Pelas constelações de Alvalade escreve-se história em Lisboa
Três percursos comentados e outras tantas conversas procuram deitar luz sobre períodos marcantes de Alvalade, da cidade e do país. (...)

Pelas constelações de Alvalade escreve-se história em Lisboa
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-09-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: Três percursos comentados e outras tantas conversas procuram deitar luz sobre períodos marcantes de Alvalade, da cidade e do país.
TEXTO: Se por casa entendermos o sítio onde nos sentimos bem, nos encontramos com amigos e, quem sabe, somos felizes, então Alvalade é a casa de muito mais gente do que a nele habita actualmente. Igual coisa se poderia dizer sobre qualquer outro bairro lisboeta, mas quantos se podem gabar de terem sido inventados a meio do século passado e, poucos anos volvidos, estarem já à mesa da história da cidade e do país?Em Alvalade desenhou-se uma cidade nova, fervilhante de ideias que ajudaram a moldar a Lisboa pré e pós-25 de Abril – e muito disso passou pelos seus cafés e outras “constelações de encontros”, que a partir deste sábado, até ao último fim-de-semana de Setembro, motivam, inseridos no festival Lisboa na Rua, passeios comentados e tertúlias por espaços emblemáticos deste pedaço da cidade. O primeiro itinerário, dedicado aos “Verdes Anos”, começa no Bairro das Estacas e termina no café Vá-vá, que é ponto comum aos três percursos propostos e onde, ao fim da tarde deste sábado (18h30), se juntarão Isabel Ruth, Alfredo Barroso, Ana Louro, Isabel Maria Mendes Ferreira e Lauro António para falar de quando o cinema português era novo. É na esplanada do renovado Vá-vá, que agora se diz não só café mas também “steakhouse”, que Aquilino Machado, o cicerone destes passeios, lança luz sobre a evolução de Alvalade. Pensado pelo Estado Novo logo a seguir à Segunda Guerra, “o plano para o bairro é executado no espaço de algumas décadas e revela aspectos fascinantes”, diz o investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (IGOT). O “fascinante” é que “cada célula do bairro é pensada quase com uma identidade própria, com uma escola ao centro”, o que permite aos habitantes “viver pedonalmente a sua célula”. "Verdes Anos" 1 de Setembro (11h) e 2 de Setembro (11h e 17h30) Local de começo: Mercado de Levante do Bairro das Estacas Tertúlia no café Vá-vá a 1 de Setembro, às 18h30"25 de Abril" 8 de Setembro (11h) e 9 de Setembro (11h e 17h30) Local de começo: primeiro logradouro da Av. Estados Unidos da América Tertúlia no café Vá-vá a 8 de Setembro, às 18h30"Geração do Rock" 22 e 23 de Setembro (17h) Local de começo: Burger King da Av. Roma (antiga Sul América) Tertúlia no Popular de Alvalade a 22 de Setembro, às 22h30As visitas são gratuitas mas requerem inscrição através do e-mail [email protected]As tertúlias são de entrada livre, sem necessidade de inscriçãoCada célula tem uma identidade arquitectónica e urbanística própria, como tem também uma população própria. Tome-se como exemplo o Bairro das Estacas, junto à linha de cintura, já no limite do original Plano de Urbanização da Zona a Sul da Avenida Alferes Malheiro, desenhado pelo arquitecto Faria da Costa. “Aqueles que para lá foram viver são os que alavancam o respirar, o fluir de novas ideias”, afirma Aquilino Machado, explicando que aquela zona é ocupada por pessoas com profissões liberais e mulheres independentes, o que “tem qualquer coisa de revolucionário”. O geógrafo diz que esta mistura de gentes e arquitecturas está espelhada na toponímia. Rasgam-se as avenidas dos Estados Unidos da América, de Roma, do Brasil, do Rio de Janeiro e, já fora de Alvalade mas perto dele, as de Paris e Madrid, dando assim “uma imagem cosmopolita ao lugar, contrária ao Estado Novo”, indica. Ao mesmo tempo, aparecem as ruas Frei Armador Arrais, Frei Tomé de Jesus, Diogo Bernardes, Camilo Pessanha ou a avenida Frei Miguel Contreiras, dando corpo a “uma toponímia mais conservadora”. É neste “mapa-múndi desgovernado”, como Aquilino Machado lhe chama, que aparecem os cafés como pólos agregadores: o Vá-vá, o Luanda, a Suprema, o Trevi, o Tique-Taque, o Nova Iorque, a Granfina, todos ao longo das avenidas de Roma e dos Estados Unidos, os dois grandes eixos rodoviários de Alvalade. Aí se começam a desenvolver, no fim dos anos 1950, as tertúlias literárias, políticas, musicais e cinematográficas que queriam mudar o país – e conseguiram. Não se pode esquecer, alerta Aquilino Machado, que “a linha de metro só é inaugurada em 1972” e que, por isso, “este é um bairro muito distante do centro de Lisboa e muito independente”. Quando o Natal se aproximava, recorda, “era uma festa” ir à Baixa ver as luzes, era “ir à cidade”. Os cafés de Alvalade, que a par com outros da vizinhança (a Mexicana, o Londres, o Roma) eram “fascinantes repositórios de arquitectura” e também “repositórios de arte”, passam em dado momento a disputar público com outros locais que despontam. “A partir de 1965 começam a ganhar importância as traseiras, fora dos grandes eixos – as boîtes, discotecas, cervejarias”, diz Aquilino. O drugstore Tutti Mundi, onde hoje é o Centro Comercial Roma, inaugurado em 1968, foi “o percursor da ligação entre a Avenida de Roma e as traseiras” e “é a partir daí que as traseiras começam a aparecer e a consolidar-se”, explica. O segundo itinerário, a palmilhar a 8 e 9 de Setembro, é dedicado ao “25 de Abril” e tem essas traseiras como protagonistas: inicia-se num logradouro da Estados Unidos, pára no café Luanda, segue pela Rua Conde de Sabugosa até à Cervejaria Alga. A par com, por exemplo, a já desaparecida cervejaria Nova América, a Alga “teve uma importância muito grande na geração do 25 de Abril”, que fez de Alvalade um “palco de festa ininterrupta”, afirma Aquilino Machado. Para o próximo sábado está marcada, também na esplanada do Vá-vá, ume tertúlia sobre esses tempos com Eduardo Boavida, Elísio Summavielle, Margarida Gil e Miguel Vale de Almeida. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O último percurso percorre os santuários da “Geração do Rock”, aquela de que Aquilino Machado teve um conhecimento mais directo. “Havia aqui qualquer coisa de efervescente”, diz, debitando o nome de bandas que marcaram a sua juventude alvaladense: Vodka Laranja, Sétima Legião, Faíscas, Croissant, Xutos e Pontapés e tantas outras. Foi nos anos 1980 que o rock e o punk tomaram conta do bairro, num momento em que se dá “um sismo profundíssimo nos cafés e locais de encontro”. Desaparecem então locais importantes, como a pastelaria Suprema, o café Trevi ou o Tique-Taque, e floresce outra geografia. A 22 e 23 de Setembro, o passeio é entre a antiga Sul América (hoje um Burger King), o Vá-vá, os Coruchéus e o Popular de Alvalade. É nesse espaço relativamente recente do bairro (abriu em 2013) que haverá a última tertúlia (22 de Setembro, 22h30) deste ciclo, com Samuel Palitos, Manuel Wiborg, Pedro Oliveira e Pedro Lopes. Ambas as conversas do Vá-vá serão acompanhadas por um projecto de realidade aumentada “que tenta recriar pequenos apontamentos” desse café e do bairro, diz Aquilino Machado. Que, apesar de recusar saudosismos, admite a sua “mágoa” por não se conhecerem registos fotográficos de alguns pontos desta constelação. O Trevi, por exemplo, era “um café lindíssimo” – pelo menos é o que lhe diz a sua memória. “Mas não há registo iconográfico absolutamente nenhum. E o mesmo acontece com a Pastelaria Suprema”, que ainda assim aparece num fotograma dos Verdes Anos, de Paulo Rocha. “A história do bairro é indissociável da intensidade da arquitectura e do urbanismo, mas essencialmente das pessoas que aqui vivem”, diz Aquilino Machado. É por elas, e para elas, que existe este programa.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Artur Portela Filho: "O PS impacienta-me extraordinariamente"
Artur Portela Filho assegura que as fake news promovem a desertificação da nobreza de carácter. Recorda a revista Opção, o tempo que dirigiu no Verão Quente de 1975 o Jornal Novo e uma conversa peculiar com Álvaro Cunhal. (...)

Artur Portela Filho: "O PS impacienta-me extraordinariamente"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.22
DATA: 2018-09-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: Artur Portela Filho assegura que as fake news promovem a desertificação da nobreza de carácter. Recorda a revista Opção, o tempo que dirigiu no Verão Quente de 1975 o Jornal Novo e uma conversa peculiar com Álvaro Cunhal.
TEXTO: Nasceu em 1937, quando a Guerra Civil devastava a Espanha, dividia a humanidade e era palco de ensaio para o conflito mundial. Envolveu-se na luta pela liberdade com a CEUD [Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, nas eleições de 1969] de Mário Soares e garante que foi com alegria para o combate ao gonçalvismo. Observador atento e crítico mordaz, as suas crónicas na imprensa dilaceravam com bisturi de ironia as personagens do mundo político e intelectual. Estudou as relações do Estado Novo com a Espanha de Francisco Franco e a Itália de Benito Mussolini e conclui que Salazar foi um provinciano "catedraticamente promovido ou promovido catedraticamente". Não se envergonha de ter trabalhado em publicidade, o que o treinou para uma escrita mais directa. Como sintéticas são as suas respostas. Agrada-lhe António Costa, tem prevenções face a Marcelo Rebelo de Sousa, nenhum interesse em Assunção Cristas. Mas é Durão Barroso que está no top ten da sua crítica pela ambiguidade e opacidade que atribui ao antigo primeiro-ministro e líder do PSD. Amigo de Jorge Sampaio, admirou as presidências de Soares e ignora Cavaco Silva. É defensor da geringonça mas reconhece que o PS o impacienta. Não escreve todos os dias, afirma que na literatura, no jornalismo e na vida nunca se rendeu. Orgulha-se de manter o espírito de combate. Tem seis filhos, oito netos e garante que valeu a pena. Abomina o reverencial, o respeitinho, que mata por medíocre. Jornalista, escritor, publicitário, investigador de temas históricos. Que mais lhe agradou neste périplo?A ficção, porque me parece mais profunda, mais justa, mais leal no sentido de que me estou enfrentando durante meses e meses, quase quotidianamente. Ultimamente não escrevo todos os dias, continuo a trabalhar mas de uma forma mais branda de exigência. Disse que escrever e fazer jornalismo é lutar. Ganhou essas batalhas?Não, dizer que ganhei propriamente dito seria muito pretensioso. Há umas que ganhei, noutras teve de surgir uma bandeira branca. Não me rendi, não estou rendido, mas a bandeira branca surgiu de forma intercadente por vezes. Teve um papel preponderante na divulgação do Nouveau Roman em Portugal. Esta faceta foi um pouco esbatida pela sua presença mediática. Foi com o Alfredo Margarido, foi uma experiência importante. Fui conquistado pela inovação da construção, não estávamos zangados com o neo-realismo. O que me fascinava era a fluência do discurso interior, mas tivemos um sucesso muito relativo no empenho, apesar de hoje em dia boa parte da produção literária portuguesa ter uma marca que vem do Nouveau Roman. Nos seus trabalhos históricos investigou as relações do Salazarismo com a Espanha de Franco e a Itália de Mussolini…Depois disso não fiz mais nada em história que valesse a pena. Tenho seguido com algumas coisas, mas improdutivamente. Dessas investigações, o que retirou de Salazar?Habilidade, engenho e provincianismo catedraticamente promovido ou promovido catedraticamente. Mas é uma figura à qual a ficção, romances e contos, não correspondeu. Tentei em duas ou três coisas, em livrinhos, usar a figura de Salazar. Acredita que Salazar teve um caso com a jornalista francesa Christine Garnier?Digamos que são fortes os indícios. Um devaneio do provinciano?Sim, sim. A frase é sua. Mas concorda?De alguma forma sim. Afirmou numa entrevista a Fernando Assis Pacheco que a publicidade o treinou para uma escrita mais directa. Sim, a publicidade, o Hemingway (risos). Lembro-me da vivência em bloco dos tempos da publicidade, mas não de um anúncio concreto que redigi. Lembro-me da agitação, na publicidade, sou do tempo de Alves Redol, não me lembro de mais nenhum, porventura não me quererei lembrar… Não me envergonho em nada de ter feito publicidade, mas há alguns outros que se envergonham. Essas pessoas sentiam-se tomadas por um serviço a uma sociedade, ao capital, quando para mim a publicidade é um jornalismo comercial em que há uma mensagem. Comunicação e informação são a mesma coisa?Não, não, não. A informação é, ou deveria ser, uma coisa mais responsável, mais específica, mais restrita. Como vê hoje a informação em Portugal?Entristece-me um pouco, como, aliás, já no meu tempo, nos finais dos anos 1950 e 1960. A informação é um jogo, tem determinados objectivos, tem uma espécie de subtexto, no fundo pretende combater a favor de uma causa que a mim não me interessa especialmente, o capitalismo. A informação serve o capitalismo?Também. Não digo que toda a informação serve o capitalismo, mas alguma serve. Qual a informação que ambicionava?A do Hemingway, por exemplo a de Por Quem os Sinos Dobram, que é uma grande reportagem. Preocupam-no as fake news, as notícias falsas das redes sociais?Preocupam-me. É promover a mentira, promover a desertificação da nobreza de carácter e de caracteres. E o respeitinho?Acho detestável o respeitinho. Acho que não há lugar ao respeitinho, há lugar ao respeito. O respeitinho é uma coisa pequenina, cultural e moralmente medíocre. Foi um cronista mordaz, polémico, muito ácido, uma vez definiu um artista plástico como o baixo-relevo da sobrevivência. Era a propósito do José Ernesto de Sousa. A minha observação tinha engenho mas não insultava o homem como pessoa, mas o homem como artista. Foi, entre 1975 e 1977, director do Jornal Novo, o diário da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP)…Tecnicamente, a CIP administrava o jornal, mas, de facto, o jornal era bastante autónomo, aconselho a ler o Estatuto Editorial no qual eu, naturalmente, colaborei, e verá que não era um jornal ao serviço da CIP ou de qualquer outra organização do género. Aquele era um jornal de combate?Era um jornal de combate contra a direita, a extrema-direita e contra o gonçalvismo. Depois de sair do jornal disse numa entrevista a Assis Pacheco que tinha sido romântico e ingénuo, que o capital tinha ganho um round. Saiu com azedume?Estive lá pouco mais de um ano. Lembro-me que saí com alguma pena, mas não de mim próprio. Saí com pena relativamente aos leitores do jornal, porque era um projecto singular. Quando o Jornal Novo chegou às bancas era, praticamente, o porta-voz do Grupo dos Nove, aliás divulgámos em primeira mão o Documento dos Nove [demarcação de militares do MFA do primeiro-ministro general Vasco Gonçalves]. Foi o actual ministro da Cultura [Luís Filipe Castro Mendes] que nos fez chegar o Documento dos Nove. Saí com azedume porque os leitores, e o mecanismo político em geral, perderam um espaço diferente. Imagino que como director do Jornal Novo teve choques diários com o Governo de Vasco Gonçalves. Sim, convivi com isso com ânimo e com uma certa alegria, porque tenho um cariz de acção e intervenção rápida. Fui com uma certa alegria para o combate. Depois de director, criticou a ocupação dos órgãos de informação pela direita e disse ser difícil o papel de independente de esquerda. Sempre fui independente de esquerda, sempre tive esse estatuto. Uma única vez admiti a hipótese de entrar para um partido, o PS, quando o meu amigo e antigo colega no liceu Passos Manuel, Jorge Sampaio, foi candidato à Câmara Municipal de Lisboa, e trabalhei na campanha dele. De que órgãos de informação estava a falar?Do Diário de Notícias de José Saramago. Saramago não era de direita, era um homem de esquerda, mas era um homem que punha em causa no Diário de Notícias valores da esquerda democrática. Fundou e dirigiu a revista Opção e manteve a belicosidade das suas crónicas. Porque acabou a Opção?Ainda durou dois ou três anos e acabou em falência. Considerava que havia mercado para uma revista, e ainda considero, mas na verdade falhou. Era o sonho de cinco ou seis jornalistas de fazer uma revista, era eu, o José Manuel Teixeira, o Francisco Agarez e outros. O autor de grande parte das capas da Opção foi o artista plástico António Alfredo, já morto, a que se deve o êxito inicial da revista que tinha umas capas diferentes. Era uma espécie de Newsweek à portuguesa que não prosperou. Éramos financiados pelo mercado, não havia mecenas. Não dava para viver, cheguei a reduzir o meu ordenado para levar aquilo por diante, não sei se mais algum colega o fez, mas eu fiz. Esse tempo intenso desgastou a sua relação com o jornalismo?Não, não a matou, pô-la em causa mas não a matou. Passou a ser mais prudente nas suas opções? Não, não, isso não. O último jornal onde escrevi foi no i de forma graciosa, pro bono. Sendo a informação uma pedra basilar da democracia, a crise da informação é também a crise da democracia?Não equivale, mas é uma consequência. Uma consequência mútua, retroalimentam-se. Isto sugere-me continuar a combater pela verdade, contra a injustiça e contra a comunicação social ao serviço de entidades, personalidades ou organizações. Esse espírito de combate mantém-se vivo dentro de mim. Acha que Portugal está alheado da sua realidade?O país está atento, então ao futebol… o país aliás é o futebol e vice-versa. Isso é potencialmente fatal, pode vir a ser fatal, está a ser fatal para todos nós. Disse de Marcelo Rebelo de Sousa que é um catedrático que não é catedrático, um jornalista que não é jornalista, um político que não é político. Quem temos na Presidência?Marcelo é um caso sui generis, em muitos aspectos um caso simpaticamente sui generis, que está a reinaugurar a imagem da Presidência da República. Agora, posso pôr em causa o grau de civismo e de sinceridade de todas as [suas] posições. Põe em causa a autenticidade de Marcelo?Acho que é excessivamente táctico, é capaz de haver um roteiro, dá um passo hoje sabendo os passos de amanhã. É um Maquiavel ou um Maquiavelinho?[Risos] Curiosamente é mais Maquiavel do que Maquiavelinho, porque tem objectivos. É como no bilhar, acerta numa bola para mais tarde recolher, é a estratégia do treinador de futebol sendo a bola ele próprio. Quando era publicitário, coincidiu com Marcelo no Expresso. Exactamente. A minha relação com Marcelo Rebelo de Sousa foi a do lançamento do Expresso. Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco que antecederam Marcelo são diferentes. De quem esteve mais próximo?Em termos humanos de Jorge Sampaio, em termos de eficácia política acho que é Mário Soares a figura mais significativa. Para o bem e para o mal corresponde mais ao meu modelo de Presidente da República. Cavaco?Qual Cavaco? [Risos]Fotomontagem, um livro seu, tem na capa a fotografia de Eanes e sobre os óculos a cara de Sá Carneiro. E Eanes?Exactamente, lembro-me da capa do livro que era da autoria do António Alfredo, o das capas da Opção. O Sá Carneiro estava nas lentes dos óculos do Eanes porque, no fundo, havia uma grande afinidade entre essas duas personagens. O tempo depois afastou-os, mas independentemente das relações entre ambos, do ponto de vista ideológico aproximavam-se bastante. A geringonça diz-lhe alguma coisa?Diz. Eu voto na geringonça sem problemas, voto no conjunto porque me parece que estão a trabalhar de uma forma clara e coerente. Que políticos actuais teriam lugar nas suas crónicas de O Novo Conde de Abranhos?Bem, os homens e as mulheres do Bloco de Esquerda e numerosas figuras próximas do PS. Em que desempenho?Gostaria que fosse reforçada a presença de mulheres no Governo, o que per si daria pano para mangas. Quanto aos próximos do PS… Ao longo dos anos votei quase exclusivamente no PS porque queria e não havia opção, é o que há, a democracia é o possível, é o combate por coisas “impossíveis”. A geringonça deu um ânimo diferente ao seu voto? Com qual das componentes se identifica mais?Deu, deu, deu. Historicamente, hereditariamente e profundamente estou próximo do PS, mas o PS impacienta-me, impacienta-me extraordinariamente também porque…Porquê?A resposta é o silêncio. Acho que o PS deveria fazer mais no sentido de ser coerente com a ideia base. E o Bloco?Para já, sendo o mais pequeno garante uma constância e uma energia maiores do que um PS excessivamente subjugado pela Europa. O Bloco correu no início o risco de ser um fogacho, mas agora cada vez menos corre esse risco. Falta a terceira pata. O PCP?O PC é coerente. Conto-lhe que uma vez José Sasportes e eu próprio, quando do lançamento do Jornal Novo, fomos falar com os secretários-gerais dos diversos partidos e falámos com Álvaro Cunhal. Entrámos, ele estava sentado e havia só uma cadeira em frente e ele disse: “Sentem-se”. Dissemos que “não podemos, só há uma cadeira”. Ele oferecia-nos um lugar e éramos dois, o que representa a unicidade (Risos). Disse-lhe que eu não era do PC, mas que o meu filho era do PC, e ele comentou: “isso significa que a juventude e o futuro nos pertencem”. A eles, como se viu. Barroso, Santana, Guterres, Sócrates, Passos e Costa. Quem o arrepiou mais?O Durão Barroso, pela ambiguidade, opacidade. Santana diverte-o?Sim, diverte-me. É vê-lo, ouvi-lo. Guterres adormece-o?Não me aborrece nem me faz adormecer. Sócrates?Está cada vez mais parecido com a situação do futebol em Portugal pelas trapalhadas. Passemos à frente…Passos irrita-o?Sim, irrita-me um bocado. Espero que não regresse tão cedo. E Costa?Costa agrada-me. Não me pergunta pela Cristas?Vamos a isso…Acho Cristas lamentável, não é sequer simpática, podia ser. Mas de qualquer forma acho que valeu a pena ela estar neste momento a desempenhar o cargo, auto desmascarando-se do papel que desempenha. Ideologicamente é uma stripper. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mantemos o provincianismo dos tempos do Eça?Sim, em parte, mas demos passos largos no bom sentido. Nasceu em 1937…A 30 de Setembro de 1937, no furacão da Guerra Civil de Espanha que, aliás, o meu pai acompanhou como correspondente para o Diário de Lisboa. Quem nasce num furacão como esse e hoje olha para trás diz que valeu a pena?Sim, valeu a pena. Sem dúvida que este país vale a pena, não tenho uma má relação com o meu país nem com os meus concidadãos. Tenho seis filhos e oito netos, a maioria das vezes é uma retaguarda confortável, dá-me ânimo e claro que valeu a pena.
REFERÊNCIAS:
Dez livros do dia a não deixar escapar
Os “livros do dia” são como as promoções de vinhos nos hipermercados: alguns valem mesmo a pena, outros nem dados. Escolhemos uma dezena de títulos que pode comprar à confiança e a bom preço na 87.ª edição da Feira do Livro de Lisboa, que termina no dia 18 de Junho. (...)

Dez livros do dia a não deixar escapar
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os “livros do dia” são como as promoções de vinhos nos hipermercados: alguns valem mesmo a pena, outros nem dados. Escolhemos uma dezena de títulos que pode comprar à confiança e a bom preço na 87.ª edição da Feira do Livro de Lisboa, que termina no dia 18 de Junho.
TEXTO: Os “livros do dia” são como as promoções de vinhos dos hipermercados: podemos levar para casa uma belíssima pomada a metade do preço ou descobrir que comprámos uma zurrapa que não beberíamos nem dada. Aqui sugerimos dez francamente potáveis e que estarão como Livro do Dia na Feira do Livro de Lisboa, que encerra a 18 de Junho. Leve-os à confiança: alguns terão uma pontinha de acidez, mas nenhum é feito a martelo. É claro que poderíamos ter escolhido outros, da Divina Comédia de Dante ao Moby Dick de Melville, da Metamorfose de Kafka à Lolita de Nabokov, todos tão obviamente recomendáveis que quase não vale a pena recomendá-los. Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política (4 volumes)José Pacheco PereiraTemas e DebatesLivro do Dia — 5, 6 e 9 de Junho46, 3 € os quatro volumes (PVP: 84, 10 €)A monumental biografia do líder histórico do PCP é um desses raros livros que representam o trabalho de uma vida. Mais do que o relato da vida política de Cunhal, a obra de Pacheco Pereira é uma história do PCP e um documento fundamental para o conhecimento de uma parte pouco contada da história portuguesa do século XX. Pode agora conseguir a bom preço os quatro volumes já publicados, mas dá algum trabalho. Terá de comprar esta segunda-feira o tomo inicial (pensar que já saiu em 1999!), voltar amanhã para adquirir o segundo, e regressar dia 9 para levar o quarto. O terceiro terá de o comprar só com o desconto de feira. Tudo somado, fica com 2586 páginas para se entreter enquanto espera pelo quinto volume. Winston Churchill – Uma VidaMartin GilbertBertrandLivro do Dia — 7 de Junho14, 95 € (PVP: 29, 90 €)É a versão condensada (mas ainda assim com um milhar de páginas) da magistral biografia de Winston Churchill do historiador britânico Martin Gilbert (1936-2015). Churchill ainda estava vivo quando, em 1962, o seu filho Randolph, que preparava a biografia do pai, convidou o jovem professor de Oxford a colaborar no projecto. Mas quando Randolph Churchill morreu, em 1968, só os dois primeiros tomos estavam prontos. Gilbert ficou encarregado de concluir a obra, que acabaria por ter oito volumes, cada um deles acompanhado por vários anexos documentais, num total de mais de 25 mil páginas. Um gigantesco trabalho de décadas que o historiador conseguiu resumir neste seu livro de 1991. A Terceira MisériaHélia CorreiaRelógio D’ÁguaLivro do Dia — 7 de Junho6 € (PVP: 10 €)Com a troika em Portugal e a Grécia a ser destruída e humilhada pelas imposições austeritárias de Bruxelas, Hélia Correia publicou em 2012 o poema A Terceira Miséria, confirmando que a romancista de Lillias Fraser e Adoecer foi também sempre um magnífico segredo escondido da poesia portuguesa contemporânea. Em assumido diálogo com esse compatriota de Schäuble que amou a Grécia com uma paixão sem igual, o poeta Friedrich Hölderlin, Hélia Correia retoma logo a abrir a nunca desactualizada questão colocada pelo autor da elegia Pão e Vinho: “Para quê, perguntou ele, para que servem/os poetas em tempo de indigência?”. Este longo poema em 32 partes é uma reivindicação do humano em tempos sombrios. Franny e ZooeyJ. D. SalingerQuetzalLivro do Dia — 8 de Junho7, 45 € (PVP: 14, 90 €)À Espera no Centeio (1952) é tão célebre que pode correr o risco de transformar J. D. Salinger no autor de um só livro, o que seria particularmente injusto para o divertidíssimo Franny e Zooey, protagonizado pelos dois irmãos mais novos da numerosa prole da família Glass, que surge em várias histórias do autor. Exasperada com a futilidade de tudo o que a rodeia, namorado incluído, a jovem Franny volta-se para a espiritualidade. Zooey, por sua vez, está na banheira a reler uma velha carta do seu irmão Buddy quando a mãe entra para lhe confiar a sua aflição com a crise que Franny atravessa. Reunião de um conto e de uma novela originalmente publicados na New Yorker, o livro saiu em 1961. É uma pequena maravilha. Os SertõesEuclides da CunhaGlaciarLivro do Dia — 9 de Junho27, 56 € (PVP: 55, 12 €)É o mais inclassificável dos clássicos de língua portuguesa. Reportagem, romance pré-modernista, tratado de geografia, ensaio sociológico e antropológico, obra historiográfica, uma epopeia comparável à Ilíada, como pretendeu o crítico literário Alexei Bueno? Os Sertões, que agora podem ser lidos nesta cuidada edição prefaciada e anotada por Leopoldo M. Bernucci, são provavelmente tudo isso, além de nos oferecerem um espantoso relato da chamada Guerra de Canudos, que no final do século XIX opôs o Exército brasileiro ao movimento popular dirigido pelo líder messiânico Antônio Conselheiro. Um episódio que fascinou muitos autores, incluindo o peruano Mario Vargas Llosa, que lhe chamou A Guerra do Fim do Mundo. A Condição HumanaHannah ArendtRelógio D’ÁguaLivro do Dia — 12 de Junho12 € (PVP: 20, 19 €)Um bom companheiro para A Terceira Miséria de Hélia Correia é este livro que Hannah Arendt publicou em 1958, e que justamente traça a história da condição humana desde a Grécia antiga até à Europa moderna. Ao cidadão ateniense, cuja liberdade se exercia agindo na esfera pública, intervindo nos assuntos da cidade, contrapõe-se um homem moderno que se vai tornando cada vez mais alienado e apolítico. E não há verdadeira democracia sem um espaço público participado e plural. “De vez em quando encontro livros que me dão a sensação de terem sido escritos para mim. . . A Condição Humana pertence a esse pequeno e seleccionado género”, escreveu o grande poeta inglês W. H. Auden. Crime Num Quarto FechadoHans Olav LahlumASALivro do Dia — 12 de Junho8, 30 € (PVP: 13, 90 €)Para quem já percebeu que não é Henning Mankell quem quer e começa a ficar um bocado farto desta onda de policiais escandinavos, com os seus enredos deprimentes e os seus detectives realistas, este livro do norueguês Hans Olav Lahlum, publicado na recomendável colecção Crime à Hora do Chá, é uma lufada de ar fresco. Um herói da resistência ao nazismo é assassinado na sua sala de estar e o jovem e zeloso inspector Kolbjørn Kristiansen vê-se às aranhas para deslindar o crime. Salva-o a ajuda inestimável, se bem que um tanto embaraçosa, de Patricia Borchamnn, uma rapariga de 18 anos confinada a uma cadeira de rodas. Patricia sai tão pouco de casa como Nero Wolfe e tem células cinzentas dignas de um Poirot. O Monte dos VendavaisEmily BrontëPresençaLivro do Dia — 13 de Junho9, 65 € (PVP: 16, 15 €)O fulgurante talento literário das três irmãs Brontë é um dos mais desconcertantes enigmas da história literária. Mas Emily Brontë, que morreu aos 30 anos e viveu numa quase completa reclusão, é um mistério por direito próprio. E o protagonista do seu único livro (mas que livro!), o demoníaco Heathcliff, brutal, agreste, apaixonado, mas capaz de planear a sua vingança a frio, é um abismo ainda mais insondável. Até a brilhante irmã mais velha de Emily, Charlotte, se assustou com o negrume selvagem de Heathcliff. E quando o livro saiu, em 1847, assinado por um pseudónimo masculino, a Graham’s Lady Magazine questionou-se: “Como é que um ser humano pôde cometer um livro como este sem se suicidar antes de concluir uma dúzia de capítulos?”Da Democracia na AméricaAlexis de TocquevilleRelógio D’ÁguaLivro do Dia — 14 de Junho23 € (PVP: 38, 36 €)Com o mundo de respiração suspensa à espera do próximo desvario de Trump, pode ser reconfortante ler este clássico de Alexis de Tocqueville, editado pela primeira vez em 1835, e que resultou de uma viagem de nove meses pelos Estados Unidos, onde o aristocrata francês chegou em 1831, enviado pelo Governo francês para estudar o sistema prisional americano. O Presidente americano da época era curiosamente Andrew Jackson, o antecessor no qual Trump mais se revê. O que impressionou Tocqueville foi, acima de tudo, a enérgica participação dos cidadãos na vida política da nação: “Até parece que o único prazer que o americano conhece é tomar parte no governo e discutir as suas medidas”. Dicionário de Lugares ImagináriosAlberto Manguel e Gianni GuadalupiTinta da ChinaSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Livro do Dia — 16 de Junho17, 66 € (PVP: 29 €)Da Utopia de More à Terra Média de Tolkien, da Atlântida, a que Platão alude no Crátilo, ao maravilhoso mundo de Oz, de Frank Baum, da Lilliput de Swift ao País das Maravilhas de Lewis Carroll, da Terra do Nunca de J. M. Barrie à Terramar de Ursula K. Le Guin, da Xanadu de Coleridge à Narnia de C. S. Lewis, o Dicionário de Lugares Imaginários é uma extraordinária obra de referência, que descreve quantos lugares a imaginação humana criou com o mesmo rigor com que uma boa enciclopédia descreveria países e cidades reais. Redigido pelo argentino Alberto Manguel com a ajuda do tradutor, editor e bibliófilo italiano Gianni Guadalupi, este dicionário dá bem a medida da erudição e do talento do autor de Uma História da Leitura.
REFERÊNCIAS:
Partidos PCP
Um tapete inspirado em Stanley Kubrick com música, movimento e ilusões de óptica
Stitchomythia, que tem a sua estreia mundial este domingo em Serralves, é um concerto/instalação de Nadia Lauro e Zeena Parkins, em que um tapete anamórfico é a personagem principal. (...)

Um tapete inspirado em Stanley Kubrick com música, movimento e ilusões de óptica
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Stitchomythia, que tem a sua estreia mundial este domingo em Serralves, é um concerto/instalação de Nadia Lauro e Zeena Parkins, em que um tapete anamórfico é a personagem principal.
TEXTO: Quando Nadia Lauro e Zeena Parkins foram juntas, pela primeira vez, a uma retrosaria em Nova Iorque para comprar pedaços de rendas, perceberam que estavam de acordo na escolha dos padrões, mas que viam neles coisas distintas. “Eu via a possibilidade de criar uma anamorfose, enquanto a Zeena via música”, recorda Nadia Lauro. E isso concretizou-se. Foi precisamente a partir dessas duas ideias – a primeira de uma artista visual e cenógrafa, a segunda de uma compositora e harpista – que nasceu Stitchomythia, um concerto/instalação performativa em estreia mundial no Auditório de Serralves, este domingo, às 18h, numa co-produção com várias entidades, entre elas o Centre Pompidou e o ICI – Centre Chorégraphique National Montpellier. Há corpos em Stitchomythia, mas a personagem principal é um tapete anamórfico que cobre o palco. Concebido por Nadia Lauro a partir de fragmentos de rendas, que a artista digitalizou para depois fazer “tricô no Photoshop”, este tapete provoca uma série de ilusões ópticas graças à sua topografia em anamorfose: quanto mais longe o espectador estiver na plateia, melhor conseguirá ver as ondas, os sulcos e as dobras que, na realidade, não estão lá. É tudo um jogo de percepção e ilusão – um jogo que é muito diferente para performers e público. Volmir Cordeiro, Latifa Laâbissi e Stephen Thompson, os três bailarinos que partilham o palco com Zeena Parkins, vêem o tapete tal como ele é: completamente plano. Mas também são eles que nos ajudam a ver o que não está lá. “Para os performers, isto é um mapa”, diz Nadia Lauro. “Eles sabem que, para o público, está ali uma onda. Podem jogar com isso, intensificando a topografia, ou podem até negá-la. É muito interessante este conflito, este desfasamento perceptivo. ”Tanto Nadia Lauro como Zeena Parkins preferem chamar os performers de “visitantes”. Apesar de serem “bailarinos incríveis” – Volmir Cordeiro e Stephen Thompson já tinham passado por Serralves, tal como as duas criadoras –, isto não é “uma peça de dança”, sublinha Zeena. “Os três constituem o espaço psicológico desta instalação. ” Para Nadia, trazem “uma dimensão ficcional”, “uma outra camada de entendimento deste mundo”, sem nunca ocuparem o lugar de protagonismo que pertence ao espaço. “Vejo-o enquanto bailarino”, assinala Nadia Lauro, que começou a trabalhar nesta perspectiva do espaço “como personagem” aquando da instalação visual Anamorphic Rug (Tapete Anamórfico), inspirada no Hotel Overlook de The Shining, de Stanley Kubrick, em particular na alcatifa geométrica do filme. “O próprio hotel funcionava como uma personagem. ”Este tapete criado por Nadia, que pode ser considerado o prólogo de Stitchomythia, foi usado na peça Augures, de Emmanuelle Huynh, e em Chut, de Fanny de Chaillé. Entretanto, as suas pesquisas encontraram eco em Lace, projecto em curso de Zeena Parkins em que as rendas e os respectivos padrões são interpretados enquanto partituras para composição musical e improvisação – o que para a criadora, considerada pioneira da prática da harpa contemporânea (e que já colaborou com uma série de músicos, entre eles Björk, Sonic Youth ou Pauline Oliveros), são dois territórios inseparáveis. “A improvisação é uma parte enorme do meu trabalho, não faço distinção entre improvisação e composição. Posso levar a improvisação para ideias mais concretas, ou ao contrário. Não é um binário. ” E é isso que acontece também nesta nova peça, em que cada padrão do tapete “dá uma informação”, uma nova pista a explorar. “Tem muito a ver com a relação entre a composição e a geometria”, aponta Zeena Parkins. Também os performers se relacionam com o tapete como se de uma partitura se tratasse, e com diferentes níveis de improvisação, nota Nadia Lauro. “Dentro da partitura, ou das várias partituras dadas pelas rendas, há uma improvisação, mas não é fazer o que lhes apetece. É muito específico, estratégico, com vários tempos. ” O que Stitchomythia traz definitivamente de novo a Zeena Parkins, comparativamente com os vários capítulos de Lace, é “o espaço psicológico, fantasmático”, “uma noção de perda de tempo cronológico”. Essa ambiência está intimamente conectada com as pesquisas das duas artistas sobre comunidades de mulheres que fazem manualmente rendas para acessórios de luxo, com pequenos paus de madeira e em movimentos sucessivos de cruzar e enrolar, num modus operandi semelhante ao da renda de bilros. “É um processo muito intricado, muito do espaço interior. Há uma espécie de enfeitiçamento. ” E aí entram os “visitantes”. “Os performers são como fantasmas que dialogam com essa dimensão”.
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Palavras-chave espécie mulheres
Quem quer o mundo quando se tem Chelas no coração?
Há doze anos tinha o país aos pés. Editou um álbum de sucesso, as editoras seguiam-no, Carlos do Carmo queria gravar com ele, mas Sam The Kid afastou-se dos holofotes. Para uns perdeu o comboio do êxito. Para outros encontrou-se a si próprio, continuando a ser o rapper mais talentoso de Portugal. Na hora em que regressa, que tem ele para contar? (...)

Quem quer o mundo quando se tem Chelas no coração?
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-12-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há doze anos tinha o país aos pés. Editou um álbum de sucesso, as editoras seguiam-no, Carlos do Carmo queria gravar com ele, mas Sam The Kid afastou-se dos holofotes. Para uns perdeu o comboio do êxito. Para outros encontrou-se a si próprio, continuando a ser o rapper mais talentoso de Portugal. Na hora em que regressa, que tem ele para contar?
TEXTO: Passam o tempo a dizer-nos que temos de ser competitivos, alcançar metas, ser activos, diligentes e produtivos, que não podemos desistir, que vamos conseguir, que está quase, que agora vamos chegar lá, numa pressão constante para sermos todos bem-sucedidos, belos e famosos. Quem não gostava de ser tão famoso como Tony Carreira? “Tony Carreira?! Nada disso! Júlio Pereira! Essa é que foi sempre a minha ambição, o barómetro. Dizia ao meu pai: ‘sabes qual é a minha meta em termos de popularidade e de estatuto? Júlio Pereira!’. Era uma maneira de dizer: quem me dera chegar onde ele chegou. Muita gente sabe quem ele é. Tem credibilidade e é respeitado. Não é preciso mais nada. Chega perfeitamente. E não precisa de aparecer a toda a hora em todo o lado. ”Samuel Mira, ou seja, Sam The Kid, 39 anos, nunca quis ter a notoriedade de Tony Carreira. Mas houve uma altura, há doze anos, em que teve Portugal aos pés. Estreara-se com dois álbuns em regime de edição de autor — Entre(tanto) de 1999 e Sobre(tudo) de 2002 — seguido de um disco de instrumentais (Beats Vol. 1: Amor de 2002) que o guindou para um novo patamar, outorgando-lhe credibilidade. Quando Pratica(mente) saiu em 2006 foi a aclamação. Para muitos continua a ser um dos discos mais importantes da música portuguesa. Sam era o nome de que se falava. Enaltecia-se, coisa rara, a capacidade como rapper-cantor-letrista, mas também como autor da música no papel de músico-produtor. O álbum chegou a disco de ouro e ele foi rapidamente abraçado para lá dos limites do panorama do hip-hop. Carlos do Carmo ou Simone de Oliveira queriam trabalhar com ele e no meio era unânime que era dos raros rappers portugueses com possibilidades de singrar no exterior. Ao vivo, acompanhado pelos músicos que hoje estão com ele nos Orelha Negra, revelava-se performer exímio, capaz de expor uma genuinidade e impetuosidades raras. Todas as editoras em Portugal o perseguiam. E no entanto. E no entanto não desapareceu. Longe disso. Mas diluiu-se no colectivo de músicos que liderara antes em palco, os Orelha Negra, abraçou projectos de outros (Mundo Segundo), continuou a produzir instrumentais e fundou a plataforma digital TV Chelas. Ficou sempre a sensação que, no momento em que a notoriedade lhe bateu à porta, não a soube gerir ou renunciou a ela. Ou nenhuma destas hipóteses. Talvez a chave esteja na canção Sendo assim, que coloca fim a doze anos de silêncio com assinatura própria, e que encerra a recente compilação Mechelas, com temas de bases sonoras suas para vozes convidadas, e na qual proclama: “Eu não quero ser o melhor eu melhoro a fazer de mim / Nunca tive uma ambição com a ilusão de uma aderência / Porque ter a profissão não é missão, é consequência. ”Em 1998, quando o encarámos pela primeira vez, na redacção deste jornal, era apenas alguém com um CD-r na mão, ar tímido e olhar transviado, que queria que a sua música fosse ouvida. Era uma edição de autor, o som era artesanal, mas o universo, entre o lirismo sonhador e a universalidade, e algumas das características que o iriam distinguir, já estavam lá — perícia vocal, palavras autênticas, batidas espaçosas e fragmentos sonoros do passado da música portuguesa. A primeira geração do hip-hop português (General D, Boss AC, Black Company, Da Weasel ou Mind da Gap) sedimentara o género, mas a relação com a indústria, e com o todo da sociedade portuguesa, ainda era feita de equívocos. Daí que a segunda geração, personificada por Valete, Chullage, Dealema ou Sam The Kid, num primeiro momento, olhasse com desconfiança para a realidade à volta. “No início não tinha interlocutores. O que me salvou foi a rádio e o programa Repto do José Mariño na Antena 3, que funcionava como fórum e que incitava quem estava a começar a enviar maquetas”, diz-nos Sam nas traseiras de uns prédios, em Chelas, o bairro de sempre, nomeado em todos os seus discos. “Aqui não tinha muitos amigos com quem pudesse conversar sobre grupos rap. Tinha apenas um amigo que me mostrava videoclipes que vinham dos EUA e que me fez conhecer imensos grupos. Mas, depois, rapidamente, fui eu que comecei a interessar-me e a dar-lhe novidades. ”Através dos contactos do programa de rádio foi conhecendo outros agentes do hip-hop — Valete, Xeg ou Filhos de Um Deus Menor. “Uns traziam outros e, às tantas, a minha casa começou a ser um ponto de encontro para os rappers da minha geração que lançaram álbuns. Começámos aí. Foi a rádio que funcionou como ponto de ligação. A internet ainda era uma miragem. E eu quase não saia de casa. ”As primeiras saídas nocturnas levaram-no ao clube Johnny Guitar, onde um outro programa de rádio — Ataque Verbal de Pacman (Da Weasel) e KJB (Black Company) — promovia noites de microfone aberto. “Aí acabei por conhecer mais gente, como DJ Bomberjack, que me introduziu às mixtapes, algo muito inspirador para dar a conhecer toda uma geração de rappers que não tinha editora. Bomberjack foi o primeiro a fazer as suas coisas em CD-r e depois eu comecei a fazer o mesmo. ”Na última década muito se tem falado do papel da internet enquanto ferramenta que veio revolucionar a indústria da música, permitindo que os criadores operem sem mediadores. Sam sempre funcionou dessa forma. “Foi muito importante esse espírito de independência para que as editoras se voltassem a interessar por nós”, reflecte. “Já depois de ter editado o primeiro álbum, conheci o Chullage, para o qual produzi cinco temas para o seu álbum, que me falou da editora Edel. ” Na altura, para Sam, as editoras personificavam o “diabo”, ri-se. “O Chullage mostrou-me que era possível ter um acordo de promoção e distribuição, sem que o álbum deixasse de ser meu. E foi aí que fui conhecer o Peter Cooper da Edel. ”E nessa fase já tinha noção de que a música iria ser a sua vida? “Sim. Sempre acreditei. Sabia que era o que queria. Se o plano A falhasse não havia plano B. Mas sempre soube que iria ser gradual até porque havia esse romantismo de fazer as coisas à minha maneira. E nisso foi essencial — quando ainda não tinha dinheiro suficiente para a minha autonomia — ter tido o privilégio de, durante anos, ser sustentado pela minha mãe. ”A casa, a família, o bairro de Chelas estiveram sempre presentes no seu trabalho. Desde o primeiro momento que era perceptível que, mesmo quando existia um discurso de consciência social, ele surgia como contexto. O centro era a sua vida. Mais do que nas redes sociais, é nas canções que se revela. “Se as pessoas querem saber onde moro, com quem me dou, quem são os meus vizinhos ou quem sou, basta ouvirem as canções. Está lá quase tudo. Se um admirador quiser saber a minha morada basta ouvir as músicas para saber a rua, lote ou andar”, ri-se. Não espanta que as referências e os fragmentos sonoros que alimentam o imaginário da sua música sejam também provenientes de casa. “Quando tens um sampler as primeiras coisas que vais recriar é o que está lá por casa, discos do pai ou da irmã mais velha. Coisas do Janita Salomé, das Doce ou um disco de poesia do Mário Viegas, que deve ser o álbum que mais utilizei até hoje. É como se me tivesse apoderado desse disco. Ainda hoje lá vou buscar muitas coisas. ”No início, no meio hip-hop, era associado ao fado. “Ouviam as guitarras portuguesas em alguns temas e diziam que ninguém tinha feito algo assim. E eu: ‘calma! Os Líderes da Nova Mensagem lançaram um álbum há anos onde já faziam isso’. Sempre gostei dessa visão histórica da realidade e perceber o que tinha acontecido antes de mim. ” Em 2002, quando lançou o álbum de instrumentais Beats Vol. 1: Amor, houve muita gente que se surpreendeu. Quem já o tinha visto ao vivo percebia que era o tipo de personalidade que se transformava por artes mágicas em palco. Havia ali talento em bruto, vontade de comunicar arrebatada, que as batidas lânguidas, por vezes melancólicas, não faziam adivinhar. Era como se o Sam em versão produtor caseiro não batesse certo com o declamador veemente em público. Ou vice-versa. “És capaz de ter razão”, reconhece. “Muita gente dizia-me isso. Mas para mim é natural. Comecei como rapper e depois fui-me adaptando ao papel de produtor por necessidade, precisava de instrumentais. Depois habituas-te e chega um momento em que percebes que ninguém vai fazer melhor por ti o que tu queres. Foi também a partir daí que construi a minha identidade. Não são apenas as rimas, é também o som. No início da história do hip-hop era assim. Os A Tribe Called Quest ou os Public Enemy produziam os seus discos. Tinham uma identidade definida. É apenas depois que o Nas ou os Run DMC instituem a ideia do álbum com vários produtores. ”Há quem goste mais dele na faceta de produtor. E quem prefira o rapper. Em ambos os papéis é respeitado. Mas quando se trata de o elogiar conta a sua versão. “Se estivesse aqui um produtor a apresentar-me diria: ‘este é o Sam, um dos melhores rappers portugueses’. Mas se fosse um rapper diria: ‘este é um dos melhores produtores portugueses. ’” Enquanto o diz, ri-se, para acrescentar que, “mais do que competição”, o que lhe interessa é “partilhar” ideias. “Acho mesmo que não deve existir em Portugal alguém que já tenha colaborado com tanta gente como eu. ”Em Pratica(mente) colaboraram com ele uma mão cheia de cúmplices (NBC, Melo D, Branko, DJ Cruzfader ou Valete). Ainda hoje, quando olha para trás acha que é o seu disco mais importante. “Foi o primeiro álbum gravado em estúdio, os outros foram-no em casa. Ao nível das ideias, da criatividade e da produção, representou um grande crescimento. Também foi a partir daí que comecei a trabalhar com uma equipa. Se queriam contratar-me tinham que falar com o meu agente. Profissionalizei-me, no fim de contas. E também quebrei com o estigma de ter uma banda comigo em palco. Achava que comprometia a estética. Mas, depois, comecei a ensaiar com aqueles que são hoje os meus companheiros nos Orelha Negra e percebi que estava enganado. ”É também o álbum onde, segundo ele, toda a sua vida está reflectida: “De onde vim, porque sou assim, a minha infância, como é que faço a minha música. Está lá tudo. ” Por causa desse disco permitiu-se sair de Chelas. Percorreu o país. E saiu do anel do hip-hop. Os estúdios da Enchufada dos Buraka Som Sistema começaram a ser um poiso seu. Carlos do Carmo desafiou-o para um projecto. As editoras ficaram de olho nele. E nas televisões e jornais começou a ser solicitado para comentar tudo e mais alguma coisa. “Muitas dessas experiências abriram-me a mente. Fiquei mais disponível para ouvir os outros. O João Barbosa (Branko) foi importante porque me convenceu a actuar com uma banda. O Jorge Fernando levou-me para o mundo do fado. A Simone de Oliveira quis que eu lhe produzisse um álbum. Estive em casa do Carlos do Carmo a conviver e o mesmo aconteceu com o Paulo de Carvalho. Enfim, coisas das quais me sinto grato. Eram pessoas que admirava através dos discos do meu pai. Devo isso ao hip-hop. Foi assim que conheci essas pessoas. ”De todos esses ensinamentos existe um que guarda como essencial. “Por vezes somos nós que nos pomos de parte. E isso acontece porque achamos que não vamos ser aceites pelos outros, quando na verdade o que desejamos é ser aceites e os outros apenas se querem aproximar de nós. É só isso que se pretende. O respeito. O respeito que senti quando rimei ao lado de poetas do fado. E que senti quando estive em casa do Carlos do Carmo e alguém lançou a proposta de fazermos um álbum e eu a pensar que ele seria o reticente e afinal fui eu. Ele vira-se para mim e disse: ‘bora lá miúdo, bora lá!’ E eu, que não gosto de me meter em coisas que não consigo imaginar, é que acabei por ser o cauteloso. Grandes lições! A fama? Que se lixe a fama! O respeito, isso sim! Cada um tenta ser feliz à sua maneira, ao seu ritmo. O resto são apenas histórias. ”Mechelas - Sam The KidEdi. TV ChelasHistórias como essa que muitas vozes contam que Sam, a partir de determinada altura, terá sentido a pressão de ser o centro das atenções. Doze anos depois há ainda muita gente que não percebe como é que no auge do reconhecimento optou pela sombra, por mais que os Orelha Negra sejam uma ideia bem-sucedida, nunca mais lançando nenhum registo em nome próprio. Ouve-se Sendo assim e percebe-se que continua tudo lá. Aquela firmeza, as palavras, ditas por ele, continuam a abanar. “Não preciso que as luzes incidam sobre mim. Gosto de ser mais um. Estar em equipa. Os Orelha foram planeados para serem assim. Gosto da sombra. Não tenho saudades dos holofotes. A minha cena é andar ao sabor do vento. Nunca parei de fazer música. Mas em nome próprio, é verdade, nunca mais editei nada. Porquê? Um conjunto de factores. Lancei o álbum, depois andei dois anos na estrada e, pela lógica, deveria editar outro disco e repetir o ritual. E não aconteceu. Ainda fiz datas em Angola e aí foi a última vez que toquei com o meu grande amigo Snake. ”Em 2010, Nuno Rodrigues, mais conhecido por MC Snake, que acompanhava Sam ao vivo, foi baleado por um agente da PSP, segundo a força policial porque terá alegadamente desobedecido aos sinais de paragem do carro onde seguia. “E pouco tempo depois morre outro irmão, o Barbosa, GQ, num acidente de mota. Eram pessoas que me acompanhavam em palco. Mas mais do que isso, estavam comigo diariamente. Senti a sua ausência. Estávamos sempre a germinar ideias. Não é desculpa. Mas a partilha é importante. E ver-me em palco sozinho é difícil. Gostava daquele companheirismo. Ali éramos Os Sam The Kid. Talvez por isso nunca mais dei um concerto sozinho. Isso mudou-me para sempre. Por outro lado gosto de encontrar coisas novas. Sou um estudioso das rimas, editá-las de forma silábica, gosto de ter uma fasquia para superar. E às vezes talvez ponha a fasquia alta de mais. ”Por vezes os momentos dolorosos podem ser transcendidos através da criação, mas nunca foi esse o seu propósito. “Vivi com os meus avós, quando eles me morreram senti muito isso, e o meu avô acaba por estar presente em dois temas que fiz ao longo dos anos, mas no caso do Snake ou do GQ isso nunca me passou pela cabeça. Não quer dizer que não venha até a acontecer, mas não está no meu horizonte. São coisas que ainda mexem comigo. O ano passado, um outro amigo que entrava nos meus discos, Beto Di Ghetto, também se suicidou. Outra vez, a morte. ”Ofertas para gravar um novo álbum não lhe faltaram, mas foi resistindo. Até hoje. Antes de sair Pratica(mente) teve ofertas de várias editoras, mas foi fiel à Edel, “porque haviam acreditado em mim quando estava ainda em ascensão”, argumenta. “Sempre existiu apreço, nunca me senti pressionado. Fui aliás ajudado pelo Tó-Zé Brito, que na altura estava à frente da Universal, quando eu estava com um quisto nas cordas vocais e tive de ser operado, e nunca senti que isso implicasse qualquer vínculo. ”De onde nunca saiu foi de Chelas. Já não vive com a mãe. Mas a casa que partilha com a companheira não é distante do quarteirão onde habitou toda a vida. É conhecido por todos. Uma senhora grita-lhe ao longe que ainda está à espera que ele assine o CD que lhe prometera. Ele responde que é só ela trazer-lho. Na sociedade recreativa trocam-se cumprimentos calorosos. Os mais novos olham-no com estima. Está no seu ambiente. E isso basta-lhe. “Sair daqui para quê? Porquê? Gosto disto!” Na cultura hip-hop é comum quando alguém obtém sucesso sair do lugar onde viveu, advindo daí depois o conflito de se manter, ou não, fiel às raízes. Ele nunca viveu esse dilema. “Em geral, aqui, respeitam-me. Tenho uma relação excelente com as pessoas. Quem me conhece desde miúdo olha-me com orgulho e eu também tenho orgulho neste bairro. Nunca tive uma situação de ciúmes. Às vezes provocam-me, dizendo que estou sempre a fazer sons para quem não é do bairro, mas é apenas isso, brincadeiras. ”E às vezes não imagina o que poderia ter acontecido se tivesse saído de Chelas, tentando conquistar o mundo, como se vaticinou em determinada altura do seu percurso? “Quem quer o mundo quando se tem o respeito de Chelas no coração?”, lança, sorrindo. “Não edito um disco em nome individual há doze anos, mas tenho miúdos a descobrir músicas minhas agora, o que significa que aquilo que fiz continua a resistir ao tempo e isso deixa-me satisfeito, até porque é raro hoje no hip-hop. ”O ano passado, o rapper Valete, regressou com o tema Rap consciente - onze anos depois do último álbum — naquilo que foi lido como uma crítica à falta de conteúdo das novas gerações do hip-hop. Menos incisivo, mas critico, é o tema que agora marca o retorno de Sam, o que pode ser lido como uma situação paradoxal, já que ambos lutaram para que o hip-hop ganhasse visibilidade e quando isso, finalmente, aconteceu, confrontam-se com alguns dos efeitos perversos dessa hegemonia. Aquilo que antes se criticava no rock chegou agora também a zonas do hip-hop: aburguesamento, autodeslumbramento, afastamento da realidade, prevalência de um discurso economicista sobre o artístico. “Claro que existem muitas ideias e criatividade por aí, como Kendrick Lamar, alguém com imenso talento e perícia, mas as novas gerações deixaram de ligar à transmissão de conhecimento e isso é preocupante. Fico satisfeito por termos conseguido criar este espaço, mas ao mesmo tempo sinto que existe muita ilusão, apesar de existirem muitas pessoas boas. Ainda assim parece-me que a fasquia tem vindo a baixar. O parecer acaba por ser mais importante do que o ser. E de vez em quando é importante reforçar que a música é mesmo o mais relevante. ”Para já, depois do lançamento de Mechelas, com som seu e vozes de Boss AC, Bispo, Grognation, Karlon Krioulo, Sir Scratch ou Maze, virá o projecto Classe Crua onde cumpre o papel de produtor para o rapper Beware Jack. “É uma cena cinematográfica, especial, estou entusiasmado, apesar de ser dentro do espírito Júlio Pereira, sem grandes ambições. ” E depois, quem sabe, talvez voltemos a vê-lo em palco ou mesmo em disco. Certo é o lançamento de Beats Vol. 2 — Rap, ou seja, temas instrumentais construídos em torno de uma narrativa fantasista. “O outro álbum retratava a história de amor dos meus pais. Este é a minha história de amor com o hip-hop, daí ter como subtítulo Rap — retrospectiva de um amor profundo. Se fosse um filme seria erótico. Até já tenho a capa. ”E conta a história. “Há uns tempos fiquei fascinando com uma fotografia a preto e branco que vi na internet de uma rapariga a olhar para a câmara de forma apaixonada e pensei em reproduzir aquela situação com alguém que para mim personificasse o hip-hop, essa magia e encanto que tenho pela cultura. E foi aí que recuei até um programa da MTV que passava hip-hop e onde havia uma bailarina residente que eu adorava. Uma vez o apresentador disse o nome dela ao vivo e nunca mais me esqueci. Às tantas, depois de muito pesquisar, consegui encontrá-la no Facebook. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Foi-lhe feita uma proposta para vir a Portugal fazer uma sessão para a capa do álbum e passado algum tempo isso deu-se mesmo. “De repente, ali estava ela, no meu quarto, e fizemos a cena. O mais engraçado é que ela nasceu no Bronx, é uma mistura de negritude e latina, nasceu na segunda metade dos anos 70 e entrou em vídeos de pessoal que admiro dos anos 90. É como se fosse mesmo a personificação pura da génese do hip-hop. É ela que estará na capa. Isso sim foi mágico, concretizar algo a partir de uma fantasia da adolescência. ”Eis Sam The Kid. Por vezes queremos tudo. Queremos sempre mais. Vivemos imersos no desejo permanente, logo, na insatisfação continua. Outras vezes concentramo-nos no essencial, revelam-se novas possibilidades, saciamo-nos com pequenas coisas. Podem ser as relações de vizinhança em Chelas, os amigos do hip-hop que estão quase todos os dias com ele ou cumprir alguns desejos que parecem difíceis “como essa história da capa do disco”, ri-se. E conclui: “No fundo, continuo igual, sou o mesmo. Aos 39 anos ainda tenho aquele espírito adolescente de me concentrar em coisas que me apaixonam. O hip-hop para mim será sempre essa mulher lindíssima que nunca vou querer trair ou desiludir. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA PSP
É mulher? É estúpida ou “impura”
Nas críticas dirigidas a Theresa May, há imensa misoginia atravessada. (...)

É mulher? É estúpida ou “impura”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.79
DATA: 2018-12-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nas críticas dirigidas a Theresa May, há imensa misoginia atravessada.
TEXTO: Jeremy Corbyn diz que não disse. Mas muita gente – incluindo deputados trabalhistas – viram-no dizer. Esta quarta-feira, em mais um debate alucinado na Câmara dos Comuns por causa do “Brexit”, Corbyn terá chamado a Theresa May “mulher estúpida”. As gravações dão a entender que o aparte do líder trabalhista foi mesmo este, embora Corbyn tenha negado as acusações até ao limite: terá dito “gente estúpida” e não “mulher estúpida”. John Bercow, o speaker dos Comuns – o equivalente britânico ao presidente da Assembleia da República –, foi investigar. Depois de analisar a gravação, afirmou compreender o facto de muitos deputados terem entendido que se tinha referido a May como “mulher estúpida” (é o que se depreende), mas que, uma vez que Corbyn tinha negado, devia acreditar-se num membro do Parlamento. Andrea Leadsom, a líder parlamentar dos conservadores, lembrou a Bercow que, em Maio passado, tinha sido o speaker a chamar-lhe “estúpida” e não tinha pedido desculpa. Bercow, que nunca negou ter insultado a líder parlamentar tory, não quis demorar-se muito mais com o assunto. Este quadro desonroso passa-se nas ilhas britânicas onde as mulheres – a começar pela rainha – ocupam cargos institucionais há muito tempo. Depois de alguns anos como líder dos tories, Margaret Thatcher chegou a primeira-ministra em 1979, cargo que ocupou até 1990. Mas até o cognome “dama de ferro” é um pressuposto machista: para liderar num mundo de homens, exige-se a excepcionalidade do “ferro” ou do “aço” ou de qualquer outro material pesado. Theresa May não é nenhuma dama de ferro e está a gerir o maior choque para as ilhas desde o fim do império, o “Brexit”. Nas críticas que lhe são dirigidas, há imensa misoginia atravessada. Afinal, é a mesma que é dirigida a qualquer mulher em lugar de poder – e essa misoginia está tanto na esquerda de Corbyn, como na direita de Bercow. Se uma mulher não for “estúpida”, é “velha”, se não for “velha”, é “histérica”, se não for “histérica”, é “impura” (para usar um eufemismo), se não for “impura”, tem “falta de homem”. Ainda que o mundo ocidental tenha mudado bastante, presumir que as mulheres já são suficientemente livres para actuar na esfera pública é de um optimismo irreal.
REFERÊNCIAS:
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Mais conhecido bilionário saudita finalmente libertado do Ritz-Carlton
O empresário Alwaleed bin Talal, com investimentos no Citibank e na Apple, garantiu à Reuters que apenas estava detido para desfazer "mal-entendidos". (...)

Mais conhecido bilionário saudita finalmente libertado do Ritz-Carlton
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181228200253/https://www.publico.pt/1801025
SUMÁRIO: O empresário Alwaleed bin Talal, com investimentos no Citibank e na Apple, garantiu à Reuters que apenas estava detido para desfazer "mal-entendidos".
TEXTO: Foi o nome que mais deu que falar na purga de dimensões épicas iniciada em Novembro pelo príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman (conhecido como MBS), que deteve dezenas de membros da família real e empresários para obter dinheiro para os cofres do reino. O rosto do mundo de negócios saudita para o resto do mundo, o milionário príncipe Alwaleed bin Talal, foi um dos que passou mais tempo no luxuoso Ritz-Carlton de Riad; este sábado foi finalmente libertado. “Chegou a casa”, confirmou à Reuters um dos familiares de Alwaleed. A agência tinha conseguido uma entrevista com o príncipe horas antes da libertação – Alwaleed adiantava que estava prestes a sair e com o seu nome limpo. “Não há acusações. Há apenas algumas discussões entre mim e o Governo”, disse. “Eu disse-lhes que fico o tempo que quiserem porque quero que a verdade se saiba sobre todos os meus negócios e tudo o que me rodeia”, afirmou o investidor em empresas como o Citibank, a Apple, o Twitter ou hotéis como o George V em Paris e o Plaza de Nova Iorque. Pelo que se foi percebendo ao longo das últimas semanas, os milionários detidos nas suites douradas do Ritz-Carlton estavam a ser obrigados a negociar a entrega ao Governo de muito dinheiro e a jurar lealdade a MBS em troca de liberdade. Provavelmente, a maioria poderia ser acusada de corrupção em tribunal – as alegações contra Alwaleed incluíam lavagem de dinheiro, subornos a responsáveis e extorsão. A verdade é esta era a forma saudita de fazer negócios, algo que MBS avisou querer mudar. “Há um mal-entendido e está a ser clarificado. Por isso, gostaria de aqui ficar até isto estar completamente terminado e poder sair para continuar com a minha vida”, disse Alwaleed à Reuters, acrescentando que contava manter-se no controlo da sua empresa de investimento global, a Kingdom Holding e tencionava continuar no país onde estão os seus “filhos e netos” e os seus “bens”. Depois de vários príncipes terem aceitado entregar milhões de riais em acções, outros terem visto os seus bens “livres de credores” expropriados, Riad fez saber que pretendia reunir pelo menos 100 mil milhões de dólares (80 mil milhões de euros) nesta operação – um valor que faz muita falta a um país habituado a viver apenas graças aos lucros de um bem que tem perdido valor, o petróleo. Já em relação a Alwaleed, conhecido na Arábia Saudita pelas suas posições reformistas – sempre defendeu o direito das mulheres a conduzir, por exemplo, uma proibição que MBS conseguiu que o pai levantasse –, dizia-se (a Al-Jazira e alguma imprensa árabe) que já teria sido “convidado” a ajudar a estabilizar o orçamento do Estado (depauperado ainda pelo esforço de guerra no Iémen, um conflito que não tem corrido nada bem aos sauditas). Ao recusar, foi parar ao mesmo lugar que tantos outros. Alwaleed não tinha queixas sobre as condições de detenção. Aliás, explicou que decidiu dar a entrevista para desmentir notícias que diziam estar a ser torturado ou sujeito a maus-tratos. “Não tenho nada a esconder. Estou tão confortável, tão relaxado. Faço aqui a barba, como em casa. O meu barbeiro vem cá. Francamente, estou em casa”, afirmou, mostrando à jornalista a sala de jantar e de estar, a cozinha com todas as suas refeições vegetarianas preferidas, o escritório em tons de dourado, a caneca com uma imagem de si próprio ou os ténis pousados a um canto que disse usar para exercícios regulares. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Com negócios estimados pela revista Forbes em 17 mil milhões de dólares (quase 14 mil milhões de euros), a sua libertação, escreve a Reuters, deverá “reassegurar os investidores no seu império global, assim como os investidores no conjunto da economia saudita”. Mas não estão excluídas novas vagas de detenções para obter ainda mais dinheiro junto de milionários susceptíveis de serem acusados de corrupção. MBS, de 32 anos, ainda não é rei mas é o homem que mais poder alguma vez acumulou no país, estando à frente da Defesa, definindo a Política Externa e controlando directamente a empresa estatal que gere a exportação de petróleo e o conjunto da economia (com o seu plano para diversificar as fontes de rendimento até 2030). “Temos uma nova liderança na Arábia Saudita, e eles só querem confirmar tudo e esclarecer quaisquer dúvidas. E eu disse ‘Muito bem, parece-me correcto, nenhum problema, façam o que tiverem a fazer’”, disse Alwaleed, com a Reuters a descrevê-lo como mais magro e grisalho do que se apresentara na última vez que fora visto em público, numa entrevista em Outubro. E apesar das visitas do barbeiro, também tinha deixado crescer barba.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra tribunal homem mulheres maus-tratos
Turcos acreditam que jornalista saudita foi morto e desmembrado no consulado de Istambul
O Governo não acusa publicamente Riad, mas são muitos os que falam sob anonimato. “É como no Pulp Fiction”, diz um alto responsável da segurança turca. (...)

Turcos acreditam que jornalista saudita foi morto e desmembrado no consulado de Istambul
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.2
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Governo não acusa publicamente Riad, mas são muitos os que falam sob anonimato. “É como no Pulp Fiction”, diz um alto responsável da segurança turca.
TEXTO: O saudita Jamal Khashoggi, um dos mais proeminentes jornalistas e pensadores do mundo árabe, devia ter-se casado na quarta-feira da semana passada. Na véspera, entrou no consulado da Arábia Saudita em Istambul para ir levantar um documento necessário para a cerimónia. À porta ficou a noiva, Hatice Cengiz, que esperou 11 horas por Khashoggi e regressou no dia seguinte, sem nunca mais o encontrar. “Apesar de a minha esperança estar lentamente a desaparecer, continuo a acreditar que Jamal ainda está vivo”, escreveu Cengiz num texto publicado esta quarta-feira no jornal Washington Post, no qual o saudita tinha uma coluna. “Talvez esteja simplesmente a tentar esconder-me do pensamento de que perdi um grande homem cujo amor tinha conquistado”, escreve Cenziz, apelando ao Presidente americano, Donald Trump, e à primeira-dama, Melania, para “ajudarem a esclarecer o desaparecimento de Jamal”. A acreditar no que membros dos serviços de segurança turcos disseram ao jornal The New York Times, à agência Reuters e a vários jornais turcos, Khashoggi foi assassinado nas duas horas e meia a seguir a entrar no consultado e o seu corpo terá sido desmembrado ali mesmo. “É como no [filme] Pulp Fiction”, afirma um “alto responsável da segurança turca” citado pelo diário de Nova Iorque. De acordo com o relato que resulta das afirmações destes responsáveis turcos, polícias e membros dos serviços secretos, e das informações avançadas por media turcos, Khashoggi foi morto por uma equipa formada por 15 agentes sauditas que aterraram em Istambul divididos em dois aviões (de uma companhia que costuma trabalhar com a família real) ao longo do dia do desaparecimento. Todos abandonaram a Turquia horas depois. A Turquia já identificou estes homens e relacionou a maioria com o Governo da Arábia Saudita e com os serviços de segurança do país (serviços secretos e forças especiais), incluindo um perito em autópsias, “presumivelmente presente para ajudar a desmembrar o corpo”, diz um responsável citado pelo Times. Segundo várias pessoas com conhecimento da investigação, o Presidente turco, Recep Taiyyp Erdogan, foi informado no sábado destas conclusões, tendo em seguida “ordenado a responsáveis que falassem sob anonimato a uma séria de media, incluindo o New York Times, dizendo que Khashoggi foi morto dentro do consulado”. Num sinal de que Ancara pode não querer acusar explicitamente Riad, um jornal muito próximo de Erdogan, o Sabah, escreveu na terça-feira que a polícia está a investigar a possibilidade de Khashoggi ter sido raptado e não morto. Isto, enquanto as televisões turcas se entretêm a divulgar imagens de câmaras de segurança que mostram os 15 sauditas no aeroporto e a chegar ao consulado, assim como quatro viaturas que deixaram o edifício (umas em direcção ao aeroporto, outra à residência do cônsul, a 250 metros). “Há um vídeo do momento em que ele foi morto”, disse entretanto a uma televisão pró-Erdogan Kemal Ozturk, colunista de um jornal que segue a linha oficial e antigo director de uma agência de notícias. “Esta situação é má”, comentou Trump aos jornalistas em Washington, acrescentado que quer convidar a noiva de Khashoggi para ir à Casa Branca. O jornalista e autor foi tolerado durante décadas pelo regime, chegando a trabalhar com membros da família real. Mantendo sempre uma postura crítica, recusava considerar-se “um dissidente”. Só em 2017 é que decidiu deixar o seu país, temendo retaliações pelas suas críticas a propósito da guerra saudita no Iémen e da mais recente onda de repressão, com a detenção de inúmeros críticos, incluindo mulheres que lideraram a luta contra o fim da proibição de conduzirem (entretanto levantada) e contra o sistema de “guardião masculino”, que não permite às mulheres do reino tomarem uma série de decisões sem a autorização de um homem da família. Khashoggi tem passado grande parte do tempo nos Estados Unidos desde o exílio auto-imposto. Correspondente em diferentes países do Médio Oriente de vários jornais árabes, acabou por aceitar ser conselheiro de media do príncipe Turki bin Faisal, antigo chefe dos serviços secretos e ex-embaixador em Washington. Ora elogiando, ora criticando as medidas do actual príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, que se apresenta como reformador e tomou o poder sem ainda ser rei, considerou a certa altura que a sua presença no reino se tornava cada vez mais incómoda. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “A Arábia Saudita nem sempre foi tão repressiva”, escreveu pouco depois de sair do país. “Agora é insuportável. ”
REFERÊNCIAS:
Étnia Árabes
Após três anos escravizados pelo Daesh, dezenas de yazidis estão finalmente em liberdade
Trinta e seis membros da minoria religiosa yazidi foram libertados ou terão escapado após quase três anos nas mãos do Daesh. (...)

Após três anos escravizados pelo Daesh, dezenas de yazidis estão finalmente em liberdade
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.4
DATA: 2018-12-29 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181229194123/https://www.publico.pt/n1770542
SUMÁRIO: Trinta e seis membros da minoria religiosa yazidi foram libertados ou terão escapado após quase três anos nas mãos do Daesh.
TEXTO: Trinta e seis membros da minoria religiosa Yazidi estão livres após quase três anos nas mãos do Daesh, anunciou a Organização das Nações Unidas (ONU), citada pela BBC. Perseguido há séculos por radicais - e nos últimos anos com renovada eficácia pelo grupo terrorista Daesh - este povo está reduzido a menos de 800 mil pessoas, algumas das quais procuraram refúgio internacional, nomeadamente em Portugal. Os 36 membros agora libertados foram levados para os centros da ONU em Dohuk, no norte do Iraque curdo. Segundo a BBC, não é ainda claro se escaparam das mãos do Daesh ou se foram libertados, já que a ONU se recusou a fornecer mais informações para não comprometer futuras libertações. O Daesh deteve e escravizou milhares de yazidis, depois de ter tomado de assalto a cidade de Sinjar, em 2014. As forças curdas retomaram o controlo da cidade em 2015, mas muitos yazidis foram deslocados e mantidos em cativeiro pelos radicais islâmicos. Entre os sobreviventes agora resgatados encontram-se homens, mulheres e crianças. Em Dohuk, onde, além de comida e vestuário receberam ajuda médica e psicológica, estão agora a reunir-se com os familiares com quem haviam perdido contacto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A ONU estima que 1500 mulheres e raparigas continuem reféns do Daesh e muito provavelmente sendo vítimas de abusos sexuais prolongados. O Daesh tem estado sob forte pressão no Iraque, onde tem vindo a perder grande parte do território tomado em 2014. As forças iraquianas recuperaram a maior parte da cidade de Mossul, mas ainda lutam para expulsar os radicais do centro histórico da cidade. Entre as muitas vítimas do avanço do Daesh, está um grupo de até 50. 000 yazidis que estão presos nas montanhas no noroeste do Iraque, sem comida ou água. Por causa das suas crenças incomuns, os yazidis são muitas vezes injustamente referidos como "adoradores do diabo" e mantiveram-se tradicionalmente separados em pequenas comunidades, espalhadas pelo noroeste do Iraque e da Síria e pelo sudeste da Turquia.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Nadia não se deixou calar pelo sofrimento
Há quatro anos, Nadia Murad foi raptada pelo Daesh e tornada escrava sexual. Conseguiu escapar e tem corrido o mundo para contar a sua história. (...)

Nadia não se deixou calar pelo sofrimento
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-29 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181229194123/https://www.publico.pt/1846384
SUMÁRIO: Há quatro anos, Nadia Murad foi raptada pelo Daesh e tornada escrava sexual. Conseguiu escapar e tem corrido o mundo para contar a sua história.
TEXTO: A juventude de Nadia Murad foi interrompida no Verão de 2014, quando um grupo de combatentes do Daesh invadiu a sua aldeia no Norte do Iraque durante a violenta expansão que levou o grupo extremista e jihadista a controlar grande parte do país. A sua mãe e seis dos seus irmãos foram executados por se recusarem a converter ao islão. Para Nadia, os fanáticos tinham outros planos. Com outras mulheres jovens, a yazidi Nadia foi levada para Mossul, a capital do “califado” governado pelo Daesh e entrou no mercado de escravas sexuais, tornando-se num despojo de guerra. Passou três meses enjaulada, forçada a ter sexo de forma contínua, a ser torturada e agredida. Calcula-se que mais de três mil mulheres e crianças yazidis tenham sido sujeitas a algo semelhante. “A partir de certa altura, há a violação e nada mais, isto torna-se o teu dia normal”, escreveu Nadia em Eu Serei a Última, o seu livro de memórias publicado no ano passado. Em Novembro, conseguiu fugir ao “califado”, após várias tentativas falhadas. Ao lado de Lamiya Aji Bashar, que foi raptada na mesma aldeia, Nadia tornou-se um rosto e uma voz para denunciar a violência quotidiana perpetrada pelos extremistas. Apesar dos incontáveis traumas de que ainda padecem, percorreram o mundo para contar na primeira pessoa o drama que viveram, mostrando as cicatrizes e partilhando a sua dor. Em troca pediam justiça. Milhares de outras mulheres viviam ainda subjugadas pelo Daesh e Nadia e Lamiya apenas queriam que o mundo não esquecesse. Ainda hoje, quando o grupo terrorista é uma sombra do que já foi, permanece por apurar o paradeiro de muitas destas mulheres. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Outra das suas batalhas é que a perseguição sofrida pelos yazidis, um dos grupos religiosos mais antigos do Iraque, seja definida como genocídio. Em 2016 as duas receberam o Prémio Sakharov, atribuído pelo Parlamento Europeu, e o Prémio Vaclav Havel de Direitos Humanos do Conselho da Europa. Nadia também tinha sido nomeada a primeira embaixadora da boa vontade das Nações Unidas para representar as vítimas de tráfico de seres humanos. Aos 25 anos tornou-se na segunda mais jovem a receber o Nobel da Paz, depois da paquistanesa Malala Yousafzai, em 2014.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos guerra humanos violência violação sexo mulheres perseguição