David Machado, construtor de paisagens afectivas
Paisagens afectivas, personagens cujos corpos guardam a memória do trauma e que estão em reconstrucão: Debaixo da Pele, de David Machado, confirma aquilo que já se adivinhava, uma grande capacidade de escrita. (...)

David Machado, construtor de paisagens afectivas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Paisagens afectivas, personagens cujos corpos guardam a memória do trauma e que estão em reconstrucão: Debaixo da Pele, de David Machado, confirma aquilo que já se adivinhava, uma grande capacidade de escrita.
TEXTO: David Machado (Lisboa, 1978) começou por escrever literatura infantil (leva cerca de uma dezena de títulos publicados), e mais tarde estreou-se no romance com O Fabuloso Teatro do Gigante (Presença, 2006), a que se seguiram Deixem Falar as Pedras e Índice Médio de Felicidade (vencedor do Prémio da União Europeia para a Literatura, e do Prémio Salerno Libro d’Europa, e traduzido em várias línguas). No seu mais recente romance, Debaixo da Pele, inicia uma viagem, que durará cerca de 30 anos, aos meandros das memórias deixadas por episódios de violência física em duas das personagens, Júlia (que aos 19 anos se tornou vítima), e de Catarina (que aos quatro ou cinco anos assistiu a episódios de violência doméstica entre os pais). Nessa viagem as personagens dão testemunho de um processo, que parece em construção permanente, de lidar com o trauma e de encontrar maneiras para lhe sobreviver, e que vão desde o silêncio sobre o que aconteceu, a uma reescrita da realidade vivida. Se nos romances anteriores Machado já aflorava o tema da memória, neste aprofunda-o de uma maneira bastante bem trabalhada literariamente, confirmando e ampliando o talento de escrita (e de domínio de técnicas narrativas) que era já evidente nos livros anteriores. Como é que aconteceu a escrita deste novo romance, que é dividido em três partes e cada uma com uma voz narrativa diferente? Foi difícil?Fiz muita coisa nestes últimos três anos, que foi o tempo que demorei a escrever o livro. Fiz muitas viagens, sobretudo por causa do Índice Médio de Felicidade, pois tive de o apresentar em vários sítios. Depois aconteceu também o filme [baseado nesse anterior romance e com estreia prevista para final de Agosto], e fui eu quem escreveu o guião. Basicamente, o romance foi escrito em três períodos muito separados. Cada uma das partes tem um narrador diferente, uma voz diferente, e as três histórias passam-se em épocas distintas, com personagens que se cruzam muito ao de leve de umas partes para outras. O mais difícil para mim é começar a escrever um livro, encontrar o tom, a voz do narrador, e por vezes as primeiras 20 páginas podem demorar quase tanto como o resto. No caso deste tive de começar três vezes, uma vez para cada uma das partes, como se fossem três novos livros. Também por isso foi muito difícil. O que é que pretendeu ao dividir o romance em histórias diferentes?Foi sobretudo um exercício de estilo e de estrutura narrativa que me apetecia experimentar. Mas também por causa dos temas que queria tratar, sobretudo o tema do trauma. Apetecia-me saber como é que o trauma se estende ao longo do tempo, como é que passa de personagem para personagem. E interessava-me muito dar uma história específica a cada personagem que vai aparecendo, uma história que apenas tocasse as outras em alguns pontos. Interessou-lhe perceber também como é que as personagens iriam reagindo ao passar do tempo? Como é que a memória iria reagir?Interessava-me o trauma enquanto memória, sim. E quando falo aqui em trauma refiro-me ao resultante de violência, sobretudo física mas não apenas, provocada por outros seres humanos. Não me refiro aos traumas por cataclismos, por exemplo. Mas ao mesmo tempo não me interessava muito a violência em si. Por isso, no livro quase sempre apanhamos as personagens já na fase pós-violência. Interessava-me perceber como é que as personagens ficam depois, mas sobretudo como fica a relação delas com os outros, com o mundo em redor. A confiança que têm nos outros fica destroçada. Queria perceber como se consegue continuar a viver, e se se recupera, ou não, a confiança nos outros. Isso era muito importante, como é que a memória, que é um dos nossos super-poderes, a capacidade que temos de recordar, como é que isso é ao mesmo tempo um martírio, o facto de ter de recordar situações e acontecimentos que se viveram de maneira dolorosa. Interessava-me a reacção ao trauma. A falta de confiança nos outros depois do trauma, ou seja a desconfiança crónica, é outro dos temas que explora no livro. Interessou-lhe perceber como evoluía esse mecanismo?Os casos de violência doméstica e de violência no namoro têm uma dimensão que me assusta particularmente e que é o facto de o agressor ser alguém muito próximo da vítima, alguém em quem a vítima confiava ou que até amava. Todos nós já amámos e confiámos, é fácil perceber porque é que frequentemente estas situações de agressão se arrastam durante tanto tempo, às vezes anos, às vezes a vida toda. E isso é assustador, claro. Mas é igualmente assustador pensar que, uma vez superada essa situação, será muito complicado para a vítima voltar a confiar noutro ser humano, entregar-se a alguém que ame. No romance, Júlia vive com essa incapacidade e a certa altura, na terceira parte, encontramo-la a viver com o filho no meio de nada, afastada do resto da humanidade. Nesse ponto da narrativa, interessava-me compreender não apenas a forma como ela continua, passados mais de vinte anos, a lidar com o seu trauma, mas também de que modo esse trauma afecta a vida do Manuel, o filho. Ela ensina-o a desconfiar de qualquer ser humano, o que para mim é, por sua vez, uma forma de violência. O próprio Manuel acaba por percebê-lo e a certa altura diz que estar sozinho é como não existir. Na segunda parte do romance há um escritor a explorar a relação entre a memória e a realidade. Escreveu a frase "o mal que nos fazem não pára de acontecer" na nossa memória, e o escritor tenta ali alterar as coisas. A ficção é a única saída para as personagens no romance?Não acho que seja a única. Ao longo de todo o livro eu vou tentando experimentar várias saídas. Todas as personagens, umas mais e outras menos, estão a viver situações de trauma. Eu próprio queria perceber qual é a saída disto. Queria saber quais são as saídas, se as há, e se são eficazes. A que o escritor [a personagem de nome Salomão] encontra é apenas uma delas: a de tentar reescrever uma outra versão dos acontecimentos. A nossa memória também faz isso. Mas as personagens parecem acabar por não fazer essa "reescrita" da realidade. Ou fazem?O Salomão [o escritor] tenta fazer a parte dele. O caso da Júlia [personagem principal na primeira parte] é diferente. A Júlia nunca reescreve aquela história. Essa era a personagem que eu tinha desde o início, e que foi crescendo dentro de mim. Não acho que as minhas histórias tenham de ter um final feliz quando as estou a escrever. Mas confesso que a partir de certo momento, por causa da empatia que fui criando com ela, de uma relação mais solitária com aquela personagem, que eu criei e que coloquei naquela situação, eu passei a estar muito atento aos sinais ou vestígios que me permitissem salvá-la. No fim isso não aconteceu, não a consegui salvar. E em certa medida a culpa do que lhe aconteceu é minha, e isso fez-me sentir mal. Que é o mesmo que dizer que eu neste livro me proponho encontrar soluções para o trauma, e não consegui. E por isso que depois aparece o outro escritor a tentar salvar as personagens, porque o David Machado se sentiu impotente com o salvamento da Júlia?Por isso ele tenta este recurso da escrita. E por isso na terceira parte aparece ainda o Manuel, filho da Júlia, um rapaz com onze anos, que traz um novo alento a todo o enredo. No final do livro nada fica decidido, mas há já no ar alguma esperança. Na minha cabeça a infância e as criancas trazem sempre esta hipótese de redenção e de salvação, que muitas vezes não se verifica. Uma criança pode vir sempre salvar alguma coisa. No comportamento da Julia há a violência que dá azo a mais violência, e que se prolonga, ou se contagia, numa espécie de cadeia. Esta é uma maneira para olharmos para as coisas de outra forma? Houve um olhar seu de compaixão para com esta personagem por ela ter sido vítima e assim tentar justificar a violência dela?Acho que é as duas coisas. Por um lado, o facto de ter sido vítima dá-lhe permissão para certas atitudes, que não são aceitaveis mas são compreensíveis. Outro dos exercicios do escritor é sempre tentar olhar o mundo pelos olhos de outro, e todos nós somos muito rápidos a julgar. Para mim é intrigante o que está por trás de cada gesto. E no caso da Júlia eu levei as coisas ao extremo, o que me angustiou bastante, não apenas emocionalmente mas tambem fisicamente. Nós estamos a seguir a cabeça da Júlia quase segundo a segundo, nós vemos o raciocinio que provocou o gesto dela ou a palavra que lhe saiu da boca. Temos tudo cá dentro, tudo aquilo que justifica os nossos actos. Mas não se corre o risco de se justificar assim toda a violência, numa espécie de jogo perigoso?Eu próprio também me interroguei sobre isso. Aliás, está no livro a frase, “quando é que isto pára?” Senão a violência está sempre a renovar-se ou a alimentar-se de si própria. Mas ao mesmo tempo acho que temos muita dificuldade em admitir que dentro de nós todos está o instinto da maldade. Nós nascemos com os instintos todos. E no início da vida, sobretudo na adolescência, conseguimos aprender a domesticá-los, a recalcá-los. Mas eles estão lá, existem dentro de nós. Ao passo que os valores universais são fabricados, como a amizade. Ainda bem. Mas o instinto da maldade existe, bem como outros que conduzem a este. E custa-nos muito admitir que somos maus, admitir que nós tambem somos maus. Ao mesmo tempo, por isso, não me custa admitir que a violência produz violência. “O corpo é o início de tudo, e também carrega memórias que são impossíveis de serem desfeitas. ” O tema da memória é constante nos seus livros…Sim, aparece em todos. Logo no primeiro, O Famoso Teatro do Gigante, esse tema surgiu de maneira quase inconsciente, esse é um livro sobre a saudade. O Deixem Falar as Pedras é um romance sobre transmissão de memórias entre gerações, e mesmo em o Índice Medio de Felicidade, que é um livro mais virado para o futuro, a questão do passado, das memórias, impede-nos de reformularmos a nossa visão do futuro. Neste último não foi nada muito premediato, eu tinha já as duas personagens. Mas a questão do trauma apareceu-me logo, e eu senti-me atraído pela ideia de o trauma ser a memória que o corpo guarda, mesmo sem nós nos darmos conta, ou lembrarmo-nos, do que aconteceu. Mas de alguma forma o corpo lembra-se. Isso interessou-me também como exercício literário, como é que o corpo pode acrescentar coisas à história. No livro escreveu que "mais tarde ou mais cedo, a memória de uma pessoa fica presa às tristezas e às dores e tudo o resto se perde numa espécie de nevoeiro". Teve esta sensação com as suas personagens? Foi por isto que Júlia não se salvou? Por causa desta prevalência de algumas memórias?Não é algo em que eu acredite. No romance, quem o diz é o Manuel, na terceira parte, citando de cor os ensinamentos da mãe, a Júlia, que ficou presa à memória da dor que viveu mais de vinte anos antes. Eu acredito na capacidade de os seres humanos se agarrarem às memórias felizes. Ou pelo menos de saberem equilibrar as más memórias com as boas. Por outro lado, sou capaz de imaginar acontecimentos terríveis que deixarão no corpo, na cabeça e na vida de uma pessoa marcas tão fortes que poderão ensombrar tudo o resto. Às vezes é mais fácil ficar a boiar nessa tristeza antiga do que reagir. É o que acontece à Júlia, que vai mais longe ainda, aceitando essas memórias e construindo toda a uma filosofia para a sua vida e a do filho que tem por base a ideia de que, na sua essência, os seres humanos são sempre maus e que por isso devem viver isolados. É a forma que ela encontra para se salvar. Percebe-se que a escrita deste livro pressupôs alguma preparação mais técnica em alguns campos específicos. Como é que o preparou?Li alguns livros sobre trauma, e outras coisas técnicas sobre psicologia. Mas não foi muita coisa. Depois foi o trabalho do escritor, de ir aos detalhes, de explorar, de ir ao pormenorzinho. Foi muito difícil, acho que nunca me tinha acontecido estar tão dentro da cabeça de uma personagem que vivesse coisas tão dificeis [Júlia]. E depois desligar o computador, tentar limpar tudo na minha cabeça, e ir buscar os meus filhos à escola. Sair daquela parte do romance [a primeira] foi um grande alívio. A que me deu mais gozo escrever foi a segunda, que é um exercício de estilo muito interessante, e que tem a ver com o próprio trabalho do escritor, com a reflexão que fazemos quando escrevemos um romance. O que é que deixamos de fora? O que incluimos e porquê? Porque tomamos esta e não aquela outra decisão? Além disso, foi muito interessante de fazer, escrever sobre a cabeça de um escritor. Mesmo aquela divisão gráfica da página deu-me bastante gozo. Depois a terceira parte voltou a ser dificil, apesar de ser menos exigente do que a primeira e menos fechada em termos espaciais e temporais. A primeira é muito claustrofobica, a personagem está sempre em espaços fechados, mesmo quando vai para o parque está debaixo de árvores, como que protegida. A terceira, que tem como personagem o filho, é mais aberta, quase solar. O que sentiu de diferente entre este romance e os anteriores, quer em termos de escrita, de estilo, de técnica narrativa? Sentiu que houve uma evolução, digamos assim?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Depois de ter escrito o Índice Médio de Felicidade, que é um romance muito linear, apesar de a personagem estar a falar com um amigo imaginário, que é a única coisa estranha, de resto é uma história contada de maneira convencial, eu queria fazer algo diferente em termos de estilo. Por isso decidi arriscar um pouco, sobretudo nas duas primeiras partes. Na primeira porque estou dentro da cabeça de uma personagem feminina, coisa que eu nunca tinha feito. E a segunda parte em que faço aquele exercício de estilo de que já falamos. Quando arriscamos estamos muito inseguros. Quando estava a escrever tinha por vezes a sensação de que aquilo não estaria a funcionar, o que por um lado foi bom. Mas ao mesmo tempo sabia que as ideias eram boas. Quando comecei a rever e a trabalhar com a editora [Maria do Rosário Pedreira] senti que as coisas estavam a resultar e aí senti-me mais confiante no livro. Perguntaram-me muitas vezes se por causa do sucesso do Índice Médio de Felicidade se eu estaria agora com medo. Não, agora é que eu não tinha medo nenhum de falhar, aquele livro já tinha feito a sua vida, e bem. Agora admito que este é um salto em relação ao anterior. Em Portugal não há a tradição do editor, à maneira americana. Mas alguns dos autores mais novos, entre os quais se inclui o David, começaram há uns anos a trabalhar com a editora Maria do Rosário Pedreira. Qual a importância de um editor como ela e qual a sua função?Para mim é mesmo muito importante. Eu comparo isso sempre ao papel do produtor nos discos. Nenhuma banda vai para um estúdio sozinha. O trabalho com a editora é sempre muito fluído. O que ela faz é dizer, ‘isto não está a resultar, esta personagem não faz sentido, este capítulo não percebo para onde vai’, mas não me dá soluções de nada, essas são minhas e são trabalho de casa. Quando lhe envio o manuscrito e a seguir nos encontramos para o discutir, tenho a mesma sensacão que tinha quando ia para um exame nos tempos da faculdade. Sinto que ela me vai questionar sobre quase tudo, e eu vou ter de justificar tudo. Por vezes a justificação pode ser apenas ‘porque eu acho que assim fica melhor’. Mas o trabalho dela é muito importante para mim, o de haver alguém que nos vem abanar e que de vez em quando parece tirar-nos o tapete de debaixo dos pés.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola humanos violência filho criança medo espécie doméstica corpo feminina infantil agressor
Lei das armas e entrega voluntária baixam à comissão para entendimentos à esquerda
Direita acusa Governo de interferir no património pessoal ao querer obrigar à entrega de armas herdadas, a esquerda argumenta com a necessidade de reduzir o uso pessoal de armas. (...)

Lei das armas e entrega voluntária baixam à comissão para entendimentos à esquerda
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Direita acusa Governo de interferir no património pessoal ao querer obrigar à entrega de armas herdadas, a esquerda argumenta com a necessidade de reduzir o uso pessoal de armas.
TEXTO: A proposta de lei do Governo sobre o novo regime da lei das armas e as propostas do PCP, PEV, BE e PAN para um programa de entrega voluntária de armas não registadas baixaram à comissão de Assuntos Constitucionais por 90 dias para a esquerda se conseguir entender sobre algumas medidas do Executivo. Com PSD e CDS o entendimento parece muito difícil, já que os dois partidos recusam alguns princípios de base das alterações que, por exemplo, limitam o número de armas e munições licenciadas por cidadão ou que consideram ilegal a manutenção de armas herdadas por quem não disponha de licença de uso e porte de arma. O ministro da Administração Interna não se cansou de argumentar que as restrições que pretende impor se devem à cada vez maior necessidade de manter Portugal um país seguro – e que tal é cada vez mais premente tendo em conta os fenómenos de violência e terrorismo que vão grassando na Europa. Eduardo Cabrita citou o milhão e meio de armas que estarão nas mãos de civis portugueses e acabou classificar de “demagogia pura” as críticas da direita de que se está a atentar contra liberdades individuais como a da propriedade. O PSD levantou questões técnicas como a classificação das armas e a deputada Andreia Neto criticou o fim das licenças vitalícias, a imposição de um limite no número de armas para quem hoje as tem de forma legal, acusando o Governo de espoliar, inconstitucionalmente, os cidadãos de propriedade privada, obrigando-os a entregar as armas para serem destruídas. Do centrista Telmo Correia, o ministro ouviu a acusação de que é o Estado quem não consegue garantir que o armamento vá parar às mãos de criminosos, como aconteceu com Tancos. E também a de que está a “atacar” os atiradores desportivos, a propriedade de quem herdou armas, e até a caça – e por arrastamento os territórios do interior que têm nessa actividade uma fonte de rendimento. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. À esquerda do PS, os partidos avisaram que o melhor seria não levar a lei já a votos porque concordam com os princípios de base mas querem “aperfeiçoar” algumas questões, além de que quererem consensualizar a abertura de um programa especial de entrega voluntária de armas que não estejam registadas sem que os seus proprietários fiquem sujeitos a processos judiciais – que poderá ser de quatro a seis meses. O deputado do Bloco de Esquerda José Manuel Pureza estima que a violência decorrente do uso de armas represente cerca de 180 milhões de euros por ano em Portugal – dos cuidados de saúde às indemnizações às vítimas ou compensações pelas faltas ao trabalho e defendeu a necessidade de uma “regulamentação robusta e exigente” para acabar com casos de “mortes estúpidas” de crianças ou de homicídios por violência doméstica. A ecologista Heloísa Apolónia salientou a necessidade de sensibilizar a sociedade para o desarmamento” e o deputado André Silva, do PAN, avisou que votará contra porque a lei promove a caça como um negócio. O comunista António Filipe avisou o Governo que na especialidade será preciso ter em conta a “razoabilidade” de alguns pareceres sobre, por exemplo, o sector da caça, as heranças, os colecionadores ou os desportos que usam armas. “Deve ser restringido o uso e posse indiscriminada de armas, mas também a discricionariedade da sua utilização pelas forças de segurança. ”
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PAN PSD PCP BE PEV
Ausência de Fernando Medina do debate orçamental irrita deputados
Quase dois meses depois de ter sido apresentado, o orçamento para 2019 foi aprovado na assembleia municipal. (...)

Ausência de Fernando Medina do debate orçamental irrita deputados
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.01
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Quase dois meses depois de ter sido apresentado, o orçamento para 2019 foi aprovado na assembleia municipal.
TEXTO: A assembleia municipal aprovou esta quinta-feira o orçamento de Lisboa para 2019 e as Grandes Opções do Plano para 2019-2022. Numa reunião extraordinária, realizada de propósito para este debate, a ausência de Fernando Medina foi criticada por partidos da esquerda à direita e até Helena Roseta se mostrou incomodada. “Entendo que há responsabilidades que têm de ser assumidas”, disse a presidente da assembleia, anunciando que levará o assunto à conferência de representantes. A autarca manifestou-se depois de uma violenta intervenção de António Prôa, deputado do PSD. “Ninguém concebe, partidarites à parte, que o presidente da câmara, quem lidera o executivo, não esteja aqui hoje a dar a cara, a defender este documento que é fundamental para a sua gestão”, afirmou o social-democrata. Antes, já Modesto Navarro, do PCP, tinha dito que o facto de Medina não estar presente mostrava a “displicência com que trata a assembleia municipal e esta cidade”. E o CDS, através de Francisco Rodrigues dos Santos, fez um “voto de repúdio” pela ausência do autarca. “Faz lembrar aquela criança amuada que, não gostando do jogo, sai com a bola debaixo do braço e marca falta e não está presente no debate democrático”, disse. “Quando há grande ênfase na ausência do presidente numa reunião extraordinária marcada com uma pequena margem é porque não há grande crítica a fazer ao orçamento”, respondeu João Paulo Saraiva, vereador das Finanças, a quem coube a defesa da proposta orçamental da maioria PS/BE. No debate propriamente dito, as críticas da oposição centraram-se nas opções tomadas pela câmara, sobretudo tendo em conta o volume de receitas previsto para o próximo ano. “Lisboa beneficia de um orçamento milionário”, criticou Modesto Navarro, mas os fundos “não estão a ser canalizados para melhorar a vida de quem vive ou poderia viver na cidade. ” Também pelo PCP, Fernando Correia sublinhou que “o problema da mobilidade está longe de estar resolvido” e que “os serviços da Carris não estão melhores e os utentes sentem-no diariamente”. Pelo PAN, Inês Sousa Real lamentou que estejam destinados 800 mil euros para iluminações de Natal e 220 mil para três planos municipais de igualdade e prevenção de violência doméstica. A deputada criticou igualmente o peso do Hub Criativo do Beato (20, 3 milhões de euros) e da Web Summit (3 milhões). “São verbas muito elevadas se comparadas com todas as verbas para o combate à exclusão social, aos direitos humanos, à cultura”, disse. Crítica semelhante fez João Condeixa, do CDS, partido que, tal como o PSD, se centrou muito na questão fiscal. Condeixa acusou a câmara de “extorquir 623 milhões de euros em impostos” aos lisboetas, o que dá “1800 euros a cada família”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “O CDS é muito mau a fazer contas. Partem de números que muitas vezes nem sabemos onde os foram buscar”, respondeu João Paulo Saraiva. “Quando apresentam este número, onde é que o foram buscar? É que a nós dá-nos 700 euros. ”Congratulando-se com o cumprimento de algumas medidas do acordo político, o bloquista Ricardo Moreira lastimou, ainda assim, a aposta dos socialistas na “monocultura do turismo”. Perante um comentário recorrente à esquerda de que a autarquia está a passar cada vez mais responsabilidades para empresas municipais e prestadores de serviços, João Paulo Saraiva anunciou, para Janeiro, “um pacote que vai permitir monitorizar de forma mais intensa a actividade das empresas municipais”.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PAN PSD PCP BE
Christian Rizzo desossou um tango (mas não para o tornar mais comestível)
Ad Noctum, o espectáculo que este sábado abre o festival Circular, completa a longa imersão do coreógrafo francês no mundo das danças anónimas de transmissão popular. E põe-no a enfrentar um tabu pessoal, o dueto – à sua heterodoxa maneira. (...)

Christian Rizzo desossou um tango (mas não para o tornar mais comestível)
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.25
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ad Noctum, o espectáculo que este sábado abre o festival Circular, completa a longa imersão do coreógrafo francês no mundo das danças anónimas de transmissão popular. E põe-no a enfrentar um tabu pessoal, o dueto – à sua heterodoxa maneira.
TEXTO: Christian Rizzo teve sempre tanto medo do dueto que conseguiu passar 20 anos a escalar a paisagem coreográfica francesa (chegou mais ou menos ao topo em 2015, quando foi chamado a suceder Mathilde Monnier na direcção do influente Centre Corégraphique National de Montpellier, agora rebaptizado Institut Chorégraphique International) sem se aproximar uma única vez dessa forma absolutamente seminal que integra a experiência da dança desde tempos imemoriais, e que ao longo dos séculos se foi cristalizando em figuras canónicas como os minuetes das cortes europeias do Antigo Regime, os pas de deux do ballet clássico, os tangos, as valsas e os chachachás dos salões de baile – e os slows das pistas de discoteca que fizeram incontáveis vítimas ao longo dos anos 80. Subentendemos, porque ele não desenvolve, que terá sido disso que o coreógrafo francês teve medo: dos protocolos obsoletos do dueto, da sua lógica binária incompatível com os múltiplos coming out que vêm tornando a identidade de género uma experiência tão mais caleidoscópica, e sobretudo das cascas de banana kitsch que já terá visto muito boa gente a pensar que conseguia evitar para logo a seguir se estampar ao comprido. Só que entretanto alguma coisa o fez querer enfrentar este e outros tabus pessoais, operação a que se dedicou consistentemente de 2013, o ano da estreia de D’après une histoire vraie, a 2016, o ano da estreia de Le Syndrome Ian. Entre o primeiro e o terceiro (e último) capítulo dessa “longa e reveladora aventura” que teve com as danças anónimas de transmissão popular, enfrentando primeiro o tabu de um elenco exclusivamente masculino para abordar o folclore, e por fim o tabu da sua própria história pessoal para abordar as práticas desclassificadas (ou mesmo clandestinas) do clubbing, Christian Rizzo encheu-se de coragem e atacou as danças de casal. Ad Noctum, o espectáculo com que abre este sábado, no Teatro Municipal de Vila do Conde, mais uma edição do Circular – Festival de Artes Performativas, é, diz ao Ípsilon dias antes de mais um regresso a Portugal, onde já veio mostrar as duas pontas da trilogia, o que acontece quando se tenta “desossar um tango”. Não exactamente, previnamos desde já, para o tornar mais comestível. Mais do que o miolo de uma investigação em torno do contágio entre as danças anónimas, vernaculares, e as danças de autor – “É uma dupla história, a da dança contemporânea: como na molécula do ADN, são duas hélices que se cruzam constantemente e que avançam em paralelo”, dizia Christian Rizzo há um ano, quando Le Syndrome Ian abriu a temporada do Teatro Municipal do Porto –, Ad Noctum é “de facto a sua peça central”. D’après une histoire vraie, levantada com um grupo de homens que se tornou “um verdadeiro bando”, tinha sido “uma experiência solar”, recapitula agora ao Ípsilon, e depois dela quis voltar à noite. Mas não à noite tal como sempre a conheceu – é o seu habitat natural, como o capítulo final da trilogia viria a explicitar, fixando em palco as quase três décadas que Christian Rizzo esteve acordado enquanto o mundo dormia (depois aprendeu a viver de dia, “e não é nada mau”…) –, e muito menos na sua companhia habitual. A noite de Le Syndrome Ian, concretiza, era “a noite antes de o dia se levantar”. Aqui, “o dia nunca se levantará”: Ad Noctum é “a noite mental, absoluta, infinita” que Julie Guibert e Kerem Gelebek atravessam “como se fossem o primeiro ou o último casal a dançar” em toda a história da nossa existência enquanto espécie, vigiados por outro ser vivo, um monólito emissor de luz, som e imagens que tanto pode estar aqui para minar este dueto (não há sexo, mas de repente isto é um threesome) como para o engendrar. Coreografia: Christian Rizzo Vila do Conde. Teatro Municipal de Vila do Conde. Avenida Doutor João Canavarro. T. 252290050. Sábado dia 22 de Setembro às 21h30. 5€ (Circular – Festival de Artes Performativas de Vila do Conde 2018)Por ser território escuro, e para ele totalmente desconhecido, Christian Rizzo não quis aventurar-se no dueto sozinho, e chamou dois bailarinos com quem já tem uma história (criou um solo para cada um, aliás: b. c. janvier 1545, fontainebleau para Julie Guibert; sakinan goze çöp batar, para Kerem Gebelek): “Queria ir para isto com pessoas que eu conhecesse bem e que me conhecessem bem: para podermos chegar todos mais longe, tinha de haver conhecimento e confiança. Mas já tinha muitas coisas antes de eles chegarem aos ensaios: aquela máquina, por exemplo, foi construída quando ainda não havia coreografia, porque muito rapidamente percebi que ia ter necessidade de um terceiro elemento que fosse simultaneamente um gerador e uma testemunha da dança que ali tem lugar. ”É uma dança que pode vir completamente dali, se acreditarmos no poder demiúrgico da máquina em que Christian Rizzo concentrou parte importante das vibrações de Ad Noctum, e à qual deu “uma protolinguagem” autónoma. Mas que vem seguramente também do tal tango que Christian Rizzo viu no YouTube e que se pôs a desossar – assim como de “todos os casais míticos do cinema clássico americano”, ou dos pares acidentais das danças de salão. Também eles, de resto, foram desossados: “Não queria explorar o tópico da sedução, que pode ser muito forte neste universo; queria sobretudo explorar as dinâmicas de escuta entre os dois elementos de um par. Portanto tratou-se de partir esse tango – podia ter sido um pas de deux, ou uma dança de corte – para depois o reconstruir a partir de um sistema que eu diria quase matemático. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Questão decisiva, o tango que Christian Rizzo escolheu para desossar passa-se entre dois homens, subvertendo um cânone ferozmente heterossexual. Também aí Ad Noctum se mostra infiel à sua genealogia: não há papéis de género neste dueto, ou se há “são flutuantes”. “À medida que fomos avançando na observação dos sistemas da dança a dois, percebemos que há um ponto fixo entre dois corpos que é o ponto de rotação, seja no rock, seja na valsa. Todo o nosso desafio passou a ser dilatar e contrair sucessivamente esse ponto, deslocá-lo – e para esse efeito a discussão das questões de género não era de todo relevante. ”O final, fantasioso e inexplicável como todas as histórias vindas do princípio ou do fim dos tempos, tratará de o sublinhar: duas figuras gémeas, anónimas, sem rosto nem sexo, continuam a dançar numa noite escura. Não sabemos se vêm do passado, do presente ou do futuro, o que houve antes ou o que haverá depois: sabemos que esta história também é a nossa história, e que numa destas noites, apenas porque somos humanos, encontraremos um par e nos poremos a dançar.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens humanos sexo medo género espécie
A Guerra dos Tronos e os Direitos Humanos: lições em seis atos [alerta spoiler!]
Que o manto de cinzas (ou de neve) não nos cubra a perceção do mundo real. É caso para dizer: “The real world is dark and full of terrors.” (...)

A Guerra dos Tronos e os Direitos Humanos: lições em seis atos [alerta spoiler!]
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento -0.2
DATA: 2019-07-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Que o manto de cinzas (ou de neve) não nos cubra a perceção do mundo real. É caso para dizer: “The real world is dark and full of terrors.”
TEXTO: Quanto do mundo ficcional de A Guerra dos Tronos espelha o mundo real, no que respeita a violações dos Direitos Humanos? Revisitemos alguns dos momentos mais acutilantes e que jamais olvidaremos. 1. º ato: Da pena de morteA série é inaugurada com uma decapitação pela espada de Ned Stark, auspiciando o seu fado pelas mãos do despótico Joffrey. Em 2018, executaram-se, oficialmente, 690 sentenças de morte, em 20 países, com a China, Irão e Arábia Saudita a ocupar o pódio – acredita-se que o número de facto será triplamente mais elevado. A Bielorrússia é o único país do Conselho da Europa (ao todo 47 Estados) que mantém a pena de morte, apesar do reiterado esforço desta organização internacional na sua abolição – veja-se a discussão no recente Congresso Mundial contra a Pena de Morte. 2. º ato: Do casamento (infantil) forçadoSansa Stark tropeça em três casamentos, sem nunca autonomamente consentir. Com expressiva predominância em África, mas também na Ásia e na América Central e do Sul, uma em cada cinco raparigas é forçada a casar. Esta prática encontra fatores impulsionadores vários, como a desigualdade de género, a pobreza, as tradições, os conflitos armados e as emergências humanitárias, segundo uma resolução da ONU. 3. º ato: Da torturaNunca esqueceremos os perturbantes episódios em que Theon Greyjoy é cruelmente torturado, com sequelas irreversíveis, ou de como Jamie Lannister perde a mão. Em muitos países, a amputação de membros, apedrejamento, chicotadas, choques elétricos constituem práticas punitivas correntes. No mês passado, o Brunei aprovou, na sua perniciosa legislação penal, a amputação de membros corporais como punição do crime de roubo, ou 40 chicotadas no caso do crime de relacionamento sexual entre mulheres. 4. º ato: Da mutilação genital (MG)A castração dos Unsollied ou de Lorde Varys não passou despercebida. Centenas de milhões de mulheres são vítimas destes atos perversos, em 50 países – veja-se o artigo do Dia Internacional da Tolerância Zero à MG Feminina. Já os dados quanto à MG masculina não parecem contabilizados, talvez porque a prática, pelo menos quanto à circuncisão, não é, equivocamente, tida como invasiva da autodeterminação genital. Ainda ignorada permanece, encoberta pela veste de cirurgia de normalização, a MG que se pratica nas crianças intersexo – que nascem com características sexuais ambivalentes. A recente resolução do Parlamento Europeu reprova esta última prática, aplaudindo as legislações de Portugal e Malta (as únicas da Europa que preveem a sua proibição)Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. 5. º ato: Dos crimes contra a Humanidade e crimes de guerraA Khaleesi, que libertou a Slaver’s Bay, dizimou milhares de civis em King’s Landing. Num tweet, a Amnistia Internacional comparou a devastação desta cidade ficcional com a de Raqqa (Síria): “Não são precisos dragões para destruir uma cidade. ” E falaríamos ainda de Idlib ou Alepo, Gaza na Palestina, Rakhine em Myanmar, de Áden a Sanaa no Iémen. 6. º ato: Da ausência de participação políticaA série encerra com uma ténue nota democrática, quando Sam Tarly propõe que Westeros passe a escolher o seu ou a sua governante. Apesar do passo visionário, sabemos que não é Westeros quem decide, mas os Senhores e as Senhoras ali reunidos. Respiramos de alívio, pois por cá o sufrágio é universal. Mas não devíamos. O direito ao voto não é reconhecido aos cidadãos com funções mentais limitadas ou alteradas, sujeitos a internamento psiquiátrico ou mediante declaração médica – opção legislativa discriminatória e reprovada pelo Comité sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Que o manto de cinzas (ou de neve) não nos cubra a perceção do mundo real. É caso para dizer: “The real world is dark and full of terrors. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
“Somos encorajados a preocupar-nos com as nossas aparências, dietas, status, popularidade”
O Mundo à Beira de Um Ataque de Nervos é o mais recente livro do escritor britânico Matt Haig. O impacto da Internet e do ritmo acelerado em que vivemos na saúde mental deu o mote para o livro e para as perguntas que lhe fizemos. (...)

“Somos encorajados a preocupar-nos com as nossas aparências, dietas, status, popularidade”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-06-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Mundo à Beira de Um Ataque de Nervos é o mais recente livro do escritor britânico Matt Haig. O impacto da Internet e do ritmo acelerado em que vivemos na saúde mental deu o mote para o livro e para as perguntas que lhe fizemos.
TEXTO: Escrevia Matt Haig no arranque de Razões para Viver, em que relata de forma leve e bem-humorada a crise profunda de ansiedade e depressão em que mergulhou em 1999, quando tinha apenas 24 anos: “Lembro-me do dia em que o meu velho eu morreu. ” Em 2015, o escritor britânico já tinha mais de uma dezena de títulos publicados, como os romances A Família Radley e Os Humanos, mas foi o livro de não-ficção que o transportou para as luzes da ribalta: esteve entre os dez mais vendidos do Reino Unido durante 46 semanas e chegou ao topo da tabela. Depois de, nos últimos anos, se ter dedicado à ficção para crianças – Um Rapaz Chamado Natal, editado em 2016, foi traduzido em mais de 25 idiomas e está a ser adaptado ao cinema –, e para adultos, Matt Haig regressa à não-ficção com O Mundo à Beira de Um Ataque de Nervos. Tal como o seu antecessor do género, foi editado pela Porto Editora. Desta vez, o escritor volta-se de “dentro para fora” para explorar o impacto do caos tecnológico e do ritmo acelerado que caracterizam a vida moderna na deterioração da saúde mental. Partindo da ideia de “uma mente stressada num mundo stressado”, Matt Haig aborda temas como a Internet como motor de conexão e desconexão, o excesso de informação que recebemos diariamente ou as inseguranças cultivadas pela cultura capitalista. Recentemente, o escritor andou em digressão pelo Reino Unido com o novo livro, mas fez questão de parar para responder às perguntas do PÚBLICO, por escrito. Este livro é uma espécie de sequela de Razões para Viver, que focava uma crise pessoal de ansiedade e depressão. Em que altura deu conta do impacto que o mundo externo tinha na sua saúde mental?Em 2015 e 2016 passava demasiado tempo na Internet, envolvia-me em discussões desnecessárias com pessoas que não conhecia, trabalhava demasiadas horas por dia, e estava a começar a entrar numa nova crise de depressão e ansiedade. Trata temas como o excesso de informação, o capitalismo ou as expectativas sociais através do relato de experiências pessoais, dados científicos e um estilo quase de guia. Como é que essa dinâmica pode atrair o leitor da era digital?Eu acho que escrevo de uma forma que faz com o que o público possa mergulhar nos meus livros por onde lhes apetecer. Podem começar pelo início, meio ou fim. [Durante o processo de escrita], tento não me focar muito no “tipo” de livro que estou a escrever, porque isso é bastante limitador. Apenas me guio por uma série de questões que tenho e divirto-me a explorá-las. O eixo temático do livro é “a mente stressada num mundo stressado”. De que forma é que o mundo se alimenta dos nossos medos e como podemos combatê-lo?A economia está dependente da nossa insatisfação. Somos encorajados a preocupar-nos com as nossas aparências, dietas, status, popularidade, da mesma forma que a comunicação social quer que estejamos preocupados e divididos para conseguir obter mais cliques e visualizações. Quanto mais consciência tivermos de que as nossas inseguranças têm causas culturais externas, mais facilmente poderemos fazer-lhes frente. A sua escrita normalmente faz-se de capítulos pequenos, espaços largos e parágrafos fortes, mas houve quem a caracterizasse como cliché. Como é que encontra o equilíbrio entre a mensagem que quer passar e as palavras que usa?Não é propriamente um equilíbrio. Não faço esse tipo de compromisso. Para mim, as palavras que têm mais impacto são as mais simples. São palavras como “casa”, “céu” e “amor”. Na cultura do meu país [Inglaterra], a inteligência é muitas vezes vista como sendo equivalente à dificuldade [de compreensão], mas eu acho que também é uma questão de emoção e verdade. Eu escrevo para o meu “eu” mais novo, quando estava doente e precisava de ter o acesso mais directo possível a essa verdade. Já tinha um corpo de trabalho sólido antes do sucesso de Razões para Viver. Alguma vez sentiu o peso de ser tão aberto sobre a saúde mental?Sim. Razões para Viver tornou-se o meu livro mais bem-sucedido na altura – um bestseller e em primeiro lugar na tabela – e naturalmente sempre quis ter um livro que fosse tão popular, mas foi uma altura muito difícil porque falava do aspecto mais pessoal e sombrio da minha vida. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além da saúde mental, fala de questões como as alterações climáticas, o feminismo e a masculinidade tóxica. Sente a necessidade de estar presente no mundo como cidadão e não apenas como escritor?Há algumas questões que são difíceis de ignorar. O ambientalismo, por exemplo, é uma preocupação de grande proporção e urgência. Além disso, está intimamente relacionado com a saúde mental, porque muitas das coisas que [fazemos que] são más para o planeta são igualmente más para nós. Boa parte da interacção que mantém com os leitores é online. Quando aborda a masculinidade tóxica – um tema ainda pouco falado –, qual é a reacção que obtém?Acho que os homens que me seguem online e lêem os meus livros já estão predispostos a ter uma ideia mais ampla de masculinidade. Posto isto, alguns sentem-se, de facto, ameaçados. A Internet é caótica, mas também pode trazer conforto. É uma questão de fazer uma curadoria dos espaços online e offline que visitamos?Sim, completamente. E estar atento à forma como [a Internet] nos faz sentir e ao tempo que passamos nela, e se isso nos faz sentir melhor ou pior.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens humanos cultura ataque social género espécie corpo feminismo ansiedade
Maratona para nomeação de cargos na UE adiada após 18 horas de negociações
Numa revolta inédita contra a autoridade da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, os membros do PPE bloquearam o “pacto” acertado em Osaka. (...)

Maratona para nomeação de cargos na UE adiada após 18 horas de negociações
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Numa revolta inédita contra a autoridade da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, os membros do PPE bloquearam o “pacto” acertado em Osaka.
TEXTO: O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, acaba de anunciar a suspensão dos trabalhos da cimeira extraordinária para a selecção dos dirigentes das instituições europeias, depois de mais de 18 horas de negociações contínuas que não produziram ainda um resultado. Os 28 chefes de Estado e de Governo da UE regressam ao conselho na terça-feira, às 11h (hora em Bruxelas, 10h em Portugal continental), para retomarem a discussão. O Parlamento Europeu marcou para dia 2 de Julho a sessão inaugural da nova legislatura, que inclui a tomada de posse dos novos eurodeputados eleitos em Maio. Na quarta-feira avançam com a votação para a escolha do seu presidente e vice-presidente. Visivelmente cansados, alguns líderes não esconderam a sua desilusão pelo prolongamento do impasse. Para o Presidente de França, Emmanuel Macron, o “falhanço” em fechar o processo depois de 18 horas de negociações é “o resultado das divisões do bloco político europeu”. “Terminamos esta jornada com aquilo que poderão chamar um fracasso, porque não foi alcançado um compromisso. Penso que é uma péssima imagem que damos tanto do Conselho como da União Europeia. Ninguém pode estar satisfeito com o que se passou durante tantas horas, e penso que este desfecho levanta problemas extremamente profundos. A nossa credibilidade foi profundamente abalada com esta reunião demasiado longa que não conduziu a lado nenhum”, criticou o líder francês, que não poupou o presidente do Conselho, Donald Tusk. Igualmente desiludido, o primeiro-ministro português, António Costa, classificou o resultado do encontro como “muito frustrante”. “Tudo correu mal”, lamentou o primeiro-ministro, que reservou palavras duras para as forças políticas e os membros do Conselho que sucessivamente rejeitaram as propostas e “os acordos que sucessivamente foram estabelecidos”. Resultado: os trabalhos vão ser retomados sem qualquer plano em cima da mesa. “Qual plano? Neste momento não há plano nenhum porque todas as soluções propostas não têm encontrado qualquer maioria”, admitiu. Quando os trabalhos foram interrompidos, havia um rascunho a circular para a distribuição dos cargos de topo pelas três maiores famílias políticas europeias que não se desviava muito da solução de compromisso fechada à margem da cimeira do G20, no Japão, pela chanceler da Alemanha, Angela Merkel, o Presidente francês, Emmanuel Macron, e os negociadores dos socialistas e liberais, Pedro Sanchéz e Mark Rutte, respectivamente. Esse “acordo de Osaka”, como passou a ser designado, mereceu feroz oposição dos aliados de Merkel dentro do Partido Popular Europeu, que entraram a matar contra a proposta, que passava por uma mudança da presidência da Comissão Europeia das mãos do centro-direita para o centro-esquerda. Mas não só. Uma vez que previa a nomeação do cabeça-de-lista (Spitzenkandidat) apresentado pelos socialistas, Frans Timmermans, a proposta contava também com a oposição dos líderes do chamado grupo de Visegrado — Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia. Porém, e depois de horas e horas de consultas, reuniões bilaterais e multilaterais, a facção Merkel-Macron-socialistas-liberais parecia ter sido capaz de ultrapassar as resistências dos democratas-cristãos, que estariam resignados a perder a liderança da Comissão, depois de quase 15 anos. Uma possível maioria de apoio à sua indicação parecia ter-se formado ao início da manhã, mas quando a cimeira foi suspensa, os países do Leste no PPE (Croácia, Letónia, Hungria e Roménia) permaneciam entrincheirados na sua posição de bloqueio e não aceitavam de maneira nenhuma um voto em Timmermans. As fracturas não auspiciavam um desfecho simples para o processo, mas ainda assim a chanceler da Alemanha acredita que na terça-feira será possível chegar ao consenso. Merkel não se alongou em comentários sobre a postura dos seus aliados, que foi entendida por todos como um desafio inesperado à autoridade política da chanceler. Menos diplomático, Macron saiu em sua defesa, saudando publicamente “o trabalho que a chanceler desenvolveu ao longo da noite”, informando que Merkel fez tudo o que podia para “convencer a sua família política a fechar um acordo”. “Houve infelizmente algumas forças que se deixaram capturar por aqueles que querem dividir a Europa, a partir do grupo de Visegrado, e do senhor Salvini”, completou António Costa, que nitidamente não gostou de ver Merkel ser posta em causa pela sua própria família política. “Há membros do Conselho que insistem em ser contra os Spitzenkandidaten — uns porque estão contra o processo e outros porque estão contra as pessoas. Nem sempre é fácil discernir qual é a verdadeira motivação por detrás das posições, e assim é difícil encontrar o ponto de equilíbrio necessário”, considerou. Antes de partir de regresso a Paris, o Presidente francês saudou o espírito de boa colaboração com que se desenrolaram as negociações com os socialistas e os liberais. “É claro que este falhanço está relacionado com as divisões políticas no seio do PPE, em alguns casos motivadas por ambições pessoais que não deveriam estar sobre a mesa”, atacou, lamentando que alguns líderes tenham dado o dito por não dito, “discordando do que foi previamente acordado”. Ao mesmo tempo que se opunham, os conservadores não prescindiam de manter um dos seus à frente do Conselho Europeu, e na hipótese que circulou até à suspensão dos trabalhos até já havia alguns nomes para o cargo, com a búlgara Kristalina Georgieva, antiga comissária europeia do Orçamento, ex-candidata a secretária-geral da ONU e actual presidente executiva do Banco Mundial a surgir como a mais provável. No entanto, e uma vez que os líderes se comprometeram a escolher para a presidência do Conselho um primeiro-ministro europeu, a sua nomeação ficou comprometida — o primeiro-ministro búlgaro, Boiko Borisov, confirmou que “o nome de Georgieva está fora da corrida”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A chave de distribuição que estava em consideração apontava ainda para uma repartição do cargo de presidente do Parlamento Europeu pelos democratas-cristãos (provavelmente o seu cabeça-de-lista e líder da bancada parlamentar, Manfred Weber, avançaria para o lugar) e pelos liberais, com o veterano Guy Verhofstadt perto de cumprir o seu desejo de dirigir o plenário europeu. Os liberais assegurariam também a condução da política externa da UE, tendo sido apontado o nome do belga Charles Michel e da dinamarquesa Margrethe Vestager para o cargo de Alto Representante para a Segurança e Política Externa. Mas se se falava num acordo de princípio nestes termos, também se admitia que este sofresse alterações, com acertos de nomes ou mesmo outras combinações possíveis para a ocupação dos lugares pelas diferentes famílias políticas. Quando o primeiro rascunho foi divulgado, logo se notou que não estavam cumpridos os objectivos de igualdade de género e de equilíbrio demográfico e regional. O quebra-cabeças está ainda mais difícil de resolver esta terça-feira.
REFERÊNCIAS:
Partidos Partido Popular Europeu
ModaLisboa: sonhos que se transformam em roupa e colecções que nos trazem imaginários
A 51.ª edição da ModaLisboa terminou este domingo, com desfiles de criadores como Gonçalo Peixoto, Filipe Faísca e Dino Alves. (...)

ModaLisboa: sonhos que se transformam em roupa e colecções que nos trazem imaginários
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: A 51.ª edição da ModaLisboa terminou este domingo, com desfiles de criadores como Gonçalo Peixoto, Filipe Faísca e Dino Alves.
TEXTO: O último dia da ModaLisboa viveu dos novos talentos. A Imauve e Duarte abriram as hostes num desfile em conjunto no Lago Botequim do Rei, e ao longo do dia outros quatro criadores, nos primeiros anos de carreira, levaram as suas colecções de Primavera/Verão ao Pavilhão Carlos Lopes, no Parque Eduardo VII, em Lisboa. Já no final da tarde, apresentaram nomes mais conhecidos: Filipe Faísca encheu a casa e Dino Alves fechou a edição. Não houve falta de imaginários de tempos quentes e de férias. Ana Duarte (criadora da marca Duarte) manteve o seu registo de sportswear com uma colecção saída das corridas de Fórmula 1 no Mónaco, juntando o lado mais desportivo, com impermeáveis e peles, ao glamour (das pessoas que assistem dos seus iates), com peças leves de linho. Carolina Machado mostrou-nos uma versão nostálgica de Cuba nos anos 1950, em tons de sépia, e Andrew Coimbra mergulhou na ideia de um Verão passado na cidade. Foi no início de 2017 que Gonçalo Peixoto se estreou na ModaLisboa, mas o criador já começa a solidificar o seu nome. Com uma colecção que interpreta o feminismo à sua maneira — sempre com algum streetwear à mistura —, o jovem criador juntou tecidos mais delicados, como as rendas e os florais, com outros mais impactantes e coloridos. Com um percurso igualmente curto, de ano e meio, e grandes ambições, a Imauve abriu o último dia de desfiles. “Quero que seja uma marca global”, afirma a sua criadora, Inês de Oliveira. As colecções costumam partir de algum tipo de manifestação artística e, nesta estação, foi da escultura neoclássica. Filipe Faísca pôs a toalha, não na mesa mas na sua colecção. As silhuetas em forma de bico de algumas saias e vestidos remetiam imediatamente para este objecto. Nesta estação, o criador voltou a trabalhar com os bordados da Madeira, em colaboração com o Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, como havia feito na colecção anterior. Mas, desta vez, acrescentou fauna (borboletas, abelhas e libelinhas) à flora que tradicionalmente serve de motivo. Apostou nas transparências e terminou o desfile com um vestido de noiva. A palavra do dia foi de Olga Noronha, que há alguns anos apresenta na ModaLisboa as suas “esculturas usáveis”. "Hipnopompia" foi o nome que usou para referir ao estado hipnopômpico, o período entre o sono e o momento em que estamos totalmente acordados. “Fui buscar uma coisa que acontece quase todas as noites quando estou em processo criativo”, explica a criadora. “A minha altura de criação é durante a noite. Há muitos anos que durmo com um bloco, uma caneta e um gravador de voz ao lado da cama. ”Esses momentos de inspiração materializaram-se numa série de esculturas que envolvem o corpo, jogando entre a rigidez do material e a fluidez das formas. A escolha da celulóide — que, conta a criadora, é usada para forrar concertinas e acordeões — como material principal foi um aspecto essencial da colecção. “Só existe um fornecedor em Portugal. Na altura, comprei-lhe o stock todo e ainda mandei vir mais”, conta. Também Lidija Kolovrat foi buscar inspiração aos sonhos. “Passaporte”, o nome que deu à colecção, “é o estremecer desse consciente” e “uma porta simbólica de contágio entre o que é sonhado e o que é real”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O dia terminou com Dino Alves, que veio de malas feitas para o desfile, literalmente. No final da apresentação, o criador — que ao longo dos anos já nos habituou a algum tipo de espectáculo — enviou os manequins para a passerelle carregados com sacos de xadrez e de trouxa ao ombro. Uma cena que fez lembrar uma espécie de êxodo, ao som de uma música penosa. O próprio criador abandonou recentemente o espaço de atelier que tinha na rua da Madalena, em Lisboa. Depois de alguma hesitação, resolveu fazer a sua colecção, num espaço que lhe foi emprestado. “Decidi fazer a ModaLisboa precisamente para não acharem que me estava a fazer de vítima”, justifica.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave espécie corpo feminismo
A campanha deles é pelo teu voto: “Não podemos deixar essa decisão nas mãos dos outros”
Jovens que se unem em várias plataformas têm organizado eventos e incentivado as pessoas à sua volta a votarem nas próximas eleições europeias, a 26 de Maio. Em 2014, apenas um em cada cinco jovens até aos 24 anos votou. A menos de duas semanas das eleições, falamos sobre o que andaram a fazer. (...)

A campanha deles é pelo teu voto: “Não podemos deixar essa decisão nas mãos dos outros”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-05-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jovens que se unem em várias plataformas têm organizado eventos e incentivado as pessoas à sua volta a votarem nas próximas eleições europeias, a 26 de Maio. Em 2014, apenas um em cada cinco jovens até aos 24 anos votou. A menos de duas semanas das eleições, falamos sobre o que andaram a fazer.
TEXTO: “Vai ser fácil encher uma sala”, pensou Pedro Ferreirinha quando foi desafiado a organizar um evento no âmbito da campanha europeia Desta vez eu voto. Esta plataforma, criada pelo Parlamento Europeu (PE), tem recrutado voluntários nos últimos meses para organizarem eventos em diferentes cidades ou simplesmente divulgarem, nas suas redes sociais, informação sobre a União Europeia (UE). E foi fácil? “Não”, desabafa, a rir, o jurista de 22 anos. Talvez por ter apostado num território diferente daquele onde passa a maior parte do tempo. Pedro Ferreirinha trabalha e estuda no Porto, mas decidiu organizar uma sessão em Mirandela, sua cidade de origem, promovendo o debate no interior do país: “Decidi não ser parte do problema, mas contribuir para a solução. ” Passou a palavra, chegou a ponderar um auditório grande, acabou por apostar num menor. Apareceram cerca de 30 pessoas. Não necessariamente o que estava à espera, mas considerou o evento um sucesso. “Quem foi, aprendeu”, diz, salientando ainda a cobertura televisiva que permitiu fazer chegar a mensagem a ainda mais pessoas. Quando falou ao P3, rematava os últimos preparativos para um evento em Macedo de Cavaleiros. A União Europeia tem-se esforçado para convencer os cidadãos da importância destas eleições, que se realizam entre 23 e 26 de Maio por todos os Estados-membros (para as pessoas que votam em Portugal, estão agendadas para 26 de Maio, domingo). Segundo dados do gabinete do Parlamento Europeu em Lisboa, houve um investimento de 36 milhões de euros em campanhas institucionais para os 28 Estados-membros — uma média de oito cêntimos por eleitor. O apelo torna-se quase uma urgência, face à ascensão de forças eurocépticas, nacionalistas ou soberanistas, ou mesmo as que defendem valores contrários aos que nortearam a fundação da União Europeia, em particular no que toca aos direitos humanos. A abstenção é um problema crónico das europeias. Em 2014, a abstenção em Portugal foi de 66, 2%: dos cerca de 9, 7 milhões de eleitores, apenas um terço foi às urnas. Nesse ano, apenas 28% dos eleitores europeus entre os 18 e os 24 anos votaram. Em Portugal, a média foi ainda mais baixa: 19%. No Eurobarómetro divulgado em Abril de 2019 pelo PE, apenas 3% dos jovens já tinham decidido ir às urnas a 26 de Maio. É neste caldo que surgem diversas campanhas de apelo ao voto, em particular dirigidas à juventude. A campanha Desta vez eu voto tem pontos focais que organizam eventos por Portugal, mas também por toda a Europa. Julia Fernández, de 19 anos, estuda Direito e Política na Universidade Autónoma de Madrid e é uma das voluntárias do Desta vez eu voto na sua cidade. Encontrámo-la em Bruxelas, em Março último, num evento sobre a participação das mulheres na política. Uma das estratégias escolhidas pelo grupo de Julia foi pensar em locais além das universidades — “porque sabíamos que era um espaço elitista” — e ir para os lugares onde estão pessoas com um perfil mais diverso. “A nossa ideia foi organizar coisas nas ruas, nos centros públicos, onde todas as pessoas possam ir. ” Têm sido sensíveis aos horários, por exemplo: “Não temos organizado eventos durante o dia porque sabemos que as pessoas trabalham e a essas horas não conseguem estar presentes. ”São os mais jovens que respondem com mais frequência que sim (76%), pertencer à UE é “uma coisa boa” — e que Portugal beneficia em ser um Estado-membro (85%). Entre os 25 e os 39 anos, 84% concorda que ser membro traz benefícios para o país. Gostarias de ver o PE ter um papel mais importante do que tem? Os mais jovens (15 aos 24 anos) são os menos entusiastas: apenas 55% acha que sim, enquanto a geração seguinte, entre os 25 e os 39 anos, é mais firme a defender essa ideia (74%). “A minha voz conta na UE?” Apenas 22% dos jovens entre os 15 e os 24 anos disseram que sim, a faixa etária que se sente menos valorizada. Entre os 25 e os 39 anos, 44% dos inquiridos deu uma resposta afirmativa. Conseguiu convencer apenas 14 pessoas a aderir à plataforma Desta vez eu voto, onde os inscritos escolhem as áreas em que estão mais interessados e podem receber informação sobre políticas ou eventos nessa temática. Mas não tem sido esse o seu foco. “Para mim, foi mais importante organizar eventos e envolver-me na parte logística. Para outras pessoas, é trazer outras pessoas [para a plataforma]. E é tudo importante. ” Mas os eventos são apenas um complemento de uma campanha com uma forte componente de redes sociais, onde é mais fácil difundir a mensagem. “Desde o início, demo-nos conta de que uma campanha que se centrasse só em actividades presenciais, como workshops ou eventos, conferências, não seria suficiente. Para atrair a juventude também tínhamos que estar em plataformas online. ”E que temas têm atraído a atenção dos mais jovens que aparecem nos eventos? “As alterações climáticas, sem dúvida. Toda a gente está a falar sobre as alterações climáticas, é incrível. ” Fala-se também sobre migrações, “um tema quente” em Espanha, mas também de igualdade de género e desemprego, “temas que afectam directamente a juventude”. O último Eurobarómetro confirma algumas destas percepções: o combate ao desemprego jovem está no topo das preocupações da fatia do eleitorado dos 18 aos 39 anos, assim como a economia e crescimento e a protecção social dos cidadãos europeus. Depois das preocupações económicas, seguem-se outras prioridades: o combate às alterações climáticas, para pessoas entre os 15 e os 24 anos, e a promoção dos direitos humanos e democracia, entre eleitores de 25 a 39 anos. Alguns estudos realizados em Portugal sugerem que o problema dos jovens não é necessariamente com a política — entendida como o campo das decisões relativas à vida em conjunto, em sociedade —, mas sim com as formas tradicionais de participação. Veja-se o envolvimento dos estudantes portugueses na Greve Climática Estudantil, a 15 de Março último. E para 24 de Maio, vésperas das eleições, está agendado novo protesto, mesmo a tempo de provar a políticos e cidadãos que o tema importa a nível europeu. Para mostrar aos cidadãos onde há um “dedo” das instituições europeias nos assuntos que os preocupam, foi criada a plataforma O que a Europa faz por mim — uma ferramenta que tem sido útil tanto para Julia Fernández como para Pedro Ferreirinha. É possível pesquisar sob diferentes perspectivas, das geografias às identidades, passando por perfis de consumo e emprego ou preocupações com áreas como a saúde, a segurança, o ambiente. Aqui, Pedro encontrou exemplos concretos para apresentar na sessão em Mirandela, como a operação “Castelos a Norte”, financiada em cerca de 85% pelo Fundo de Desenvolvimento Regional Europeu, e que prevê restaurar cinco castelos na região. Cruzou-se, também, com exemplos de “pequenas coisas” em que a Europa conta, como a legislação sobre segurança alimentar que afecta a forma como importamos e consumimos produtos como. . . chocolate. O que motiva estes jovens a dedicar tempo a uma causa que, para tantos da sua geração, é perdida? Pedro Ferreirinha conta que começou a interessar-se mais por assuntos europeus durante a licenciatura, nas aulas sobre Direito da UE. É director do Jornal Universitário do Porto (JUP). No Verão de 2018 participou num summer camp organizado pela Comissão Europeia, em Marvão, onde ouviu falar pela primeira vez da campanha Desta vez eu voto. Foi no mesmo summer camp que Jorge Félix Cardoso, de 23 anos, percebeu como “as próprias instituições europeias estavam receosas” com as europeias. Já então acumulava os estudos com a participação em fóruns de estudantes de Medicina e a colaboração com o site Shifter (onde insistira em criar uma secção sobre assuntos europeus e hoje escreve a newsletter Qu’Ouves de Bruxelas), o JUP e mesmo algumas crónicas no P3. No início do ano, decidiu suspender os estudos em Medicina, na Universidade do Porto, e Filosofia, na Universidade do Minho, para se tornar editor de conteúdos do portal ID-Europa, projecto do Conselho Nacional da Juventude apoiado pelo Parlamento Europeu. O ID-Europa tenta mostrar mais claramente de que forma as decisões europeias afectam o quotidiano dos jovens. Reúne uma equipa de seis embaixadores que têm desfeito nós à volta de diferentes temas — ambiente, direitos humanos, direitos sociais, futuro da UE, migrações e inclusão, tecnologia e ciência —, sob a batuta do editor que tem por sua conta o noticiário quotidiano da campanha. Pelo meio, promove debates nas universidades (cerca de uma dezena até agora), procurando espaços mais informais, como associações de estudantes. “Não tem sido fácil, o desinteresse é muito grande”, desabafa Jorge Félix Cardoso. Acredita que não é um desinteresse exclusivo dos jovens, mas da sociedade em geral. Jorge fala numa “maioria silenciosa” que não é eurocéptica — pelo contrário, é a favor da participação de Portugal na UE e reconhece as vantagens —, mas não sente que tem que participar. “É quase como se fosse apolítica”, lamenta Jorge. Alguns dias após a primeira conversa, voltámos a falar com Pedro Ferreirinha para saber como correu o encontro do Desta vez eu voto em Macedo de Cavaleiros. Cerca de 20 pessoas estiveram presentes, balanço “muito positivo”. Pedro conta que uma senhora de 88 anos pediu a palavra para lamentar que não se falasse mais sobre a Europa e não houvesse mais iniciativas como aquela. E disse ainda que na aldeia de Grijó, onde vive, “era ela que estava a fazer a campanha e o apelo ao voto, pessoalmente e porta a porta”. “É chato ir votar, estraga o teu domingo”, ironiza Maria Carvalho, da Vote Together, lembrando que é preciso algum planeamento em particular das pessoas que estudam ou trabalham longe da localidade onde votam. Motivar as pessoas a organizarem-se para participar — como ajudar amigos a descobrir onde fica a sua mesa de voto, planear boleias, combinar um almoço que comece ou culmine com a ida às urnas — é um dos propósitos da plataforma Desta vez eu voto. Para Pedro, “chega a ser paradoxal” que a “geração Erasmus” seja também a que menos se interessa pelas eleições europeias. O jurista sugere algumas causas que podem estar por detrás do distanciamento da participação cívica a nível comunitário: a natureza das eleições europeias, referentes a uma instituição que vêem como desligada da realidade quotidiana (“Vêem Bruxelas como algo lá longe”); algum desconhecimento sobre o papel das próprias instituições (“às vezes pergunto ‘O que te interessa na Europa?’, uma pequenina ideia basta!”); e também algum “alheamento”, uma certa ideia de que “não é preciso mesmo votar”. Um dos argumentos a que recorre para convencer os pares a votar é o “Brexit”, relembrando que os eleitores cujos votos determinaram o resultado foram os de faixas etárias mais velhas, aqueles cujas vidas não serão alteradas pela saída do Reino Unido da União Europeia. “Não podemos deixar essa decisão nas mãos dos outros. ”Uma eleição sem a palavra dos jovens é um risco que Maria Sá Carvalho, de 28 anos, não quer correr. Faz parte da Vote Together, uma plataforma pan-europeia que reúne artistas e profissionais das indústrias criativas para despertar “consciência cívica e democrática”. Parte do grupo que compõe o Vote Together conheceu-se em Amesterdão, num programa artístico sobre cultura europeia. Com o apoio da Between Bridges, uma organização sem fins lucrativos fundada pelo fotógrafo Wolfgang Tillmans. Um grupo de fotógrafos, realizadores, produtores, publicitários (como é o caso de Maria) e outros criativos emprestaram o seu talento e alguns recursos para a criação desta campanha de incentivo ao voto. “Há uma espécie de desencanto da nossa geração com os políticos”, ainda difícil de desmontar, explica. Mas é preciso que estes tragam “ideias claras e sobre as quais possam prestar contas”. “Somos uma geração que procura compromisso por parte dos nossos dirigentes, propostas concretas, ética, resultados visíveis. E não encontramos. ”Julia Fernández, do Desta vez eu voto, nota também um certo fosso geracional. “Em Espanha estamos a receber uma educação muito igualitária, a desenvolver uma sensibilidade muito grande para os temas de direitos humanos, igualdade, sustentabilidade”, explica. Para a estudante, os millennials poderão fazer a diferença, em particular no momento em que estiverem em causa privilégios concretos conquistados com a integração europeia. “Há limites que a sociedade estabeleceu e nós, jovens, já incorporamos no nosso mindset, não vamos deixar que mudem de nenhuma maneira. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O que a Europa fez por Julia? “Muitíssimo!” Desde o nível educativo até a questões de igualdade de género, passando pelo “acesso aos mesmos direitos e oportunidades” para todas as pessoas, a segurança e unidade a nível comunitário e, acima de tudo, a estabilidade, que permitiu “uma vida mais fácil e mais feliz para todos”. “É inegável que [a entrada na UE] tenha tido um efeito muito positivo. Especialmente nós, jovens que já nascemos na UE, não podemos cometer o erro de nos esquecermos disso. ”Para Maria Sá Carvalho, a chave é falar mais sobre a relação dessa Europa com o quotidiano. A começar por desconstruir os discursos dos políticos a nível nacional, que colocam a UE como um bode expiatório em determinadas questões — o There is no alternative das contenções orçamentais, por exemplo —, mas que chamam a si os louros de “ganhos conseguidos com financiamento europeu”, como fundos para obras públicas ou projectos de desenvolvimento local. Em tempos de fake news, a informação que divulgam é “fortemente verificada, factual”, recorrendo a fontes diversas — mas confiáveis.
REFERÊNCIAS:
Partidos PAN
Chegou a vez de as vítimas terem voz
Ir para as ruas pode ser um primeiro passo para que essa coragem seja contagiosa. Para que as vítimas não tenham de viver décadas sob o peso do medo e da vergonha. E para que a violência sexual e sexista deixe definitivamente de ser banal. (...)

Chegou a vez de as vítimas terem voz
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ir para as ruas pode ser um primeiro passo para que essa coragem seja contagiosa. Para que as vítimas não tenham de viver décadas sob o peso do medo e da vergonha. E para que a violência sexual e sexista deixe definitivamente de ser banal.
TEXTO: Nova Iorque, EUA. — Enquanto escrevo estas linhas uma professora universitária e investigadora em psicologia, mulher de 51 anos, presta testemunho perante o Senado dos EUA e, indiretamente, perante milhões de espectadores colados aos ecrãs no país e em todo o mundo para relatar uma tentativa de violação que sofreu há trinta e seis anos. Não está ali, como ela diz, porque quer. Está aterrorizada, e isso sente-se na sua voz, que está sempre à beira de lhe falhar. Não tem nada a ganhar, e tudo a perder — o sossego, a segurança da sua família, o tão precioso anonimato —, por estar ali a dar a cara. À sua frente, a maioria dos senadores não tiveram a mesma coragem. Onze deles, os que representam o partido republicano, todos homens, esconderam-se atrás de uma procuradora que mandaram vir para a ocasião. A diferença é abismal. De lado, uma vítima de agressão sexual dá a cara e vem do outro lado do país para falar pela sua voz. Do outro lado, onze homens que ocupam um dos cargos mais privilegiados do mundo, sentados nas cadeiras do local de trabalho onde são pagos para falarem, e sem terem de rebuscar nas suas memórias mais desconfortáveis ou nos seus traumas mais profundos, escolhem a distância e o silêncio. Sendo assim, é para admirar que as vítimas escolham o silêncio? Se cerca de uma mulher em cada três — e um homem em cada seis — é objeto durante a sua vida de violência sexual, e se para além do medo e da vergonha têm de encarar uma cultura que vai voltar a fazer delas vítimas se se atreverem a dizer que foram vítimas — não, não é para admirar que muitas vítimas escolham o silêncio. Não as culpo. Não sei se teria a coragem para fazer de outra forma. A não ser que — como foi mencionado durante a sessão no Senado dos EUA — a coragem seja contagiosa. Se a enorme coragem das primeiras vítimas a tomar a palavra der apoio e conforto às restantes vítimas, então talvez finalmente possamos ter a conversa que é necessária sobre como andamos a tratar metade da população que é de forma quase banalizada vítima de violência sexista (sem esquecer as vítimas de violência sexual entre os homens, que vivem sob uma camada também espessíssima de medo e de vergonha). Se a coragem for contagiosa, talvez tenhamos uma hipótese de fazer alguma justiça e de erradicar esta cultura nefasta. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Permitam-me saltar de país. Amanhã, no Brasil, muitos milhares ou milhões de brasileiros irão para as ruas para protestar contra um candidato presidencial, Jair Bolsonaro, que entre muitas outras malfeitorias e aleivosias, em pleno Congresso brasileiro discursou dizendo que só não violava uma mulher, sua interlocutora, porque supostamente ela seria “demasiado feia”. Sob a bandeira #EleNão, a coragem das brasileiras e brasileiros contra Bolsonaro pode criar a massa crítica de que aquele país precisa para começar a mudar, sistematicamente, decidamente, a sua cultura sexista. E assim chegamos ao nosso próprio país. Infelizmente, não precisaríamos de mais uma retrógrada decisão do Tribunal da Relação do Porto para nos apercebermos da displicência com que as vítimas de violência sexista são ainda frequentemente tratadas pelo sistema judicial no nosso país — sejam elas vítimas de violência doméstica ou, como neste mais recente caso, uma vítima de violação por dois homens quando inconsciente. A leitura do processo é penosa, mas o que mais me impressionou foi a tenacidade e perseverança com que ela desde o início decidiu que iria apresentar queixa e nunca desistir de procurar justiça. Ir para as ruas pode ser um primeiro passo para que essa coragem seja contagiosa. Para que as vítimas não tenham de viver décadas sob o peso do medo e da vergonha. E para que a violência sexual e sexista deixe definitivamente de ser banal.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA