No Priberam, a palavra “mulher” já tem nova definição
Após a análise de mais de 500 propostas no site Palavra Mulher, o dicionário online actualizou a definição da palavra "mulher" (...)

No Priberam, a palavra “mulher” já tem nova definição
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.136
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181219183711/https://www.publico.pt/n1834880
SUMÁRIO: Após a análise de mais de 500 propostas no site Palavra Mulher, o dicionário online actualizou a definição da palavra "mulher"
TEXTO: O canal televisivo FOXlife e o dicionário online Priberam, que desafiaram os portugueses a participar na revisão da palavra "mulher" no dicionário, revelaram esta terça-feira, 22 de Maio. Após a análise de mais de 500 propostas, a palavra mulher encontra-se definida como "ser humano do sexo feminino ou do género feminino; pessoa do sexo ou género feminino, depois da adolescência; pessoa do sexo ou género feminino casada com outra, em relação a esta; pessoa do sexo ou género feminino com quem se mantém uma relação sentimental e/ou sexual; conjunto de pessoas do sexo ou género feminino; que tem qualidades ou atributos considerados tipicamente femininos (ex: mulher da vida: [depreciativo] meretriz, prostituta; mulher de armas [figurado] corajosa, guerreira, lutadora". Palavras relacionadas: mulherzinha, mulherinha, feminino, mulheraça, mulheril, supermulher, mulherada. Durante três semanas, o movimento "A palavras mulher definida por nós" levou a que centenas de pessoas deixassem o seu contributo no site Palavra Mulher, uma vez que a evolução do papel da mulher na sociedade se encontra alterado mas o significado ainda não reflectia essa mudança nos dicionários. Antes da revisão das propostas, a palavra mulher encontrava-se definida no dicionário Priberam como "pessoa adulta do sexo feminino; conjugue ou pessoa do sexo feminino com quem se mantém uma relação sentimental e/ou sexual; pejorativo: mulher pública: meretriz". Na opinião de Cláudia Pinto, linguista da Priberam, "a versão agora online é bastante mais completa e ajustada ao uso real". As cantoras Simone de Oliveira e Gisela João, o estilista Luís Buchinho, a atleta Vanessa Fernandes, a cientista Raquel Oliveira e o chef José Avillez contribuíram também para esta iniciativa com o seu testemunho sobre o papel da mulher na sociedade e a definição de mulher em 2018.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher sexo género sexual prostituta
Mexico 70
Não deixa de ser uma ironia, face à quantidade de “informação visual” de Roma que seja um filme Netflix, a ser maioritariamente visto em ecrãs de computador ou de TV. (...)

Mexico 70
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Não deixa de ser uma ironia, face à quantidade de “informação visual” de Roma que seja um filme Netflix, a ser maioritariamente visto em ecrãs de computador ou de TV.
TEXTO: Regresso de Alfonso Cuarón ao México, onde já não filmava desde o princípio do século (Y Tu Mamá También, de 2001), e a um México bastante específico, temporal e geograficamente: 1970, ano de alguma euforia no país (o México organizava pela primeira vez um campeonato do mundo de futebol), e um bairro da Cidade do México, a Colonia Roma, onde residia então a família de Alfonso, que teria por esta altura não mais de nove anos de idade. Os ecos autobiográficos são assumidos, estão no coração do filme, mas a sua expressão é que é bastante peculiar, tanto narrativamente como pela forma com que a memória pessoal “olha” para a narrativa (ou vice-versa), e é daí que deriva a força do filme. Realização: Alfonso Cuarón Actor(es): Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Diego Cortina Autrey, Carlos PeraltaPorque há um lado onírico neste mergulho noutro tempo e noutro espaço. Não se vê o mundo a partir dos olhos da personagem em que podemos “projectar” Cuarón (um dos miúdos de uma família de classe média confortável, com uma mãe, um pai que depois desaparece, uma avó, e as criadas índias). Está lá, como estão todos, mas o ponto de vista é mais distanciado — até porque, se se conta a história daquele momento da vida da família, a verdadeira “protagonista”, aquela que a câmara segue de mais perto e em mais detalhe, é uma das criadas. O olhar dela sobre a família, certo, olhar “de fora”, por todas as razões, mas um olhar que também pode esta completamente “dentro” (por esse lado, Roma vai ao encontro daqueles filmes, entretanto caídos em desuso, onde a “criadagem” está sempre num lugar bastante móvel). Mas depois, a pergunta: e o olhar sobre a rapariga, Cleo, pertence a quem?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É aí que Roma, no seu melhor, pode ser singularmente intrigante. Pensamos bastante em Gravity, o anterior filme (americano) de Cuarón, passado no espaço sideral e em ausência de gravidade, exercício de “imersão”. Muda o cenário, mas o efeito imersivo continua a parecer essencial: aquelas panorâmicas flutuantes que varrem os décores, por vezes a 360 graus, e que são a figura de estilo mais empregue por Cuarón, parecem ter o propósito de eliminar o “fora de campo”, de nos pôr, espectadores, dentro daquele espaço e tempo, sem uma possibilidade de recuo (o recuo a que, neste caso, equivaleria a possibilidade de se poder imaginar um espaço fora de campo, um espaço não varrido pela câmara). O resultado disso é interessante, até na ambiguidade que suscita: se aquela câmara parece, frequentemente, movida por um olhar maquinal, um “olhar-máquina” (que remete, via Gravity, para episódios famosos do cinema de ficção científica), noutras ocasiões chega-se de facto a uma atmosfera onírica, ao ambiente de um sonho onde o protagonista (o sonhador, neste caso o espectador) também “flutua”, sem sítio certo, tanto “vê” como “se vê”, está simultaneamente “dentro” e “fora” (como, já agora, as criadas). É preciso dizer que esta sensação se sustenta também na detalhada reconstituição de época — e que se são impressionantes as cenas de exteriores, em grandes ruas e avenidas da capital mexicana onde 1970 aparece por uma conjunção de “artesanato” e “digital” (é quando todo este artifício evoca o “estúdio”, e faz pensar por exemplo na Las Vegas do One From the Heart de Coppola, que o efeito é mais gratificante), é a riqueza de pormenor dos interiores, onde todas as casas e lugares são como pequenos museus, que é realmente especial. Não deixa, aliás, de ser uma ironia, face à quantidade de “informação visual” contida na organização “em plano geral” de Roma (os grandes planos, os campos fechados, são raros), que este seja um filme da Netflix, a ser maioritariamente visto em ecrãs de computador ou de televisão. Porque, honra seja feita a Cuarón, Roma é feito a pensar nas dimensões e proporções de um ecrã de sala de cinema, e só nessas condições se revelará plenamente. Como naquele formidável último plano, onde cai o genérico de fecho, e o bricolage de sons de ambiente nos transporta, com aquela sensação quase táctil que também é a de certos sonhos, para a Colonia Roma no ano de 1970.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave campo rapariga
Filha de Himmler trabalhou para os serviços de espionagem após queda do nazismo
Jornal Bild faz a revelação e diz que Gudrun Burwitz foi uma nazi convicta até à sua morte, no final de Maio. (...)

Filha de Himmler trabalhou para os serviços de espionagem após queda do nazismo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jornal Bild faz a revelação e diz que Gudrun Burwitz foi uma nazi convicta até à sua morte, no final de Maio.
TEXTO: A filha de Heinrich Himmler — o homem que inaugurou o primeiro campo de concentração para judeus, durante o regime nazi, e que figura nos arquivos da história como o principal arquitecto do Holocausto — trabalhou para os serviços de espionagem da Alemanha Ocidental. Segundo o diário Bild, Gudrun Burwitz fez parte de um grupo alargado de funcionários com ligações ao nazismo que o Serviço Federal de Inteligência (BND, na sigla em alemão) recrutou durante os anos 50 e 60 do século passado e permaneceu activa em grupos neonazis até à sua morte, no final de Maio. Burwitz trabalhou no BND entre 1961 e 1963, como secretária, tendo sido apontada por Reinhard Gehlen, um antigo general da Wehrmacht, que depois da queda do Terceiro Reich começou a colaborar com os Estados Unidos e que foi conduzido à chefia dos serviços de inteligência da Alemanha Ocidental em 1956. Escreve o Bild que muitos dos agentes recrutados por Gehlen eram antigos membros Gestapo e das SS – a força paramilitar de elite presidida, aprimorada e expandida por Himmler durante o regime de Adolf Hitler. Ao tablóide alemão, o responsável pelo departamento de história do BND, Bodo Hechelhammer, confirmou que Burwitz integrou os quadros da agência de espionagem. “O BND confirmou que Burwitz trabalhou para a organização até 1963, sob um nome falso. O momento da sua partida coincidiu com o início de uma mudança no entendimento e na contratação de funcionários envolvidos com os nazis”, afirmou, citado pela Deutsche Welle. A reportagem publicada pelo Bild na passada sexta-feira dá ainda conta da dedicação de Burwitz na reabilitação da imagem do pai e da sua participação activa em diversos grupos e organizações neonazis e de extrema-direita. “O meu pai é visto como o maior genocida da história. Quero tentar mudar essa imagem”, garantira na única entrevista que concedeu, em 1959, onde recordou as hortas existentes nos campos de extermínio idealizados pelo seu pai, onde os prisioneiros cultivavam legumes, e os quadros pintados por alguns deles. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Casada com Wulf-Dieter Burwitz – um funcionário do Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD, neonazi) –, Gudrun Burwitz era conhecida nos círculos da extrema-direita como a “princesa nazi” ou a “Madre Teresa do nazismo”. Capturada juntamente com a mãe no final da Segunda Guerra Mundial, acabou por ser libertada em 1946, já depois do pai se ter suicidado na prisão. Integrou a Wiking-Jugend (Juventude Viking), uma das muitas organizações clandestinas de nazis ou familiares de nazis que se formaram nos anos 50, e aderiu à Stille Hilfe (Ajuda Silenciosa), um grupo que prestava apoio legal e financeiro a antigos membros das SS fugidos à justiça – como Klaus Barbie, Anton Malloth ou Martin Sommer. Trabalhou muitos anos como ama, em Munique, e morreu no passado dia 24 de Maio, com 88 anos de idade. De acordo com o Bild, foi uma nazi convicta até ao fim.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte guerra filha campo concentração prisão ajuda homem princesa
O humor sincero de Better Things a incidir no feminino
Pamela Adlon acumula funções na série de comédia que se foca sobretudo na relação entre mães e filhas. Depois de o co-criador Louis C.K. ter sido afastado da equipa de produção, a série chega a Portugal pouco antes da chegada da terceira temporada, prevista para 2019. (...)

O humor sincero de Better Things a incidir no feminino
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.333
DATA: 2018-12-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pamela Adlon acumula funções na série de comédia que se foca sobretudo na relação entre mães e filhas. Depois de o co-criador Louis C.K. ter sido afastado da equipa de produção, a série chega a Portugal pouco antes da chegada da terceira temporada, prevista para 2019.
TEXTO: Com um elenco maioritariamente feminino, a comédia dramática Better Things tenta dar um outro olhar a um lar de uma mãe solteira com três filhas, um retrato muito próximo da criadora e protagonista Pamela Adlon. Conhecida pelo seu papel de Marcy Runkle em Californication, a actriz confessa que tenta tornar a série “intemporal” – tanto que a trama só chega agora a Portugal através da plataforma Fox+, dois anos depois da estreia nos EUA. Na série, Pamela Adlon divide-se em funções: além de ser protagonista e co-criadora juntamente com Louis C. K. (já lá vamos), é também argumentista, realizadora e produtora. O enredo tem o seu lado de autobiografia. Centra-se na mãe Sam e nas suas filhas Max (Mikey Madison), Frankie (Hannah Alligood) e Duke (Olivia Edward) – e ainda a avó e vizinha Phyllis (Celia Imrie). Tal como a protagonista, também Adlon trabalha em Hollywood e tem três filhas. A actriz considera que o papel de “mãe solteira” nem sempre está bem representado nos ecrãs, sentindo-se portanto grata por haver quem se identifique com o discurso da série e descreva a sua personagem como um retrato honesto daquilo que é ser mãe solteira. Num humor cru (e por vezes negro) polvilhado em episódios de cerca de 20 minutos, os temas em cena espelham sobretudo o universo feminino, mas não só: vai desde a menstruação à gravidez, ao mundo dos encontros, à adolescência e aos complexos com o corpo, à relação entre mães e filhas. “Há algo na série para toda a gente porque todos já fizemos parte de uma família, isto não é só para as mães”, garante Adlon, acrescentando que “não é sobre ser-se mãe ou ser-se filha”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O comediante Louis C. K. contribuiu para as duas primeiras temporadas da série: Adlon e C. K. eram amigos de longa data e foram muitos os projectos em que trabalharam juntos. Pouco tempo depois da eclosão do movimento de denúncia #MeToo, Louis C. K. foi acusado de má conduta sexual. À data, Adlon admitiu estar “devastada” pelos relatos e pela confissão de C. K. , dizendo sentir “tristeza e empatia” pelas mulheres que denunciaram os casos. Foi então tomada a decisão de afastar Louis C. K. da série e continuar a sua produção – o canal FX considerou que seria injusto “castigar” a protagonista pelas más acções de um colaborador –, com novas contratações na equipa de argumentistas; o comediante, por sua vez, deixou de receber dividendos de Better Things e foi também afastado de outras séries de produção conjunta. Em 2019 chega a terceira temporada da série, que foi nomeada para os Emmy (incluindo a nomeação de Adlon para melhor actriz em série de comédia) e para os Globos de Ouro.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Museus holandeses identificam 170 peças confiscadas por nazis a famílias judias
Peças terão sido roubadas ou compradas sob coacção durante a ocupação nazi. Abre-se agora a porta à devolução das obras aos seus legítimos proprietários — ou aos seus descendentes. (...)

Museus holandeses identificam 170 peças confiscadas por nazis a famílias judias
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Peças terão sido roubadas ou compradas sob coacção durante a ocupação nazi. Abre-se agora a porta à devolução das obras aos seus legítimos proprietários — ou aos seus descendentes.
TEXTO: Um projecto da Associação de Museus da Holanda identificou um total de 170 obras de arte que terão sido roubadas ou confiscadas pelos nazis a famílias judias durante a Segunda Guerra Mundial. Os quadros, desenhos e esculturas estão distribuídos por 42 instituições do país. Este inventário abre agora a porta à possibilidade de estes bens virem a ser restituídos aos seus legítimos proprietários ou aos seus descendentes, dado que muitos morreram durante o Holocausto. Nem todas as peças fizeram o mesmo caminho até aos museus holandeses. Podem ter sido roubadas, confiscadas ou compradas sob coacção por nazis a coleccionadores judeus. Do lote de peças identificadas fazem ainda parte 13 objectos de culto que se crê terem sido roubados ou adquiridos sob ameaça entre 1933 e 1945. Entre as obras de arte mais célebres encontram-se Salomé com a cabeça de João Baptista de Jan Adam Kruseman, actualmente na posse do Rijksmuseum, em Amesterdão; Aquarela 2 de Wassily Kandinsky, do Museu municipal de Stedelijk e Lamentação pela morte de Cristo, de Hans Memling, exposta no Boymans van Beuningen, em Roterdão. A investigação envolveu a realização de um inventário de todas as aquisições feitas entre 1933 e 1955 e a análise de arquivos privados, registos de compra, anuários e qualquer documento que pudesse comprovar a compra de uma obra. Até antigos funcionários dos museus foram entrevistados. Os museus tentaram ainda perceber se a venda foi feita de livre vontade ou sob coacção. Foi nesta fase que entraram em cena os historiadores da Comissão para a Restituição do Instituto para a Investigação de Guerra, Holocausto e Genocídio. Desde 2000, ano de fundação daquela comissão, que examina denúncias apresentadas por familiares das vítimas do Holocausto, já foram identificadas e devolvidas 460 obras aos seus legítimos proprietários. Em 2003, uma das investigações realizadas levou à descoberta um quadro roubado no espólio da família real holandesa. O bosque de Haia, de Joris van der Haagen, havia sido comprado pela rainha Juliana a um vendedor de arte em 1960, sem que se conhecesse a sua história. Descobriu-se que o dono tinha sido forçado a doa-lo a um banco nazi em Amesterdão. Foi devolvido em 2015. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Chris Janssen, um porta-voz da Associação de Museus, disse ao Guardian que esta investigação era importante para “fazer justiça à história”. “Um museu só pode mostrar uma peça de arte se a história ou a História por detrás do objecto for clara”, defende. “Noutras palavras: um museu tem de saber por que caminhos uma peça de arte andou antes de chegar ao museu. É a forma possível de informar os visitantes de uma boa maneira”. A Holanda é apenas um dos países que têm tentado encontrar os proprietários legítimos das obras de arte expostas nos seus museus. Este esforços também é realizado em França, Alemanha, Áustria e Reino Unido.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Raymond Kaempfer sobreviveu ao Holocausto em criança e agora combate armas biológicas
Como era judeu, Raymond Kaempfer teve de se esconder dos nazis em sete sítios diferentes. Agora, aos 78 anos, o biólogo molecular que já integrou um grupo de cientistas de elite do Pentágono esteve em Portugal para contar a sua história. (...)

Raymond Kaempfer sobreviveu ao Holocausto em criança e agora combate armas biológicas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Como era judeu, Raymond Kaempfer teve de se esconder dos nazis em sete sítios diferentes. Agora, aos 78 anos, o biólogo molecular que já integrou um grupo de cientistas de elite do Pentágono esteve em Portugal para contar a sua história.
TEXTO: Em 1945, no final da Segunda Guerra Mundial, quando Raymond Kaempfer voltou a ver os seus pais, já não os reconhecia. Tinha cinco anos e era judeu. Por isso, durante três anos esteve escondido em sete lugares diferentes sempre sem os seus pais. A sua mãe escondeu-se noutro sítio e o pai foi enviado para um campo para judeus em trânsito. “Eram estranhos para mim. Já não os via desde os meus dois anos e nem sabia bem o que tinha acontecido comigo”, revelou agora aos 78 anos numa palestra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, na Caparica. Hoje, continua a lutar pela sobrevivência através da ciência. Mas, desta vez, contra toxinas que podem ser armas biológicas. A vida de Raymond Kaempfer é feita de contrastes. Talvez por isso nos relate a sua história com voz calma, intervalada por sorrisos rasgados e doces e, por vezes, com silêncios e angústia. Tudo começou ainda antes de nascer. Em 1936, com a ascensão do regime de Adolf Hitler na Alemanha, os seus pais mudaram-se de Berlim para a Holanda. “Como na Primeira Guerra Mundial a Holanda ficou neutra, a esperança era de que, se surgisse uma nova guerra, permanecesse neutra”, recorda. Nasceu em 1940 e teve logo a sua primeira fuga. Quando, nesse ano, os nazis invadiram a Holanda, a sua família mudou-se para uma casa no meio da floresta e longe da costa, em Beekbergen. “Aí era tratado como um príncipe”, refere, dizendo que vivia com os pais, avó, bisavó e ama. Foi precisamente em Beekbergen que ainda brincou com Anne Frank, a adolescente alemã e judia que ficou conhecida pelo seu diário. A família de Anne Frank tinha fugido da Alemanha para Amesterdão e era vizinha de familiares de Raymond Kaempfer. A sua prima Susanne Ledermann (mais conhecida por Sanne) – que morreu no campo de concentração de Auschwitz, na Polónia, aos 15 anos – e Anne Frank foram passar um mês de férias de Verão na casa da floresta. No seu diário, Anne Frank caracteriza Sanne Ledermann como uma das suas melhores amigas, com quem conviveu anos, e como era “boa em poesia”. Raymond Kaempfer diz que só tinha um ano na altura e que não se lembra de Anne Frank. Contudo, a adolescente deixou memórias desse tempo de convívio com ele. Numa carta de 30 de Julho de 1941 escreveu: “Há um pequeno rapaz, de seu nome Raymond. Sanne e eu brincámos com ele o dia todo. ” Numa outra carta refere que “Ray está um pouco rabugento hoje mas é adorável”. Além disso, deixou também imagens do “pequeno Ray” no seu álbum de fotografias. Para fugir aos nazis, Anne Frank e a família acabaram por se esconder num anexo em Amesterdão, mas foram denunciados e enviados para campos de concentração. Anne Frank acabou por morrer em Março de 1945 no campo de Bergen-Belsen (Alemanha) e o corpo foi deitado para valas comuns. O campo foi libertado dois meses depois. “É considerada um símbolo do Holocausto e, de facto, foi uma rapariga infeliz que acabou por morrer. Mas eu sobrevivi e estou aqui para contar a minha história”, anuncia Raymond Kaempfer. Voltando atrás, em 1942, as deportações dos judeus começaram e os pais de Raymond Kaempfer perceberam que tinham de se esconder. Entre Julho de 1942 e Maio de 1945, o pequeno Ray esteve escondido, sem os pais, em sete sítios diferentes. Desses tempos, lembra-se do clima de medo e explica (como soube depois) que a qualquer momento os vizinhos podiam contar aos nazis onde ele estava em troca de dinheiro. “Os nazis eram muito espertos. Disseram a toda a gente que se trouxessem nomes de judeus podiam receber dinheiro. Ora, os holandeses são pessoas que não gostam de gastar dinheiro e os nazis compreenderam muito bem essa mentalidade. ”Contudo, indica que aquilo que o deixava mais em risco eram as suas características físicas. “Na Holanda, as crianças são loiras e têm olhos azuis [características privilegiadas pelos nazis]. Eu tinha cabelo e olhos escuros e não o podia esconder”, nota. “Por isso, era difícil permanecer em qualquer sítio porque não me encaixava e não podia ser visto. Se fosse visto por vizinhos seria perigoso. ”As mudanças de sítio aconteciam – quase sempre – de noite e, em alguns casos, de bicicleta. “Apenas me mudava com a roupa que tinha no corpo e não podia levar nada comigo. Nem podia levar brinquedos. Eu não tinha pertences e, como as crianças cresciam muito rapidamente, muitas vezes as roupas eram curtas. ”Nalguns lugares foi bem tratado, noutros nem tanto. “Começava a observar e tentava sempre encontrar um espaço onde pudesse estar entre as pessoas dessa família, se é que era uma família”, recorda e faz uma ligeira pausa. No primeiro sítio, em 1943, ficou com Suzy Held, que fazia parte do movimento de resistência holandês e que acabou por ser detida. Mas a sua primeira memória do Holocausto é só do terceiro sítio. Uma antiga ama com cerca de 70 anos estava a cuidar dele sozinha. “Estávamos no cimo das escadas numa casa da Holanda e ela tocou-me na mão para as descermos. Acabou por cair comigo e foi ter lá abaixo. ” A ama magoou-se e teve de ir para o hospital. Mas Raymond Kaempfer não podia ir. O que lhe aconteceu?Acabou por ficar com uma família “muito simpática”. Contudo, como tinha filhos loiros, Raymond Kaempfer não podia passear com eles. “Alguém podia notar que não fazia parte da família. ” Mudou-se então para um quinto sítio, o pior de todos. Essa família, ao contrário do que fazia com o se filho, tratava-o mal e ignorava-o. “Chegaram a magoar-me. ”Contudo, logo a seguir, chegou ao melhor de todos os esconderijos. Em 1944, Suzy Held saiu da prisão e levou-o para uma casa no campo perto de um rio. Desse “local longínquo” lembra-se de uma “geleia deliciosa” feita pela família e de ser castigado quando fazia algo mal. Gostava disso, porque, pela primeira vez, sentiu-se importante. “Sabia que estava num bom lugar”, diz com emoção na voz. “Ainda hoje mantenho contacto com essa família [van der Vaart]. Deu-me poder emocional. ”No último lugar onde esteve escondido, já em 1945, encontrou a sua mãe, mas lembra-se dela nervosa (e de não a conhecer). Inicialmente, os seus pais ficaram escondidos no mesmo sítio, mas o pai acabou por ser detido. Foi levado para o campo de Westerbork (na Holanda) para ser depois ser transportado de comboio para Auschwitz. Ao todo, o pai esteve três vezes para ser enviado para lá. “Era um campo longínquo na floresta. Já o visitei e foi deprimente”, conta. Passados três anos, o seu pai foi libertado em Abril de 1945 juntamente com outros 650 sobreviventes. Depois de tudo isto, Raymond Kaempfer tinha cinco anos e voltou a formar uma família com os pais. Mas não foi fácil: “Não os reconhecia. ” Além disso, era uma criança “solitária e misteriosa”. “Não sabia contar o que se tinha passado comigo, porque tinha sido demasiado. ” Tudo melhorou quando o seu irmão nasceu em 1946. “Ajudou-me a ‘regressar’ à minha família e a aprender a ter uma estrutura familiar. ”Mais tarde, enquanto estudava biologia molecular na Universidade de Leiden (Holanda), num encontro de uma organização de estudantes, conheceu Miep Kaempfer (que estudava medicina em Amesterdão). Também ela era judia e tinha sido uma criança sobrevivente do Holocausto. Também ela esteve escondida dos nazis numa localidade do Norte da Holanda. “[Embora fosse loira], não podia dizer que era judia em voz alta”, conta-nos agora. Os dois casaram-se em Israel em 1966 e permanecem juntos até hoje. Tanto que Miep Kaempfer acompanhou o marido nesta visita a Portugal. Depois do casamento, foram para os Estados Unidos, onde Raymond se tornou professor na Universidade de Harvard e fazia investigação sobre a regulação dos genes e o seu impacto no sistema imunitário. Já Miep Kaempfer trabalhava na Faculdade de Medicina de Harvard. Mas não gostavam do estilo de vida norte-americano. “Em Harvard, os professores só se interessavam por si próprios. Não queríamos essa atmosfera”, acrescenta Raymond Kaempfer. Além disso, queriam ajudar na recuperação do povo judeu. Por isso, em 1974 decidiram – juntamente com os três filhos – ir viver para Jerusalém. “Acreditava que podia fazer o mesmo trabalho de qualidade e que até seria mais significativo porque estava a fazer algo por Israel, que precisava de ser forte na ciência”, diz o biólogo. Um dos seus principais trabalhos é sobre o desenvolvimento de um medicamento contra uma família de toxinas chamada “superantigénios”. Com um sorriso, Raymond Kaempfer diz que não é um estudo complexo. “No fundo, há dois géneros de bactérias (a Staphylococcus e a Streptococcus), que matam as pessoas através de um choque tóxico. Esse choque é provocado por toxinas que a bactéria produz. Essa bactéria pode colonizar a pele, espalhar-se e a pessoa morre [em cerca de dois dias]”, explica. O biólogo indica que essas toxinas usam uma “resposta imunitária exagerada” das pessoas e que é a resposta inflamatória que provoca a morte. Esta ”tempestade inflamatória” não só é causada por toxinas como também por vírus como o influenza (da gripe) ou o da gripe das aves. “O Pentágono está muito preocupado com o uso dessas toxinas, que são fáceis de produzir, porque são armas biológicas”, conta. Por isso, contactou-o para saber se o seu laboratório poderia desenvolver protecção contra essas toxinas. De 1998 a 2005, Raymond Kaempfer pertenceu a um grupo de cientistas de elite no Pentágono. Mais tarde, o seu laboratório na Universidade Hebraica de Jerusalém identificou o mecanismo molecular que leva as toxinas a ter uma resposta imunitária exagerada e desenvolveu moléculas que nos protegem desse choque tóxico. Agora, por exemplo, através da sua empresa Atox Bio na universidade tem uma molécula que já está pronta para a última fase de um ensaio clínico. Para este trabalho, também tem contado com bolsas do governo dos EUA que já vão em 30 milhões de dólares (cerca de 26 milhões de euros). “Houve uma das bolsas que foi a maior dada a um cientista em Israel pelo governo dos EUA”, diz orgulhoso. Olhando para a sua sobrevivência em criança e a sua investigação actual, Raymond Kaempfer assinala: “É como um círculo vicioso, como fui um sobrevivente agora ajudo os outros. Mas isso só acontece com muito trabalho. ” Aliás, esse é um dos conselhos para os estudantes que o escutam na palestra em Portugal intitulada “Sobreviver ao Holocausto: tornar o ódio em esperança”, organizada pela Sociedade Científica ProteoMass. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Esta é uma lição para levarem para casa de um sobrevivente sortudo. Temos sorte porque criamos essa sorte com muito esforço. Recomendo que trabalhem muito porque é a melhor forma de ficarem satisfeitos com a vida. ” Afinal, o biólogo continua a trabalhar todos os dias e não quer ouvir falar na reforma. A ciência tem sido a sua “arma”. “Quando crio algo para nos proteger do vírus influenza, como o poderia fazer sem a ciência?”No final, um dos estudantes mostra-se curioso quanto ao que Raymond Kaempfer pensa sobre o populismo ou o crescimento da extrema-direita no mundo. “Podemos estar numa situação parecida com aquela em que Hitler surgiu”, responde. “Tudo pode acontecer outra vez e é preciso ter cuidado. Mas a consciência de que pode acontecer outra vez pode fazer-nos resistir. ”Alguém ainda pergunta: e quanto a perdoar o que aconteceu? “Não! Perdoar a morte de milhões de pessoas?! Nunca!” Para perpetuar a memória do Holocausto, Raymond Kaempfer tem levado os netos aos sítios onde esteve escondido – principalmente àquele onde foi mais feliz – e está a escrever um livro sobre a sua sobrevivência. Afinal, se hoje usa muito a bicicleta para ir para o laboratório (ou como passatempo), e não como transporte para um esconderijo, é porque nunca se esqueceu do seu passado e luta por um mundo melhor.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Macron: “A lição da Grande Guerra não pode ser o ressentimento entre povos”
Presidente francês discursou em Paris, que está no centro das comemorações globais do fim da I Guerra Mundial. Elogiou "o patriotismo, exactamente o contrário do nacionalismo". (...)

Macron: “A lição da Grande Guerra não pode ser o ressentimento entre povos”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.8
DATA: 2018-11-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Presidente francês discursou em Paris, que está no centro das comemorações globais do fim da I Guerra Mundial. Elogiou "o patriotismo, exactamente o contrário do nacionalismo".
TEXTO: Paris está no centro das comemorações globais do centenário da assinatura do armistício que marcou o final da I Guerra Mundial. Num discurso perante quase 70 chefes de Estado e de Governo, o Presidente francês, Emmanuel Macron, lembrou o “inferno” passado pelos que combateram nas trincheiras desta guerra, os 10 milhões de homens que morreram, os milhões de mulheres que ficaram viúvas e os milhões de crianças que ficaram órfãs. “A lição da Grande Guerra não pode ser a do ressentimento entre os povos, e o passado não pode ser esquecido”, disse o Presidente francês no seu discurso. Mais: “O patriotismo é exactamente o contrário do nacionalismo”, declarou na principal cerimónia no Arco do Triunfo, defendendo uma atitude de esperança por oposição ao medo. “Que este encontro possa não ser simplesmente um encontro de um dia. Que esta fraternidade nos possa levar ao único combate que vale a pena, o da paz, para um mundo melhor”, concluiu: “Viva a amizade entre os povos, Viva a França”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Macron está a assinalar desde o final da semana passada o armistício, com visitas a locais emblemáticos da I Guerra com líderes de outros países envolvidos como a britânica Theresa May, na sexta, ou Angela Merkel, no sábado. Ainda no sábado estava prevista uma visita a um cemitério com o Presidente norte-americano, Donald Trump, mas este cancelou por causa do mau tempo, o que trouxe muitas críticas (o jornal Washington Post fala mesmo, em editorial, do "desprezo" do Presidente pelos militares). Alguns eventos mais simbólicos desta comemoração envolveram a Alemanha: a imagem de Merkel e Macron no local onde foi assinado o armistício, mãos dadas e a dada altura com Merkel quase a pousar a cabeça no ombro de Macron, foram muito fortes, especialmente tendo em conta que o local da rendição alemã na I Guerra foi também o local usado por Hitler para assinar a rendição das tropas francesas no início da II Guerra. E em Londres este domingo, o Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, deixou uma coroa de flores no monumento aos mortos da I Guerra em Londres, a primeira vez que um líder alemão tem este gesto.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra medo mulheres
Os miúdos estão “mais altos, mais gordos e mais dependentes”
Projecto Geração 21 acompanha mais de oito mil crianças desde o dia em que nasceram. Hoje, os miúdos têm entre 12 e 13 anos. A adolescência está a bater-lhes à porta e eles enfrentam uma nova fase de avaliações, medições e perguntas dos investigadores. Todos beneficiamos com as respostas. (...)

Os miúdos estão “mais altos, mais gordos e mais dependentes”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-11-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Projecto Geração 21 acompanha mais de oito mil crianças desde o dia em que nasceram. Hoje, os miúdos têm entre 12 e 13 anos. A adolescência está a bater-lhes à porta e eles enfrentam uma nova fase de avaliações, medições e perguntas dos investigadores. Todos beneficiamos com as respostas.
TEXTO: É um dos maiores estudos longitudinais da Europa e o único deste tipo alguma vez realizado em Portugal. Tudo começou em 2005 com 8600 recém-nascidos nas maternidades públicas da área metropolitana do Porto. Os bebés cresceram, acompanhados por uma equipa de curiosos especialistas que os foi medindo, avaliando e questionando. Agora, chegou a adolescência. O projecto de investigação Geração 21 entrou na sétima fase de avaliações que vai decorrer até Janeiro de 2020. Alexandra, Diogo e Carlos são apenas três exemplos de um imenso grupo de miúdos que produz conhecimento indispensável para conhecer o presente e projectar o futuro da saúde em Portugal. Este projecto de investigação é uma espécie de poço sem fundo, que se enche de conhecimento que se vai acumulando ano após ano. A Geração 21 já inspirou mais de uma centena de publicações em revistas científicas e “uma dúzia” de teses de doutoramento. A lista de novo saber é longa. Com este trabalho já ficámos a saber que, aos quatro anos, mais de 90% das crianças já consome sal a mais, que a probabilidade de uma cesariana também depende do hospital escolhido, que as mulheres engordam nos quatro anos após o parto, que são as mães que mais castigam os filhos, que as crianças começam a consumir doces logo a partir dos 12 meses, que os filhos de mães fumadoras têm risco de tensão arterial alta logo aos quatro anos… e muito mais. A nova etapa deste projecto começou a 13 de Agosto deste ano com a sétima avaliação dos participantes que acabaram de chegar à interessante fase da adolescência. No início eram mais de oito mil (4430 rapazes e 4217 raparigas) e agora, com algumas desistências pelo caminho, o grupo terá cerca de 7500 crianças. É cedo para conclusões sobre esta fase quando a análise ainda vai no início. Mas, Henrique Barros, que coordena este projecto dos investigadores do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, vai abrindo a caixa de surpresas. Por esta altura, já se pode dizer que “as crianças portuguesas estão mais altas, mais gordas, mais informadas, mas também mais dependentes”. Dependentes de quê? Dos pais. Não será uma grande novidade, apenas uma confirmação do que vemos à nossa volta. Henrique Barros reforça a última informação com alguns exemplos. Muitos destes miúdos, agora com 12 ou 13 anos, ainda não vão sequer sozinhos de casa para a escola. O caminho faz-se de carro com os pais, mesmo quando a distância é curta. “E às vezes os pais andam a correr de um lado para o outro para os levar de carro para uma actividade desportiva”, acrescenta o investigador acreditando que muitos nem sequer percebem a ironia desta situação. Além do perfil geral que se pode arriscar fazer, Henrique Barros destaca outras conclusões deste estudo que abrange crianças que vivem nos concelhos do Porto, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Maia, Valongo e Gondomar. Fala, por exemplo, no mapa da obesidade, que elege Valongo como o concelho mais gordo e o Porto como o mais magro. “Sabemos agora que há concelhos mais magros e outros mais gordos e que, se fizermos uma análise mais cuidada ao nível das freguesias, é possível encontrar uma relação entre os chamados hotspots de obesidade e a proximidade de um McDonalds”, diz ao PÚBLICO. Henrique Barros lembra ainda que este estudo também já demonstrou a grande influência de pequenos gestos do quotidiano da vida familiar. Como um pai contar uma história ao filho antes de dormir. Há um artigo científico que está à espera de publicação e que mostra que “os meninos cujos pais até aos quatro anos de idade lhes liam histórias antes de deitar têm evidência clara nos testes de cognição que vulgarmente chamamos ‘testes de inteligência’, pontuam mais alto”. E não tem a ver com a classe social, antecipa o investigador que assegura que a diferença que a história faz seria notada entre famílias do mesmo contexto social. “É plasticidade induzida pelo ambiente”, sublinha. Em contraste com esta experiência positiva, Henrique Barros avisa que em breve será publicado um outro trabalho apoiado nos dados da geração 21 que mostra o impacto na “expressão do genoma daquilo que, a nível psicológico, chamamos de stress pós traumático”. “Nas crianças que ao longo da sua vida são sujeitas a formas de educação mais severa, mais violenta, isso não fica só – como se pensou durante muito tempo –, a moldar a sua forma de ser (as suas emoções e a forma como se relaciona com os outros), há marcadores biológicos dessa adversidade durante a infância. ” A título de exemplo, Henrique Barros diz-nos que “as crianças que vivem em ambientes mais tensos têm marcadores de inflamação que não estão presentes nas crianças que têm uma vida mais tranquila”. Mais um aviso aos pais. Com os milhares de dados que estão a ser recolhidos – aqui mede-se o peso, a altura e a pressão arterial e fazem-se exames para a bioimpedância (que indica a quantidade aproximada de músculo, osso e gordura), espirometria, avaliação do estado pubertário, pupilometria, um exame para avaliar o nível de hidratação da pele e colheitas de sangue –, foi preciso definir alguns alvos da atenção dos investigadores. Assim, desta vez, procuram-se as variáveis ligadas à obesidade, aos consumos de substâncias tóxicas como o tabaco ou o álcool, ao aparecimento da primeira menstruação e aos primeiros sinais de puberdade nos rapazes. Sobre estas manifestações, Henrique Barros adianta desde já que foi demonstrado que nos últimos 70 anos a menarca foi antecipada em um ano. A idade média actualmente está nos 12 anos, com implicações para a idade fértil e para doenças associadas a factores hormonais na idade adulta. Uma vez que sabemos que a genética demora mesmo muito tempo a mudar, a explicação poderá estar na exposição química com efeito na bioquímica hormonal, através dos chamados “disruptores endócrinos”, avança Henrique Barros. A alimentação poderá ser outros dos factores que está a mudar o nosso organismo e os seus timings, não tanto pelo que sabemos que estamos a comer (mais fruta ou menos legumes) mas pelo que não sabemos (contaminantes tóxicos “escondidos” nos alimentos). Além disso, a Geração 21 também explora a saúde respiratória, as alergias e há novas linhas de investigação dedicadas, por exemplo, aos estuda da reacção à dor crónica em crianças. Espera-se, com esta avaliação, conhecer marcadores de risco que permitam prever o desenvolvimento de doenças na vida adulta ou a adopção de comportamentos que as venham a condicionar. Entre as muitas pontas soltas por onde pegar, há uma que, para já, está de fora. “Não fazemos perguntas sobre sexo. Seria constrangedor para os miúdos e para os pais”, considera o coordenador do projecto. “O objectivo é pensar na perspectiva da promoção da saúde – como viver mais e melhor desde muito cedo – e da prevenção das doenças, começando no período da infância, o que se reflecte, mais tarde, em ganhos de saúde ao longo da vida”, refere Henrique Barros. Uma das crianças que estão a ser avaliadas no Centro de Investigação Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto no dia que o PÚBLICO visitou o projecto é Alexandra Moreira. Por uma incrível coincidência, falámos com ela em 2012 quando tinha sete anos. A menina com um penteado de Pipi das Meias Altas cresceu. Hoje temos à nossa frente uma adolescente de cabelo comprido, sorriso tímido e faces coradas. Se há uns anos nos confessava que gostava de brincar, agora admite que o telemóvel ocupa grande parte do seu tempo livre com o Instagram e vídeos de youtubers. Com sete anos tinha o peso certo, apesar de ter tido de fazer dieta em pequenina. Agora, diz-nos que o seu prato favorito é massa com carne picada, admite que gosta de doces, come chicletes todos os dias e, muitas vezes, adia o pequeno-almoço para o meio da manhã altura em que “ataca” um croissant com queijo. A mãe, Patrícia Moreira, não esconde o orgulho com a filha “carinhosa e bem-educada”, apenas lamenta a distracção de Alexandra que aos “sete ou oito anos” foi diagnosticada com défice de atenção e, desde essa altura, está medicada. Se pedimos a Alexandra Moreira uma espécie de auto-avaliação: responde-nos que a sua melhor qualidade será a simpatia e o pior defeito é ser ciumenta. Na escola tudo vai correndo normalmente. É uma aluna de notas médias, diz a mãe. Educação Física é a disciplina preferida e a que menos gosta é Matemática. Diogo Lopes também empurra a Matemática para o fim da lista das preferências de disciplinas (encabeçada pelas Ciências), mas rapidamente percebemos que é um “menos gosto” relativo. É aluno de “quadro de honra”, conta-nos sem um pingo de vaidade. Com olhos de avelã cercados por umas enormes e espessas pestanas negras, Diogo convence-nos. “Não me sinto adolescente. Sou muito criança ainda. Brinco muito. Ainda sou um bocado o palhaço da turma. Acho que temos de aproveitar a vida. Estar bem-dispostos”. A mãe, Marta Lopes, fala com tranquilidade do seu “bom menino, bom aluno, extremamente sorridente e bem-disposto” e confirma que “ele ainda não deu o salto” para a adolescência. Não responde torto, é muito sossegado, ajuda os pais e estuda antes de pegar no telemóvel que tem desde o 5º ano. O único medo de Marta é o medo de todas as mães: que um dia, por qualquer motivo, o seu menino se perca. E o único excesso de Diogo parece ser a alimentação. “Gosta de fast food. Se eu deixasse era a loucura. Fruta sim, mas por imposição. ”As duas mães, Marta Lopes e Patrícia Moreira, compareceram a todas as chamadas do projecto Geração 21 (as avaliações foram aos 6, 15 e 24 meses e aos 4, 7 e 10 anos) e asseguram que não pretendem desistir. Dizem que é um acompanhamento especial e garantem que já aprenderam algumas lições importantes com esta vigilância e rastreio que acrescenta muito ao que fazem de rotina. Henrique Barros confessa-se impressionado e agradecido pela disponibilidade destas famílias. “Aos pais dos participantes da Geração 21, temos que, em primeiro lugar, agradecer o empenho continuado e exemplar ao longo destes anos. As manifestações de interesse, os comentários e críticas. Sobretudo o ajudarem a sociedade a perceber que estão a fazer parte de qualquer coisa maior em saúde e em ciência”, sublinha. Sobre os mais novos, o coordenador do projecto revela que chegaram a uma conclusão inesperada. “Pensávamos que o que eles gostariam mais de fazer aqui seriam jogos, testes no computador, uma espécie de WebSummit. Mas não. O que eles disseram que mais gostavam era de encontrar pessoas com quem pudessem falar. ”Henrique Barros nota ainda que nalguns casos o benefício foi além do bem comum. “Temos a obrigação de encontrar uma solução se por algum motivo detectarmos um problema de saúde. Por exemplo, temos uma família em que foi detectada uma leucemia na criança e a família diz-nos que faz duas visitas regulares, aqui e a Fátima”, conta. No caso de Diogo Lopes, por exemplo, não houve nenhuma doença detectada mas em determinada altura o projecto alertou a mãe. “A nível da alimentação percebi que estava a cometer alguns erros e corrigi”, diz. Além das vantagens do conhecimento adquirido sobre os seus filhos e as crianças em geral, as mães também beneficiam directamente deste projecto. Também as mães da Geração 21 são seguidas, com questionários, análises e medições. Aliás, ao lado, na sala de espera onde o PÚBLICO conversa com Marta Lopes, uma outra mãe não resiste a fazer um comentário. “Faltam os pais. O pai do Carlos já perguntou várias vezes porque não vem também ele fazer exames. Também queria participar”, diz Ivone Carneiro que espera que o filho, Carlos Eduardo, regresse de um dos gabinetes onde está a fazer uma recolha de amostra de sangue. “É claro que os pais importam”, responde o coordenador do projecto Geração 21. Mas era preciso fazer escolhas, justifica. As mães fornecem pistas sobre as influências intra-uterinas, com as respostas aos questionários sobre a gravidez, há as amostras dos cordões umbilicais que foram preservados, há o acompanhamento psicológico e físico pós-parto e a vertente da conciliação da vida profissional com a familiar e o impacto que isso terá nos seus filhos, entre muitas outras linhas de investigação para explorar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A Geração 21 tem servido de base para um enorme conjunto de descobertas científicas, em áreas como a saúde perinatal e pediátrica, obesidade e saúde metabólica, estilos de vida, saúde cardiovascular, saúde músculo-esquelética, e bem-estar psicossocial, mas os dados deste grupo permitiram também a realização de dezenas de teses mestrado e de doutoramento, tendo-se revelado de uma enorme importância para a preparação das jovens gerações da saúde pública portuguesa. Por isso, e em jeito de agradecimento a todos os que participam neste projecto, a partir desta quarta-feira e durante alguns dias será lançada na cidade do Porto uma campanha publicitária da Geração 21 com a mensagem “Nascer e crescer com saúde no Porto”. Nos últimos anos, as avaliações à Geração 21 têm acontecido com um intervalo de três anos. Seria de esperar que a próxima fosse aos 15 ou 16. Henrique Barros arredonda e fala numa próxima avaliação aos 17 anos, depositando todas as esperanças do mundo na obtenção do financiamento necessário para continuar este trabalho. Os miúdos cresceram e a ambição também. Se há uns anos o coordenador do projecto falava em querer seguir este grupo até aos 21 anos ou até terem filhos, agora diz que gostava de os acompanhar “para sempre”. Até ao fim das suas vidas.
REFERÊNCIAS:
Maria Schneider só não sabia que Brando ia usar manteiga, diz Bertolucci
O realizador italiano já reagiu às notícias de que ele e Marlon Brando teriam combinado a cena de violação de O Último Tango em Paris sem avisar a actriz. (...)

Maria Schneider só não sabia que Brando ia usar manteiga, diz Bertolucci
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: O realizador italiano já reagiu às notícias de que ele e Marlon Brando teriam combinado a cena de violação de O Último Tango em Paris sem avisar a actriz.
TEXTO: O realizador Bernardo Bertolucci reagiu esta segunda-feira às notícias de que ele e o actor Marlon Brando teriam combinado a cena de violação simulada em O Último Tango em Paris (1972) sem dar conhecimento prévio à actriz Maria Schneider, alegando que se trata de um equívoco e que esta desconheceria apenas que Brando iria usar um pedaço de manteiga como lubrificante. “Gostaria de esclarecer pela última vez este mal-entendido ridículo que continua a gerar em todo o mundo notícias relativas a O Último Tango em Paris”, escreveu o realizador italiano num comunicado noticiado pela Variety. “Há vários anos, na Cinemateca Francesa, alguém me pediu detalhes da famosa cena da manteiga” – conta Bertolucci – “ e eu expliquei, mas talvez não tenha sido claro, que eu e o Marlon Brando tínhamos decidido não informar a Maria de que ele iria usar manteiga”. O cineasta assume que tanto ele como Brando quiseram “uma reacção espontânea ao uso impróprio da manteiga”, e por isso não avisaram a actriz, mas que esta estava ao corrente da cena de violação. “Alguém pensou, e pensa, que a Maria não foi informada da violação, mas isso é falso”, garante Bertolucci. A polémica reacendeu-se com a recente divulgação de um vídeo de uma masterclass que Bertolucci deu, em 2013, na Cinemateca Francesa, em Paris, no qual o cineasta afirma: “A sequência da manteiga foi uma ideia que tive com o Marlon [Brando] na manhã antes da filmagem”. No mesmo vídeo, Bertolucci assume que se sentiu mal por ter manipulado Maria Schneider, mas diz não se arrepender de o ter feito, porque queria obter “a reacção dela enquanto rapariga, não enquanto actriz”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O realizador, que tem hoje 76 anos, observa que “a Maria sabia de tudo, uma vez que tinha lido o argumento, onde estava tudo descrito”, e assegura que “só a ideia da manteiga era novidade”. Várias figuras do cinema reagiram já ao conteúdo do vídeo agora divulgado, incluindo a actriz Jessica Chastain, que rotula a cena em causa de “um ataque sexual planeado contra uma jovem de 19 anos”. Chastain no Twitter afirmou sentir-se “enojada”, ao passo que já há mesmo quem reclame que Bertolucci deveria ser desapossado dos prémios que recebeu ao longo da sua carreira. Quando Schneider morreu em 2011 – Marlon Brando já morrera em 2004 –, Bertolucci admitiu que a actriz o acusava de lhe ter roubado a juventude e afirmou: “Só hoje me pergunto se não haverá nisso alguma verdade; ela era, de facto, demasiado nova para aguentar o impacto do sucesso imprevisível e brutal que o filme teve”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave ataque violação sexual rapariga
Misturada com Lisboa
Tem sido submetida às marcas identitárias mais consensuais de Lisboa – o fado – e a outras mais recentes e em construção, como as que têm sido exploradas pelas segundas e terceiras gerações de afrodescendentes. Será em 2018 que recuperará a capacidade que já teve de saber que coisas estavam a acontecer exactamente no momento antes de acontecerem? (...)

Misturada com Lisboa
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: Tem sido submetida às marcas identitárias mais consensuais de Lisboa – o fado – e a outras mais recentes e em construção, como as que têm sido exploradas pelas segundas e terceiras gerações de afrodescendentes. Será em 2018 que recuperará a capacidade que já teve de saber que coisas estavam a acontecer exactamente no momento antes de acontecerem?
TEXTO: Grandes planos para 2018, prometeu ela há um mês na televisão americana, acrescentando que se preparava para regressar ao activo. A afirmação não foi totalmente explícita mas foi o bastante para que as principais publicações do globo colocassem um novo álbum e talvez uma digressão de Madonna na lista dos acontecimentos mais esperados do corrente ano. Antes, em Setembro, já havia enunciado que se encontrava numa fase em que andava a ouvir muita música nova e a inspirar-se pelas pessoas à sua volta. É até possível que nem a própria saiba bem o que irá acontecer-lhe este ano, mas existem duas verdades inestimáveis: uma é que anda, realmente, à procura de qualquer coisa, tendo falado de uma nova aproximação à música, no sentido do retorno a uma certa simplicidade e pureza original. E a segunda é que faça o que fizer, em particular no actual contexto português, o interesse será sempre elevado. O seu último álbum, Rebel Heart, data de 2015 e a digressão mundial correspondente – a Rebel Heart Tour – levou-a por quatro continentes, entre 2015 e 2016, num total de 82 espectáculos. Por norma, no seu caso, quando existe um álbum novo acaba por seguir-se uma digressão mundial. Nesse registo parecia sentir-se dividida entre regressar à matriz estruturadora do seu passado, assumindo uma linha mais clássica, ou tentar acompanhar o presente mais instantâneo, seguindo coordenadas definidas por cantoras que já a seguiram a ela e para quem abriu portas. Agora ninguém sabe muito bem onde se situa. A expectativa é, por isso, muita. Será interessante perceber como é que uma celebridade do seu panteão conseguirá projectar-se num contexto completamente diferente daquele em que se afirmou – ou seja, até que ponto a cantora preferida da geração MTV conseguirá conquistar na actualidade os públicos fragmentados e pulverizados da geração YouTube. Aquilo que representou nas últimas décadas – a possibilidade de ter uma notoriedade com poder de sedução global – parece hoje diluído, nesta época onde toda a gente não só pode ser uma estrela por quinze minutos, como sê-lo apenas para quinze pessoas. Os tempos são outros. E ela sabe-o bem. Por conveniência diz-se que vive agora em Lisboa. Pelo menos, desde o Verão passado, tem passado temporadas na capital portuguesa, mas é uma figura em trânsito entre Nova Iorque e Londres. Digamos que, neste momento, Lisboa faz parte dessa triangulação, em grande medida por causa do presente futebolista de um dos filhos. Se isso irá ter consequências criativas ninguém sabe, mas não é um cenário improvável dizer-se que o que vier aí respirará certamente algo dessas três cidades. Nem que seja apenas alimento espiritual é quase certo que Lisboa fará parte dessa equação. Quem com ela tem convivido nos últimos meses em Lisboa é da opinião unânime que tem por norma uma postura reservada, mantendo-se quase sempre no seu canto, mas ao mesmo tempo deseja realmente compreender o que a rodeia. Um dos seus anfitriões tem sido o agitador cultural Ricardo José Lopes, responsável, entre outras manifestações actuais, pelas quase secretas Lisbon Living Room Sessions, e pelas sessões jazz das noites de 4º feira no Rive-Rouge, ao Cais do Sodré. “Temos uma amiga americana em comum e foi ela quem me desafiou a introduzir alguma da música que aqui se faz à Madonna, nomeadamente aquela que reflecte uma Lisboa mestiça, com uma costela na tradição e outra na contemporaneidade”, diz-nos, recordando algumas sessões reservadas a convidados que organizou nos últimos meses. “Para a primeira levei os Bela Quarteto que fazem uma abordagem mais actual do fado, introduzindo outras texturas e musicas. O fado é o mote, mas até pela composição do colectivo, com o Marco Oliveira na guitarra e voz, o contrabaixo do João Penedo, o violino do Otto Pereira e a percussão do Carlos Mil Homens, eles acabam por misturar tudo, fado, flamenco, tango, África e músicas latino-americanas. Representam a Alfama de hoje. ”Outro convidado foi o saxofonista de jazz Ricardo Toscano e o cantor Dino d’ Santiago, “tendo havido no final uma sessão de improviso”, lembra Ricardo. Para o segundo serão foram convidados “o Dino d’ Santiago com a sua banda, o quarteto do Ricardo Toscano e o Kimi Djabaté, da Guiné-Bissau, a viver em Lisboa, de quem ela gostou muito. No final houve uma sessão de improviso também, com toda a gente a dançar. ” Na terceira sessão “participaram os Lavoisier, a Mayra Andrade com o Jon Luz, a Maria Gadú e o Flamen4tet + Baile, tendo acabado com o DJ Johnny a passar música e toda a gente a dançar, numa festa que só acabou quando apareceu a polícia porque alguém se queixou do barulho” ri-se Ricardo. Para além destas sessões, refere Ricardo, Madonna "fez algumas incursões por vontade própria, nomeadamente à Fabrica de Braço Prata, tendo aí visto o Ricardo Toscano, e depois também começou a ir ao fado, com o Dino d’ Santiago, à Casa de Linhares, à Associação Fado Casto e ultimamente à Mesa de Frades, onde ouviu Celeste Rodrigues, de quem ficou fã. ” Em Novembro, houve também uma sessão no B. Leza, onde estiveram em evidência linguagens como o kuduro ou o afro-house, providenciadas por João Barbosa (Branko, dos Buraka Som Sistema), numa noite com assinatura da editora Enchufada. De tudo isto, viria a culminar uma festa de fim de ano em Nova Iorque, para a qual a cantora fez questão de convidar alguns destes agentes, dos Bela Quarteto a Celeste Rodrigues, forma de “mostrar um pouco da Lisboa que aqui tem vivido”, diz Ricardo. No fim de contas, ao longo dos últimos meses, a cantora americana tem sido submetida a algumas das marcas identitárias mais consensuais de Lisboa com matriz no fado, e a outras mais recentes e em construção, como todas as linguagens de inspiração transatlântica que têm vindo a ser exploradas essencialmente pela segundas e terceiras gerações de afrodescendentes nas duas últimas décadas. Para além da música, a cantora, uma admiradora confessa da arte urbana de Banksy e do francês JR, tem frequentado alguns ambientes criativos informais, interessando-se pelo trabalho de Vhils, Wasted Rita ou Francisco Vidal. No início do seu percurso deixava-se imergir pelos ambientes que frequentava. Mais ainda: esse facto era indissociável do seu trabalho. Ainda hoje fala disso, da forma como, por exemplo, a efervescência da Nova Iorque do final dos anos 1970 e do início dos anos 1980 a marcaram e da maneira como o mundo da música, das artes e da moda se tocavam, fazendo confluir personalidades como Andy Warhol, artistas como Keith Haring ou DJs como Jellybean Benitez, para o seu rol de cumplicidades. Há dez anos, quando regressou a Nova Iorque, depois da experiência de Londres, falava da “convergência entre arte e vida que existia nesses anos iniciáticos, e da forma como as hierarquizações culturais não faziam sentido, evocando um jantar, no final dos anos 1970, em casa de Warhol onde os convidados eram o músico de vanguarda John Cage, o coreógrafo Merce Cunningham, o casal John Lennon e Yoko Ono e, claro, ela própria. Deste então foi tentando sempre recriar esses tempos iniciais, fazendo-se acompanhar por aqueles que o seu instinto lhe dizia que tinham capacidade para a inspirar. Foram tempos em que o seu radar parecia funcionar em pleno, frequentando os locais onde o que de mais pulsante acontecia. Sabia o que estava a acontecer, exactamente no momento antes de acontecerem. Depois a perspectiva foi mudando. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A partir de determinada altura tornou-se evidente que aquilo que captava já não era aquilo que se vai ouvir na curva dos acontecimentos, mas sim o que se ouve quando os factos estão consumados. Como dizia em 2008 à Vanity Fair, aquando do lançamento do álbum Hard Candy: “Não tinha nenhuma ideia sobre a música que queria fazer. Sabia apenas que queria colaborar com Pharrell Williams e Justin Timberlake. Necessitava de ser inspirada e pensei, bem, quem está a fazer discos de que gosto?” Ou seja, ao longo dos últimos anos, foi-se rodeando de algumas das figuras mais relevantes dos universos urbanos do hip-hop e R&B (de Timbaland a Pharrell), como antes já havia acontecido com alguns nomes da música de dança electrónica (de Mirwais a Stuart Price), mas o faro que lhe permitia captar o que existe de mais excitante nas margens, para propor as suas próprias recriações no centro do mercado, diluiu-se em grande medida. Quem sabe se não será em Lisboa, no ano de 2018, que o recuperará?
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens cantora