Costa admite "maior crescimento" desde "adesão ao Euro"
A confirmar-se previsão do FMI, Portugal poderá chegar ao final do ano com um crescimento de 2,5%. (...)

Costa admite "maior crescimento" desde "adesão ao Euro"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2017-07-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: A confirmar-se previsão do FMI, Portugal poderá chegar ao final do ano com um crescimento de 2,5%.
TEXTO: O primeiro-ministro, António Costa, realçou hoje que, se Portugal terminar o ano com a economia a crescer 2, 5%, como prevê o FMI, esse será “o maior crescimento” do país “desde a adesão ao Euro”. “A verdade é que nós tivemos um 1. º trimestre” em que “crescemos 2, 3%” e “temos um 2. º trimestre” em que “iremos crescer, seguramente, próximo dos 3%”, disse António Costa, durante uma visita a uma herdade no concelho de Ferreira do Alentejo, no distrito de Beja. E o Fundo Monetário Internacional (FMI), destacou, “já veio hoje prever que podemos chegar ao final do ano com um crescimento de 2, 5%, o que, se se vier a verificar, é o maior crescimento que o país teve desde a adesão de Portugal ao Euro”. Em comunicado divulgado hoje, após uma missão de duas semanas a Lisboa, o FMI manifestou estar mais optimista em relação a Portugal, prevendo que a economia cresça 2, 5% este ano e que a meta do défice de 1, 5% seja cumprida. "As projecções de curto prazo de Portugal melhoraram de forma considerável, suportadas por uma recuperação no investimento e um crescimento contínuo das exportações, ao mesmo tempo que a recuperação na zona euro ganhou força", observou o FMI. Esta previsão do FMI é uma revisão em alta de um ponto percentual face aos 1, 5% estimados em Abril, quando divulgou o 'World Economic Outlook', mostrando-se assim também mais otimista do que o Governo, que prevê que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 1, 8%. Na visita de hoje à Herdade Vale da Rosa, onde são produzidas várias variedades de uvas de mesa, algumas sem grainha, o primeiro-ministro congratulou-se com esta previsão do FMI. “Ainda hoje o FMI veio publicamente reconhecer que temos tido uma evolução que poucos acreditavam, há cerca de um ano, que tivesse sido possível”, afirmou. Segundo António Costa, o crescimento da economia nacional “tem sido acompanhado de dois factores da maior importância”. “Em 1. º lugar, a continuada redução do desemprego e os números também hoje conhecidos de que a taxa de desemprego em Abril já foi de 9, 5%”, indicou, argumentando que o país tem “de prosseguir esta trajetória para consolidar” os números nesta matéria. O outro factor, que “é o decisivo para o futuro da economia nacional”, segundo o chefe do Governo, “é a confirmação”, que chegou na quinta-feira, “de que a confiança dos agentes económicos” e “o clima económico em Portugal têm vindo a atingir máximos” como o país não tinha “há muitos anos”. “A confiança dos consumidores atingiu o máximo que não alcançávamos desde 1997, já no século passado”, e, em relação ao clima económico, “não tínhamos valores idênticos desde junho de 2003”, precisou. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Durante a visita ao Vale da Rosa, que é o maior produtor português de uvas de mesa, António Costa considerou a herdade "um excelente exemplo” de que, “como em todos setores, a inovação e o conhecimento são mesmo aquilo que faz a diferença e são o ‘motor’ do desenvolvimento” do país. Salientando “o esforço que a agricultura tem dado ao desenvolvimento” nacional, o primeiro-ministro realçou ainda que o setor hortofrutícola “é um dos que mais tem crescido”, representando já “cerca de 28% da produção agrícola”, com forte capacidade de exportação. Na sua deslocação de hoje ao distrito de Beja, o chefe do Governo vai também passar, durante a tarde, pelos concelhos de Aljustrel e de Ourique.
REFERÊNCIAS:
Entidades FMI
Morreu Pedro Morais, um artista que é quase um segredo
Autor de uma obra rigorosa em que a escultura, a pintura, o desenho e o som contribuem para a criação de situações e espaços que nos questionam, Pedro Morais foi também um daqueles professores que marcam os seus alunos. Pela forma como vivia e olhava para o mundo. (...)

Morreu Pedro Morais, um artista que é quase um segredo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.4
DATA: 2018-07-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Autor de uma obra rigorosa em que a escultura, a pintura, o desenho e o som contribuem para a criação de situações e espaços que nos questionam, Pedro Morais foi também um daqueles professores que marcam os seus alunos. Pela forma como vivia e olhava para o mundo.
TEXTO: Nunca tencionou esconder a sua obra, mas também nunca se quis ver enredado no mercado das galerias nem nas programações apressadas dos museus. Expunha o seu trabalho, sempre com “intenso sentido crítico e uma imensa generosidade”, quando a oportunidade surgia, mas não a procurava. É assim que o curador João Fernandes, que comissariou a exposição que o Museu de Serralves lhe dedicou em 2006, Locus Solus [e] Dokusan, justifica a “quase invisibilidade” do artista plástico Pedro Morais, que morreu vítima de cancro na noite de sexta para sábado, em Lisboa. “O Pedro construiu uma obra em que o fazer era inseparável do ser. A maneira como vivia, como sentia e como se dava com todos aqueles que o rodeavam eram coisas para manter na intimidade, mas acabavam por passar para a obra e para a maneira como a mostrava. Ele gostava de partilhar os seus trabalhos, mas não a todo o custo”, diz Fernandes, hoje director-adjunto do Museu Rainha Sofia, em Madrid, lembrando que conheceu o artista já há muitos anos numa das situações em que estava mais à vontade, rodeado dos seus alunos. Nascido na capital em 1944, Pedro Morais começou por fazer a sua formação na Secundária António Arroio e seguiu depois para as escolas de Belas-Artes de Lisboa e de Paris, cidade onde viveu entre 1965 e 1977 e onde chegou a ser bolseiro da Fundação Gulbenkian (1967-68). Foi no regresso a Portugal e à António Arroio que se entregou ao projecto que viria a marcar a sua carreira como professor, o Atelier Livre, que dirigiu entre 1979 e 1994 e que continua a ser uma referência, uma experiência que devia ser levada em conta numa reflexão que urge fazer no sentido da reforma do ensino artístico no país, defende João Fernandes, antigo director do Museu de Serralves. “Com o Atelier o Pedro criou um lugar onde se podia fazer, algo fundamental para um jovem artista. Um espaço onde se trabalhava e onde se conversava sobre esse trabalho, sem que o professor se pusesse a dar opiniões explícitas”, acrescenta. Com frequência, o seu comentário era deixar um objecto, fosse uma pedra ou um papel, capaz de servir de novo ponto de partida a outras leituras daquilo que acabava de ser mostrado ou discutido. O artista plástico Francisco Tropa, hoje com 49 anos, faz parte dessa geração de alunos que Pedro Morais influenciou com o seu exemplo, com a sua maneira de estar e de olhar para a arte e para o mundo. Com a sua morte perde um mestre, mas também um amigo. “Com uma sabedoria enorme, o Pedro fez do Atelier um espaço de liberdade em que nós aprendíamos sem dar por isso”, diz ao PÚBLICO. Artista que admiravam, abriu-lhes um “mundo maravilhoso” ao pô-los em contacto com outros criadores que eram também seus amigos chegados, como Lourdes Castro, René Bertholo ou Manuel Zimbro, ajudando os alunos a encontrarem, de “maneira simples, discreta”, os seus próprios caminhos, sem nunca interferir nessa descoberta. “Acho que posso falar por todos [os seus alunos] e dizer que haverá sempre qualquer coisa dele em nós e no que fazemos. Qualquer coisa que é difícil de explicar mas que está lá”, acrescenta Tropa, antes de sublinhar a importância que na obra de Morais tem o que é feito à mão: “A construção da obra do Pedro passa muito pelas mãos, por uma atenção ao mais pequeno dos detalhes. E ele era assim na obra porque era assim na vida. ”O artista preferia levar os que o rodeavam a descobrir as coisas por si, o que fazia dele um “professor extraordinário”, garante Fernandes, que nunca foi formalmente seu aluno, mas que com ele aprendeu muita coisa. Tinham interesses comuns, da filosofia Zen a Raymond Roussel (1877-1933), escritor francês no centro de um universo pleno de excentricidades, passando pela literatura oriental, em particular a poesia japonesa, de que Morais era grande conhecedor. Todos os seus alunos (além de Tropa, Marta Soares, Edgar Massul, Rui Calçada Bastos ou André Maranha) e amigos beneficiaram da sua atitude de partilha permanente e da sua forma muito peculiar de interpelar os outros através da arte, diz. A mesma atitude que, em 1975-76, lhe permitiu pedir a alguns dos que lhe eram mais próximos que distribuíssem por vários lugares de Paris, obedecendo a um desenho que tinha feito sobre o mapa da capital francesa, as cinzas que resultaram da destruição de praticamente todos os trabalhos que tinha produzido de 1964 até então. “Com este apagar da produção da primeira década, o Pedro leva longe a reflexão que [Marcel] Duchamp expõe num texto que escreve sobre o processo criativo em que diz que a arte tem de se libertar de qualquer intenção, de qualquer propósito. ”A partir do começo da década de 1980, Pedro Morais participa em várias exposições colectivas e individuais, mostrando o seu trabalho na Sociedade Nacional de Belas Artes, na Escola António Arroio, no Museu Nacional de Arte Antiga, na Fundação Gulbenkian, em Serralves, no espaço Sismógrafo ou no Chiado 8. Nele a escultura, a pintura, o desenho e o som cruzam-se para criar obras de grande rigor que colocam o observador perante situações que é chamado a experimentar através de um objecto ou uma arquitectura, explica João Fernandes, situações carregadas de enigmas. “O Pedro sentia uma responsabilidade extrema de acrescentar algo ao que ele conhecia do mundo e fazia-o construindo discursos maravilhosos sobre as coisas”, diz, lembrando a obra que fez para o Parque de Serralves a partir do romance mais conhecido de Roussel, Locus Solus (1914), e que o crítico de arte Óscar Faria descrevia assim num texto que em Abril de 2006 escreveu para o PÚBLICO e em que se referia a Morais como “um dos nomes mais secretos e influentes da arte portuguesa actual”: “[Locus Solus III é] um lugar solitário, uma pintura a três dimensões, uma arquitectura civil, um corredor de cal pintada e água corrente, que sublinha a necessidade de uma atenção permanente à respiração, ao mundo. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Foi no Pavilhão Branco do Museu de Lisboa que, já este ano e com comissariado do mesmo Óscar Faria, teve a sua última exposição, Nudez – Uma Invariante, a que o crítico chamou uma “retrospectiva de bolso” e em que pôde ver-se uma série de obras devedoras das suas influências de sempre: da pintura como “coisa mental”, a partir de Leonardo da Vinci e Marcel Duchamp, às palavras do seu mestre zen japonês, Hôgen Yamahata (autor de Folhas Caem, Um Novo Rebento, Assírio e Alvim, 2002). “É verdade que a sua obra pode ser de certa maneira secreta, mas não deixa de ser muito importante”, conclui Francisco Tropa. Muitos não o conhecem, garante, porque a sua produção é quase toda ela efémera. “O Pedro não deixava quase nada para trás. As coisas faziam-se num momento, num lugar, e depois desapareciam. ” Desapareciam como o fumo que se vê numa das suas últimas peças, que João Fernandes filmou e publicou no seu Facebook, junto a um texto onde escreve: “O Pedro foi sempre uma luz no meu firmamento mais íntimo — como essas estrelas que iluminam independentemente do tempo em que existem. […] Ter conhecido a sua integridade, esse saber bonito e quase invisível com que me ensinou que não há diferença entre a presença e a memória, a voz e o silêncio, a sombra e a luz, tudo quanto parece o oposto de si mesmo e tudo o que nos completa em cada momento que vivemos, será sempre um caminho mais acessível ao continuar na sua companhia. ”O velório está marcado para a Igreja de Arroios, em Lisboa, a partir das 17h desta segunda-feira. O funeral sai no dia seguinte, às 11h, com destino ao Cemitério do Alto de São João.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
O esplendor da biografia
Javier Marías conduz ao fulgor máximo a biografia literária. Literária não só porque se trata da vida de escritores, mas por estas biografias serem uma forma superior de literatura em si mesmas. (...)

O esplendor da biografia
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Javier Marías conduz ao fulgor máximo a biografia literária. Literária não só porque se trata da vida de escritores, mas por estas biografias serem uma forma superior de literatura em si mesmas.
TEXTO: Se Javier Marías vivesse na tradição cultural portuguesa, poderíamos considerá-lo um “estrangeirado”. Perante o espanhol autor de Amanhã na Batalha Pensa em Mim, aquele termo específico da tradição nacional designaria uma figura cultural assinalada por marcas alheias à sua origem, na biografia e no percurso escrito. No caso de Marías, ambas se aplicam a quem foi professor em Oxford e não poucas vezes tem sido taxado de pouco espanhol. Na sua introdução a Vidas Escritas, o próprio o refere, de passagem, mas não sem golpe de ironia — “são já tão numerosas e variadas as ocasiões em que me foi negada a espanholidade por parte de alguns críticos e colegas indígenas (tanto no que se refere à língua como à literatura e quase à cidadania” (p. 14). Autoria: Javier Marías (Trad. Salvato Teles de Menezes e Francisco Vale) Relógio D’Água Ler excertoSe pensarmos na tipologia e nos aspectos de pormenor de Vidas Escritas, Javier Marías — que é, à evidência, um cultor exímio do seu idioma e um conhecedor denodado da matriz espanhola — segue neste conjunto de biografias, não tanto um impulso de anglofilia electiva, mas escuta um apelo de construção. Note-se, por exemplo, que a escolha dos escritores biografados — uma vez mas, é o próprio quem o diz — “foi arbitrária” (p. 13). Marías lista mesmo as nacionalidades deste conjunto para demonstrar o que é, no fundo, um inevitável ecumenismo de geografias culturais — “três norte-americanos, dois escoceses, dois russos, dois franceses, um polaco, uma dinamarquesa, um italiano, um alemão, um checo, um japonês, um inglês da Índia e um inglês de Inglaterra” (p. 14). É talvez na sua interpretação do que é um ensaio e uma biografia que Javier Marías mais demonstra as suas afinidades anglo-saxónicas. Ensaio, narrativa e mesmo biografia — e autobiografia — implicam-se entre si nessa linhagem que inclui um Oliver Goldsmith, Thomas de Quincey, ou William Hazlitt, expoente do ensaio naquele como noutros tempos. Mas talvez o Henry James ensaísta não ande longe dos conseguimentos do espanhol — James é, de resto, uma das mais persistentes referências ao longo de Vidas Escritas, e talvez não fosse descabido aproximar a prosa dos dois escritores. Marías leva, naturalmente, a outras paragens aquela contaminação da biografia pela reflexão e destas pelas técnicas ficcionais. Em resultado dessa convivência de modalidades literárias, as biografias acolhidas neste Vidas Escritas são sempre relatos de corte preciso, que gerem a administração dos factos enquanto abertura permanente para a fruição. Ao historiar a vida deste conjunto de autores, Marías reflecte sempre sobre as obras por eles produzidas, bem como os processos de escrita que lhes são característicos. Por esse motivo, estes ensaios nunca são um labor exclusivista da biografia, do ensaio, nem da narrativa — mas uma superação da possibilidade de haver fronteiras entre cada uma daquelas vias. Insigne cultor da escrita ficcional, conhecedor profundo dos seus mecanismos, como prático e teórico, Marías quebra os pactos dos géneros com amplo donaire. Escrevendo, por exemplo, sobre Nabokov, eis que o narrador se deixa explicitar, saltando borda fora da cabine onde se ocultava na minúcia da sua navegação — “O maior prazer, o maior destino, os maiores êxtases, experimentou-os eles a sós, caçando borboletas, resolvendo problemas de xadrez, traduzindo Pushkin, escrevendo os seus livros. Morreu a 2 de Julho de 1977 em Montreux, com 78 anos, e eu soube dessa morte na calle Sierpes, ao abrir um jornal enquanto tomava o pequeno-almoço no Laredo. ” (p. 106) Mas Javier Marías ainda acrescentará cambiantes a este diaporama dos géneros escritos. É o caso de uma recensão às cartas trocadas entre Turgénev e Flaubert, que lhe fornece generoso pretexto para um suplemento às suas biografias. Marías efectiva as texturas, os movimentos, a gesta dos sentidos, acirra os contrastes — “Enquanto Flaubert permanecia encerrado em Croisset, perto da sua Rouen, e quando muito chegava a Paris para se impacientar uns dias com os seus contemporâneos ou deslocava-se aos Alpes umas semanas para os achar ‘desproporcionados em relação ao indivíduo que somos’ e ‘demasiado grandes para que nos sejam úteis’, Turgeniev movia-se pelo continente como um esquilo e tanto escrevia ao seu amigo de Paris como de Moscovo, Baden-Baden, Berlim, Escócia, Oxford ou São Petersburgo. A alguns desses sítios ia por obrigação, para cuidar das finanças ou receber um doutoramento honoris causa, mas outras vezes o motivo da viagem era próprio de um cavalheiro ocioso: perseguir perdizes ou tetrazes-grandes em caçadas organizadas por aristocratas com o dedo inquieto e tendência para o acalmarem com o gatilho. Pelo contrário, Flaubert parecia dedicar todo o seu tempo livre a devorar estúpidos volumes que o ‘embruteciam’, com o único objectivo de documentar devidamente os seus romances e contos. ” (p. 274) Desculpe-se a extensa citação, porque ela serve o propósito de ilustrar a técnica e o alcance estilístico de um autor em cuja escrita, de acordo com o prólogo de Elide Pittarello, “todo o sabor romanesco é deliberado” (p. 10). Ao contrário do que se poderia supor, Vidas Escritas não pretende chegar à condição de compêndio de escrita, dando mais voltas do que as necessárias. Porque não é um cânone o que se visa sugerir. São bem fiéis à verdade dos seus factos, as palavras de Marías quando se supõe “longe da hagiografia” (p. 14), ou descreve a “mescla de afecto ironia” (id. ) que tempera estes seus textos — e é revigorante e digno de apreço que o escritor afirme a veia irónica de todas as suas biografias, não deixando de reconhecer a falta de afeição em casos muito concretos, como os de “Joyce, Mann e Mishima” (id. ). Entendamo-nos: Marías, não recusando a análise imparcial dos factos e dos feitos de escrita, é glacial em relação a James Joyce: “Quando Finnegans Wake apareceu muito depois e teve um acolhimento frio, sentiu-se ferido e descontente, e assim passou os últimos anos de vida, o que não é uma maneira agradável de os passar, sobretudo se são os últimos. ” (p. 46) Thomas Mann, por seu solene turno, é autenticamente abalroado por um Marías em modo irónico — “Qualquer escritor que deixa envelopes fechados que não devem ser abertos até muito depois da sua morte está convencido da sua tremenda importância, e isso costuma ser corroborado na abertura dos ditosos e decepcionantes envelopes ao fim de uma paciente espera. ” (p. 93) Rilke não recebe tratamento menos implacável. E embora Javier Marías pareça sentir mais empatia pelo poeta do que pelo romancista, não oculta pecadilhos: “Para falar verdade, e pelo menos nas suas primícias, era bastante dado à liseonja, e não se limitava a mostrar um interesse desmedido pela obra de outros ou a louvá-la, mas pelo menos em duas ocasiões ofereceu-se para escrever longos volumes sobre essas louvadas obras” (p. 109). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As relações mais empáticas, porém, tem-nas Marías com autores como Henry James e Laurence Sterne — de quem traduziu o genialmente endiabrado Tristram Shandy. O texto dedicado a James começa de forma especialmente fraternal e atenciosa. Somos quase tentados a perceber uma camaradagem nada anacrónica naquelas palavras de abertura — “Pode dizer-se de Henry James que foi infeliz e feliz pelo mesmo motivo, a saber: era um espectador da vida, quase não participava nela, ou pelo menos não o fazia nos seus aspectos mais atraentes e emocionantes. ” (p. 61) Sterne é um dos autores que surgem na secção central de Vidas Escritas e na sua zona suplementar, Artistas Perfeitos, onde Marías comenta fotografias de autores que estão, mas sobretudo que não estão nas biografias aqui reunidas. Acerca do retrato de Sterne diz que “pertence a um hlhasomem consciente do seu talento, mas que não tem nada de presumido” (p. 263). Esta edição inclui uma rubrica que fez parte de Literatura e Fantasma, mas que Javier Marías incorporou numa reedição de Vidas Escritas: Mulheres Fugitivas. Do conjunto destes poderosos retratos femininos, destaca-se aquele que o escritor dedica a Emily Brontë. Um dos vários casos em que Javier Marías faz da biografia um momento de exemplar concisão. Uma brevidade que não inibe, nem o pormenor, nem a liberdade dos relatos — “O senhor Bontë — que exotizou o seu original Brunty durante a sua passagem, como não podia deixar de ser, por Oxford (talvez porque bronte significa ‘trovão’ em grego) — tinha fama de excêntrico e de austero, e, apesar de as informações existentes terem origem em fontes não muito fidedignas (porque ressentidas), afirmava-se que no seu zelo se recusava a dar carne às filhas e as condenava a um regime de batatas” (p. 214). Vidas Escritas é um momento cimeiro da biografia praticada com informação e consumada brevidade. Modelo de escrita e erudição, a recolha de Javier Marías é o trabalho de um escritor que sente entre os seus, mesmo quando anota, sempre com elegância, as suas falhas de personalidade ou os ridículos da sua senda.
REFERÊNCIAS:
Uma alegoria albanesa
Narrativa sobre a tirania, em que a forma de parábola serve a Kadaré para ensaiar uma releitura da História contemporânea. (...)

Uma alegoria albanesa
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Narrativa sobre a tirania, em que a forma de parábola serve a Kadaré para ensaiar uma releitura da História contemporânea.
TEXTO: A obra do albanês Ismail Kadaré (n. 1936) — tem vários romances publicados em Portugal, entre os quais A Filha de Agamémnon e o Sucessor (D. Quixote, 2008) e Os Tambores da Chuva (Quetzal, 2012) — foi já distinguida com diversos prémios: entre outros, o Man Booker International Prize (2005) e o prémio Príncipe das Astúrias (2009). O seu nome é, desde há muito, repetidamente referido como um candidato ao prémio Nobel. Autoria: Ismail Kadaré (Trad. de Artur Lopes Cardoso) Sextante Ler excertoIsmail Kadaré — que durante uma visita a Paris, em 1990, pediu asilo político às autoridades francesas — é autor de romances (e algumas novelas) mordazes e irónicos e em que o destino mais parece um jogo de máscaras e de rumores. Não raramente tomou a antiguidade clássica (“o mito ilumina o labirinto”) — mas não só, também a História com alguns poucos séculos — como modelo narrativo e social, não apenas como uma tentativa dissimulada de escapar (à época em que escreveu os romances) à censura da ditadura de Enver Hoxha, mas também para assim melhor analisar as maneiras de funcionamento dos mecanismos do poder e como este quase se auto-alimenta. Os seus romances assentam sempre — como aliás toda a grande literatura — na profundidade interior das suas personagens. As histórias de Ismail Kadaré, quase sempre impregnadas de uma espécie de monotonia cómico-trágica, ora tomam a forma de parábola sobre a tirania ora ensaiam uma releitura da História contemporânea (não apenas da Albânia mas também de outros países que viveram sob o jugo estalinista); na sua escrita, sempre soberba e irónica, ele parece querer encontrar — se é que tal é possível — um qualquer vestígio de sentido naquele mar de demência que é tão característico dos estados totalitários. Em O Nicho da Vergonha (originalmente publicado em 1978), Ismail Kadaré, mais uma vez, serve-se da História do Império Otomano, do qual a Albânia fez parte durante séculos, governada por tiranos Pachás rebeldes que se revoltavam contra o Sultão da capital. Depois da Segunda Guerra Mundial, essa mesma Albânia passou a ter um ditador estalinista, Enver Hoxha, que a governou mas desligado da União Soviética. O paralelismo histórico está feito. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O nicho da vergonha é uma cavidade aberta na pedra, numa parede na grande praça da capital do Império Otomano, no livro chama-lhe Istambul (note-se o anacronismo do nome). Naquele nicho são expostas, numa bandeja com gelo, mel e sal, “as cabeças cortadas dos vizires rebeldes”, dos inimigos derrotados, ou então dos dignitários do Império “caídos em desgraça”. No ano em que a acção decorre (cerca de 1820), os transeuntes da praça esperam no nicho a cabeça de Ali Pachá de Tepelena, um governador rebelde que num recanto longínquo do Império, na Albânia (“a antiga terra das peocupações”), declarou guerra ao sultão. Entretanto, foram as cabeças dos generais turcos, os que não os conseguiam vencer, que se foram sucedendo no nicho, também conhecido como “castigo da ignomínia” e “pedra da abominação”. Quando a rebelião começou, e antes de serem enviados soldados, tinham sido mandados funcionários dos Arquivos Centrais do Estado, especialistas que, seguindo a antiga doutrina, prepararam “grandes estudos” sobre as “formas de suprimir a memória nacional”, que incluía também o processo de “supressão da língua” — até só já restar nas velhas mulheres, as que a guardavam como se fossem “urnas antigas”. Usando esta fábula alegórica sobre a tirania — e também sobre os caminhos labirínticos que a natureza humana percorre para se adaptar ao poder repressivo de um Estado — Kadaré denuncia os antigos e novos mecanismos de opressão. No caso desta parábola, são as cabeças cortadas o que parece manter o Império, o que o une na sua vasta solidão. Ao longo da história narrada, e sobretudo quando é referida a praça da capital, há algo de estranho: a praça tem turistas, muitos turistas, e outras particularidades inesperadas para o século XIX. É este propositado e talentoso toque de anacronismo (não lhe chama Constantinopla), ou de algo surreal para o leitor, o que lhe oferece o tom de fábula, que declara a história contada como uma metáfora política. Talvez pelo recurso a cenários históricos orientais, e por existir algum paralelismo político entre os seus países, este romance de Ismail Kadaré traz à memória alguns livros do escritor sérvio Ivo Andric, autor, entre outros, de A Ponte sobre o Drina e de A Crónica de Travnik.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra filha social espécie mulheres vergonha
Sindicatos dos motoristas pedem “perdão” aos portugueses, mas a greve é para avançar
Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias e Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas desafiam ANTRAM para debate televisivo que clarifique a situação no sector. (...)

Sindicatos dos motoristas pedem “perdão” aos portugueses, mas a greve é para avançar
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias e Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas desafiam ANTRAM para debate televisivo que clarifique a situação no sector.
TEXTO: Os sindicatos dos motoristas desafiaram esta segunda-feira a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) para um debate televisivo sobre o processo negocial em curso e pediram desculpas aos portugueses pela greve prevista para Agosto. “Não desejamos a greve por variadíssimas razões, a principal é a perfeita consciência do impacto e do transtorno que vai causar aos portugueses e à economia do país. Desde já pedimos perdão aos portugueses por eventuais transtornos no seu quotidiano, não temos dúvidas que compreenderão a nossa luta”, avançaram os sindicatos dos motoristas de mercadorias e de matérias perigosas, numa carta aberta à ANTRAM, a que a Lusa teve acesso. A carta aberta é assinada por Jorge Cordeiro, do Sindicato Independente de Motoristas de Mercadorias (SIMM), e por Francisco São Bento, do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP). No sábado, o 1. º Congresso Nacional dos Motoristas, que decorreu em Santarém, com cerca de três centenas de motoristas, aprovou, por unanimidade, entregar no dia 15 um pré-aviso de greve a partir de 12 de Agosto, por tempo indeterminado, até entrar em vigor o novo Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) para o sector, que prevê um aumento do salário base de 100 euros nos próximos três anos. O novo CCT vai ser levado à reunião de dia 15 para continuar as negociações com a ANTRAM, a federação filiada da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (FECTRANS), mediada pelo Ministério do Trabalho. Para a mesma reunião, os dois sindicatos vão levar um pré-aviso de greve, ameaçando paralisar a partir de dia 12 de Agosto, por tempo indeterminado, enquanto não entrar em vigor o novo CCT. Na carta aberta à ANTRAM, os motoristas contestaram a “tentativa de manipulação da opinião pública” em relação ao objectivo dos sindicatos SIMM e SNMMP, indicando que “os homens que dirigem estes sindicatos são eles próprios motoristas de mercadorias e de matérias perigosas”. “Andamos há 22 anos a servir a economia e o país com elevado sentido de responsabilidade e verdadeiro espírito de missão, sabemos que os portugueses nos vão perdoar por ao fim de 22 anos pensarmos um pouquinho em nós e nas nossas famílias, afinal de contas também somos homens e mulheres, pais, mães, filhos”, afirmaram os sindicatos dos motoristas, endereçando um pedido de desculpas aos portugueses pelo impacto da greve prevista. Cansados de “joguinhos de diplomacia”, em que se simula “abertura e interesse em melhorar o sector para que no fim tudo fique na mesma”, os motoristas alertam para a “precariedade das suas condições laborais e sociais”. Neste âmbito, o SIMM e o SNMMP desafiam a ANTRAM, bem como os demais intervenientes no sector, para “um debate televisivo sobre toda a situação”, segundo a carta aberta. “Vamos falar do processo negocial em curso, dos protocolos e acordos de compromisso celebrados, das várias propostas já apresentadas”, referem os sindicatos dos motoristas, acrescentando como tema de debate “o que se tem passado no sector nos últimos 22 anos e que levou os motoristas a assumirem agora estas tomadas de posição”. Afirmando aguardar “tranquilos” a resposta da ANTRAM ao desafio lançado, os motoristas apontaram “uma certeza: aquele que o recusar tem alguma coisa a esconder”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A proposta para o novo CCT prevê um aumento do salário base de 100 euros nos próximos três anos (1. 400 euros brutos para 2020, 1. 600 para 2021 e 1. 800 para 2022), indexado ao aumento do salário mínimo, melhoria das condições de trabalho e pagamento das horas extraordinárias a partir das oito horas de trabalho, entre outras medidas. Criado no final de 2018, o SNMMP tornou-se conhecido com a greve iniciada no dia 15 de Abril, que levou o Governo a decretar uma requisição civil e, posteriormente, a convidar as partes a sentarem-se à mesa de negociações. A elevada adesão à greve de três dias surpreendeu todos, incluindo o próprio sindicato, e deixou sem combustível grande parte dos postos de abastecimento do país.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens mulheres salário
Manifesto pede menos poder para directores das escolas
Contra lideranças “napoleónicas”, personalidades de várias áreas querem alterar modelo que substituiu conselhos executivos pela figura do director. Do documento deverá resultar petição na Assembleia da República. (...)

Manifesto pede menos poder para directores das escolas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.16
DATA: 2017-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Contra lideranças “napoleónicas”, personalidades de várias áreas querem alterar modelo que substituiu conselhos executivos pela figura do director. Do documento deverá resultar petição na Assembleia da República.
TEXTO: O que liga a deputada Joana Mortágua ao pedagogo Sérgio Niza e aos escritores Dulce Maria Cardoso, Inês Pedrosa e Jacinto Lucas Pires? E a ex-secretária de Estado da Educação Ana Benavente, o que faz ao lado da presidente da Associação de Professores de Matemática, Maria de Lurdes Figueiral, e do sociólogo Paulo Peixoto? Integram todos um grupo de 21 personalidades que lançou um manifesto reivindicando uma gestão mais democrática das escolas. O documento, que o PÚBLICO divulga em primeira mão, vai ser debatido no dia 14 de Janeiro, na Escola Secundária Rainha D. Leonor, em Lisboa, e pretende lançar a discussão em torno das alterações tidas como necessárias ao actual modelo de gestão dos estabelecimentos de ensino, do pré-escolar ao secundário. “Assistimos a uma crescente desvalorização da cultura democrática nas escolas e à anulação da participação colectiva dos professores, dos alunos e da comunidade educativa”, criticam os subscritores do manifesto, que, numa altura em que se comemoram os 30 anos da Lei de Bases do Sistema Educativo, apelam a “um modelo de direcção e gestão [das escolas] alternativo”. “Não podemos gerir uma escola como se se tratasse de uma empresa, com hierarquias, submissão e lógicas de poder, e achar que é nesse sentido que estamos a preparar cidadãos para viver em democracia”, concretiza a deputada do BE Joana Mortágua. No centro da contestação está o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos do pré-escolar, básico e secundário que vigora desde 2008, estava a pasta da Educação nas mãos de Maria de Lurdes Rodrigues, e que criou a figura do director único para os diferentes agrupamentos escolares. Este modelo ditou o fim dos conselhos executivos e a pretexto de reforçar a liderança das escolas congregou o poder decisório nas mãos de uma direcção unipessoal. “O que queremos é que a pedagogia volte a estar em primeiro lugar na altura de se decidir como é que uma escola é dirigida e definida”, retoma Joana Mortágua, para quem uma escola gerida segundo “critérios economicistas, administrativos ou burocráticos” não garante o crescimento integral dos alunos. E porque o problema “não é só dos professores nem é só dos alunos", mas remete para "a forma como estamos ou não a construir democracia”, acrescenta a deputada, sublinhando que o manifesto, assinado por 20 personalidades, não formula propostas. "O mais certo é que, uma vez lançado, o documento se transforme em petição pública. O que queremos é que surjam ideias que possam transformar-se em propostas cujo caminho poderá levar ao Parlamento. Porque a base deste manifesto é que é preciso mudar alguma coisa e urgentemente”. E mudar o quê, logo agora que o maior e mais conhecido dos estudos, o PISA, aponta melhorias significativas na literacia científica e de leitura entre os alunos portugueses? “Pois, se olharmos para o PISA com uma lente vemos que passámos a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), mas há dados que continuam a ser dramáticos: continuamos a ter um abandono escolar muito grande – só o Chipre é que está atrás de nós -, taxas de retenção muito elevadas e três milhões de portugueses entre os 25 e os 65 anos de idade sem o secundário. Portanto, estamos longe do ideal", responde João Jaime Pires, director da Escola Secundária Camões, em Lisboa. "Basta recordarmos que, antes das mudanças de 2008, tínhamos 98% das escolas com órgãos colegiais. Nesse sentido, estamos pior, porque a lei obrigou as escolas a adoptar uma gestão unipessoal quando o importante seria que a escola desse exemplos de cidadania à comunidade e que os seus órgãos fossem democráticos e que as decisões fossem tomadas por todos e não exclusivamente pelos directores”, acrescenta, para concluir que este "é o tempo de fazer balanços e mudanças", já que, "em Março, muitos directores que assumiram o cargo em 2008 já não poderão ser reconduzidos". Desde já, deixa um contributo: “O conselho pedagógico tem que ser de novo a força da escola e não apenas o órgão consultivo do director”. Numa altura em que há agrupamentos que somam mais de 30 escolas e outros que congregam mais de quatro mil alunos, o pedagogo Sérgio Niza diz que as escolas estão transformadas “numa espécie de máquinas burocrático-administrativas e não pedagógicas”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Enquanto na Europa a média de alunos por conjunto de equipamentos é de 500, em Portugal é de 1500. E aqui perde-se toda a dimensão ecológica de relação entre as pessoas”, alerta o fundador do Movimento Escola Moderna. Feito o diagnóstico, Niza defende que é tempo de reequacionar os agrupamentos de escolas. “Os agrupamentos nasceram para resolver um problema de dimensão e para tornar mais barata a gestão das escolas. Ora, tratar uma escola como sendo uma fábrica imensa é um erro de cálculo que todos vamos pagar. E pagar com dor. A escola requer-se como um espaço extensivo do primeiro espaço de socialização que é a família, e como tal, não pode ser um lugar onde as pessoas se perdem e onde um governador longínquo manda cumprir ordens”. É verdade que o conselho geral, a quem compete eleger o director e definir as linhas orientadoras da escola, integra professores, funcionários, pais e encarregados de educação, alunos e autarcas, ou seja, pretende-se espelho da comunidade. O problema é que este órgão reúne esporadicamente “e muitas vezes tem dificuldades em reunir quórum”, segundo João Jaime Pires. “Os conselhos gerais estão demasiado afastados do dia-a-dia da escola”, concorda o presidente da Pró-Inclusão, Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, David Rodrigues. Dizendo-se avesso a “lideranças napoleónicas e todo-poderosas” nas escolas, Rodrigues defende que os conselhos pedagógicos deveriam ser "verdadeiramente os órgãos de gestão das escolas e os directores os seus executores". E "criar um conselho pedagógico representativo de todas as forças da escola implicaria que nele estivessem representados também os professores contratados e de Educação Especial", conclui.
REFERÊNCIAS:
José Luís Peixoto é o vencedor do prémio Oceanos 2016
Escritor português ficou em primeiro lugar com o romance Galveias. (...)

José Luís Peixoto é o vencedor do prémio Oceanos 2016
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-03-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Escritor português ficou em primeiro lugar com o romance Galveias.
TEXTO: O português José Luís Peixoto é o vencedor da edição deste ano do Oceanos – o prémio de Literatura em Língua Portuguesa – com o romance Galveias (editado em Portugal pela Quetzal). O primeiro classificado tem direito a um prémio no valor de 100 mil reais (cerca de 27 mil euros). O anúncio foi feito na noite desta terça-feira em São Paulo no Brasil. Além do romance de Peixoto foram ainda distinguidas três obras brasileiras: o romance A Resistência, do escritor Julián Fuks (editado em Portugal pela Companhia das Letras), em segundo lugar; o volume de poesia O livro das Semelhanças, de Ana Martins Marques, em terceiro; e os contos de Maracanazo e Outras Histórias, de Arthur Dapieve, na quarta posição. O romance premiado tem como título o nome da aldeia natal de Peixoto no Alentejo. O romance mergulha no Portugal rural a partir de um evento inesperado: a queda de um meteorito em Galveias. Como se diz no comunicado do prémio Oceanos, a obra "confere um sentido cósmico a essa comunidade [de Galveias] que se extingue entre rústica violência, desolação, melancolia e choque com a modernidade". O romance é "um mergulho no Portugal profundo, rural, com uma narrativa que alinha personagens emblemáticas desse universo arcaico". Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O prémio Oceanos, atribuído pelo Itaú Cultural, cumpre a segunda edição, depois da extinção do Prémio Portugal Telecom em 2014, e distingue as melhores obras de escritores lusófonos publicadas no Brasil. No ano passado, o prémio foi atribuído ao escritor brasileiro Silviano Santiago, de 80 anos, pelo romance Mil Rosas Roubadas. Entre os dez finalistas da edição de 2016 do prémio estava também o escritor português, Gonçalo M. Tavares, com o romance Uma menina está perdida no seu século à procura do pai que também esteve presente na cerimónia. Nascido no ano da revolução dos cravos, José Luís Peixoto recebeu em 2001 o prémio José Saramago com o seu segundo romance, Nenhum Olhar - o primeiro foi Morreste-me (2000). A Criança em Ruínas mereceu-lhe o prémio da Sociedade Portuguesa de Autores e foi finalista do prémio Femina (França) e, entre outros, do antecessor do Oceanos, o prémio Portugal Telecom. Além da prosa no romance, Peixoto enveredou também pela poesia e dramaturgia, estando a sua obra traduzida, segundo a sua editora, a Quetzal, em mais de 20 línguas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência comunidade criança extinção
Anunciados os finalistas do Prémio Oceanos de Literatura em Língua Portuguesa
Matilde Campilho, José Luís Peixoto e António Lobo Antunes são alguns dos autores que se destacam na lista dos 50 semifinalistas do Prémio Oceanos de Literatura em Língua Portuguesa. (...)

Anunciados os finalistas do Prémio Oceanos de Literatura em Língua Portuguesa
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-03-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Matilde Campilho, José Luís Peixoto e António Lobo Antunes são alguns dos autores que se destacam na lista dos 50 semifinalistas do Prémio Oceanos de Literatura em Língua Portuguesa.
TEXTO: A lista de dez finalistas do Oceanos - Prémio de Literatura em Língua Portuguesa é anunciada esta sexta-feira, pelo instituto Itaú Cultural, em São Paulo, Brasil. O livro de poesia de Matilde Campilho, Jóquei, e os romances Galveias, de José Luís Peixoto, e Não é meia-noite quem quer, de António Lobo Antunes, estão entre os 50 semifinalistas, revelados no passado mês de Outubro. No que toca à literatura portuguesa, entre os semifinalistas contam-se igualmente 139 epigramas para sentimentalizar pedras, livro de poesia do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, e os romances O pecado de Porto Negro, de Norberto Morais, e Uma menina está perdida no seu século à procura do pai, de Gonçalo M. Tavares. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O prémio do instituto Itaú Cultural, que veio substituir o Prémio Portugal Telecom, repartiu a lista das 50 obras semifinalistas, pelas categorias de poesia, romance, conto e crónica. Este ano, serão assim atribuídos prémios a "quatro livros de criação literária em língua portuguesa". Entre os títulos inscritos para o prémio estão também A rainha ginga, do escritor angolano José Eduardo Agualusa, e Mulheres de cinzas, do moçambicano Mia Couto. Escuta, de Eucanaã Ferraz, Outro silêncio, de Alice Ruiz – ambos de poesia –, e o romance A resistência, de Julián Fuks, figuram entre os semifinalistas da literatura brasileira. O prémio Oceanos, que cumpre a segunda edição, depois da extinção do Prémio Portugal Telecom, distingue as melhores obras de escritores lusófonos publicadas no Brasil. No ano passado, o prémio foi atribuído ao escritor brasileiro Silviano Santiago, 80 anos, pelo romance Mil Rosas Roubadas.
REFERÊNCIAS:
Tomemos decisões para a década e não para o ano
Chegou a hora de um sobressalto da vontade (...)

Tomemos decisões para a década e não para o ano
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Chegou a hora de um sobressalto da vontade
TEXTO: Como todos os miúdos da minha geração, a dos inícios dos anos 1970, cresci a ver episódios de Espaço 1999 e a acreditar que no início do novo milénio, quando eu tivesse 27 anos (uma enormidade!), seria uma banalidade viajar até à lua. Ao mesmo tempo, vivi uma parte da infância numa pequena aldeia ribatejana onde a eletricidade tinha chegado apenas no ano em que nasci. Quando éramos miúdos, as decisões a tomar eram entre brincar às naves espaciais e brincar aos tratores — uma forma infantil de resumir as duas faces com que o futuro se apresentava às nossas imaginações. Os anos 80 foram, para mim, passados já em Lisboa e com a noção de que em 1999 andaríamos na Lua substituída pela noção de que alguém poderia premir um botão algures em Moscovo ou Washington e fazer com que não chegássemos sequer a 1999. Mas no fim dessa década caiu o Muro de Berlim e o catastrofismo foi substituído pelo otimismo ingénuo. Nem tudo corria bem — a começar pela Guerra da Jugoslávia em plena Europa — mas a democracia estava a avançar, Portugal a desenvolver-se e eu tinha um cartão de leitor da Torre do Tombo. Nada mau. Depois veio o novo milénio e, década a década, uma desilusão. O século XXI começou politicamente a 11 de setembro de 2001, com um ataque terrorista tão delirante que levou o mundo a uma espiral de pânico e descontrole. Passámos uma década obcecados por um suposto “choque de civilizações”. Depois veio a pior crise desde a Grande Depressão e passámos a segunda década do milénio em regime de austeridade, com uma política avara em imaginação e futuro. Politicamente, a década de 2020 começa já amanhã, a 1 de janeiro de 2019. Sim, é em 2019 que vamos tomar, pelo menos para Portugal e para a Europa, as decisões com que vamos entrar na década de 2020. E se comecei por um resumo das décadas que aqui nos trouxeram foi porque, apesar dos imponderáveis, é sempre possível decidir que década queremos ser. Desperdiçámos já duas décadas do novo milénio em sentimentos temerosos e egoístas. Se formos sinceros, é para mais uma década perdida — para a democracia, a humanidade e o planeta — que tudo se encaminha. Chegou a hora de um sobressalto da vontade. Se, até agora, este milénio tem sido uma desilusão, não é porque nada na folha de rumo da tecnologia, da ciência ou mesmo da cultura tenha falhado. Podemos não viver em bases na Lua, mas usamos todos os dias objetos e meios de comunicação que seriam inimagináveis quando nasci. A humanidade é tão criativa como sempre, provavelmente mais até do que nunca. Não, o nosso erro é político. É a política que ainda não nos deixa redistribuir eficazmente a riqueza mundial, proteger o planeta e concluir o edifício de defesa dos direitos humanos que começámos a edificar há 70 anos. E é na política que teremos de encontrar soluções. O primeiro dia do ano começará com duas tomadas de posse importantes na Américas. No Brasil, Bolsonaro. Nos EUA, um novo Congresso, cheio de mulheres, minorias e novos políticos progressistas. Só os historiadores do futuro dirão qual destes caminhos foi seguido e qual foi interrompido, qual deixou semente e qual não frutificou. O desafio que vos lanço é que pensemos como, ainda antes dos historiadores lançarem o seu veredito, poderemos agir para fazer oscilar o pêndulo na direção do progresso — das ideias de generosidade, tolerância e responsabilidade. Usemos bem o ano de 2019 para que no futuro se possa dizer que no momento em que os nacional-populistas acreditavam estar no topo do mundo, as suas ideias já estavam velhas. A melhor ocasião que nos vai ser dada para fazer a diferença será a das eleições para o Parlamento Europeu, em maio. Usemo-las para provar que construir democracia para lá de fronteiras é possível. Façamos da grande questão na década de 2020, não se a União Europeia sobrevive ou não, mas que tipo de União Europeia queremos construir. Um movimento progressista robusto à escala continental deveria empenhar-se em fazer aquilo a que chamo a Carta 2020, ou seja, a lista dos bens públicos europeus que a UE deveria garantir e que todos nós deveríamos lutar por obter — da erradicação da pobreza infantil à gratuitidade do ensino superior —, tal como um movimento progressista à escala global deveria definir os elementos principais necessários para a construção de uma globalização justa sustentável. Essas deveriam ser as nossas tarefas para a década. E em Portugal? Seria possível fazer para o nosso país o mesmo exercício que fiz atrás para a Europa e o mundo. A década de 1970 foi a da democratização. A de 1980 foi a da europeízação e de uma certa normalização aborrecida mas auto-satisfeita. Na de 1990 embandeirámos em arco, com uma década de comemorações um tanto ilusórias que acreditávamos não ir acabar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O milénio começou com uma descida abrupta à terra, quando a ponte de Entre-os-Rios ruiu e nos mostrou que podíamos ter feito em Lisboa a ponte mais longa da Europa mas que, por dentro, continuávamos — e continuamos — a ser um país desorganizado que ainda não valoriza o seu território e as suas pessoas como seria necessário. A década de 2010 foi passada no abraço asfixiante da crise e da austeridade, envolvidos num complexo de culpa e endividamento. E agora? Portugal vai também ter eleições no próximo ano. Seria uma pena que a usássemos só para fazer os ajustes de conta costumeiros a cada legislatura. Desta vez Portugal precisa de discutir a sério como pôr a trabalhar de novo o motor do desenvolvimento e como reparar o elevador social. Isso passa por valorizar as pessoas, o conhecimento e o território, combater as desigualdades e os atrasos estruturais, e tomar decisões estratégicas sobre o nosso lugar na Europa e no mundo. Não podemos dar-nos ao luxo de perder mais uma década. Por isso, ao olhar para 2019, saibamos ver mais longe.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA UE
História ou ódio - é possível vender Hitler?
Comercialização de material do Terceiro Reich está a crescer nos EUA. Compradores são muitas vezes judeus, que depois doam os objectos a museus. Leiloeiro diz que chegou a vender tecido do sofá onde Hitler se suicidou. (...)

História ou ódio - é possível vender Hitler?
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.4
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Comercialização de material do Terceiro Reich está a crescer nos EUA. Compradores são muitas vezes judeus, que depois doam os objectos a museus. Leiloeiro diz que chegou a vender tecido do sofá onde Hitler se suicidou.
TEXTO: Leiloou os diários do médico de um campo de concentração nazi Josef Mengele por 300 mil dólares (261 mil euros), o telefone do bunker de Adolf Hitler por 243 mil e um anel de Hitler, com uma suástica feita de 16 rubis, por mais de 65 mil. E pouco antes do dia de Acção de Graças, uma fotografia de propaganda de Hitler, em que se vê o arquitecto do Holocausto a abraçar uma rapariga alemã de origem judaica, foi vendida por mais de 11 mil dólares. No mercado de artefactos nazis abunda o dinheiro e Basil "Bill" Panagopulos, fundador da leiloeira Alexander Historical Auctions, no Maryland [Estados Unidos], é um promotor, sem remorsos, do negócio. Mas numa altura em que o anti-semitismo e o nacionalismo branco estão a crescer, a compra e venda dos pertences de Hitler e de outras bugigangas do Terceiro Reich – incluindo falsificações – estão a gerar um debate semelhante ao provocado pela exibição ostentada de bandeiras da Confederação e pelas estátuas da Guerra Civil Americana. Que objectos do passado valem a pena guardar? Que despojos de guerra devem ser preservados? E que símbolos de ódio estão melhor no caixote do lixo da História?Gigantes online, como o Facebook ou o eBay, juntamente com a Christie’s e a Sotheby’s, estão a actuar duramente contra a venda de artefactos nazis, restringindo-a ou banindo-a. Pouco depois da venda da fotografia de Hitler, no Maryland, uma outra venda, na Austrália, de cerca de 75 artefactos nazis, deu origem a uma controvérsia nacional e motivou uma repreensão da Comissão Anti-Difamação local. Mas a procura deste tipo de objectos está a intensificar-se, segundo Terry Kovel, co-fundadora de um índice de preços de antiguidades e de artigos de colecção com 51 anos. “O mercado de recordações históricas nazis está claramente em crescimento”, afirma. “Há muita gente que teme que a questão nazi tenha sido esquecida e que, por isso, é necessário mostrar o que realmente se passou. Para além disso, muito do material estava escondido, uma vez que foi trazido para os EUA por soldados que estão agora numa idade muito avançada e a morrer. E as suas famílias estão a vender os objectos”. Vários grupos judeus, embora não todos, têm vindo a denunciar estas vendas. Haim Gertner, director de arquivo do Yad Vashem [em Jerusalém], o principal memorial do Holocausto de Israel, diz que alguns dos bens pessoais de Hitler valem a pena guardar, principalmente se os detentores de artefactos nazis acreditarem que o material e a história anti-semita não devem ser esquecidos. Mas a venda destes objectos pela oferta mais elevada, considera, “é incorrecta e até imoral”. O rabino Marvin Hier, fundador do Simon Wiesenthal Center, em Los Angeles, defende que alguns dos documentos e objectos de Hitler e do partido nazi devem ser preservados, particularmente aqueles que evidenciam os seus desígnios assassinos. Mas entende que outras lembranças nazis – muitas das quais foram contrabandeadas para fora da Alemanha por funcionários públicos americanos – servem apenas para inflacionar a mística do ditador e encorajar os anti-semitas. “A saudação de Hitler está a voltar a este país e os fanáticos alimentam-se de coisas como a fotografia [de Hitler] com a rapariga”, diz Hier. “As pessoas olham para a fotografia e dizem: ‘talvez Hitler tenha tido um fundo bom’ ou ‘não o julguem de forma tão negativa’”. Mas Panagopulos, de 60 anos, cuja leiloeira está localizada a cerca de 100 milhas [161 quilómetros] a Nordeste de Washington D. C. , afirma que o mercado está a ser impulsionado pelos filmes, documentários e segmentos intermináveis sobre Segunda Guerra Mundial, no Canal História – já referido satiricamente como “Canal Hitler”. Muitos dos compradores dos artefactos nazis mais caros e passíveis de gerar manchetes são judeus. Um deles é Michael Bulmash, de 74 anos, um psicólogo clínico na reforma, de Delaware. Passou as últimas duas décadas a comprar material do Holocausto e uma quota considerável do Alexander Historical Auctions. Mas doou quase tudo à sua alma mater, o Kenyon College, no Ohio, para a Bulmash Family Holocaust Collection – incluindo livros infantis publicados pelo editor anti-semita Julius Streicher e uma edição antiga do seu jornal, o Der Stürmer. “Temos de mostrar estas coisas às pessoas”, diz Bulmash. “Especialmente quando temos neonazis a marchar em Charlottesville e vemos o Presidente dos Estados Unidos a criar uma falsa equivalência entre os que fizeram esses neonazis e o que fizeram as pessoas que os estavam a tentar travar”. Howard Cohen, de 68 anos, é um optometrista judeu reformado, de Pittsburgh, e é outro cliente de Panagopulos. Guarda em sua casa todo o tipo de material anti-semita da Alemanha Nazi, como um cinzeiro do Der Stürmer, que comprou por 2 mil dólares, e que contém uma caricatura de um de judeu de nariz adunco. Esconde os artefactos em gavetas ou caixas para que as visitas nunca as vejam. A sua mulher e os seus filhos, revela, não aprovam, nem compreendem. Todos os seus clientes, garante Panagopulos, são verdadeiros fãs de História, não são skinheads ou supremacistas brancos. “Os skinheads não têm dinheiro para comprar estas coisas e mesmo que o tivessem, não têm um apreço histórico por elas”, diz Panagopulos. “Não sou nenhum neonazi tonto e sedento de sangue. A minha mulher é judia. A mãe dela é judia ortodoxa. O pai é judeu. E a terra natal do meu pai, na Grécia, foi arrasada pelos alemães na Segunda Guerra Mundial”. Mas a imagem de Hitler ainda tem repercussão junto dos extremistas. James A. Fields Jr. – um autodenominado neonazi, condenado no dia 7 de Dezembro, por homicídio em primeiro grau, por ter conduzido o seu carro contra uma multidão de contra manifestantes em Charlottsville, matando uma mulher e ferido 35 pessoas – enviou à sua mãe um meme de Hitler quando ela lhe pediu para ter cuidado na manifestação Unite the Right (Unir a Direita). “Não somos nós que temos de ter cuidado”, disse-lhe Fields. Panagopulos estabeleceu a sua leiloeira em Stamford, no Connecticut, em 1991, especializando-se, num primeiro momento, em produtos muito menos incendiários que os actuais: uma mecha de cabelo do Presidente Abraham Lincoln ou autógrafos de Presidentes. Há cerca de oito anos meteu-se na compra e venda de material do Terceiro Reich. O que chamou primeiro a atenção do público foram dois blocos dos diários de Mengele. Em 2010 vendeu um bloco de notas a um judeu ortodoxo, cuja avó sobreviveu a Auschwitz, por quase 50 mil dólares. Mas a organização American Gathering of Jewish Holocaust Survivors and Their Descendants considerou a venda abominável e pediu a Richard Blumenthal, o então procurador-geral do Connecticut, que investigasse a sua autenticidade. “Simpatizo com a sua repugnância sobre o lucro que gerou este diário”, assumiu na altura Blumenthal, em comunicado. Porta-vozes do procurador-geral e grupos de sobreviventes do Holocausto confessam que não se recordam se chegou a ser iniciada uma investigação. Panagopulos garante que Blumenthal, actualmente senador do Connecticut pelo Partido Democrata, nunca o contactou. Um ano mais tarde, vendeu o que restava dos diários de Mengele por 300 mil dólares. O comprador era igualmente judeu, conta Panagopulos. Mas a venda destes objectos continua a gerar reacções negativas. “Se quiser mesmo desprezar alguém, basta ir a Stanford, Conn. , onde encontrará Basil ‘Bill’ Panagopulos, que gere a Alexander Historical Auctions”, lê-se no início de um artigo de opinião publicado no New York Daily News, escrito por um executivo da American Gathering. Irredutível, Panagopulos continua a vender todo o tipo de parafernália: uma série de documentos que mostram que o Führer sofreu de flatulência quando lhe foi injectado um extracto de testículos de boi para aumentar a sua libido; um arquivo de cartas, poesias e trabalhos escolares do responsável pela propaganda Joseph Goebbels; e as notas de um interrogador do exército dos EUA sobre uma entrevista com os médicos de Hitler, onde foi revelado que este tomava hormonas femininas. Em 2014, depois de ter movido a sua leiloeira para Chesapeake, no Maryland, Panagopulos vendeu aquele que foi, muito provavelmente, o seu mais aterrador objecto: um pedaço ensanguentado de tecido do sofá onde Hitler se suicidou, com um tiro, a 30 de Abril de 1945. A oferta vencedora foi de 18 mil dólares. O leiloeiro guardou um outro pedaço para si e não o coloca à venda. “É estranho não? Porque é que alguém haveria de guardar isto?”, questiona, agarrando o tecido. “Mas é uma raridade!”Panagopulos é um orgulhoso porta-voz do seu negócio, mas muitos dos que comercializam material nazi são bastante mais discretos. Um caso exemplificativo envolve tanto o remetente como o comprador da fotografia que mostra Hitler a abraçar Rosa Bernil Ninenau, a rapariga de ascendência judia. Amigo próximo, Heinrich Hoffman fotografou Hitler com várias crianças e fez várias impressões das mesmas fotografias, que foram amplamente distribuídas pela Alemanha. Mas Hitler gostava tanto de Nienau – partilhavam o mesmo dia de aniversário, 20 de Abril – que ela mereceu a alcunha de “filha do Führer” e chamava-o “Tio Hitler”. Como é costume no mundo das licitações, Panagopulos rejeitou revelar as identidades dos seus clientes. Mas a pedido do Washington Post, aceitou perguntar a quem ofereceu a maior quantia pela fotografia se estaria disponível para uma entrevista. O comprador, que vive no Reino Unido, nunca respondeu ao pedido. E o remetente da fotografia também rejeitou comentar através de Panagopulos. Quando o Post contactou Don Boyle, um conhecido coleccionador de artefactos da Segunda Guerra Mundial, de Scranton, na Pensilvânia, este revelou que chegou a possuir a fotografia e que a vendeu, em 2007, ao coleccionador do Arizona Jeff Clark, que gere um website que vende uniformes do partido nazi. Foi Clark que remeteu a fotografia a Panagopulos, informou Boyle. Mas, através de um email, Clark negou saber da existência da fotografia, quanto mais tê-la vendido. “Tive de ir pesquisar no Google para perceber sobre o que se estava a falar”, escreveu. A venda da fotografia foi coberta por meios de comunicação em todo o mundo. E um jornalista de Amesterdão questionou a autenticidade da inscrição de Hitler – “A querida e [atenciosa?] Rosa Nienau e Adolf Hitler, Munique, 16 de Junho de 1933”. “Lixo nazi falsificado”, declarou Bart FM Droog, que está a escrever um livro sobre os artigos falsos de Hitler. Elain Quigley, que dirige o British Institute of Graphologists, diz que a inscrição da fotografia corresponde às primeiras caligrafias conhecidas de Hitler, nomeadamente à sua assinatura. Panagopulos conta que a fotografia foi remetida em conjunto com vários documentos comprovativos e dentro no envelope original, que contempla o carimbo em alto-relevo (sem tinta) do estúdio de Hoffman e que foi entregue à família Nienau. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pouco depois da licitação, narra Panagopulos, foi contactado pelo Dokumentation Obersalzberg, na Alemanha, um museu financiado pelo Governo que se dedica ao estudo de matérias relacionadas com o partido nazi, que queria colocar uma cópia da fotografia em exposição permanente. “Já vi centenas de autógrafos de Hitler. Estou seguro sobre esta assinatura”, afiança Panagopulos. “Se estiver errado ficarei em xeque para eternidade. Aqui oferecemos uma garantia de cem por cento de autenticidade”. Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
REFERÊNCIAS: