-la e ela quebra-se”, reconhece. Longe quer ser um espaço de vulnerabilidade para pensar no que significa perder alguém e no que resta daqueles que partem na memória daqueles que ficam. No primeiro dia de FITEI, sobe ainda a palco a brasileira Aquela Cia. com Caranguejo Overdrive, uma encenação de Marco André Nunes que “conta a história de Cosme, apanhador de caranguejos no mangue carioca da metade do século XIX”, que reflecte sobre o Rio Janeiro de hoje a partir de uma base documental. A peça está em cena terça e quarta-feira no Grande Auditório do Teatro Rivoli e sábado na Casa das Artes de Felgueiras.
REFERÊNCIAS:
Jane Fonda recebe prémio Lumière
De 13 a 21 de Outubro, o festival de Lyon dedicado à história do cinema, com restauros e reedições de filmes e documentários, volta para a 10ª edição. (...)

Jane Fonda recebe prémio Lumière
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DATA: 2018-06-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: De 13 a 21 de Outubro, o festival de Lyon dedicado à história do cinema, com restauros e reedições de filmes e documentários, volta para a 10ª edição.
TEXTO: O Festival Lumière, organizado pelo instituto homónimo em Lyon, França, e dedicado a exibir restauros e novas cópias de clássicos, além de documentários sobre a história do cinema, chega à 10ª edição entre 13 e 21 de Outubro. Este ano, e depois de ter já homenageado Catherine Deneuve, Gérard Depardieu, Martin Scorsese, Ken Loach, Miloš Forman, Quentin Tarantino, Pedro Almodóvar, Wong Kar-wai ou Clint Eastwood, o festival dá o Prémio Lumière a Jane Fonda, pelo trabalho em cinema e o activismo político. Além da presença da actriz, que trabalhou com Alan J. Pakula, Arthur Penn, Sidney Lumet ou Sydney Pollack e que hoje pode ser vista em Grace and Frankie, a série do Netflix que protagoniza ao lado de Lily Tomlin, com quem fez Das 9 às 5 nos anos 1980, será exibido Jane Fonda in Five Acts, o documentário assinado por Susan Lacy este ano. O festival honrará também mulheres no cinema, com um tributo a Muriel Box (1905-1991), a realizadora e argumentista britânica do pós-guerra, e terá como convidados a actriz sueca Liv Ullman, musa de Ingmar Bergman, e o cantor francês Bernard Lavilliers. Haverá ainda espaço para retrospectivas do norte-americano Richard Thorpe, com a exibição de cinco cópias de 35mm dos seus filmes, e do francês Henri Decoin, prolífico e pioneiro realizador, além de sessões relativas ao realizador francês Robert Enrico, ao cómico Max Linder, à estrela de mudo francesa Catherine Hessling, esposa de Jean Renoir, e àcontinuação de um tributo a Buster Keaton. Será exibida uma nova cópia em 70mm de 2001: Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, que foi exibida em Cannes, festival dirigido por Thierry Frémaux, que também é director do Instituto Lumière.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra mulheres
Metrópoles mundiais unem-se contra expulsão de moradores de centros urbanos
Na segunda-feira será apresentado à ONU o documento Cities for Housing acordado por várias cidades que exigem medidas globais na luta contra a expulsão de moradores dos centros urbanos. (...)

Metrópoles mundiais unem-se contra expulsão de moradores de centros urbanos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na segunda-feira será apresentado à ONU o documento Cities for Housing acordado por várias cidades que exigem medidas globais na luta contra a expulsão de moradores dos centros urbanos.
TEXTO: A presidente do município de Barcelona, Ada Colau, apresenta na segunda-feira, na cimeira das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a declaração Cities for Housing, que reúne metrópoles mundiais que reclamam dos Estados competências e recursos contra a especulação imobiliária. Nova Iorque, Londres, Berlim, Madrid, Paris, Montreal, Barcelona, Cidade do México, Seul, Durban e Amesterdão, entre outras cidades, acordaram um posicionamento internacional conjunto para exigir medidas globais de luta contra a expulsão de moradores dos centros urbanos, exigirem aos Estados competências e recursos contra a especulação imobiliária e contra a gentrificação. A declaração Cities for Housing (Cidades para Habitação) será apresentada pela autarca espanhola na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, no Fórum de Governos Locais e Regionais, com início marcado para as 10h locais (15h em Lisboa). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Segundo a autarquia catalã, esta cimeira é uma das poucas oportunidades, no âmbito da ONU, a permitir às cidades que se manifestem e dialoguem directamente com os representantes dos Estados. A declaração Cities for Housing foi concretizada através de uma rede mundial de trabalho formada por cidades e governos regionais, a CGLU (União de Cidades e Governos Locais, na sigla original), de que Ada Colau é a co-presidente. Segundo a autarquia da capital catalã, a sua presidente aproveita esta participação na cimeira para manter contactos bilaterais e reuniões de trabalho com outras cidades e protagonizará uma cerimónia conjunta com Alejandría Ocasio-Cortez, uma das mulheres-revelação na política norte-americana, que surpreendentemente e contra todos os prognósticos, venceu as eleições primárias do Partido Democrata, em Nova Iorque, para o congresso.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
O cisne negro
Donald Trump representa um acontecimento extremo, imprevisível, que desfaz os esquemas estabelecidos e põe em causa a própria noção de Ocidente. (...)

O cisne negro
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.16
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Donald Trump representa um acontecimento extremo, imprevisível, que desfaz os esquemas estabelecidos e põe em causa a própria noção de Ocidente.
TEXTO: 1. Donald Trump é um “cisne negro”. Cisne negro (Black Swan, 2007, e Dom Quixote, 2011) é o título de um livro do epistemólogo e matemático libanês Nassim Taleb sobre os riscos e a incerteza. O cisne negro é um acontecimento extremo, imprevisível e que desfaz os esquemas estabelecidos. A metáfora de Taleb inspira-se na avis rara do escritor latino Juvenal, numa época em que todos os cisnes eram brancos. A descoberta de um cisne negro na Austrália, no século XVII, desintegrou aquela convicção milenar. O cisne negro é um acontecimento “aberrante” e que muda tudo. Pode ser um cataclismo ou uma invenção. Taleb dá como exemplos a Internet, a I Guerra Mundial, a queda da URSS ou o 11 de Setembro. Podemos argumentar que não é Trump quem muda o mundo e que foi uma imprevista mudança do mundo que o fez chegar à Casa Branca. O certo é que só depois dele podemos procurar causas ou explicações. A Europa estava preparada para gerir crises na “normalidade”, mas a chegada do cisne negro mudou o quadro. 2. Trump despreza os aliados, mostra deferência perante os inimigos e aprecia os “homens fortes”. Na cimeira da NATO confirmou o seu papel de demolidor da “velha ordem” nascida da II Guerra Mundial e do seu sistema de alianças. A sua “América forte” implica a renúncia à própria liderança americana na “ordem mundial”. Não representa o que o establishment político-militar americano pensa: é o que o Presidente faz. Como olhar Trump? O primeiro risco é segui-lo na anedota e no teatro com que distrai os seus críticos. Edward Luce, chefe da delegação do Financial Times em Washington e autor de um livro sobre Trump (The Retreat of Western Liberalism, 2017), faz um aviso: “Quanto mais Donald Trump denigre a NATO maior é o escândalo que provoca na Europa. A moral faz-nos sentir bem. Mas também pode provocar cegueira intelectual. ” Os democratas americanos preferiram a “justa indignação à clareza analítica”. Acreditaram, por exemplo, que as mulheres jamais votariam Trump. Enganaram-se. “Os Estados Unidos nunca retirarão as tropas da Europa, dizem em Bruxelas. Mas Trump pode fazer exactamente isso. Qual das margens do Atlântico teria mais a perder?”“Ele inventa os seus próprios factos” e, instintivamente, sabe visar os pontos vulneráveis do interlocutor, insiste Luce. Sabotar as alianças diminui a força da América. “Mas o maior perdedor é a Europa. A sua sobrevivência depende da garantia americana. ” A Rússia não só ameaça a sua fronteira oriental como interfere activamente na tentativa de desagregação da UE a partir do Leste, dos populismos nacionalistas e, inclusive, das tentações autoritárias. Conclusão: “A América liberal encarou Trump literalmente mas não seriamente. A Europa não deveria repetir este erro. ” Acabou o mundo pós-1945. Merkel reconheceu, em tom pessimista, que a Europa tem de tomar o destino nas suas mãos. É mais fácil fazer diagnósticos do que indicar a terapia. Mas com Trump, e provavelmente mesmo depois de Trump, mudou a aliança. 3. A Europa está dilacerada por surtos populistas e pela reemergência de nacionalismos. A noção política de Ocidente está a dissipar-se. Depois da crise económica de 2008, a questão migratória mudou as dinâmicas políticas na Europa. A ascensão ao poder dos populistas italianos é um potente acelerador. Mas como entram aqui Trump e os Estados Unidos? Trump apoiou o "Brexit" e denuncia o "Brexit soft" de Theresa May. Apreciaria um enfraquecimento da UE que lhe permitisse negociar bilateralmente com os europeus. A simples existência de Trump é um incitamento aos populismos eurocépticos. Beppe Grillo, Matteo Salvini, Viktor Orbán ou Marine Le Pen exultaram com a sua vitória em 2016. Tinham razão. “Trump não pensa no fim do Ocidente”, afirma o politólogo búlgaro Ivan Krastev. “Quer redefini-lo: o Ocidente, para o chefe da Casa Branca e para [o seu ideólogo] Steve Bannon, não é bem uma aliança política, é antes de mais uma entidade cultural fundada sobre a cristandade. O que coloca a Turquia de fora, mesmo se da NATO, mas inclui a Rússia. ”“O Ocidente é um conceito, não uma localização”, escreve Bill Emmott, antigo director da Economist. Foi “a ideia política com maior sucesso no mundo”. É este Ocidente — que, para lá da geografia, pode incluir o Japão — aquilo que hoje está em causa. Trump abandonou a liderança da ordem mundial que os EUA inventaram e criou um vazio. “Alguns temem a China enquanto potência ascendente”, escreve Luce. “Mas é o caos, e não a China, quem mais provavelmente ocupará o lugar da América. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. 4. Acabou também o mundo pós-1989, o breve tempo em que o modelo da democracia liberal se expandia. Hoje, este modelo é desafiado por modelos autoritários, como os de Xi Jinping e Putin. Pelo mundo fora, cresce a lista dos autocratas. E o apetite por “homens fortes”, que garantam “segurança”, não é já estranho à Europa. É o modelo de Budapeste. “A Rússia assombra a imaginação ocidental”, observa Krastev. “O que causa ansiedade no Ocidente liberal não é que a Rússia governe o mundo, mas que o mundo seja governado da maneira que a Rússia o é hoje. O que perturba é que o Ocidente possa começar a parecer-se com a Rússia de Putin, o que não estávamos prontos a reconhecer. ” O ideólogo russo Alexander Dugin, que costuma estar um passo à frente de Putin, não esconde os desígnios: “A Itália é o início da grande revolução populista que mudará o mundo. (. . . ) Os populismos destruirão esta União Europeia. ”Nunca nada está garantido. Por isso é inevitável olhar de frente os efeitos do cisne negro. São factos. Os novos desafios dizem que acabou o tempo em que a Europa pensava muito em economia e pouco em segurança. Mudar este paradigma é, aliás, a chave para estabelecer novas relações com os Estados Unidos. Numa perspectiva histórica, dir-se-á um dia que cisne negro acabou por ser um bem?
REFERÊNCIAS:
A interferência russa em datas
Quando começou e em que estado está a investigação à suspeita de interferência russa nas eleições presidenciais de 2016. (...)

A interferência russa em datas
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DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Quando começou e em que estado está a investigação à suspeita de interferência russa nas eleições presidenciais de 2016.
TEXTO: Os serviços secretos militares da Rússia (GRU) iniciam uma campanha para interferir nas eleições presidenciais dos EUA, segundo os serviços secretos norte-americanos. George Papadopoulos, conselheiro de Trump sobre política externa, reúne-se com um académico acabado de regressar da Rússia que lhe diz que os russos têm “milhares de emails” da candidata Hillary Clinton. O filho mais velho de Trump, Donald Trump Jr. ; o genro, Jared Kushner; e o responsável pela campanha, Paul Manafort, reúnem-se na Trump Tower com uma advogada russa. Emails divulgados mais tarde mostram que Trump Jr. acreditava que ia receber informação prejudicial para Hillary Clinton. O antigo espião britânico Christopher Steele informa o FBI sobre os resultados de uma investigação das ligações entre Trump e a Rússia paga pelo Comité Nacional do Partido Democrata. Na véspera da convenção nacional do Partido Democrata, em Filadélfia, a WikiLeaks divulgou 44 mil emails roubados dos servidores do Comité Nacional do Partido Democrata. Demite-se a sua líder, Debbie Wasserman-Schultz. O FBI inicia uma investigação sobre a interferência russa nas eleições norte-americanas. Agosto de 2016Paul Manafort dmeite-se da liderança da campanha de Trump, após notícias do seu envolvimento em negócios na Ucrânia. O Presidente Barack Obama encontra-se com o Presidente Vladimir Putin durante a cimeira do G20 na China e ameaça-o com uma resposta forte se a interferência da Rússia continuar. Uma hora depois da divulgação do vídeo em que Trump surge a gabar-se de forçar mulheres a contactos sexuais, a WikiLeaks inicia a divulgação de milhares de emails privados do responsável pela campanha de Hillary Clinton, Jon Podesta. O Departamento de Segurança Nacional emite um comunicado em que culpa pela primeira vez a Rússia. Trump vence as eleições presidenciais. Obama expulsa 35 diplomatas russos e encerra instalações russas no Maryland e em Nova Iorque, em resposta aos ataques informáticos. Na sequência dessas sanções, o conselheiro de Segurança Nacional de Trump, Michael Flynn, conversa várias vezes ao telefone com o embaixador russo em Washington, Sergei Kisliak. O Presidente Trump (que tomou posse neste mês) é informado pela comunidade de serviços secretos norte-americana de que Putin ordenou uma campanha de interferência nas eleições e que um dos seus objectivos era ajudar Trump e prejudicar Clinton. Na mesma reunião, Trump é posto ao corrente da existência do relatório de Christopher Steele. Flynn demite-se de conselheiro de Segurança Nacional, alegadamente porque mentiu ao vice-presidente, Mike Pence, sobre as suas conversas com sergei Kisliak. O director do FBI, James Comey, confirma em público pela primeira vez a existência de uma investigação sobre a Rússia. Trump despede Comey. O vice-procurador-geral, Rod Rosenstein, nomeia o antigo director do FBI Robert Mueller com procurador especial na investigação das suspeitas de conluio entre a campanha de Trump e a Rússia. Agentes do FBI executam um mandado de detenção contra Paul Manafort. Manafort e o seu parceiro de negócios Rick Gates são acusados formalmente de lavagem de dinheiro e outros crimes. Manafort reclama inocência, mas mais tarde dá-se como culpado de acusações menores e colabora com a investigação de Mueller. Papadopoulos dá-se como culpado de mentir ao FBI sobre os seus contactos com a Rússia e colabora com o procurador especial. Flynn dá-se como culpado de mentir ao FBI e concorda em colaborar com o procurador Mueller. Mueller acusa formalmente 13 indivíduos russos e três empresas russas, incluindo a Internet Research Agency, com sede em São Petersburgo, de conspiração para interferir nas eleições de 2016. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Alex van der Zwaan, um holandês genro de um dos homens mais ricos da Rússia, é condenado a 30 dias de prisão e a 20 mil dólares de multa por mentir aos investigadores de Mueller, tornando-se na primeira pessoas a ser condenada na investigação. O procurador especial Mueller acusa formalmente 12 agentes dos serviços secretos russos de terem lançado ataques informáticos contra vários órgãos do Partido Democrata para roubar e divulgar documentos. A acusação diz também que três dos agentes roubaram informações pessoas de eleitores.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
O Nos Alive fechou-se em torno dos Pearl Jam e da “família” e o rock salvou o mundo
O regresso da banda de Seattle a Portugal era o concerto mais aguardado da última noite do festival. À actuação irrepreensível da banda de Eddie Vedder somaram-se as boas prestações de Jack White, The Last Internationale, Franz Ferdinand ou Alice in Chains, numa noite que não correu bem para os At The Drive-In. (...)

O Nos Alive fechou-se em torno dos Pearl Jam e da “família” e o rock salvou o mundo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: O regresso da banda de Seattle a Portugal era o concerto mais aguardado da última noite do festival. À actuação irrepreensível da banda de Eddie Vedder somaram-se as boas prestações de Jack White, The Last Internationale, Franz Ferdinand ou Alice in Chains, numa noite que não correu bem para os At The Drive-In.
TEXTO: Que se cale toda a música em redor, que estejam viradas todas as atenções para um só ponto. Apontem-se os olhos e sintonizem-se os ouvidos para o palco principal do Nos Alive, que é hora de receber de braços abertos uma banda da casa. É um regresso adiado há oito anos, sem corte de relações e com troca de correspondência constante com os “familiares”. A ansiedade por este reencontro foi um dos motivos que levou a que em Dezembro do ano passado já o festival estivesse esgotado. No último dia da 12. ª edição do evento, há 55 mil pessoas à espera desse abraço. Com o recinto todo para eles, os Pearl Jam entram em palco para revelar os primeiros presentes. Nada de exageros ou de artefactos que façam parecer que querem redimir-se de tão longa espera. Da mala tiram a tímida Low light, guardada em Yield desde 1998, para depois desvendarem um pouco mais dos planos para aquela estadia fugaz. Trazem Better man, uma recordação de 1994, de Vitalogy, e já parece nunca terem partido. Dali para a frente contaram novas histórias e recordaram o percurso trilhado até que se criasse aquela relação estreita que existe com os fãs. No dia mais marcadamente rock do festival, os Pearl Jam foram a banda que mais atenções garantiu, mas mais houve digno de nota. Entre o lado mais negro de Seattle dos Alice in Chains, a escola de rock setentista de Jack White, a afirmação The Last Internationale e os competentes Franz Ferdinand, provou-se que este género está vivo e continua a ser capaz de reunir multidões para celebrar o som sagrado em torno da trindade distorção, ritmo e adrenalina. Ámen. Mas nem tudo foram rosas no último dia. Os At The Drive-In, pela segunda vez em Portugal, não conseguiram reunir consensos nem um set equiparado ao apresentado na estreia em solo nacional de há um ano no Vodafone Paredes de Coura, onde deixaram bem vincado estavam ali para ser a banda da noite. Aqui, relegados para o segundo palco, quiseram deixar claro que conseguiriam tocar mais alto do que os Pearl Jam, acabados de sair do palco grande. Conseguiram fazê-lo, mas não com qualidade. O concerto serviu para afastar grande parte do público que tentava descortinar a embrulhada sonora da banda, levando-o para o palco do lado (Clubbing), onde tocavam os The Gift, e para o último concerto desta edição no palco principal. Tarde e a más horas, era lá que tocavam os MGMT, tentando aproveitar os despojos deixados atrás de si pela banda de Seattle com quase uma hora de atraso. Só perto das 3h é que iniciaram a actuação. Não fossem o adiantado da hora e a tarefa ingrata de tocarem depois dos cabeças de cartaz e a viagem psicadélica, umas vezes negra, outras até juvenil, teria ganho outra dimensão. Ainda assim, foi uma actuação sólida, a desta formação que na rampa que a disparava para o estrelato encontrou zonas rugosas que a retiveram mais longe da estratosfera. Há uma espécie de passo atrás na carreira dos norte-americanos, mas um passo que talvez até possa ajudá-los a recentrarem a direcção que querem seguir. Se calhar o sítio onde estão agora não lhes assenta assim tão mal. Sobretudo o material mais obscuro do recém-lançado Little Dark Age, e que remete para uma questão sem resposta: seria a isto que soariam as composições de Syd Barrett a solo, se tivesse descoberto a electrónica depois de ter deixado os Pink Floyd?De tarde, coube aos The Last Internationale abrir o palco grande. Já passaram alguns anos desde que a banda encabeçada pela frontwoman Delila Paz tocou pela primeira vez em Portugal: desde o início da década que tem feito algumas aparições menos mediáticas por clubes de Lisboa e Porto. Em 2014, a banda passou por Oeiras para tocar neste mesmo festival, dois anos depois subiu a Coura. Aqui há rock'n'roll puro e duro carregado de soul – não é por acaso que os The Last Internationale tocaram uma versão de A change is gonna come, de Sam Cooke. A voz de Delila tem alma e os riffs de guitarra têm blues. Desconfiamos que a Les Paul de Edgey Pires, neto de portugueses, tem um dispositivo de memória que armazena os melhores ritmos dos mestres do som do Mississípi. Não precisa de lá ir buscar muito material. Basta, em doses certas, escolher a base correcta para lhe dar uma cara mais roqueira. A ligação a Portugal dos norte-americanos apadrinhados por Tom Morello é longa e também de sangue. Pires actuou com a camisola da selecção e revelou que o último Soul on Fire foi gravado cá. Pouco depois, no palco Sagres, os Marmozets sondavam o público para perceber se o post-hardcore colorido que praticam colava. Chamemos-lhe antes pop-hardcore. Estão lá os berrados e gritados vociferados por Rebecca Macintyre, alternados com vozes limpas. O agudo bem alto da vocalista confere alguma identidade aos britânicos. Estão lá também os riffs de guitarra quebrados, a bateria nervosa e os refrães esperançosos. Não descobriram ouro, mas os temas que apresentaram valem o peso de outro metal reluzente com menos valor. No mesmo palco, já ao início da noite, encontramos os Clap Your Hands Say Yeah. Indie rock com crescendos sónicos em direcção a ganchos pegajosos a merecer mais público, que naquela altura se organizava frente ao palco principal para receber Jack White. Antes disso, os Franz Ferdinand já tinham feito a sua parte no mesmo palco. E foi exactamente isso, e apenas isso, que fizeram. Foram competentes. A voz de Alex Kapranos leva-nos para um universo paralelo onde o vocalista é uma espécie de filho perdido de David Byrne. O instrumental que a segura nunca foi nada de inovador, mas é certo que os escoceses conhecem bem a arte de estar em palco. Em cerca de 45 minutos deram a volta à discografia sem deixar de fora os hits The dark of the matinée ou This fire, aqui tocados num tempo mais lento. Já Jack White, que se lhes seguiu, conhece todos os segredos do rock'n'roll. A solo, com uma base rítmica que lhe permite ganhar asas, atira-se para powerchords de origem setentista e trata-os como quer. É cru, duro e directo como o rock deve ser. A guitarra dele tem Black Sabbath, tem Led Zeppelin, tem blues, tem folk e tem uma distorção com uma sonoridade no ponto perfeito para nos transportar para esse legado, mas também para o deixar impor o seu cunho. Durante o concerto, ainda teve tempo para pôr um pé nos seus White Stripes e para tocar Seven nation army. Seattle veio até Oeiras e chegou de tarde com os Alice in Chains. Se os Nirvana representavam o lado mais furioso do grunge, os Soundgarden o mais virtuoso e os Pearl Jam o mais clean, os Alice in Chains personificam o lado mais negro e depressivo do som que a Seattle da década de 1990 viu nascer. William DuVall já chegou à banda há 12 anos e não há nada que se lhe possa apontar relativamente à função que lhe foi atribuída. Porém, é quase impossível assistir a uma actuação do colectivo sem que paire no ar o fantasma de Layne Stanley (1967-2002). As harmonias a duas vozes continuam presentes e a funcionar. Falta à voz do guitarrista Jerry Cantrell a companhia do génio com quem fazia dupla nas harmonias e a Duvall a carga depressiva que talvez o tenha conduzido à morte. Ainda assim foi um regresso ao passado feliz para revisitar temas como Them bones, Dam that river, Would?, Man in the box, Rooster ou Nutshell. Check my brain ou Hallow marcaram a parte do alinhamento relativa à fase Duvall. A banda mais bem-sucedida da cena de Seattle, ainda no activo, só entrou em palco do Nos Alive meia hora antes da passagem para um novo dia. É conhecida a relação de proximidade que os Pearl Jam e Eddie Vedder mantêm com Portugal desde que tocaram no Dramático de Cascais há 22 anos. Desde essa altura fizeram-se votos para a eternidade, ou seja, até à banda decidir cessar funções. Os fãs portugueses aceitaram-nos como família. Faz a banda questão de dizer que é recíproco. Vedder arrisca num português lido, pois a fluência na língua é coisa que não lhe assiste. Desde que lançaram Ten, em 1991, os Pearl Jam editaram mais nove álbuns. Brevemente sairá um novo. A discografia é longa e diversa. Porém, estão num patamar em que todos os temas de um alinhamento são hits. Atravessam duas décadas e vão de Even flow ou Jeremy, do primeiro álbum, até Mind your manners, do último, Lighting Bolt. Passam por Vs. com Daughter ou Rearview mirror, por Vitalogy e por todos os outros. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As músicas mais antigas são um corpo dinâmico e mutável. Em Black deu-se espaço para o improviso: a melodia principal de guitarra foi crescendo para sítios inesperados até chegar a Seven nation army, da banda de Jack White, que na parte final do concerto se juntaria à banda em palco. Tocam tema novo, Can't deny me, que Vedder dedica a todas as mulheres portuguesas que sofrem de maus tratos. Diz saber que é um problema que afecta muitas mulheres em Portugal. Na mesma linha interventiva, atiram-se a uma versão de Imagine seguida de Comfortably numb, dos Pink Floyd. Como se não tivessem originais suficientes, é também com uma versão que terminam: Keep on rockin' in a free world, de Neil Young, tocada a meias com Jack White para uma plateia que tapa quase por completo o tapete verde do recinto. Pelo menos naquela noite o rock salvou o mundo. E os Pearl Jam, claro, prometeram um regresso. Não sabemos quando voltam, mas sabemos que é certo que no próximo ano o festival que levou cerca de 55 mil pessoas a Oeiras nos últimos três dias regressa ao Passeio Marítimo de Algés. Na conferência de imprensa de encerramento do festival, o presidente da autarquia, Isaltino Morais, deu a conhecer que foi assinado um protocolo com a promotora Everything is New que assegura a realização do festival por esse período. Em 2019, o festival realiza-se entre 11 e 13 de Julho.
REFERÊNCIAS:
Étnia Escoceses
“Taxi Driver é um grito do coração de um jovem rebelde, No Coração da Escuridão são as reflexões desesperadas de um homem de 70 anos"
Em agonia espiritual e física, o silencioso, grácil e assustador Ethan Hawke, perante a corrupção do corpo, da igreja e do meio ambiente, veste o colete de explosivos. É a personagem do intenso e inusitado filme de Paul Schrader. Que se coloca, em resistência passiva-agressiva ao template actual, no tempo em que Schrader, nos anos 70, escreveu os primeiros argumentos (Taxi Driver) e realizou os primeiros filmes (Hardcore) ou American Gigolo). (...)

“Taxi Driver é um grito do coração de um jovem rebelde, No Coração da Escuridão são as reflexões desesperadas de um homem de 70 anos"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.25
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em agonia espiritual e física, o silencioso, grácil e assustador Ethan Hawke, perante a corrupção do corpo, da igreja e do meio ambiente, veste o colete de explosivos. É a personagem do intenso e inusitado filme de Paul Schrader. Que se coloca, em resistência passiva-agressiva ao template actual, no tempo em que Schrader, nos anos 70, escreveu os primeiros argumentos (Taxi Driver) e realizou os primeiros filmes (Hardcore) ou American Gigolo).
TEXTO: Paul Schrader não tem memórias de cinema da infância. Na restrita educação calvinista em que foi formado, a Dutch Reformed Church de Grand Rapids, no estado de Michigan, só as palavras eram ideias. As imagens da televisão e do cinema eram meio caminho andado para o inferno — a mãe espetou-lhe um dia uma agulha na mão, aquilo, essa dor “sempre”, isso era o inferno. Nascido em 1946, Paul Schrader só viu o primeiro filme aos 17 anos, uma produção da Disney, The Absent Minded Professor (1961). Não percebeu para quê tanto barulho. Percebeu com Wild in the Country (1961) e com os seus sentimentos infernais pela actriz Tuesday Weld. As memórias de infâncias são sobretudo de discussões teológicas na cozinha. É uma das razões, diria mais tarde o argumentista e realizador, pelas quais os seus filmes seriam acusados de “frieza” — não aprendeu a emocionar-se com o cinema. De facto, ficamos a pensar na forma como algumas personagens que criou descolaram da emoção e dos sentimentos, têm dificuldade em sentir — o Richard Gere de American Gigolo ou o Willem Dafoe de Light Sleeper, filmes que Schrader realizou, ou o compêndio de solidão, até de celibato, e de tendências suicidas que é a maior personagem do cinema americano dos anos 70, o Travis Bickle de Taxi Driver (1976), filme que escreveu (foi o encontro entre o mundo protestante e rural dele e o mundo urbano e católico de Martin Scorsese — O Toiro Enraivecido, A Última Tentação de Cristo, Bringing Out the Dead seguiram-se-lhe). O argumento de Taxi Driver, escrito em dez dias como se expulsasse de si o fascínio pelas armas, a obsessão pelo sexo, as tendências suicidas e uma úlcera — isto nos tempo em que, como uma bala, já disparara para fora de Grand Rapids, da família e do mundo calvinista onde não havia corpo e só havia palavras —, tem a mesma “música” de abertura de portas ao filme de terror que se ouve em No Coração da Escuridão. É este o inusitado novo filme do cineasta. Inusitado porque, datado de 2017, parece não querer saber da cronologia e colocar-se, com atitude de resistência passiva-agressiva ao template das práticas cinematográficas actuais, no tempo em que Schrader realizou os primeiros filmes, Blue Collar (1978) e Hardcore (1979), e eternizou Travis Bickle, a personagem que vive no reverendo Toller (Ethan Hawke) de No Coração da Escuridão — vejam só, para além daquela plongée sobre um copo com que o novo filme homenageia o outro, que por sua vez já fazia a sua homenagem, Toller tem um cancro como Travis achava que tinha um cancro. Toller sente, é a linhagem schraderiana da personagem, que não foi feito para amar. Ex-capelão do exército em agonia espiritual e física na igreja mais antiga aberta continuadamente para o culto em Albany, estado de Nova Iorque, o silencioso, grácil e assustador Toller, perante a corrupção do seu corpo, da sua igreja e do meio ambiente (descobre ligações entre a igreja e multinacionais que lucram com a destruição do planeta), veste o colete de explosivos como quem herda um património: o sangue limpa — como Travis Bickle quis limpar. O silencioso e grácil Ethan Hawke quer limpar a poluição do mundo com sangue. Com ele, Paul Schrader violenta mecanismos de identificação e empatia e faz o filme da sua graça. É um filme de outros tempos também porque No Coração da Escuridão podia ser contemporâneo de Hardcore, filme em que o realizador olhou para o microcosmo religioso que o formou e filmou, nesse caso com alguma nostalgia enquanto agora a América é de uma inamovível claustrofobia, o percurso de um pai que partia em busca da filha que fugira para o porno — como Schrader fugira para os filmes e para o sexo. Isso foi depois de o cinema ter levado a melhor sobre a filosofia em Paul Schrader. Foi depois de frequentar uma retrospectiva de Ingmar Bergman num cinema porno em vias de fechar — “cena” que parecia anunciar futuros filmes — e de ter percebido que o que ali se passava, nos filmes de Bergman, era não só compatível com o que se discutia nas aulas de Teologia do Calvin College, como era a mesma experiência do sagrado, só que através da pura forma. O cinema tornava-se nesses anos opção de vandalismo, de revolta. Começou a escrever críticas no jornal do Calvin College e a organizar um clube de cinema (rigorosamente vigiado). As fantasias de ser pastor da Igreja ou advogado (suceder espiritualmente estava ligado, na comunidade, ao sucesso material) foram sacudidas pela vontade de ser escritor ou jornalista. (O mundo americano era sacudido pelos protestos antiguerra no Vietname. )E saiu disparado. Entrou na Universidade da Califórnia de Los Angeles em 1968 — com a ajuda da crítica Pauline Kael, de quem foi protegido. Via 25 filmes por semana, tratou de recuperar o tempo perdido, não perdendo tempo com sexo (nessa altura. . . depois experimentaria como um sensualista e os filmes dos anos 80, American Gigolo ou Cat People, por exemplo, foram dando conta dessas descobertas e fascínios). “Limpou” então a história do cinema de forma analítica, por períodos e épocas. Escreveu na Los Angeles Free Press, plataforma para o jornalismo comprometido e radical da altura, sobre Pickpocket de Bresson e sobre Bud Boetticher, e na revista Cinema sobre Sam Peckinpah e Rossellini. Dava assim vazão a uma costela de evangelizador, queria iluminar os fiéis. Um texto a destruir Easy Rider fê-lo ser despedido do Los Angeles Free Press. Mas estava já a escrever um livro que, querendo ultrapassar as narrativas autorais difundidas na época, versão francesa (Cahiers du Cinéma) e americana (Andrew Sarris), procurava não o que diferenciava os realizadores, não as suas idiossincrasias, mas o que os aproximava: a retenção formal, a frustração da empatia de que o espectador estaria à espera, para causar a explosão final, uma experiência espiritual. Chamou-se, esse livro, Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer. Como acontece às personagens de Paul Schrader, que em vários filmes repetiram os estranhos caminhos do Pickpocket de Bresson até à Graça, apaziguando então os olhos para receber a revelação, foi preciso tudo isto para Paul Schrader chegar ao seu melhor filme: No Coração da Escuridão. A personagem de Ethan Hawke em No Coração da Escuridão tem um diário — Robert de Niro tinha um em Taxi Driver [Martin Scorsese, 1976]. Na sua educação calvinista, as palavras eram mais importantes do que as imagens, que eram desvalorizadas. É por isso que as personagens mais catárticas do seu cinema nos são apresentadas através de uma voz diarística? No reverendo Ernst Toller de No Coração da Escuridão ouve-se a “música” do Travis Bickle de Taxi Driver. Um e outro caso, e podemos ainda acrescentar [Willem Dafoe em] Light Sleeper [Perigo Incerto, 1992], vêm das duas vezes que [Robert] Bresson utilizou esse dispositivo, em Diário de Um Pároco da Aldeia [1951] e Pickpockett [1956]. Acho uma técnica muito eficaz. É como se estivéssemos a ser alimentados de forma intravenosa: estão a dar-nos comida, embora não provemos o sabor. Algo entra no nosso sistema, não sabemos exactamente o quê [risos]. O homem que escreveu um e outro, você, é um homem diferente. . . ?Sim, várias décadas nos separam. . . No entanto, não posso deixar de sentir No Coração da Escuridão próximo dos seus filmes iniciais, de Hardcore [A Rapariga da Zona Quente, 1979] ou de American Gigolo [1980]. Não é tanto um regresso quanto um fecho. Em 1969 eu era crítico de cinema e vi esse filme chamado Pickpocket. Tive duas ideias depois desse filme de 75 minutos. Uma delas era escrever um livro sobre o estilo transcendental: a ideia de que o sagrado pode ser transportado por um filme estilisticamente em vez de tematicamente. A outra foi escrever uma história sobre uma personagem como a do filme de Bresson: um tipo que vivia no seu quarto e escrevia um diário. E assim no ano seguinte escrevi Transcendental Style in Film — Ozu, Bresson, Dreyer e depois Taxi Driver. Quase 50 anos depois, dessas duas concretizações brotou este filme. Enquanto Ethan Hawke escreve o diário, sem piedade como ele diz, No Coração da Escuridão está a ser “escrito” com a mesma austeridade. Tudo o que se passa entre as personagens, os silêncios, os gestos, as palavras, organiza-se como uma liturgia. Sim, é mais uma liturgia do que uma narrativa. O estilo do filme, como o estilo da narração, está cheio de mecanismos de distanciamento, elementos estilísticos que retêm aquilo que o espectador espera, como a música, os movimentos de câmara, a montagem rápida. Aquele que vê/escuta deve preencher as lacunas. Como se, enquanto filmasse, “escrevesse” Transcendental Style in Film. . . Sim, e é a primeira vez que tento fazer isso. E nunca pensei que o fizesse alguma vez. Há três anos, com a idade de 69, enquanto falava com Pawel Pawlikowski, que fez o filme polaco Ida [Óscar do Melhor Filme Estrangeiro em 2015], percebi que chegara o momento de fazer eu próprio um desses filmes. Em vez de escrever sobre um desses filmes, fazer eu um desses filmes. Por isso se sente que, quando o reverendo Toller diz que vai escrever o diário à mão, e explica porquê e como, se fixa aí também o gesto de No Coração da Escuridão. Sim, ele está a falar com ele próprio. Isso é o primeiro nível, mas acho que está também a falar com o espectador. É impressionante ver A Rapariga da Zona Quente e No Coração da Escuridão, filmes nascidos do ambiente em que cresceu. . . Por ambiente quer dizer a minha educação religiosa?Ainda vou à igreja com regularidade e o meu filho é professor numa escola cristã. . . . . . sim, referia-me ao retrato da América que aparece nesses filmes. . . No Coração da Escuridão é mais claustrofóbico. Talvez porque a personagem de George C. Scott em A Rapariga da Zona Quente tinha hipóteses de movimento: havia uma janela para um mundo diferente — por exemplo, o encontro com a personagem da actriz porno. Já Ethan Hawke está sempre no interior das suas prisões. A América já não é “familiar”, foi ocupada pelas corporações. Sim, há elementos que dão para fazer essa associação. Taxi Driver e A Rapariga da Zona Quente são cris de coeur de um jovem rebelde, enquanto No Coração da Escuridão são as reflexões desesperadas de um homem de 70 anos. Naquele tempo havia liberdade no ar, liberdade sexual, drogas, liberdade no vestir e na música, liberdade de pensamento. Havia protestos. Não há muita liberdade no ar neste momento. Qual é a sua relação com a América hoje?Já não sinto que seja o meu país. Ainda é homem de fé?Vou à missa aos domingos. Gosto da minha igreja. Toller diz que a razão não é uma resposta ao desespero, que a esperança e o desespero dão forma à vida. Concorda?[Albert] Camus disse: “Eu não acredito, eu escolhi acreditar. ” Isso é verdade hoje para a esperança. Não há razão para ter esperança, mas podemos escolher ter esperança. E o que fazer ao sangue, essa coisa do sangue nos seus filmes, como uma patologia?Isso vem de todas as religiões abraâmicas, judaísmo, islão, catolicismo. Tudo começa com a noção de sacrifício de sangue. Os cristãos e os islamitas passam-se da cabeça nisso de confundir o auto-sacrifício com o sacrifício do cordeiro. Tem dúvidas na sua fé?Não penso que se possa ter fé sem ter dúvidas. Ethan Hawke. . . os intérpretes dos seus filmes costumam ser homens de linhagem ameaçadora, De Niro, Willem Dafoe [Light Sleeper]. Há um lado de eterno jovem em Hawke. Porque é que o escolheu?Tem o ar adequado para a agonia de um homem de sotaina em sofrimento. Como outros actores, por exemplo Montgomery Clift [I Confess, de Alfred Hitchcock, 1953] ou [Jean-Paul] Belmondo [Léon Morin, prêtre, de Jean Pierre Melville, 1960]. Sempre achei que era um belo actor, mas agora, para além disso, tem em seu favor a idade, há linhas interessantes que começam a aparecer na cara. Sempre achei que podia ser um grande actor, se interpretasse para dentro em vez de interpretar para fora. Por isso fui buscá-lo. A propósito de interiores: ao contrário dos banhos de sangue finais de Taxi Driver ou de A Rapariga na Zona Quente, neste último filme a sangria é interiorizada, como o filme, que é peça de câmara — mas igualmente violento. Toda a noção de auto-análise, de nos colocarmos no sítio certo para olharmos para nós próprios e ver o que acontece. . . não é pacífico o que acontece quando se entra dentro. Ainda vai ao cinema?Não tanto como ia, mas isso é verdade para toda a gente. Há quatro tipos de cinema na América: o de espectáculo, o familiar, o hardcore e o art house. O mainstream do entertainment neste momento está na televisão. Os filmes que não viu em criança e adolescente dão forma aos filmes que faz?O que dá forma aos filmes que faço é o facto de ter chegado ao cinema quando já era adulto. Os primeiros que vi foram os filmes europeus dos anos 60. Quando penso nos filmes por que me apaixonei, penso em Godard, Antonioni, Bresson e Truffaut, ao contrário de muitos dos meus amigos, que pensam em westerns e comédias. Ainda são seus amigos [Scorsese, Coppola, DePalma, a geração dos movie brats]?Ainda nos mantemos em contacto, mas cada um de nós regressou à sua própria comunidade. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A sua geração foi derrotada?Nos anos 60 pensávamos que estávamos a forjar uma nova cultura. Houve de facto uma nova cultura que estava a ser forjada, mas não era a nossa, era aquela que se opunha à nossa. Cinquenta anos depois, suprimiram-nos completamente. Um filme como este, com o background religioso e político, é um milagre existir. Alguém apostou nele, foi distribuído em 500 salas nos EUA e ainda acabou a fazer algum dinheiro. Mas os filmes deixaram de ser intelectuais. E deixaram de ser religiosos. No Coração da Escuridão vai ser distribuído em Portugal?Sim, por isso estamos aqui a falar. . . Uau. . .
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Religiões Judaísmo
Downton Abbey vai ser um filme
A família Crawley regressa novamente, mas agora ao grande ecrã, pela mão de Julian Fellowes, o seu criador. (...)

Downton Abbey vai ser um filme
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: A família Crawley regressa novamente, mas agora ao grande ecrã, pela mão de Julian Fellowes, o seu criador.
TEXTO: Finalmente, é oficial, Downton Abbey vai mesmo chegar ao grande ecrã, depois de seis temporadas na televisão. A série que conta a vida da aristocracia britânica e dos seus criados numa propriedade rural no início do século XX vai ser transformada num filme pelo realizador Brian Percival (A Rapariga que Roubava Livros). Terá guião de Julian Fellowes, o criador de Downton Abbey, capaz de fazer evoluir os dramas da família Crawley por um mundo em mudança, no pós-Primeira Guerra Mundial. Com distribuição a cargo da Universal, o filme vai começar a ser rodado no final do Verão. Espera-se que com ele regressem actores carismáticos como Maggie Smith, a velha condessa. O argumento deverá continuar a série, cuja acção termina em 1926. Espera-se o filme chegue às salas no próximo ano. Downton Abbey, que foi vista em 100 países, ganhou três Globos de Ouro e 15 Emmys em 69 nomeações, sendo a série estrangeira mais vezes nomeada na história dos prémios americanos de televisão. Figuras como o conde de Grantham e a sua mulher norte-americana Cora, mais as suas três filhas, conseguiram mudar a relação do mercado televisivo americano com a ficção britânica.
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Palavras-chave guerra mulher rapariga
“O turismo dá-nos uma oportunidade para fazer sobressair a produção artística portuguesa”
Na segunda parte da sua entrevista ao PÚBLICO, João Ribas, o director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, discute a pressão que o turismo coloca sobre as instituições culturais e as transformações que a instalação definitiva da Colecção Miró e a abertura da Casa do Cinema Manoel de Oliveira trarão à fundação. (...)

“O turismo dá-nos uma oportunidade para fazer sobressair a produção artística portuguesa”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.333
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na segunda parte da sua entrevista ao PÚBLICO, João Ribas, o director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, discute a pressão que o turismo coloca sobre as instituições culturais e as transformações que a instalação definitiva da Colecção Miró e a abertura da Casa do Cinema Manoel de Oliveira trarão à fundação.
TEXTO: Em 2017, o Museu de Serralves recebeu 834. 328 visitantes, 26% dos quais estrangeiros. João Ribas diz que é preciso aproveitar este momento de curiosidade por Portugal. O Porto, tal como Lisboa, está sujeito a uma pressão turística sem precedentes. De que maneira é que isso pode mudar um museu de arte contemporânea como Serralves, que está claramente no circuito turístico da cidade?Mudar em que sentido? Muda o número de visitantes, o que é óptimo. Tem ideia da actual proporção de visitantes estrangeiros no total de entradas em Serralves?Não me lembro. Nós temos muitos, muitos, muitos visitantes nacionais, não só do Porto como de todo o país [segundo a informação disponibilizada após a entrevista, Serralves recebeu 682. 713 visitantes em 2016, 23, 7% dos quais estrangeiros; e 834. 328 visitantes em 2017, 26% dos quais estrangeiros]. Mas qual é o sentido da pergunta?De repente há um grande contingente de visitantes estrangeiros. O museu tem de se adaptar?Só consigo pensar em coisas muito pequenas, muito pragmáticas. Não muda o espírito da programação?Num certo sentido, acho que deve mudar. Temos aqui uma oportunidade – e a obrigação – de fazer sobressair a produção artística portuguesa. É fundamental aproveitar esta dinâmica do turismo e este aumento da curiosidade por Portugal para isso. É um paradoxo, de certa forma: ter mais visitantes estrangeiros significa dar mais destaque aos artistas portugueses. Eu acho natural. A exposição da colecção que está agora no museu [Zéro de Conduite: Obras da Colecção de Serralves, patente até 9 de Setembro] tem-me permitido ver como as pessoas reagem ao descobrir a Paula Rego, o [Eduardo] Batarda, a Maria José Aguiar, a Isabel Carvalho, a Ana Jotta, o Alexandre Estrela. Fico muito feliz quando isso acontece. É uma boa maneira de responder a esta pressão turística: falar da especificidade da nossa cultura, e destacá-la. O Museu de Serralves apresenta-se – é a primeira frase que aparece no site – como o mais importante museu de arte contemporânea em Portugal. O Museu Nacional de Arte Antiga apresenta-se como o primeiro museu de Portugal, ou como o grande museu de Portugal. Esta afirmação das marcas, que de certa maneira exclui os outros museus, não cheira um bocadinho a desespero?Não sei. Nós nunca dissemos que somos o primeiro. Dizem que são o mais importante, o que é parecido. Não tenho resposta para isso. É importante para Serralves afirmar-se como o lugar fundamental para perceber a história de arte portuguesa?O museu tem trabalhado para merecer esse lugar. E vai continuar a trabalhar para isso. Já viu o projecto de adaptação da Casa de Serralves para receber a colecção Miró?Não. Esse trabalho está em curso, ainda não há projecto definido. Não se sabe quando é que vai estar pronto?Não. Como é que a criação da Casa do Cinema Manoel de Oliveira vai transformar o museu? Reforçará a importância do cinema e dos novos media em Serralves, que tem uma tradição de programação multidisciplinar, nomeadamente em áreas como a performance e a música?A Casa do Cinema é um óptimo desenvolvimento, porque o cinema fez sempre parte desta instituição e para nós o Oliveira é da família. Acho que nos ajuda a fundamentar o facto de o cinema, a imagem em movimento, fazer parte da nossa programação. O serviço de artes performativas neste museu tem sido um dos pontos fortes da programação nos últimos 20 anos. Acho que é reconhecido mundialmente como um programa de referência, a Cristina Grande e o Pedro Rocha são extraordinários. Grandes figuras da dança e da performance passaram por Serralves, muitas vezes pela primeira vez, de uma forma enquadrada. Esse trabalho é para continuar e a minha intenção é ter muitos mais cruzamentos nas práticas artísticas. Eu não vejo divisões, penso de uma forma muito mais transversal. E depois é brincar um bocadinho com as regras do jogo: por que não fazer uma exposição de um coreógrafo, ou uma coreografia de uma exposição?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Vicente Todolí saiu daqui para a Tate Modern, João Fernandes saiu daqui para o Museu Rainha Sofia. Onde é que se vê depois de Serralves?Vejo-me aqui todos os dias. Acredito que o museu como instituição, como ideia, tem de ser repensado e espero que a minha geração possa começar a fazer esse trabalho. Esta casa foi posta em boas mãos durante muito tempo, sinto a grande responsabilidade que é estar nas minhas neste momento. Não consigo pensar em mais nada fora dessa responsabilidade. Estar noutro sítio? Não, eu estou é a pensar em quem quero trazer para aqui.
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Palavras-chave cultura rainha ajuda
E Ingmar Bergman venceu o jogo de xadrez...
O realizador de O Sétimo Selo nasceu faz este sábado cem anos e morreu em 2007. O que é que ficou da sua obra? Eis algumas pistas para entender a herança do cineasta e encenador sueco, cujo centenário está a ser celebrado um pouco por todo o mundo e também por cá. (...)

E Ingmar Bergman venceu o jogo de xadrez...
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.4
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: O realizador de O Sétimo Selo nasceu faz este sábado cem anos e morreu em 2007. O que é que ficou da sua obra? Eis algumas pistas para entender a herança do cineasta e encenador sueco, cujo centenário está a ser celebrado um pouco por todo o mundo e também por cá.
TEXTO: Não é que sejamos todos bergmanianos, mas “não herdámos todos nós a herança de Bergman”? A pergunta-resposta é de Rita Azevedo Gomes, quando a questionámos sobre quem são os herdeiros, no cinema mundial (e português?), da obra do realizador e encenador sueco, cujo centenário do nascimento este sábado se assinala. Esta é uma questão que parece convocar uma resposta unânime, independentemente do apreço maior ou menor em que se tenha o conjunto da obra de Ingmar Bergman (1918-2007). Até porque uma figura como Jorge Silva Melo, que não o coloca no top ten das suas afeições, confessa que Mónica e o Desejo estará sempre na sua mesa-de-cabeceira cinéfila. A verdade é que os filmes de Bergman continuam a fazer o seu caminho e a conquistar públicos de sucessivas gerações. É impressionante, de resto, consultar – e pode-se fazê-lo no site da Fundação Ingmar Bergman, que está a coordenar as celebrações mundiais do autor de O Sétimo Selo – o programa do centenário, que apresenta uma miríade de iniciativas espalhadas por todo o mundo: de Estocolmo a Bogotá, de Vancôver a Hong Kong, de Odessa a São Paulo, de Paris a Berkeley, de Jerusalém a Lisboa… Mas já lá vamos. O que é que fica, afinal, da obra de Bergman, principalmente do seu cinema? Foi a primeira pergunta que fizemos a algumas figuras com relações de maior ou menor familiaridade com o autor de Em Busca da Verdade. Jorge Silva Melo começou pelo mais óbvio: “Os rostos!” “Poucos, como ele, deram uma tal atenção aos rostos. E são inesquecíveis, tal como ele os filmou”, responde o realizador e encenador dos Artistas Unidos. Rita Azevedo Gomes, também cineasta e encenadora, refere “a reflexão sobre o ser humano, a procura incessante do entendimento” e o modo muito particular como ele filmou “o desenrolar da história e da vida que levamos na terra, rodeados de fantasmas, medos e culpas”. António Roma Torres, crítico de cinema, dramaturgo e psiquiatra, depois de enumerar as várias fases temáticas por que passou a sua filmografia – desde o Bergman mais escandinavo dos anos 50 a abordar os temas da mulher (Um Verão de Amor, Mónica e o Desejo, Uma Lição de Amor, Sorrisos de Uma Noite de Verão), do envelhecimento e da morte (Morangos Silvestres, O Sétimo Selo), até à afirmação internacional e à chegada ao grande público a partir da década de 70, com filmes de teor “mais psicológico” (Lágrimas e Suspiros, Cenas da Vida Conjugal, O Ovo da Serpente, Sonata de Outono, Saraband) –, nota que se trata de “uma obra multifacetada, bipolar, sofrida, mas com momentos de grande beleza e força interior, que não pode deixar uma só influência”. Já António Costa, programador, coloca-o sem reservas na lista dos clássicos, esses “que vão sempre à nossa frente, e Bergman estava sempre à frente do seu tempo (como ainda o está do nosso)”. Tanto o programador da Medeia Filmes como Silva Melo realçam, de resto, como em Bergman o teatro e o cinema se contaminam – mesmo que não se trate aqui de “um cinema teatral”, como João Bénard da Costa explicou no longo ensaio que escreveu para o catálogo que acompanhou a retrospectiva que a Cinemateca Portuguesa dedicou ao realizador sueco em 1989, quando este tinha já anunciado o abandono do cinema, após o sucesso de Fanny e Alexandre (1983), promessa que, como se sabe, não viria a cumprir. . . “O que está por estudar é a ligação permanente entre o teatro que fez e os seus filmes”, lembra o encenador dos Artistas Unidos, que nesse catálogo assinou também um texto incontornável sobre este tema, intitulado “Até ao campo-contracampo”. E Silva Melo volta agora a notar que A Máscara é A Mais Forte, de Strindberg; O Silêncio é o seu Tennessee Williams; Lágrimas e Suspiros é a adaptação de As Três Irmãs, de Tchekov; e Morangos Silvestres o seu O Sonho, de Strindberg. . . “Era sempre as peças que fazia no Outono e se reflectiam no argumento que escrevia para filmar na Primavera”, acrescenta. Esta prevalência do teatro relativamente ao cinema poderá ser uma herança da infância de Bergman, talvez explicada pelo teatro de marionetas com que ele e os dois irmãos, Dag e Margareta, brincavam na casa da sua adorada avó materna, Anna Akerblom, na cidade natal de Upsala. Mesmo se foi também em criança que ele trocou com o irmão mais velho a sua colecção de soldadinhos de chumbo pela “lanterna mágica” – que, recorde-se, viria a ser o título da autobiografia que publicou em 1987 –, com que depois projectava repetidamente os três metros de película que mostravam a Frau Holle, uma deusa do amor a acordar num prado verde…Com apenas dez anos, Ingmar faz a primeira visita à Ópera Real de Estocolmo, e logo de seguida franqueia a porta do Teatro Real Dramático – o vetusto “Dramaten”, que iria ser convidado a dirigir no início da década de 60 e onde se manteria durante quatro décadas. Foi certamente aqui que “um rapaz que se chamava Ingmar se converteu depois simplesmente em Bergman”, como depois comentou o seu amigo e actor cúmplice de dezena e meia de filmes Erland Josephson. No cinema, assina a primeira realização, Crise, em 1945, um ano depois da estreia de Tormenta, cujo argumento escreveu para Alf Sjöberg. Nessa altura, já tinha encenado três dezenas e meia de peças de teatro em diferentes palcos do seu país. Seguir-se-ão, para o grande e (na parte final) o pequeno ecrã, mais de quatro dezenas de longas-metragens e perto de 70 títulos. “O cinema faz parte de mim mesmo. É um instinto, como a fome e a sede. Algumas pessoas expressam-se escrevendo livros, pintando quadros, escalando montanhas, batendo nos filhos ou dançando o samba. Eu expresso-me fazendo filmes”, escreveu Bergman. Nessa longa lista de filmes, Rita Azevedo Gomes selecciona Um Verão de Amor, Da Vida das Marionetas, Ritual, A Fonte da Virgem e, “a culminar a sua obra, no verdadeiro sentido da palavra”, Saraband. Roma Torres prefere Lágrimas e Suspiros, O Sétimo Selo, Sonata de Outono, Morangos Silvestres e Noite de Circo. Já António Costa faz coro com a opinião de Jean-Luc Godard, que um dia escreveu que “Um Verão de Amor é o mais belo dos filmes”. Jorge Silva Melo, como já vimos, põe “o naturalismo de Mónica e o Desejo acima de todos”, e, embora não incluísse o nome de Bergman na lista dos seus cineastas preferidos – Nem numa galeria dos 20”, realça –, acrescenta-lhe Rumo à Felicidade e Em Busca da Verdade, da fase inicial, Luz de Inverno, da fase mais religiosa, e Da Vida das Marionetas, da fase alemã. Ingmar Bergman disse uma vez que “o mundo das mulheres” era o seu universo. Referia-se certamente à sua vida pessoal, em que, como se sabe, foi sucessivamente casando e descasando com muitas das suas actrizes. Mas referir-se-ia também ao seu cinema?Rita Azevedo Gomes discorda: “A mim não me ocorreria pensar em Bergman como ‘o cineasta das mulheres’. A sua faca interior corta fundo à primeira e recai sobre qualquer cabeça, trespassa qualquer alma. E se Bergman é impiedoso quando fala e filma, sei que não é desamor. Ao contrário. ” E a realizadora de A Vingança de Uma Mulher, também encenadora e artista, cita o making of da produção televisiva Na Presença de Um Palhaço (1997), um dos seus últimos trabalhos, para mostrar como nele “a vida e o cinema se fundem num mesmo gesto”. “Bergman era capaz de estabelecer um ambiente de confiança e de cumplicidade, ao ponto de me fazer sentir alguma inveja, com pena de não poder fazer parte daquilo. Que alegria, que ternura e que prazer entre todos. E como se divertiam a trabalhar!”, nota. Já sobre a influência de Bergman sobre as gerações de cineastas que lhe sucederam no mundo inteiro, Roma Torres, Silva Melo e António Costa citam, como o mais óbvio, Woody Allen (Intimidade), mas também alguns filmes de Lars von Trier – nota o ex-crítico do Jornal de Notícias – e Andrei Tarkovski (O Sacrifício, lembra Costa) parecem impregnados da sua herança. No cinema português, o encenador dos Artistas Unidos não vê sequelas – “Em Portugal, a burguesia é mais tacanha”, diz –, mas acha que “Manoel de Oliveira o ouviu bem quando fez Party, aquele estranho filme açoriano”. E Roma Torres também encontra afinidades entre ambos, nomeadamente em O Passado e o Presente e em Benilde ou a Virgem-Mãe, acrescentando-lhe ainda o nome de “António Macedo, particularmente em Domingo à Tarde”. “Mas a influência tutelar de Bergman terá sido principalmente sobre o próprio cinema sueco, embora talvez o mundo pós-moderno e fragmentário dos tempos actuais se compagine mal com um cineasta que valoriza o contexto e o sentido”, diz Roma Torres. Apesar disso – e regressando a Rita Azevedo Gomes –, “não herdámos todos o cinema de Bergman”?Quem de algum modo confirma que sim é a coreógrafa Olga Roriz, que lhe dedicou a criação A Meio da Noite, estreada em Abril no Porto e que entretanto se encontra em digressão pelo país, subindo este sábado à noite (22h00) ao palco do Festival de Almada. “Não quero ser uma bergmaniana [a coreógrafa já tinha confessado, de resto, que prefere Tarkovski], nem quero representar nenhum filme dele; o que quis foi perceber o ponto emocional que a sua obra toca em mim e nos meus bailarinos”, diz Olga Roriz ao PÚBLICO, falando da sua criação. A coreógrafa – que acha que, “lamentavelmente, está a fazer-se pouco em Portugal” relativamente ao centenário de Bergman – recorda que partiu para A Meio da Noite vendo mais de 50 dos seus filmes e tendo ido mesmo visitar a ilha de Farö, onde o realizador viveu os seus últimos anos. Quando chegou ao momento dos ensaios, deu a ver aos bailarinos cinco desses filmes – A Vergonha, O Silêncio, A Paixão, Lágrimas e Suspiros e A Hora do Lobo – e viajou com eles para esse lugar simultaneamente assombrado e libertado do cinema de Bergman. E quem está familiarizado com a sua obra vai reconhecê-la nas cenas de A Meio da Noite, acredita a coreógrafa: “Nas personagens dos filmes, nos textos de Strindberg, na música de Bach, Mozart e Schubert…”Em Outubro, a digressão de A Meio da Noite vai cruzar-se com a homenagem que está também já anunciada pela Leopardo Filmes e pela Medeia Filmes com uma nova retrospectiva que dará a ver mais de uma vintena de títulos de Bergman. Entre eles estão três que não constaram das operações idênticas promovidas em 2014 e 2015 (que, no conjunto, mobilizaram perto de 38 mil espectadores): A Hora do Lobo, A Vergonha e A Paixão. Esta retrospectiva, além de poder ser vista em Lisboa e no Porto, vai chegar, entre 11 de Outubro e 15 de Novembro, a Coimbra, Braga, Setúbal e Figueira da Foz. Inclui a estreia portuguesa de dois documentários exibidos no último festival de Cannes: Searching for Ingmar Bergman, de Margarethe von Trotta, e Bergman – a Year in a Life, de Jane Magnussen. E tanto Paulo Branco (proprietário da Medeia e da Leopardo) como Olga Roriz estão a tentar que a homenagem possa contar com a presença, em Lisboa, de Liv Ullmann, uma actriz e uma mulher fundamental no cinema (e na vida) do sueco. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Já a Cinemateca Portuguesa reserva para Novembro a sua evocação do cineasta. Não com um programa específico, mas no âmbito das “cartas-abertas” que vem dedicando a outras cinematecas europeia, e que nesse mês será atribuída à sua congénere sueca, que incluirá a obra do realizador no seu calendário. Mas já por estes dias será possível (re)ver, em salas de Lisboa e do Porto, o último filme de Bergman, Saraband; e a RTP anuncia para esta segunda-feira um serão com a exibição de Lágrimas e Suspiros e do documentário Ingmar Bergman – O Olhar do Coreógrafo. No resto do mundo, vive-se uma autêntica “bergmanmania”, com uma programação que começou já no início do ano e vai estender-se por 2019: tem retrospectivas, exposições, novos documentários e produções de teatro, de marionetas e de ópera, concertos, edições de biografias e ensaios. E até concursos de xadrez, numa referência explícita a um dos títulos mais icónicos da sua filmografia, O Sétimo Selo. E, apesar de ter desaparecido em 2007, Bergman parece ter vencido o jogo que Antonius Block (Max von Sydow) aí disputou com o persistente homem vestido de negro e com a gadanha em punho.
REFERÊNCIAS: