Consórcio de cientista português ganha projecto europeu de dez milhões de euros
O Conselho Europeu de Investigação atribuiu dez milhões de euros a um consórcio de que fazem parte Edgar Gomes – do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes – e ainda dois cientistas do Reino Unido. A equipa irá estudar o desenvolvimento e estrutura do esqueleto celular. (...)

Consórcio de cientista português ganha projecto europeu de dez milhões de euros
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.099
DATA: 2018-12-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Conselho Europeu de Investigação atribuiu dez milhões de euros a um consórcio de que fazem parte Edgar Gomes – do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes – e ainda dois cientistas do Reino Unido. A equipa irá estudar o desenvolvimento e estrutura do esqueleto celular.
TEXTO: O cientista português Edgar Gomes integra um consórcio que acabou de vencer um projecto do Conselho Europeu de Investigação (ERC) no valor de dez milhões de euros. Além de Edgar Gomes, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (IMM), em Lisboa, fazem parte do consórcio Carolyn Moores, do Birkbeck College, da Universidade de Londres, e Michael Way, do Instituto Francis Crick, no Reino Unido. Cada laboratório irá receber cerca de 3, 3 milhões de euros para seis anos e, juntos, vão perceber como a estrutura da célula funciona e investigar de que forma essa estrutura é importante para a fisiologia e actividade do músculo-esquelético. “Estamos a estudar como é que a estrutura das células, o citoesqueleto [esqueleto celular], tem um papel no funcionamento de uma célula [em geral]”, começa por dizer ao PÚBLICO Edgar Gomes sobre o tema da investigação. “Este projecto vai permitir-nos estudar isto desde o ponto de vista molecular até à fisiologia dos seres vivos, neste caso dos humanos. ” O cientista acrescenta ainda que, com este projecto, será possível fazer algo nunca feito até agora: “Conseguir estudar transversalmente um problema tão importante como é o da estrutura da célula e que tem implicações em termos de respostas imunitárias, de metástases do cancro, de desenvolvimento e de outros tipos de doença. ”Como tal, a equipa utilizará como modelo de estudo proteínas purificadas, culturas de células (humanas e de ratinhos) e o músculo-esquelético do ratinho. “Vamos usar o músculo como modelo para estudar a fisiologia e a importância destas estruturas [o citoesqueleto] e arquitectura da célula. ”Mas qual exactamente o objectivo deste projecto? Recuemos no tempo. Há mais de 20 anos foi descoberto um complexo de moléculas chamado “complexo Arp 2/3”. “Basicamente, o complexo Arp 2/3 é um complexo de proteínas que é importante para a criação destas tais estruturas, neste caso do citoesqueleto de actina [o alicerce da célula, que pode ser montado e desmontado], que tem diferentes implicações nas células e em termos de funcionamento do nosso corpo”, explica Edgar Gomes. Ora, há cerca de três anos, Michael Way descobriu que há oito tipos deste complexo (em vez de apenas um) e que têm actividades diferentes. Edgar Gomes indica que no seu laboratório, em colaboração com Michael Way, descobriu-se que dois deles têm funções muito diferentes: um é importante para o posicionamento do núcleo nas células musculares; e o outro é determinante no sistema que controla a contracção do músculo. Agora, com este projecto, querem perceber como é que a diversidade de tipos do complexo Arp 2/3 tem impacto em termos moleculares, celulares e fisiológicos na regulação do citoesqueleto de actina. “O principal objectivo é tentarmos compreender por que é que não temos só um mas oito [tipos de complexo de Arp 2/3] e de que maneira têm diferentes funções e disfunções em termos da fisiologia do organismo, neste caso dos humanos”, refere Edgar Gomes. O projecto terá a duração de seis anos e cada laboratório receberá cerca de 3, 3 milhões de euros. A investigação será feita entre Lisboa e Londres – inclusivamente com idas de investigadores do laboratório português a Londres e vice-versa. “Queremos transformar estes três grupos como fossem um só grupo multidisciplinar e, neste caso, em duas localizações diferentes”, frisa o cientista português. “Este projecto vai permitir formar uma equipa multidisciplinar que irá trabalhar em conjunto para percebermos como é que o citoesqueleto das células funciona a nível molecular, celular e fisiológico”, acrescenta em comunicado do IMM. Esta é a primeira vez que um grupo de investigação em Portugal ganha uma bolsa de sinergia do ERC. Aliás, este tipo de financiamento – que pretende criar sinergia, permitindo a candidatura de um grupo com dois a quatro investigadores principais – estava suspenso desde 2013 e só funcionou nesse ano e em 2012. Este ano foram atribuídos 250 milhões de euros a 27 grupos na Europa, anuncia o ERC em comunicado, acrescentando que houve 295 propostas e só 9% foram seleccionadas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os projectos seleccionados envolvem 88 investigadores principais de 63 universidades e centros de investigação de 17 países europeus. Os países a que foram atribuídas mais bolsas são a Alemanha, Reino Unido e França. Ao todo, 15% dos cientistas financiados são mulheres, que participam em 13 dos 27 projectos. Nas propostas seleccionadas, 16 delas envolvem instituições de acolhimento em, pelo menos, dois países. Por exemplo, entre os projectos há um grupo da Alemanha que investigará um novo tratamento para a osteoporose. Ou outra equipa de Espanha e Itália que procurará uma nova perspectiva da história do islão na Europa. No comunicado, o ERC anuncia que este tipo de financiamento terá no futuro 400 milhões de euros, ou seja, um aumento de 60% relativamente a este ano. Além disso, um dos investigadores principais do grupo pode ser de uma instituição fora a União Europeia ou de países associados.
REFERÊNCIAS:
Jogar à bola na véspera do exame de Matemática? “Sem dúvida!”
Exercício físico regular durante a preparação das provas nacionais ajuda a reduzir o stress e a ansiedade, avisa André Seabra, investigador da Universidade do Porto. As pausas devem fazer parte do plano de estudos dos alunos durante as próximas semanas. (...)

Jogar à bola na véspera do exame de Matemática? “Sem dúvida!”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-13 | Jornal Público
SUMÁRIO: Exercício físico regular durante a preparação das provas nacionais ajuda a reduzir o stress e a ansiedade, avisa André Seabra, investigador da Universidade do Porto. As pausas devem fazer parte do plano de estudos dos alunos durante as próximas semanas.
TEXTO: A vida de André Seabra andou sempre ligada ao futebol. Depois da licenciatura em Desporto, passou pelas equipas profissionais de Académica, Salgueiros e Leixões, até que voltou à Universidade do Porto, onde se especializou em actividade física em crianças e adolescentes. Há seis anos, a UEFA, organismo que tutela o futebol na Europa, apoiou um programa por si desenhado de combate à obesidade infantil através desta modalidade, e, desde há um ano, passou a dirigir uma unidade de investigação dentro da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito da qual lançou o “medicamento futebol”, uma campanha de promoção do futebol recreativo enquanto actividade promotora da saúde. Seabra defende por isso as vantagens do futebol na melhoria da saúde física e psíquica dos alunos, mas sublinha que as vantagens da actividade desportiva em tempos de preparação para os exames nacionais é transversal às diferentes modalidades. O importante é que seja um desporto de que o aluno goste e no qual se sinta realizado. O exame de Matemática é no dia 25 de Junho, uma segunda-feira. É boa ideia que os alunos que vão fazer a prova marquem uma “futebolada” com amigos no domingo anterior?Sem dúvida! Uma “futebolada”, uma caminhada ou ir dançar. É fundamental que isso aconteça. Segundo a Organização Mundial de Saúde, toda a criança ou adolescente deve fazer, pelo menos, 60 minutos diários de uma actividade física ou desportiva. É decisivo que essa actividade dê uma sensação de prazer e de bem-estar. Consequentemente, um adolescente que está num período intensivo de estudo – de elevada concentração e empenhamento – deve envolver-se diariamente em períodos de 60 minutos de actividade física ou em períodos mais curtos e espaçados ao longo do dia. Isso vai melhorar a sua sensação de bem-estar e de prazer e conferir-lhe uma maior capacidade de recuperação para que, no momento imediatamente a seguir, retome o estudo. Muitos dos alunos que vão fazer exames têm os seus dias, nas semanas prévias, muito esquematizados, com tempos destinados ao estudo de cada matéria. Faz sentido que nesse calendário incluam também espaço para o exercício?É óbvio que sim. Isso é importante, independentemente de estarmos a falar dos exames ou do tempo normal de aulas. As crianças e os adolescentes hoje passam 8 a 10 horas por dia na escola com comportamentos essencialmente sedentários: sentados, sem grande disponibilidade de prazer e de gasto de energia. Esse é um problema, independentemente de estarmos a falar da época de exames ou não. A ciência é muito clara a mostrar a importância das pausas ao longo do dia, que deveriam acontecer não apenas na época de exames, mas ao longo do ano lectivo todo. Por que são importante essas pausas?É impossível manter a disponibilidade de concentração, de empenho numa actividade que exige total disponibilidade como é o caso do estudo. Ninguém é capaz de estar envolvido numa actividade durante um tempo demasiadamente prolongado. Devemos ter pausas ao longo do dia para contrariar os comportamentos sedentários. O aconselhado é que de, 30 em 30 minutos, as pessoas se levantem durante 30 segundos ou um minuto, para que despertem, relaxem e assumam uma sensação nova, que lhe dê algum prazer. No momento seguinte, podem retomar a concentração. É isso que devem também fazer os alunos?Durante este período de exames, um adolescente estudará muitas vezes 10, 12, 15 horas por dia. O melhor que tem a fazer são estes cortes ao longo do dia. Para isso, deve escolher algo que o satisfaça e que fuja àquilo em que está verdadeiramente concentrado durante este período, que é estudar. Há alguma modalidade desportiva ideal numa altura como esta de preparação para exames?Deve ser algo de que o adolescente gosta bastante, que seja a sua modalidade favorita. Poderá ser o futebol, a dança ou o judo, ou poderá ser uma outra actividade. O fundamental é que faça estas pausas e que escolha uma actividade que lhe dê verdadeiro prazer. Além disso, deve ser uma actividade em que se sinta competente e em que tenha sucesso. O “medicamento futebol”, que lançou no âmbito de uma iniciativa da FPF, elenca 11 benefícios do futebol entre os quais o combate ao stress e ansiedade e também a sintomas de depressão. De que modo é que o desporto influi positivamente num momento como estes?A ciência identifica benefícios não só na saúde metabólica da criança, na saúde muscular a óssea, na própria saúde cárdio-vascular. Estes efeitos positivos são também claros do ponto de vista da saúde mental. Na investigação que temos vindo a realizar, usando como caso concreto o futebol, percebemos que uma criança e um adolescente que se envolve nesta prática desportiva sente normalmente menos perturbações psicológicas face que uma criança que não está envolvida numa prática desportiva. Uma criança com actividade desportiva evidencia menos sintomas de stress, de ansiedade e de depressão. Isto é motivado pela actividade física em si ou tem também a ver com o facto de este ser um desporto colectivo?Estes benefícios são encontrados independentemente de estarmos a falar de um desporto de equipa ou de um cariz mais individual. O desporto de equipa tem vantagens relativamente ao desporto individual, como o trabalho de equipa e a necessidade de estabelecer relações interpessoais. Para quem está fortemente envolvido num momento de estudo, que é eminentemente individual, é benéfico poder colaborar, conversar e partilhar experiências. Além disso, uma criança ou adolescente que se envolve numa prática desportiva de forma regular e sistemática, evidencia níveis superiores de auto-estima. Um adolescente com níveis de auto-estima maiores estará mais motivado para o objectivo de ter sucesso na realização do exame. Que vantagens tem o futebol relativamente aos outros desportos?Além dos benefícios de que já falámos, é um desporto extraordinariamente popular, em meninos e meninas. Mas continua a ser eminentemente masculino em termos de preferências. O número de meninas e mulheres envolvidas na prática desportiva é ainda muito baixo, apesar de um crescimento imparável nos últimos anos. Mas o que importa realçar é os resultados têm sido igualmente evidentes da importância que esta prática desportiva tem na saúde das raparigas adolescentes. Estes benefícios são transversais para meninos e meninas. Retomemos a questão das vantagens do futebol. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para além dos benefícios e da popularidade, este desporto tem uma questão que também me parece muito importante que é o facto de ser económico. Muitos adolescentes dizem-nos que têm algumas limitações do ponto de vista financeiro ou de transporte para chegar a uma infra-estrutura desportiva e por isso não têm prática desportiva. O futebol é fácil de implementar. Assim sendo, temos a combinação perfeita para podermos dizer que estamos uma estratégia boa do ponto de vista da saúde pública, que permite aumentar os níveis de actividade física e consequentemente um conjunto de benefícios alargados Se me perguntar se isso acontece com outra modalidade desportiva: é evidente que sim. O importante é que o aluno escolha uma modalidade de que goste. Algo que lhes dê prazer, que os deixe felizes, que se sintam motivados. Para que, no final da sua actividade desportiva, conseguirem ganhar energia e motivação para se empenharem novamente na actividade que neste momento é a primordial, que é a realização do exame. Esta é também uma mensagem importante para os encarregados de educação: devem ser eles próprios a proporcionar este tipo de actividades aos adolescentes durante as próximas semanas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola concentração educação adolescente criança estudo mulheres infantil ansiedade
Bibliotecas "cheias de infância": sobre promoção do livro, da leitura e da literatura
São múltiplos os encontros e as conversas, motivados pelos livros e pela leitura, a que tenho assistido, nas bibliotecas municipais ou públicas do nosso país. (...)

Bibliotecas "cheias de infância": sobre promoção do livro, da leitura e da literatura
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.35
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: São múltiplos os encontros e as conversas, motivados pelos livros e pela leitura, a que tenho assistido, nas bibliotecas municipais ou públicas do nosso país.
TEXTO: Sou “de literatura”. Dou por mim a afirmá-lo e a sentir essa frase a ecoar em mim nos mais diversos momentos da minha vida. Sou “de literatura” e sou de/dos livros, desde sempre, no meu espaço pessoal e íntimo e, há já mais de duas décadas, nas minhas vivências profissionais/académicas. Talvez porque, tentando e persistindo no encontro com as questões que o texto coloca a quem o lê, procurei dar-lhes sempre resposta (como preconiza Jacques Bonnet, em Bibliotecas cheias de fantasmas, acredito que “o importante não é ler depressa, mas ler cada livro à velocidade que ele merece”), sempre ciente de que “é literatura tudo aquilo que reflecte um universo pessoal, que transporta uma imagem do mundo, que converte em arte o quotidiano, o efémero, o banal”, como escreve Nuno Júdice, em ABC da Crítica (2010). E, assim, tenho para mim que todas as estratégias de aproximação ao livro e à leitura, desde idades precoces, tendo implícitas as ideias de que a leitura não pode ter apenas um objectivo utilitário e também de que esta exerce um papel crucial ao nível do desenvolvimento intelectual, do aprofundamento de conhecimentos, da estruturação da imaginação, da formação da sensibilidade, do conhecimento de si mesmo e dos outros, do estímulo à reflexão e à criatividade, e, genericamente, do crescimento/amadurecimento individual e social, todas as estratégias, dizia, poderão “fazer viver a leitura”. Como lembra José António Gomes, num artigo disponível no portal do projecto Gulbenkian/Casa da Leitura, recuperando algumas palavras de Lucette Savier (1988), acredito que “fazer viver a leitura” é “ligar o livro à vida da criança, sem o limitar à aprendizagem e ao espaço escolar. É longe de censuras e argumentos intelectuais, desvelar o interesse e o prazer da leitura, partilhá-los e discuti-los com ela. E é, finalmente, correr o risco de que, em qualquer lugar, a qualquer momento, o livro e o jogo da leitura possam estar presentes; sujeitos ao capricho da criança, para um breve encontro ou para uma longa conversa. ”Ora, são actualmente múltiplos os encontros e as conversas, motivados pelos livros e pela leitura, a que tenho assistido, nas bibliotecas municipais ou públicas do nosso país, espaços físicos, na maioria dos casos, esteticamente admiráveis, cenários confortáveis, vivos, dinâmicos e alegres ou felizes, com projectos de promoção da leitura cuidadosamente desenhados e pensados tendo em conta esse universo plural que é o dos seus utilizadores ou esse leitor muito particular que é o dos nossos dias (e uma reflexão, só por si, sobre o perfil do leitor contemporâneo daria um longo artigo de opinião). Como eu ainda sou de um tempo em que, por exemplo, nas escolas, os livros (das duas uma. . . ) ou se encontravam arrumados pelos professores ou permaneciam religiosamente colocados em armários, muitos com prateleiras inacessíveis, fechados à chave, em perfeita segurança (!), e apenas disponibilizados por uma amável funcionária da biblioteca, que, a pedido, os colocava à disposição dos alunos, não deixo de me congratular sempre que entro numa biblioteca e constato a existência de volumes próximos do olhar e das mãos dos leitores, por vezes, até, organizados por temáticas ou, em certos casos, revisitados graficamente por crianças que os puderam manusear autonomamente, ler ou ouvir ler, por exemplo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Depois de, nos anos 50 do século passado, meninas e meninos (mas não apenas) de todo o país, em especial, daquele habitualmente apelidado de “Portugal profundo”, terem convivido com o livro, a leitura e a literatura por via do movimento generoso das célebres carrinhas – bibliotecas itinerantes – da Fundação Calouste Gulbenkian (cujo acervo, aliás, era criteriosamente seleccionado por Branquinho da Fonseca), agora, as bibliotecas municipais disponibilizam fundos consideráveis, postos em comum ou divulgados em iniciativas tão diversas como a hora do conto, actividades em bebetecas ou clubes de leitura/comunidades de leitores para pais e filhos, sessões com autores e ilustradores, concursos de leitura, exposições diversas, autor(es) do mês, encontros sobre livros e literatura para diferentes mediadores de leitura, sessões de apresentação/lançamento de novos livros, jantares literários, iniciativas resultantes da articulação com outros organismos, como academias de música, por exemplo, entre outros. O país é pequeno (dizem), como é pequena a fatia do Orçamento do Estado destinada à cultura, mas as bibliotecas municipais, em concreto a sua dedicação aos leitores mais pequenos e o seu empenho nessa valiosa tarefa que é a promoção do livro e da leitura, são grandes, cada vez maiores, e cheias de infância. Por vontade expressa da sua autora, este texto encontra-se escrito segundo a norma ortográfica da Língua Portuguesa anterior ao Novo Acordo Ortográfico.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave cultura social criança
Roma, de Alfonso Cuarón, vence o Leão de Ouro de Veneza 2018
É a estreia da Netflix num prémio desta grandeza, num palmarés que parece ter também apostado em filmes que possam chegar aos Óscares, que tem sido o sortilégio de Veneza nos últimos anos. (...)

Roma, de Alfonso Cuarón, vence o Leão de Ouro de Veneza 2018
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.3
DATA: 2018-11-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: É a estreia da Netflix num prémio desta grandeza, num palmarés que parece ter também apostado em filmes que possam chegar aos Óscares, que tem sido o sortilégio de Veneza nos últimos anos.
TEXTO: Ei-lo, o esperado Leão de Ouro para Roma, o confronto de Alfonso Cuarón com a infância num bairro da burguesia da Cidade do México, nos anos 70. É um resgate operado pela memória: Cuarón olha para trás e mostra o que no passado não conseguiu perceber: a inexistência social de uma criada da sua família, a ama que o criou – no filme é uma rapariga chamada Cleo, hoje é uma senhora de idade que faz anos neste dia de palmarés da 75. ª edição de Veneza. Não se vê como o mexicano Guillermo del Toro, presidente do júri, e a sua equipa, os actores Christoph Waltz, Trine Dyrholm e Naomi Watts e os realizadores Nicole Garcia, Sylvia Chang, Taika Waititi, Malgorzata Szumowska e Paolo Genovese, poderiam ter feito de outro modo. O favoritismo estava anunciado, público e imprensa ficaram com o filme ao longo de duas semanas. É o melhor do cineasta, acompanhado talvez por outro dos seus filmes mexicanos, E a Tua Mãe Também (2001). Para isto acontecer foi necessário sacrificar o outro imponente filme do concurso, Nuestro Tiempo, de Carlos Reygadas. Teria sido uma verdadeira revolução mexicana!Ei-lo, então, a estreia da Netflix, plataforma de streaming, num prémio desta magnitude. A Netflix quer prestígio, quer “autores” (não trouxe a Veneza o mítico e estilhaçado The Other Side of the Wind, de Orson Welles?), quer que os seus filmes se distingam do mar de séries. Isto serve-lhe. Mas… a questão é saber se o Leão e a euforia em torno de Roma vão reabrir o crispado dossier que opõe os distribuidores ao que consideram ser um desprezo pela Netflix do perfil dos filmes em sala, fazendo a plataforma de streaming (re)definir a sua política e contemplar uma estratégia mais empenhada. Até agora, os filmes Netflix têm estreia comercial limitada no dia em que são disponibilizados online. Não se sabe, por exemplo, qual a estratégia para Roma, se a sua distribuição em sala será apenas simbólica, para se poder qualificar para os Óscares. Del Toro disse, em conferência de imprensa, que o seu júri apreciou os filmes por aquilo que estava “dentro dos enquadramentos”, não por uma agenda. A verdade é que, numa edição criticada por ter apenas em concurso uma obra de uma realizadora, premiou duas vezes esse filme: The Nightingale, da australiana Jennifer Kent. Que incentivou “todas as mulheres que estão por aí que façam e mostrem os seus filmes”, porque o feminino é “mais poderoso e mais regenerador”. Recebeu o Prémio Marcello Mastroianni para o jovem actor Baykali Ganambarr e o Grande Prémio do Júri. O filme tem os seus adeptos, mas também há gente que resiste sem cerimónias a este gothic australiano com fantasmas de western que conta uma história de emancipação na Austrália da violência colonialista. De uma eficácia inegável, não tem pernas para afastar a sua crueldade do exploitation e da involuntária paródia. Willem Dafoe e Olivia Colman, como Melhor Actor (At Eternity’s Gate) e Melhor Actriz (The Favourite), corporizam a energia dos respectivos filmes. Ele, que há 30 anos esteve em Veneza a apresentar A Última Tentação de Cristo, de Scorsese, volta a ser figura crística como Vincent Van Gogh. Disse o actor: se Van Gogh era a sua pintura, o filme “é” Julian Schnabel. E Julian Schnabel diz com a câmara que o seu filme “é” uma obra de arte. Então Van Gogh “é” Julian Schnabel? Que aguente quem conseguir. Mas ao menos o júri parou em Dafoe. Ela, Olivia Colman, é uma das três intérpretes, qualquer delas “premiável”, de The Favourite, o filme sobre três senhoras mal comportadas da corte inglesa dos anos de 1702-07, a rainha Anne (Olivia Colman), a sua confidente, Sarah, Duquesa de Marlborough (Rachel Weisz), e a prima desta, Abigail (Emma Stone), que chega ao palácio caída em desgraça. Todas elas agarram as personagens com brio e não só resistem como até se alimentam deste Lanthimos mais linear do que nunca, mais próximo do filme BBC do que nunca (com mais calão e sexo…), e que tem uma única e obsessiva manobra expressiva: uma angular para desfigurar. Ele haverá gostos para tudo, o júri não se ficou por Olivia, como se ficou por Dafoe, e deu ao filme o segundo prémio mais importante na hierarquia do palmarés, o Grande Prémio do Júri. E é claro que, como se repara, até aqui estamos em terreno de “oscarizáveis”, o sortilégio de Veneza nos últimos anos. Compreende-se pouco o prémio de melhor argumento aos Coen, visto que os seis episódios da antologia de western The Ballad of Buster Scrubbs vão definhando em interesse, não restando grande coisa a não ser Joel e Ethan a fazerem festas ao cadáver. Jacques Audiard talvez se tenha divertido com os seus cowboys –? The Sisters Brothers é um filme em inglês do realizador frances –, mas não se encontra em nenhum canto do filme mostras de visceralidade. Passaporte para Hollywood? Não era razão para lhe darem o prémio de melhor realizador. Mas era tudo esperado, os grandes gestos do júri e os seus “peccadillos”. Os prémiosLeão de Ouro – Roma, de Alfonso CuarónLeão de Prata, Grande Prémio do Júri – The Favourite, de Yorgos LanthimosLeão de Prata para o Melhor Realizador – Jacques Audiard, The Sisters BrothersTaça Volpi para a Melhor Actriz – Olivia Colman, The Favourite, de Yorgos LanthimosTaça Volpi para o Melhor Actor – Willem Dafoe, At Eternity’s Gate, de Julian SchnabelPrémio do Melhor Argumento: Joel e Ethan Coen, por The Ballad of Buster ScrubbsSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Prémio Especial do Júri – The Nightingale, de Jennifer KentPrémio Marcello Mastroianni para um jovem actor ou actriz emergente – Baykali Ganambarr, por The NightingaleNa Secção Venezia Classici, foram atribuídos prémios a The Great Buster, de Peter Bogdanovich, como Melhor Documentário sobre Cinema (é um filme sobre Buster Keaton), e, como Melhor Restauro, ao trabalho sobre A Noite de São Lourenço (1982), de Paolo e Vittorio Taviani. O prémio FIPRESCI, atribuído pela federação internacional da imprensa cinematográfica, foi para Sunset, segunda longa-metragem do húngaro László Nemes (O Filho de Saul). O júri do Leão do Futuro, prémio Dino de Laurentiis, que distingue uma primeira-obra, escolheu The Day I Lost My Shadow, da cineasta síria Soudade Kaadan, que ela descreveu como “uma carta de amor” ao seu país.
REFERÊNCIAS:
Que viva o México de Alfonso Cuarón!
Que bonito é Roma, memórias da infância deste cineasta mexicano nos anos 1970, neste início da 75.ª edição do Festival de Veneza. (...)

Que viva o México de Alfonso Cuarón!
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.170
DATA: 2018-11-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Que bonito é Roma, memórias da infância deste cineasta mexicano nos anos 1970, neste início da 75.ª edição do Festival de Veneza.
TEXTO: Ainda antes de acabar Gravidade, que abriu em 2013 o Festival de Veneza e que ganharia sete Óscares, entre eles o de Melhor Realizador, o mexicano Alfonso Cuarón prometia a si próprio que o passo seguinte seria mais simples e mais pessoal, mesmo que não pudesse deitar fora a experiência entretanto adquirida, de forma a poder rodar no México, onde não filmava desde E a Tua Mãe Também (2001). Esse futuro filme “manifestou-se” assim: seria a preto e branco, teria que ver com memórias de infância e teria como personagem principal uma empregada doméstica. Chama-se Cleo, e se se quer saber quem é Cleo, Cuarón revela que é baseada numa personagem que existiu, que foi a mulher que cuidou dele na casa da sua família. E se se quiser saber mais ainda: a casa do filme reconstitui a casa onde Alfonso nasceu, num bairro burguês, Roma, da Cidade do México, 70% dos móveis são originais, as histórias e os gestos também, tinham ficado guardados na memória ou foram convocados; e os actores, mistura de “profissionais” e “amadores”, não tiveram o argumento nas mãos, assim como não teve o production designer Eugenio Caballero (Óscar por O Labirinto do Fauno, de Guillermo del Toro, o presidente do júri da competição), para eles próprios contribuírem para Roma com as suas memórias do México dos anos 1970. O resultado, em que Cuarón acumula a realização, o argumento, a fotografia e a montagem, foi acabado em 108 dias, mais do que nas produções de Hollywood do cineasta mexicano. Os actores sabiam apenas dia a dia o que ia acontecer às personagens — cada um sabia, portanto, coisas diferentes — e iam também sabendo aos poucos o que as suas personagens significaram para a vida do homem que os estava a dirigir. Um filme sobre a memória, sim, mas sobretudo um filme em que a infância é interceptada e não apenas reconstituída, é olhada agora, com a consciência do adulto, a bolha da subjectividade exposta ao mundo, os gestos a terem outra relevância, a serem lidos de outra maneira. Como se Cuarón, num filme que para ele foi decisivo como “processo”, estivesse a falar com a sua memória e os planos de Roma fossem o registo dessa intercepção. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por exemplo, os recorrentes travellings com que varre os cenários: dizia o realizador, em conferência de imprensa, que quis dessa forma colocar uma distância na evocação, para que não dominasse a subjectividade, para que o mundo à volta das personagens fosse integrado no plano, para que as personagens pudessem ser recortadas de outra maneira. Por exemplo, Cleo. De origem indígena. De classe social pobre. Não era visível, Cuarón percebeu durante o processo: quando se ama alguém, diz, corre-se o risco de não se ver a pessoa. A verdadeira Cleo, mesmo integrada na família de Cuarón, fazendo parte dela, não era vista por Alfonso. Não tinha consciência da sua invisibilidade social. O filme é então uma forma de a dar a ver, de essa mulher ser personagem, ser pessoa. É também a forma de Cuarón perceber os homens e as mulheres da sociedade e do tempo em que nasceu, como a mãe, sempre presente e sempre solitária, “como todas as mulheres”, e como o pai, figura em fuga e que às tantas desaparece — é magnífica a sequência em que tentar enfiar o carro grande numa garagem e o automóvel não cabe, os gestos a serem decompostos pela montagem, a totalidade da figura impossível de apreender. Que coisa bonita é Roma, uma produção Netflix, no início da competição da 75. ª edição do Festival de Veneza! Reacção comovida, atira-se já, quando falta ainda tudo, como o Leão de Ouro, o que seria uma primeira vez para a Netflix. Pergunta-se se isso vai ser incómodo para Guillermo del Toro, o presidente do júri amigo de Cuarón. Ficará como das coisas mais feias da competição, e acreditando que terá concorrência à altura, The Favourite, de Yorgos Lanthimos, cineasta que, ao contrário de Cuarón, que não filmava há cinco anos, tem aumentado o ritmo produtivo, apresentando o seu terceiro filme em quatro anos, quando noutros tempos precisou de 11 para realizar quatro filmes. Tem aumentado o ritmo produtivo e tem coleccionado prémios, em Cannes e Veneza. Não é de secundarizar, sobretudo perante este novo filme, o primeiro com argumento que não escreveu, os efeitos que isso está a ter no seu cinema. Acontecia já perante o anterior, O Sacrifício de Um Cervo Sagrado, sentir-se o domínio de uma retórica. Dava ar de involuntária paródia ao gesto e, sobretudo, sacrificava o habitual pacto do realizador grego com as suas personagens, figuras que habitualmente pouco se explicam mas cuja abnegação pode ser comovente. Em The Favourite, o desapego do cineasta perante as personagens é claro, ou não soube interessar-se por elas, e a máquina da paródia é voluntária. Os recursos estilísticos não variam: uma lente para desfigurar. Não há nada de intrigante aqui. Filme de época, passa-se na corte inglesa nos anos de 1702-1707, quando a França e a Inglaterra estão em guerra, e no palácio da rainha Anna (Olivia Colman) duas cortesãs (interpretadas por Emma Stone e Rachel Weisz) disputam o favoritismo real, na sala do trono e na cama.
REFERÊNCIAS:
América, América, por onde andaste?
Duas visões da história americana: um western ficcional, Sem Deus, e uma série documental, A Guerra do Vietname (...)

América, América, por onde andaste?
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Duas visões da história americana: um western ficcional, Sem Deus, e uma série documental, A Guerra do Vietname
TEXTO: Num momento em que se parece desmantelar metodicamente a imagem da “terra da oportunidade” que o “sonho americano” nos vendeu durante o século XX, é fascinante olhar para trás: perceber como, na verdade, a realidade da história americana esteve sempre muito bem escondida pela ficção que se foi construindo à superfície. Como a “busca da felicidade” e da “justiça para todos” inscrita na Constituição nunca foi tanto um direito adquirido como uma “lotaria” caótica. Jeff Daniels não diz outra coisa, no papel de um pistoleiro cruel com alma de pregador, na soberba mini-série de Scott Frank Sem Deus: rezem tudo o que quiserem, mas Deus tanto fez o homem como a cobra e no Oeste selvagem não há lei nem deus que salve. Sem Deus, mini-série de sete episódios que o serviço Netflix estreou em Novembro, é, a um nível, um western relativamente tradicional, sobre a luta pela sobrevivência de uma pequena cidade mineira, pelo meio de um duelo mortífero entre o cabecilha de um gang criminoso e o seu ex-braço direito, que fugiu com o saque. A outro nível, é um olhar violento, perturbante, sobre uma cultura patriarcal, xenófoba e autoritária, onde a lei do mais forte se sobrepõe à decência e à justiça, as mulheres são cidadãos de segunda e os índios são ralé. A metáfora não é subtil – La Belle, onde tudo se passa, é uma cidade habitada apenas por mulheres, cujos homens morreram todos num acidente na mina. Mas Frank, veterano argumentista (Relatório Minoritário, Logan), sabe voltar a forma do western a seu favor para contar outras histórias de um passado forjado numa violência que a história edulcorou, e em alguns casos até mitificou. É também por esse olhar por trás da cortina que se torna absolutamente vital ver a espantosa série documental de Ken Burns e Lynn Novick A Guerra do Vietname, que entra em rotação no Netflix no dia 20. Ao longo de 17 horas, com testemunhos de combatentes, políticos, observadores, familiares ou académicos de ambos os lados do conflito, Burns e Novick exploram todos os cambiantes de uma guerra que ainda hoje é uma ferida aberta na psique americana: um conflito iniciado em nome da defesa dos “valores americanos” contra o papão comunista, mas que, como os documentos históricos têm provado, descambou rapidamente para um sorvedouro indefensável de sangue e tesouro. A certeza do “excepcionalismo americano” e a autoconfiança inabalável na grandeza de uma causa; a fuga para a frente incapaz de aceitar uma possível derrota; a sensação crescente de que toda uma geração, e sobretudo toda uma classe social, estava a ser sacrificada em nome de um imperialismo cultural e militar defendido pelas elites: é tudo isto que A Guerra do Vietname exibe, reinscrevendo, sempre, o factor humano na História. Nenhuma destas séries é um objecto reconfortante. Mas são vitais para percebermos como a América de ontem chegou à América de hoje.
REFERÊNCIAS:
Funcionários públicos vão ter três horas livres no primeiro dia de aulas dos filhos
Margarida Mesquita, investigadora e especialista em conciliação, nota que “Programa 3 em linha” deixa a descoberto questões como os pais que trabalham fora de horas ou as famílias monoparentais. (...)

Funcionários públicos vão ter três horas livres no primeiro dia de aulas dos filhos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.216
DATA: 2018-12-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Margarida Mesquita, investigadora e especialista em conciliação, nota que “Programa 3 em linha” deixa a descoberto questões como os pais que trabalham fora de horas ou as famílias monoparentais.
TEXTO: O “Programa 3 em linha”, apresentado nesta quarta-feira à tarde pelo Governo, prevê três dezenas de medidas para promover o equilíbrio entre a vida profissional, pessoal e familiar no sector público e privado. A iniciativa junta soluções novas e outras que já foram apresentadas e dependem do Parlamento ou da discussão com os parceiros sociais, mas deixa de fora problemas relevantes identificados em vários estudos, como o papel dos avós, a situação de pais que trabalham à noite ou ao fim-de-semana ou o apoio às famílias monoparentais. Margarida Mesquita, investigadora e professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), nota que só a implementação das medidas permitirá dizer se elas respondem às necessidades das famílias. E identifica algumas que considera “úteis”, como a escola a tempo inteiro, embora limitada ao segundo ciclo; o reforço da rede de creches; ou a majoração dos apoios a partir do segundo filho (agora é a partir do terceiro). Noutras áreas defende que já seria possível ir mais longe, tendo em conta os estudos existentes. Margarida Mesquita dá como exemplos o apoio aos pais que têm horários não convencionais, os impactos da precariedade ou os apoios aos avós e às famílias monoparentais. A autora do livro “Parentalidade – Um contexto de Mudanças”, alerta ainda que programa “deixa a descoberto” o transporte de casa para a escola e da escola para os tempos livres – que causam muito stress aos pais –, o desenvolvimento das competências parentais ou a resposta a imprevistos (como greves ou doença das crianças). A maior parte das 33 medidas não tem ainda calendarização. Uma das que já tem data marcada destina-se à função pública e dá três horas aos funcionários para acompanharem os filhos no primeiro dia de aulas. A dispensa começa no próximo ano lectivo e obrigará a uma organização específica, dado que os professores e funcionários das escolas que têm filhos também poderão ausentar-se por três horas. Ainda na área do sector público, há intenção de incluir nas cartas de missão dos dirigentes de topo as práticas de conciliação da vida pessoal e profissional, as equipas terão autonomia para gerir os tempos de trabalho, algo que Margarida Mesquita considera “muito interessante”. O Parlamento está a debater várias propostas na área das licenças parentais e o Governo compromete-se a apoiar algumas delas, até porque já as tinha apresentado aos parceiros em 2017. Uma está relacionada com o alargamento a licença obrigatória do pai de 15 para 20 dias úteis e outra com o alargamento da licença parental inicial, no caso de internamento hospitalar da criança imediatamente após o parto, até ao máximo de 30 dias. O Governo compromete-se a discutir com os parceiros sociais várias medidas. Uma tem a ver com a aplicação de regimes de adaptabilidade de horários de trabalho e bancos de horas a trabalhadores com filhos menos de 12 anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica. A intenção é que a aplicação destes horários dependa da autorização expressa do trabalhador, em linha com o que prevê o programa do executivo. Há também a intenção de colocar a conciliação entre os temas a discutir entre sindicatos e empresas quando se estão a negociar instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. O Governo espera que os parceiros sociais aceitem que 2019 seja o ano da promoção da conciliação nas negociações, através da negociação de regimes de horários favoráveis a este objectivo e do inventivo à criação de sistemas de gestão da conciliação que tenham em conta as diferentes fases da vida dos trabalhadores. Em Junho, quando assinou o acordo para a revisão da legislação laboral, o primeiro-ministro, António Costa, já tinha desafiado os parceiros sociais para um “grande acordo” para a conciliação entre a vida profissional e familiar. O programa prevê o desenvolvimento de um projecto-piloto em 21 organismos da administração central e empresas públicas, 11 câmaras municipais e 15 empresas privadas. Estas organizações comprometem-se a adoptar um conjunto de medidas relacionadas com o tempo de trabalho (teletrabalho, horários adaptados, horas limites para reuniões, entre outras) e desenvolver sistemas de apoios pessoais e familiares (incentivos à partilha das licenças entre pais e mães, protocolos com entidades prestadoras de serviços em áreas diversas, entre outras). Alcançar a universalidade da educação pré-escolar dos 3 aos 5 anos de idade, um objectivo do programa do Governo, também é colocado como um dos objectivos do programa. Promete-se ainda o reforço da cobertura das respostas para crianças até aos três anos nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, tendo em conta os movimentos pendulares de e para o local de trabalho. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Majorar o montante do abono de família em função da idade, nos primeiros seis anos de vida, e alargar a majoração em agregados familiares com dois ou mais filhos, para crianças com menos de 12 meses, está igualmente previsto. Pretende-se ainda reduzir a comparticipação familiar em creches para os segundos filhos e seguintes. O programa contém várias medidas relacionadas com a elaboração de estudos e inquéritos para se conhecer melhor os entraves e dificuldades à conciliação do trabalho com a família. Haverá um inquérito nacional aos usos do tempo para conhecer a divisão do trabalho pago e não pago entre mulheres e homens e será lançado um inquérito nacional à fecundidade. O Ministério do Trabalho tem a incumbência de promover um estudo sobre o impacto da precariedade no emprego e a conciliação e será feito um estudo (pela OCDE) para avaliar os efeitos da maternidade nas pensões.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave trabalhador homens escola filho educação criança doença estudo mulheres
Maior parte dos trabalhadores não pode tirar o dia para cuidar dos filhos
Uma fatia de 58,5% dos trabalhadores não pode sair para ir ao médico com os filhos ou a reuniões da escola, e prefere tirar férias. Ainda assim, inquérito do INE revela que maioria dos inquiridos considera não haver obstáculos à conciliação entre trabalho e família. (...)

Maior parte dos trabalhadores não pode tirar o dia para cuidar dos filhos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-12-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma fatia de 58,5% dos trabalhadores não pode sair para ir ao médico com os filhos ou a reuniões da escola, e prefere tirar férias. Ainda assim, inquérito do INE revela que maioria dos inquiridos considera não haver obstáculos à conciliação entre trabalho e família.
TEXTO: A maior parte dos trabalhadores raramente pode ou não pode de todo ausentar-se do emprego por um dia para cuidar dos filhos e 42, 2% não pode modificar a sua hora de entrada ou de saída para ir ao médico com as crianças, a reuniões da escola ou para amamentação. A conclusão é de um inquérito do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre conciliação da vida profissional com a vida familiar, divulgado nesta quarta-feira, que ainda assim dá conta de uma evolução positiva face a 2010. O inquérito teve por referência a população dos 18 aos 64 anos (6, 3 milhões de pessoas), em particular os trabalhadores por conta de outrem com filhos a cargo ou outros familiares dependentes (1, 6 milhões), a quem foram colocadas questões sobre o tema da conciliação e sobre a flexibilidade que têm ou não para cuidar dos filhos. Mas se as respostas às perguntas abertas foram surpreendentes - 84, 3% dos inquiridos consideram que as responsabilidades parentais não têm efeito na sua actividade profissional -, já perante situações concretas as dificuldades foram-se revelando. Desde logo, apenas 38, 7% dos entrevistados responderam que podiam ausentar-se do trabalho durante um dia completo para dar assistência aos filhos, sem terem de tirar férias. A maioria, 58, 5%, respondeu que raramente pode (20, 4%) ou não pode de todo (38, 1%). Ainda assim, há uma melhoria face ao inquérito de 2010, quando 62, 6% dos inquiridos não podiam tirar um dia para assistir aos filhos. Vasco Ramos, sociólogo do Instituto de Ciências Sociais que se tem dedicado à temática da família, assinala as melhorias registadas face a 2010 e avança com uma possível explicação. “Deve-se provavelmente ao facto de os mecanismos de contratação colectiva estarem a integrar estas matérias”, afirma. Já a flexibilidade para entrar pelo menos uma hora mais tarde ou saírem uma hora mais cedo parece mais generalizada, com 55, 9% a indicar que geralmente podem ajustar o seu horário diário para cumprirem as suas responsabilidades em matéria de cuidados. Contudo, 42, 2% respondeu que isso é impossível ou raramente possível. Mais uma vez, os dados de 2018 representam uma melhoria face a 2010, quando apenas 31, 7% respondeu que entrar mais tarde ou sair mais cedo era possível. Apesar da evolução positiva, Vasco Ramos ficou surpreendido com a elevada percentagem de trabalhadores que não podem ajustar o seu horário em função das necessidades dos filhos. “Há áreas da indústria ou do comércio onde pode ser mais difícil porque os horários são mais rígidos ou porque existe mais resistência por parte dos gerentes, mas surpreende-me que este valor continue a ser tão alto”, sublinha ao PÚBLICO. Margarida Mesquita, socióloga e autora do livro “Parentalidade – Um contexto de Mudanças”, alerta que estas dificuldades ao nível dos horários vão ao encontro das principais preocupações identificadas pelos pais no estudo que fez em 2014, e que se prendiam com a resposta a situações imponderáveis relacionadas com as crianças. O inquérito do INE conclui ainda que só 24, 5% dos inquiridos interrompeu a carreira para cuidar dos filhos, a maioria mulheres, e que apenas 10, 3% tiraram a licença parental alargada. Aproveitando o inquérito ao emprego do segundo trimestre de 2018, o INE questionou o painel de entrevistados sobre as suas percepções e experiências em relação ao tema da conciliação, algo que já tinha sido feito em 2005 e em 2010. A diferença é que em 2018 foram introduzidas questões abertas sobre o tema, o que leva a que algumas das respostas a estas perguntas surpreendam. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A esmagadora maioria da população empregada que cuida regularmente de menores (84, 3%) considera que as responsabilidades parentais não têm efeitos na sua actividade profissional e quando questionada sobre os obstáculos à conciliação da vida profissional com a vida familiar, 76, 6% responde que eles não existem. Pode-se concluir que perante estas respostas, os trabalhadores não têm dificuldade em conciliar trabalho e família? Para Vasco Ramos, estas perguntas podem levar as pessoas a dar respostas “politicamente correctas” e, por outro lado, as questões sobre situações do dia-a-dia mostram que há dificuldades. Para Margarida Mesquita, o dado que mais surpreendente é os inquiridos acharem que não há obstáculos à conciliação. “A resposta pode traduzir a vontade de conciliar as duas coisas. Poderia ser diferente se perguntassem se é difícil conciliar trabalho e família”, nota.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola estudo mulheres
“Coletes amarelos” estão “preparados para tudo”, porque já não aguentam mais
Na tenda dos “coletes amarelos” da rotunda de Kuhne, a 120 quilómetros de Paris, faziam-se os preparativos para a jornada de luta de sábado. O protesto só acaba com a mudança de políticas: “Em França, não podemos continuar assim. Não estamos a viver, estamos a sobreviver”. (...)

“Coletes amarelos” estão “preparados para tudo”, porque já não aguentam mais
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na tenda dos “coletes amarelos” da rotunda de Kuhne, a 120 quilómetros de Paris, faziam-se os preparativos para a jornada de luta de sábado. O protesto só acaba com a mudança de políticas: “Em França, não podemos continuar assim. Não estamos a viver, estamos a sobreviver”.
TEXTO: Com o frio, a chuva, e principalmente o vento, a não darem tréguas, é preciso garantir que a tenda que os “coletes amarelos” instalaram na rotunda de Kuhne, junto da localidade de Roye, resiste à intempérie que se anuncia para a próxima semana. Um dos seis homens de “turno” encarrega-se disso, recorrendo às paletes de madeira que vão sendo depositadas e empilhadas junto à tenda, para forrar as “paredes” e fortalecer a estrutura que antes já fora reforçada com remendos de cartão canelado e lonas a cobrir o telhado. Ninguém sabe quanto tempo mais esta precária construção vai resistir, mas sabem isto: enquanto não conseguirem o que querem, os “coletes amarelos” não vão desistir da luta nem arredar pé dali. “Se tiver de ser, comemos aqui a ceia de Natal, festejamos aqui o Ano Novo. Estamos preparados para o que for preciso”, garante Christophe, de 39 anos, uma das mais de 200 pessoas que desde o dia 17 de Novembro fazem da rotunda de Kuhne o seu lugar de protesto: contra a carestia de vida e a baixa do poder de compra, contra o peso dos impostos e a deterioração dos serviços públicos, contra as medidas do Governo da educação à segurança social, mas sobretudo contra o Presidente francês, Emmanuel Macron, e “os seus acólitos”, que “se estão nas tintas” para o povo". “Aqueles que votaram Macron estão agora a arrancar os cabelos”, explica Georges, de 55 anos. São homens e mulheres de todas as proveniências e das mais diversas idades e profissões: alguns moram ali ao lado e aparecem sempre que têm um momento livre, outros vêm de mais longe e ficam ali horas, noites inteiras até, porque a “resistência” faz-se 24 horas por dia. Um jovem que o PÚBLICO encontrou fez 300 quilómetros nos últimos quatro dias, “entre idas e voltas a casa”, para não deixar os companheiros desamparados. Poucos deles se conheciam antes de Macron ter anunciado o seu plano para um imposto adicional sobre os combustíveis, mas agora dizem que são “como uma família” — uma família de pessoas que trabalham e cumprem as suas obrigações, mas não têm dinheiro ao fim do mês para comprar um brinquedo para um filho. “Nós não pedimos muito, só pedimos o direito de poder viver com o nosso salário”, resume Christophe. “Estamos a sobreviver” Roye é uma comuna do departamento de Somme, na junção da Auto-Estrada n. º 1 e da Estrada Nacional n. º 17, que liga Paris à fronteira da Bélgica. A capital francesa fica a cerca de 120 quilómetros, e é lá que vai estar Julien, de 33 anos, este sábado, a manifestar a sua insatisfação com o agravamento das condições de vida dos trabalhadores. “Em França, não podemos continuar assim. Temos os impostos mais altos da Europa, mas as empresas não pagam. O Governo tem dinheiro para distribuir, mas não é para os salários ou para as reformas. Não estamos a viver, estamos a sobreviver”, lamenta. E é por isso que vai para a rua. “Porque o Presidente tem que perceber que já não aguentamos mais. ”Vários dos seus companheiros de Roye estiveram na primeira de todas as manifestações do movimento “coletes amarelos” em Paris, há três semanas, e outros participaram na jornada de luta do sábado passado, que deixou dezenas de pessoas feridas nos confrontos com as forças da polícia antimotim. Os que lá estiveram acreditam que a missão deste sábado é um pouco “suicida” — vai ser difícil conter a pressão. “Nós chegámos lá sem armas e de cara descoberta, e eles investiram com bastões e gás lacrimogéneo”, lembra um dos manifestantes, que faz questão de distinguir entre os “coletes amarelos” genuínos, “que são pacíficos”, e os infiltrados de cara tapada, que apareceram para destruir e provocar a violência, levando as autoridades a castigar a multidão indiscriminadamente. A cólera e os editores “Mas é assim que se trata um povo? O Estado impede-nos de manifestar a nossa cólera. Quem faz isso são os ditadores”, interrompe Sylvie, uma desempregada de 48 anos que acredita na justeza da luta dos “coletes amarelos” e acredita que este novo movimento, descentralizado, espontâneo e independente dos partidos e organizações políticas, pode ser a génese de uma nova revolução francesa. “Para mim, é muito claro que esta é uma nova revolução popular. É o povo que se revolta, não é um comando que quer tomar o poder”, acrescenta Georges, um empresário que tem uma frota de oito camiões e não esconde a sua simpatia pelas ideias de Florian Philippot, o antigo número dois da Frente Nacional (extrema-direita) que fundou no início deste ano o seu próprio partido, os Patriotas. É verdade que algumas das queixas ouvidas reproduzem algumas das críticas da extrema-direita ao Governo. Mas também é verdade que estão ali muitos eleitores que nunca deixarão de ir às urnas para impedir que uma política como Marine Le Pen possa ser Presidente da França. O drama dos franceses, apontaram vários destes “coletes”, é estarem confrontados com escolhas como a das últimas presidenciais. “Eu não conseguia votar em Le Pen e não conseguia votar em Macron, votei em branco”, conta um dos manifestantes. Quando se pergunta qual pode ser a solução para este impasse, percebe-se que de cada cabeça sai uma sentença diferente. Christophe, como Georges, Sylvie ou Delphine, de 44 anos, garantem que a luta só acaba com a demissão de Emmanuel Macron e a formação de um novo Governo. Uns reclamam eleições já, outros dizem que primeiro é preciso “pôr o sistema a zero outra vez” porque todos os políticos são iguais. Todos concordam que a resposta é a mudança das políticas, “que são ditadas de Bruxelas”, porque se “a França continuar com esta direcção, vai acabar como a Grécia”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A conversa é frequentemente interrompida, não só pelo trabalho de estabilização da tenda, mas também pela chegada de mais “coletes” ao local e pelo barulho das buzinas dos simpatizantes do movimento que circulam pela rotunda. Segundo as sondagens, quase 80% dos franceses dizem-se solidários com o protesto, e na rotunda de Kuhne há automobilistas que vêm descarregar mantimentos ou entregar dinheiro para que a luta continue. A tenda nunca fica com menos de cinco pessoas, mas por vezes são mais de 50 lá dentro. É difícil imaginar como cabem, dada a exiguidade do espaço, que, ainda assim, está dividido por áreas e aproveitado para todas as funções: à entrada, um pequeno balcão e um armário onde se guardam os mantimentos; ao lado, uma mesa que tanto pode ser de reuniões como serve para as refeições (enquanto conversamos, cortam-se baguetes, que são recheadas com queijo e fiambre e oferecidas a todos); ao centro há uma braseira eléctrica ligada a um gerador e, no pouco espaço livre que sobra ao fundo, improvisa-se agora um banco com a madeira que sobrou das paletes que protegem as paredes. Num placard estão afixadas folhas de papel com o planeamento e calendário dos protestos e o horário dos turnos, bem como o manifesto com a lista das reivindicações dos “coletes amarelos” de Kuhne (logo no primeiro ponto exigem a revogação de todas as leis do Governo Macron) e ainda o regulamento da tenda: ali não entram crianças, “por razões evidentes de segurança”, nem álcool; a limpeza tem de ser assegurada, e a “cordialidade e gentileza” são requeridas em todos os contactos com as forças de segurança.
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Partidos LIVRE
Aliados não vão abandonar sauditas mas estão a deixar de confiar no seu líder
MBS sabe que “são os outros que precisam dele” e tem razão. Mas pode ter ido demasiado longe, numa altura em que procura atrair grandes investimentos estrangeiros no reino. (...)

Aliados não vão abandonar sauditas mas estão a deixar de confiar no seu líder
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-22 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181022192307/https://www.publico.pt/1848098
SUMÁRIO: MBS sabe que “são os outros que precisam dele” e tem razão. Mas pode ter ido demasiado longe, numa altura em que procura atrair grandes investimentos estrangeiros no reino.
TEXTO: A Arábia Saudita nunca assumirá responsabilidades pelo assassínio de Jamal Khashoggi, um dos mais proeminentes jornalistas do mundo árabe, desaparecido a 2 de Outubro, quando entrou no consulado de Riad em Istambul. Com grande probabilidade, os Estados Unidos nunca apontarão o dedo aos líderes do reino. Mas isto não significa que o país e o príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman (MBS), não sofram consequências. Entre promessas vazias de “castigos severo” se ficar provado que a ordem veio de cima, o Presidente Donald Trump já deixou claro que nada porá em risco a aliança especial com os sauditas – e muito menos os lucrativos negócios de armas com Riad. Seja como for, depois de ministros do Reino Unido, França e Holanda anunciarem que não vão participar na conferência de investimento marcada para a próxima semana em Riad, esta quinta-feira foi a vez do secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, avisar que também não irá. Entretanto, no regresso do secretário de Estado, Mike Pompeo, que Trump enviou para conversar com MBS em Riad, a Casa Branca fez saber que vai esperar “mais alguns dias” pela versão saudita dos acontecimentos. "Parece certo que ele [Khashoggi] está morto", disse algumas horas depois Trump, em conversa com os jornalistas a bordo do Air Force One. A conferência a que Mnuchin vai faltar, Future Investment Initiative, é uma ideia de MBS para modernizar a imagem do reino de Meca e Medina e atrair investimento externo. O príncipe quer revolucionar a economia e diversificá-la; a conferência, que o ano passado teve a sua primeira edição, era o palco principal desse projecto. Antes dos ministros houve várias empresas que estiveram em 2017 a decidir não ir este ano, e o mesmo fizeram os principais responsáveis do FMI e do Banco Mundial. Os presidentes do Google Cloud, Uber, J. P. Morgan Chase, Ford ou BlackRock já não serão oradores, o fundador do Virgin Group também não. Os parceiros de media foram os primeiros a recuar na decisão de participar. Mas num sinal do que o assassínio de Khashoggi pode ou não custar ao reino, empresas de consultadoria como a McKinsey, PWC, Ernst & Young ou Deloitte mantêm-se, para já, como parceiras, assim como a gigante alemã Siemens e a empresa de pesquisa SWFI. MBS gastou milhões a investir na sua imagem de reformista ocidentalizado (durante o périplo de três semanas pelos EUA, em Abril, abandonou a tradicional túnica branca e chegou a usar jeans quando se encontrou com Bill Gates), na expectativa de que a sua imagem fosse confundida com a da Arábia Saudita. Com 33 anos, teve sucesso nesta mega-operação de relações públicas. O problema é que o príncipe não é o reformista que os líderes ocidentais quiseram acreditar que fosse: sim, quer aumentar o número de mulheres no mercado de trabalho e promover a educação no reino, permitiu a reabertura de cinemas e deixou, por fim, as mulheres conduzirem. Ao mesmo tempo, prendeu dezenas de críticos, mandou calar outros tantos e deteve temporariamente rivais da família real e grandes empresários para lhes extorquir milhares de milhões, no que Trump elogiou como grande passo no combate à corrupção. MBS fez mais do que isto. Ainda lançou uma guerra que está a destruir o Iémen, fez exigências impensáveis ao Qatar, declarando um boicote ao país, e obrigou o primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, a demitir-se em directo num canal de televisão saudita, culpando o Hezbollah e o Irão (inimigo regional que parece capaz de cegar o líder saudita) pela decisão. Tudo isto foi largamente ignorado pelos aliados ocidentais. A morte de um jornalista num outro país, mais a mais um que vivia desde Outubro de 2017 na Virgínia e escrevia no diário The Washington Post é algo demasiado ruidoso para poder ser ignorado. Khashoggi era uma voz respeitada – e, por isso, mais perigosa aos olhos de MBS – entre os sauditas no exílio e em casa, tinha sido conselheiro de vários membros da família real e editor do mais progressista jornal do país, Al-Watan, de onde foi despedido duas vezes. Khashoggi nunca temeu pela vida antes de criticar MBS. Pelos relatos de amigos do jornalista, sabe-se que representantes do príncipe o tinham convidado a regressar, acenando-lhe com empregos em think tanks. Pelas informações dos serviços secretos dos EUA, sabe-se que responsáveis sauditas planearam atraí-lo ao país para o prender. E através de tudo o que os jornais pró-Governo turco têm publicado não restam dúvidas de que Khashoggi foi morto e desmembrado dentro do consulado, às mãos de um grupo de membros das forças de segurança sauditas (alguns próximos de MBS) que aterraram nesse dia em Istambul e ali ficaram só por algumas horas. “A operação tem definitivamente a marca de Mohammed bin Salman”, diz ao Le Monde o académico Nabil Mouline. “Na actual configuração do sistema político saudita só pode ter sido ele a dar a ordem. ” Alguns republicanos estão convencidos disso mesmo: o senador Lindsey Graham, próximo de Trump, é um deles. “Fui um dos seus maiores defensores no Senado dos EUA”, disse à Fox News sobre MBS. “Este tipo é um martelo pneumático. Mandou assassinar este homem num consulado na Turquia e espera que eu ignore. Sinto-me usado e abusado. ”Os sauditas têm a seu favor muito dinheiro e a capacidade de equilibrar o mercado de petróleo, compensado a perda de barris iranianos por causa das sanções dos EUA. Ao mesmo tempo, Trump está satisfeito por ter Riad a “resolver” os problemas na região, agora que os americanos abandonaram o seu intervencionismo. Mas países como a França ou o Reino Unido também consideram a Arábia Saudita um aliado estratégico, tanto no combate ao terrorismo como nos negócios. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para o especialista em monarquias do Golfo Stéphane Lacroix, ouvido pela rádio pública francesa RFI, “não podemos esperar uma mudança radical” na relação entre Riad e os seus parceiros. Nesta relação, MBS acredita que “são os outros que precisam dele” e têm razão. Mas como outros analistas, o investigador e professor na Universidade Science-Po antecipa estragos na imagem do reino e do seu líder, “que podem pôr em causa projectos económicos”. Os aliados da Arábia Saudita não se importam que o país seja governado por um autocrata desde que saibam com o que podem contar. A impulsividade de MBS – e a crença absoluta na sua própria impunidade – já não será tanto do agrado de ninguém. Agora, “os parceiros estrangeiros vão desconfiar” dele, diz Lacroix. “Se alguém quer atrair investidores tem de ter uma boa imagem e transmitir confiança. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA FMI